Nem tanto à terra...
“E o que resta da vida, se um homem
não puder ouvir o grito solitário do
pássaro ou a algazarra dos sapos
à noite, ao redor de uma lago?”
(Cacique Seattle, carta de
1854)
A carta do chefe indígena ao presidente dos
Estados Unidos é, talvez, a primeira clara manifestação de que se tem
notícia em prol do meio ambiente.
Naquele documento está registrada a mais
óbvia observação sobre a situação do homem na natureza: a terra não
pertence ao homem, mas, sim, o homem pertence à terra.
Entretanto, verdadeira paranóia acometeu
autoridades e ambientalistas, culminando com uma extensíssima e
complexa regulamentação legal sobre meio-ambiente.
Parece que o Estado, nessa parte comandado
por raivosos ambientalistas, quer controlar tudo; até uma prosaica cisterna,
de onde se extrai água para consumo humano, há de ser cadastrada:
potência da bomba de recalque, consumo mensal de água, voltagem do
equipamento, destino de afluentes. Não se assustem se, a qualquer
momento, sejamos obrigados a “cadastrar” nossos pulmões, para prestar a
preciosa e indispensável informação sobre quantos litros de oxigênio cada
um de nós consome, ao longo de cada dia! E, quem sabe, até fiscalização
do volume de alimentos ingerido.
As nascentes devem ser cercadas; não pode
haver acesso a elas; o mesmo destino tem os córregos e lagos. Situações
absurdas ocorrem, como retratada em um julgado do Superior Tribunal de
Justiça, via do qual, pela insignificância do crime, se absolveu o réu,
acusado de não ter evitado que uma rês, aproveitando-se de uma queda da
cerca, adentrou em área de preservação permanente.
Sente-se que o homem está sendo confinado
à área urbana; ele não mais faz parte da natureza; parodiando o sábio
cacique, o a terra não pertence ao homem e, muito menos, o homem
pertence à terra. É um pária da natureza.
Meus filhos ainda tiveram a felicidade, na
sua infância de conviver, como muitos, com a natureza, ainda que não com
a intensidade necessária.
Quantos de nós, quando pequenos, não nos
sentamos à beira de um regato, colocando os pezinhos na água fria; quantos
de nós não pescamos lambaris nos córregos; quantos de nós, já não tão
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crianças assim, nos ajoelhamos para sorver a água fresca e cristalina de um
olho d’água, sentindo, de perto, o suave odor do barro.
Agora, não há acesso à água; está cercada; é
crime chegar até ela.
Uma legislação puramente punitiva surgiu,
onde os seus dispositivos, sem exceção, induzem à idéia de que todos
somos criminosos, com relação às coisas do meio-ambiente; multas
confiscatórias, com valores absurdos para mínimas infrações. Não há uma
só disposição que premie quem colabora com a natureza, nem que seja um
escrito em banco de jardim de praça pública.
Artigos de lei que aplicam uma mesma
multa tanto para a velhinha, que tem como única companhia o seu velho
papagaio, de quem recebe o amor que os filhos já não tem mais tempo para
lhe dar, como para aquele que maltrata e mutila animais.
Lei que, após arrolar os mais caros e
seguros princípios de direito processual postos na Constituição Federal
como vetores do processo administrativo, incrivelmente prevê
manifestação de pré-julgamento quanto a um fatal aumento da multa por
infração ambiental, em grau de recurso. E, pior, em contrariedade ao
milenar princípio – em bom juridiquês latino – do reformatio in peius,
admite, sem peias, que a autoridade recorrida pode piorar a situação do
recorrente.
Tudo isso é justificado em nome da
qualidade de vida, nossa e das gerações futuras. Será que qualidade de vida
é asilar-se na cidade, freqüentando suntuosos shopping centers; possuir
celulares com mil e uma utilidades; ficar horas e horas defronte um
computador, distraindo-se com estranhos e entediantes jogos? “Qualidade
de vida de quem, cara-pálida?”, indagaria, indignado, o cacique Seattle.
Essa tentativa de afastar o homem da
natureza pode, paradoxalmente, ter um resultado adverso ao buscado pelos
defensores dessa idéia.
Só protege quem ama, só ama quem
conhece. Não se cuida do desconhecido. Que preocupação de preservar
uma nascente teria aquele que nunca sentiu na boca o frescor de suas
águas?
Não se esconde o ecocentrismo na
condução das políticas de meio-ambiente, esquecidos os autores delas de
que o homem realiza a mais importante forma de vida.
Para terminar, voltemos ao título e à citação
introdutória destes escritos.
As diretrizes estatais para a proteção do
meio-ambiente, diga-se, essa necessária, aliadas a uma quase
irracionalidade na aplicação das normas, mereceriam as críticas dos mais
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velhos, com evocação do dito popular: nem tanto à terra, nem tanto ao mar.
Repetindo o chefe indígena, se o homem
não puder, ao redor de uma lagoa, ouvir o grito solitário do pássaro e
algazarra dos sapos, não haverá muito sentido no viver.
Se a velha e generosa Geia não mais
suportar meia dúzia de pezinhos frios mergulhados num pequeno regato,
perderam os ambientalistas, perdemos todos nós; para aqueles, perdeu-se a
guerra; para esses, perdeu-se a Terra.
Raul Moreira Pinto
Juiz aposentado e advogado
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