8º Congresso de Pós-Graduação
DEVE O HOMEM ABANDONAR A TERRA DEVIDO AOS PROBLEMAS SOCIOAMBIENTAIS E
SE ESPALHAR PELO ESPAÇO? IDEIAS DE ALUNOS DE CURSOS DE LICENCIATURA SOBRE
RECENTES DECLARAÇÕES DE STEPHEN RAWKING
Autor(es)
MICHEL PASCHINI NETO
Co-Autor(es)
ELÂNIA MARIA MARQUES BERGAMASCHI
Orientador(es)
MARIA GUIOMAR CARNEIRO TOMAZELLO
1. Introdução
Na revista eletrônica Big Think de 06/08/2010 foi divulgada uma entrevista com o físico inglês Stephen Hawking que causou
repercussão mundial. Hawking (2010) disse que “o futuro em longo prazo da raça humana deve ser no espaço”, pois “será difícil se
evitar um desastre no planeta Terra nos próximos cem anos [...]” (apud BIG THINK, 2010, s/p.). Hawking diz acreditar nisto porque
“nossa população e nosso uso dos recursos finitos do planeta Terra estão crescendo de forma exponencial, juntamente com nossa
capacidade técnica de mudar o ambiente para o bem ou para o mal” (apud BIG THINK, 2010).
Segundo Dansereau (1999), a fuga exobiológica (espacial) seria o 9º e último passo do domínio do homem sobre o seu ambiente. Os
passos anteriores seriam: as terras virgens; a fase da coleta; a caça e a pesca; o pastoreio; a agricultura; a indústria; a urbanização; o
controle climático e finalmente, a fuga exobiológica. Apesar de recente, a conquista da atmosfera e do espaço extraterrestre (só em
1969 o homem colocou o pé na Lua), deu ao poder humano uma dimensão geológica. Os astrônomos encontram-se à procura de
algum ser vivo fora do campo de ação do planeta Terra (DANSEREAU, 1999). Os empreendimentos só não avançam devido aos altos
custos da conquista espacial e a dependência de tecnologias ainda não dominadas, que acabam por impossibilitar as viagens tripuladas
a outros planetas do sistema solar.
O astrônomo Roger Blandford (2010) informa que já foram descobertos centenas de planetas na Via Láctea, mas que não
necessariamente são adequados ao desenvolvimento da vida. Além do mais, “existem sérios obstáculos para atingirmos velocidades
que nos levariam até esses planetas em algumas centenas de anos [...]”, por isto “não vamos visitar esses planetas tão cedo”
(BLANDFORD, 2010, s/p).
Se abandonar a Terra não vai ser possível nesse estágio de desenvolvimento no qual nos encontramos, por que então especular sobre
uma possível fuga para o espaço? Não podemos julgar as inquietações de Stephen Hawking, pois para isso precisaríamos conhecer
profundamente as razões que o levaram a fazer tais previsões. Mas arriscamo-nos, a título hipotético, afirmar que esse tipo de
declaração pode interessar a determinados grupos sociais, grandes empresas e elites econômicas, uma vez que, como tudo está
definitivamente perdido, podem continuar a escalada sem precedentes do impacto humano sobre a natureza.
O que precisa ficar claro é que a degradação socioambiental que vivenciamos é a resultante de um complexo interativo de fatores
tecnológicos, políticos, econômicos e culturais, cuja base estrutural é a urbanização, o industrialismo e o modelo antropocêntrico,
inerente do iluminismo (LOUREIRO, 2000). Além do consumo desenfreado e irresponsável de uma sociedade capitalista, este quadro
se deve, às “sequelas da utilização de novos conhecimentos sem uma prévia consideração dos possíveis efeitos sobre as condições de
vida no longo prazo” (WERTHEIN, 2001, p.07). Werthein (2001) aponta ainda que uma possível solução seja a elite científica atuar
de forma responsável e ética para que as pesquisas vindouras não afetem o futuro da humanidade.
