A TERCEIRA IDADE E IDOSOS NA CULTURA PÓS-MODERNA
Autor: Irmo Wagner
RESUMO
Este estudo volta sua atenção para algumas representações culturais de terceira idade e
idosos, com suas formas de ser e viver em sociedade. Trata-se de práticas que, não apenas
reproduzem, mas ensinam, instituem identidades, e os classifica em grupos sociais
distintos. A terceira idade e o idoso, não existem por si mesmos, eles ganham significados
pelos discursos e as formas como são apresentados e representados, pelos conceitos que
forjam bases a partir das quais se define o que é igual e o que é diferente, o que se inclui e
o que se exclui de um determinado grupo. Os discursos que se apresentam com autoridade
para ensinar são o biológico – que conceitua o indivíduo a partir das características
físicas, o midiático - com representação dos corpos que se firmam pela forma como são
representados, compreendidos e discursados na prática social, classificação por idade –
que acentua as diferenças etárias como um conceito que caracteriza os grupos sociais e
periodiza a vida designando um comportamento adequado para cada tipo de idade. O
investimento atual visa desconstruir estilos de vida anteriores considerando-os
inadequados, a fim de produzir novos significados e ensinar novos estilos para os
integrantes desta faixa etária, para estimular uma velhice bem-sucedida, vigorosa e sem
sofrimentos. Alvo que passa pelo consumo de diversos produtos, pela busca de técnicas de
rejuvenescer, pelos cuidados com o corpo e a saúde, e, ainda, pela reinvenção do corpo:
plásticas, silicones, botox, e ingestão de produtos que curam e emagrecem. Enfim, o idoso
passa a ser uma nova categoria cultural, o único responsabilizado pelos cuidados de si
mesmo, pela sua participação social.
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Quero destacar que a intenção deste pequeno texto é a de apresentar aos amigos
leitores algumas representações culturais de idosos, algumas formas de ser e viver
socialmente que acabam por ensinar e instituir identificações que agrupam aqueles que se
vêem com tais características, neste caso, os de terceira idade e/ou idosos.
Esta reflexão busca suas informações num campo de pesquisa chamado de Estudos
Culturais. Trata-se de um campo de estudos que nos faz questionar e indagar sobre práticas
culturais que nos ensinam sobre as coisas e sobre nós mesmos, o que somos, como somos,
como devemos ser ou não ser, ou seja, o modo como essas práticas produzem sentido para
nós e instituem identidades de vida, classificando-nos em grupos sociais nos quais nos
sentimos inseridos.
As representações midiáticas, os discursos sociais diversos - entre eles a igreja, as
políticas governamentais e os pareceres de pesquisas científicas - voltados para a terceira
idade e idosos são elementos e artefatos culturais que criam e fazem circular significados
múltiplos que irão ensinar e instituir práticas que passam a serem reconhecidas e aceitas
como naturais, reais e verdadeiras. A terceira idade e o idoso, não existem por si mesmos,
eles ganham significados pelos discursos e as formas como são apresentados e
representados, pelos conceitos que forjam bases a partir das quais se define o que é igual e
o que é diferente, o que se inclui e o que se exclui de um determinado grupo. Guacira Louro
(1997) escreve: “A linguagem é, seguramente, o campo mais eficaz e persistente – tanto
porque ela atravessa e constitui a maioria de nossas práticas, como porque ela nos parece,
quase sempre, muito ‘natural’”. A linguagem é quem vai instituir lugares, poderes, e formas
de ser e de se relacionar. Ela é quem vai veicular, classificar, produzir e fixar as diferenças
que incluem uns e excluem outros. Permanentemente escutamos o que é dito sobre os
sujeitos e como são os grupos aos quais pertencem, por outro lado, existe um discurso
silencioso e não-dito que oculta os sujeitos que não são, que não podem ser nomeados,
conforme afirma Louro (ibid): “Tão ou mais importante do que escutar o que é dito sobre
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os sujeitos, parece ser perceber o não-dito, aquilo que é silenciado – os sujeitos que não
são, seja porque não podem ser associados aos atributos desejados, seja porque não podem
existir por não poderem ser nomeados” (p.67). A linguagem, portanto, não apenas transmite
e produz conhecimentos, mas ela, também, fabrica sujeitos, produz identidades que une os
iguais e afasta das relações os desiguais estando, assim, comprometida com a manutenção
de uma sociedade dividida em grupos, entre eles, os idosos e terceira idade.