O desenvolvimento sustentável que tanto se fala hoje vai de encontro aos lucros das grandes corporações capitalistas. Um de seus
objetivos é trazer uma nova maneira de pensar e olhar a natureza. Nesta linha, temos que o desenvolvimento sustentável:
“Não se refere especificamente a um problema limitado de adequações ecológicas de um processo social, mas a uma estratégia ou
modelo múltiplo para a sociedade, que deve levar em conta tanto a viabilidade econômica como ecológica. Num sentido abrangente, a
noção de desenvolvimento sustentável leva à necessária redefinição das relações sociedade humana/natureza e, portanto, a uma
mudança substancial do próprio processo civilizatório (JACOBI, 1999, p.178)”.
Por isso, só alardear o risco do colapso ecossistêmico não vai garantir uma mudança de postura frente à natureza. A democratização e
a concretização de um modelo de desenvolvimento alternativo dependem, segundo Loureiro (2000) das condições materiais objetivas,
da igualdade social e de distribuição de renda.
Neste contexto, buscamos conhecer o posicionamento de estudantes de cursos de licenciatura, futuros professores, frente às
declarações de Stephen Hawking. Esse trabalho tem essa dimensão e interesse.
2. Objetivos
O objetivo do trabalho é buscar os principais elementos constitutivos do pensamento de licenciandos, futuros professores, frente aos
problemas socioambientais e suas possíveis soluções, a partir de uma provocação pela leitura de parte da entrevista de Stephen
Hawking à revista eletrônica Big Think, realizada em 06/08/2010. Os alunos foram convidados a dissertarem a respeito da seguinte
pergunta: Você concorda ou não com este famoso físico inglês que a solução para a espécie humana, uma vez que estamos sofrendo
sérias ameaças socioambientais, é abandonar o planeta Terra?
3. Desenvolvimento
Após a leitura da entrevista, os alunos, sujeitos da pesquisa, foram convidados a responder à questão descrita acima. Os dados foram
construídos a partir das respostas de 100 alunos de cursos de licenciatura em Química e Matemática da UNIMEP e de cursos de
licenciatura em Ciências Biológicas, Matemática e Geografia da Universidade Federal de Goiás/Campus Catalão (UFG/CAC). A
metodologia utilizada foi a do Discurso do Sujeito Coletivo (DSC), técnica para organizar quali/quantitativamente o pensamento de
um número grande de pessoas após um conjunto de depoimentos. De acordo com Lefevre e Lefevre (2003, apud Lefevre e Lefevre,
2006, p.517) o DSC
“[...] elenca e articula uma série de operações sobre a matéria-prima de depoimentos coletados em pesquisas empíricas de opinião por
meio de questões abertas, operações que redundam, ao final do processo, em depoimentos coletivos confeccionados com extratos de
diferentes depoimentos individuais – cada um desses depoimentos coletivos veiculando uma determinada e distinta opinião ou
posicionamento, sendo tais depoimentos redigidos na primeira pessoa do singular, com vistas a produzir, no receptor, o efeito de uma
opinião coletiva, expressando-se, diretamente, como fato empírico, pela ‘boca’ de um único sujeito do discurso”.
O objetivo do DSC é verificar o que há de semelhante na fala de um grupo de pessoas, já que muitas têm o mesmo tipo de pensamento
sobre um tema. Mas de onde vêm as características quali/quantitativas no DSC? Os dados qualitativos estão, justamente, nas respostas
obtidas do pensamento coletivo; as respostas quantitativas são obtidas através da análise do número de indivíduos, na porcentagem de
respostas semelhantes. A técnica do DSC “consiste em selecionar, de cada resposta individual a uma questão, as Expressões-Chave,
que são trechos mais significativos destas respostas. A essas Expressões-Chave correspondem Ideias Centrais que são a síntese do
conteúdo discursivo manifestado nas Expressões-Chave” (LEFEVRE et al, 2003, p.68).
4. Resultado e Discussão
Neste trabalho, por uma questão de espaço, nos reportamos aos resultados qualitativos mais relevantes e fazemos uma síntese dos
dados quantitativos. As respostas foram lidas e os trechos mais significativos (expressões-chave) foram destacados. Contra a
possibilidade de abandonar a Terra se posicionaram 92% dos alunos. A favor, foram somente 8%. Seguem as quatro ideias centrais
mais citadas por eles, em ordem decrescente em relação ao número de citações. A seguir, para cada ideia central, foi construído um
discurso encadeado com as frases de vários alunos, como se houvesse apenas um indivíduo escrevendo.