Discursos que ensinam – como a sociedade se refere ao idoso
O discurso biológico – conceitua o indivíduo a partir das características físicas, os
corpos sobre os quais se fala e se nomeiam traços que passam a ser aceitos e referidos para,
assim, se estabelecerem como verdadeiros. Pensando sobre isso, podemos dizer que não há
um determinismo biológico implícito e inscrito nos corpos, mas a força está no discurso
social que (re)produz aquele que é velho/idoso ou jovem e criança. A cultura das idades é
uma invenção social.
Representação dos corpos na mídia - não são apenas as características biológicas
dos corpos que determinam ser idoso ou terceira idade, mas elas se firmam pela forma
como esses corpos são representados, compreendidos e discursados na prática social,
especialmente pelos agentes da mídia geral. A mídia passa a atuar como uma entidade de
ensino, a qual produz e reproduz, apresenta e representa sujeitos que vivem relações
sociais, que vivem valores e prazeres que contribuem para constituir significados com os
quais os idosos se identificam, porque passam a se olhar naquilo que olhou, pensar a partir
daquilo que viu e ouviu, reproduzindo tudo de forma visível e pública; reafirmando-se no
grupo com o qual deseja se identificar para estar incluído. Nossa posição na sociedade é
marcada pelas marcas de nosso corpo, nele elas se tornam visíveis: ser baixo ou alto, negro
ou loiro, magro ou gordo, deficiente, masculino ou feminino, idade, cultura, tradições, e
classe social.
Classificação por idade – acentua-se as diferenças etárias como um conceito que
caracteriza os grupos sociais, como é o caso do idoso e terceira idade. Essas idades são
representadas e caracterizadas de várias maneiras. As idades da vida do ser humano são
periodizadas e recebem significados culturais designando um comportamento adequado
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para cada tipo de idade. Hoje, no entanto, há o desejo de se quebrar a representação
estereotipada da velhice e, para isso, foram criadas outras representações e conceitos como
“terceira idade”, “boa idade”, “melhor idade”, “idade legal”, “idade dourada”, “idosos” e
“velhos”. A terceira idade está encaixada entre o final da vida adulta e a velhice. A
expressão terceira idade não é apenas uma classificação de faixa etária e nem existe desde
sempre, mas ela “foi cunhada para designar um modo de envelhecer”, um conceito que
autoriza aos poderes constituídos a produzirem e ensinarem a esse grupo maneiras
específicas de viverem para terem uma velhice digna e sadia (Brandão, 2009, p.60). A
terceira idade vai determinar como o sujeito viverá o curso final de sua vida, a velhice.
Assim, busca-se formas bem-sucedidas de envelhecer e, provoca-se uma ressignificação da
velhice, a qual é designada como idoso/idosa para expressar um tratamento que conota
respeito, e repassa o significado de alguém que possui ‘status’ social, mais valorizado
culturalmente, possui direito a respeito, afeto, carinho e a dignidade.
Estes conceitos e marcas servem, não apenas, como ferramentas para analisar
indivíduos, classificá-los para inseri-los ou excluí-los de determinados grupos, mas também
como uma ferramenta política que orientará ações do poder público e privado, entidades e
outras organizações voltadas ao grupo para que ele compreenda qual é o seu lugar na
sociedade e quais as suas possibilidades de relações e ações.
É preciso considerar, ainda que, no que diz respeito ao termo “velho/velha”, trata-se
hoje de uma palavra carregada de estereotipias e preconceitos quando utilizada. O
velho/velha, na classificação etária, é conotado como aquele que não serve mais, é inútil e
desnecessário (Cardos, 2007, p.55). Na visão do adulto ou jovem quando usa a expressão
“velho”, está caracterizando indivíduos frágeis, estigmatizados, objetos de pena, riso e
desprezo, somente alguns poucos, ainda concebem o sentido de pessoas experientes e
sábias. Ser velho tornou-se uma condição a qual não se quer assumir. Ser jovem e manterse jovem, esta, sim, é a condição proclamada pela sociedade. Em face dessa cultura de
negação social da velhice, os jovens, por sua vez, passam a ter um certo medo de
envelhecer, uma visão sombria e negativa da velhice. Pois, ao longo dos tempos a velhice
está associada à “incapacidade, à decrepitude do corpo, à idéia de proximidade da morte e à
imagem do velho geralmente ligada a uma pessoa desprezada, discriminada e dependente”
(Ibid, p.55); o ser humano teme a dependência, a perda da dignidade, a solidão e o
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sofrimento que a velhice pode trazer, antes que venha a morte. Os asilos e lares de idosos
são espaços específicos que foram criados para separar os velhos da comunidade, um
espaço desvalorizado socialmente, reforçando a idéia de ser a velhice uma doença social.