DSC-A (45%): A melhor solução é conscientizar a população sobre os problemas socioambientais.
Abandonar, talvez! Mas para onde ir? Acho que não há outro lugar para viver. É necessário que haja conscientização dos problemas
ambientais enquanto ainda há tempo. Não vejo interesse da população em salvar o planeta. Ninguém quer perder dinheiro, pois as
pessoas são escravas do capitalismo que as está levando à extinção. Os problemas existem para serem enfrentados, pois se há ameaças
socioambientais, guerras, entre outros, é decorrente da falta de educação. O homem está destruindo todos os recursos naturais e não
está pensando em salvar o mundo. E necessário conscientizar a população para melhorar o ar e não contaminar a água. Essa
conscientização tem que partir do poder público que deve pedir à população para melhorar o meio ambiente. É preciso aprender a
viver e conviver com o planeta.
DSC-B (25%): Não resolve o ser humano procurar outros planetas para colonizar sem antes mudar suas concepções sobre a
preservação do meio ambiente.
Interessante. Será que em alguns anos o homem vai precisar buscar um novo planeta? Vai resolver eu fugir disso tudo? Povoando
outros planetas, a degradação vai acabar? Será que no meu outro habitat, as pessoas vão continuar a poluir, queimar, guerrear e
explorar? Será que bastará eu levar para este novo planeta somente vegetação ou será que nele existe água, luz, energia e
globalização? Não há como saber. Não vai resolver nada, seja na Terra, Vênus, Plutão ou Júpiter se as pessoas continuarem a agir
como aqui. O ser humano continuará gerando inovações e com elas benefícios e malefícios para o meio ambiente. Acredito que a
melhor solução é que todos pensem em seus atos benéficos e maléficos. Jamais se deve ter a idéia de abandonar a Terra. Se o ser
humano for para outro planeta, ele irá estragá-lo também.
DSC-C (15%): É preciso investir na ciência e na tecnologia para resolver os problemas existentes na Terra.
Apesar de acreditar que existe vida em outros planetas, o abandono da Terra não seria uma solução prática. É logicamente impossível
transportar uma população superior a 7 bilhões de pessoas em uma nave espacial ultraveloz até um planeta habitável, que ainda não se
conhece nas proximidades. A ciência deve buscar na tecnologia métodos eficientes para combater as consequencias dos atos
impensados de alguns homens. Toda a sociedade deveria se unir e dizer não à tanta exploração. Se a solução fosse espalhar o homem
pelo espaço, a raça humana seria extinta para o surgimento de outra, pois não acredito na existência de outro planeta igual ao nosso.
DSC-D (8%): É necessário o homem abandonar o planeta Terra e se espalhar pelo espaço.
Sou a favor de espalhar a raça humana pelo espaço. A única solução é abandonar o planeta, pois a cada dia que passa vem
aumentando o número de guerras, produtos químicos, exploração dos recursos naturais e doenças epidêmicas. Com tudo isto, a
espécie humana tem sofrido sérias ameaças socioambientais. A extinção só ocorre em função da ação e da exploração da natureza
pelo homem. Eu abandonaria a Terra, pois a espécie humana possui uma grande variabilidade genética, que não a deixa ser extinta.
Devido a isto, em outro planeta é possível o homem ter filhos e, assim, a espécie humana poderá se dispersar pelo espaço.
Percebemos através dos DSC’s que os estudantes apresentam discursos variados.
DSC-A: apresentam como solução a conscientização da população em relação aos problemas ambientais. Segundo Reigota (2001), a
Educação Ambiental precisa ser para além da conscientização. Ela deve ser de responsabilidade de todos os segmentos da sociedade e
não apenas do poder público, como: “Essa conscientização tem que partir do poder público [...]”. Deve estar embasada nos princípios
de cooperação, coletividade e participação política, para que todos possam atuar de forma crítica e reflexiva, garantindo, sobretudo,
uma sociedade sustentável. A conscientização, segundo Layrargues (2006) implica no reconhecimento de que o ser humano é uma
tabula rasa, sem diferenças e inerentemente boa, bastando ser educado para modificar seu comportamento, o que não é verdade.
DSC-B: propõem que os problemas socioambientais são “frutos” da ação do homem moderno e, por isso, não adiantaria
colonizarmos outros planetas com a atual mentalidade capitalista. Eles seriam também degradados. Seria o homem mau por natureza?
DSC-C: entendem que é mais rentável investir na ciência e na tecnologia para reverter os graves problemas socioambientais do que
investir em naves espaciais. Logo, é preciso que as pessoas mudem suas atitudes.
DSC-D: apresentam a justificativa que a variabilidade genética pode salvar a humanidade pela capacidade de adaptação, permitindo
que a espécie humana não seja extinta em outros planetas. Para esses alunos a fuga exobiológica seria a solução.
5. Considerações Finais
A utilização do Discurso do Sujeito Coletivo (DSC) permitiu-nos observar que a grande maioria dos licenciandos (85%) acredita na
educação (conscientização e mudanças de atitudes que promovam a preservação ambiental) e na ciência/tecnologia para a mudança da
situação atual de degradação ambiental. Consideramos uma visão ingênua por parte dos discentes uma vez que tanto a educação como
a ciência/tecnologia não são neutras, mas ideológicas. Concordamos com Layrargues (2006) quando afirma que o somatório de
mudanças de comportamentos individuais não traria uma nova relação do homem com a natureza. “Só é possível proteger a natureza
se simultaneamente se transformar a sociedade” (LAYRARGUES, 2006, p.90).
Referências Bibliográficas
BLANDFORD, R. Em busca de outras “Terras”. Disponível em: http://veja.abril.com.br/noticia/ciencia/em-busca-de-outras-terras.
Acesso em: 20/08/2010.
DANSEREAU, P.A Ecologia e a escalada do impacto humano. In: VIEIRA, P.F., RIBEIRO, M.A. (Orgs). Ecologia Humana, Ética e
Educação: a Mensagem de Pierre Dansereau. Porto Alegre: Pallotti; Florianópolis: APED, 1999.
HAWKING, S. Abandon Earth – Or Face Extinction. Disponível em: http://bigthink.com/ideas/21691. Acesso em: 10/08/2010.
JACOBI, P. Meio ambiente e sustentabilidade. In: Fundação Prefeito Faria Lima – Cepam.
O município no século XXI: cenários e perspectivas. Ed. Especial. São Paulo, 1999, p.175-183.
LAYRARGUES, P.P. Muito além da natureza: educação ambiental e reprodução social. In: Loureiro, C.F.B.; Layrargues, P.P. &
Castro, R.C. De (Orgs.) Pensamento complexo, dialética e educação ambiental. São Paulo: Cortez. p. 72-103. 2006.
LEFEVRE, F.; LEFEVRE, A. M. C. O sujeito que fala. Interface - Comunicação, Saúde, Educação, v.10, n.20, p.517-24, jul/dez
2006.
LEFEVRE, A. M. C.; CRESTANA, M. F.; CORNETTA, V. K A utilização da metodologia do discurso do sujeito coletivo na
avaliação qualitativa dos cursos de especialização “capacitação e desenvolvimento de recursos humanos em saúde-CADRHU”, São
Paulo-2002. In: Saúde e Sociedade v.12, n.2, p.68-75, jul-dez 2003.
LOUREIRO, C. F. B. Teoria Social e Questão Ambiental: pressupostos para uma práxis crítica em educação ambiental. In:
LOUREIRO, C. F. B; LAYRARGUES, P. P.; CASTRO, R.S. de. (orgs.). Sociedade e Meio Ambiente: a educação em debate. Cortez,
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REIGOTA, M. O que é educação ambiental. Col. Primeiros Passos. São Paulo: Brasiliense, 2001.
WERTHEIN, J. Apresentação. In: BURSZTYN, M. (org.) Ciência, ética e sustentabilidade: desafios ao novo século. Ed. 2ª – São
Paulo: Cortez; Brasília, DF: UNESCO, 2001. p.7-8.
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