Tornou-se a instituição do isolamento e da marginalização, espaços com pessoas
improdutivas, dignas de pena e da caridade das pessoas e de instituições humanas,
religiosas ou produtivas. A sociedade como um todo e, especialmente, a igreja cristã estaão
conscientes de que, neste contexto, a mensagem do amor e da dignidade que Deus concede
ao ser humano ainda é um agente de vigilância social para os cuidados com idosos. É neste
conflito cultural de valores e desvalorizações que se precisa trabalhar as forças sociais
organizadas e voltadas para os grupos específicos, sejam eles de terceira idade, idosos,
jovens ou crianças.
Envelhecimento em transformação
O processo de envelhecimento vem passando por transformações significativas em
diversos de seus aspectos, desde meados do século XIX. São transformações que colaboram
para produzirem novas identidades e subjetividades que são inventadas à medida que a
velhice se torna alvo do mercado de consumo. Numa época anterior, a velhice estava
restrita ao ambiente familiar e privado, vivendo sob dependência e sem desempenho
importante de qualquer papel social. “No cenário atual, passou a ser vista como uma
questão pública, já que o Estado e outras organizações privadas assumiram a gerência da
velhice, tentando homogeneizar suas representações. Mudaram-se as idéias referentes ao
envelhecimento, principalmente aquelas veiculadas pela mídia” (Ibid, p.57). É preciso
derrubar e expulsar ‘modelos’ vividos no passado para se inserir nos jeitos diferentes de
hoje.
O idoso, hoje, está inserido nas discussões de políticas públicas, na organização de
novos mercados de consumo, nas novas formas de lazer, não apenas para ser bem atendido,
mas, muito mais para ser produzido e ensinado a ser e viver sua vida de idoso. Interessa ao
Estado e empresas que o idoso seja consumidor e produza renda, além do que, se ele buscar
os cuidados com sua saúde evitará despesas para os cofres públicos. Quanto mais a terceira
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idade investir em seu corpo, com cuidados com a saúde, tanto mais benefícios ele
proporcionará a si mesmo, às empresas, às entidades e ao Estado. Precisa-se investir,
produzir novos significados e ensinar novos estilos de vida para os integrantes da terceira
idade e idosos. Os estilos de vida anteriores são desconstruídos e apresentados como
inadequados para os dias de hoje. A velhice deve ser bem-sucedida, vigorosa e sem
sofrimentos. Atingir esse alvo passa-se pelo consumo de diversos produtos, pela busca de
técnicas de rejuvenescer, pelos cuidados com o corpo e a saúde, e, ainda, pela reinvenção
do corpo: plásticas, silicones, botox, e ingestão de produtos que curam e emagrecem.
Enfim, o idoso passa a ser uma nova categoria cultural, o único responsabilizado pelos
cuidados de si mesmo, pela sua participação social.
Coloca-se à disposição dos idosos e terceira idade, hoje, espaços e programas de
ensinos voltados para suas faixas etárias, onde ficam classificados e aprendem como devem
ser. Podemos citar os CCIs – Centros de Convivência dos Idosos, grupos de terceira idade,
as escolas abertas, as universidades para terceira idade, programas turísticos, clubes que
oferecem atividades físicas e diversões, lojas de produtos de embelezamento para uma
velhice saudável, tratamentos médicos, complementos alimentares e outros tantos. O poder
público criou uma Política Nacional do Idoso, orientada pelo Estatuto do Idoso, através do
qual assegura os direitos, a autonomia, a integração e a participação desta categoria com
sua cultura e educação para a cidadania. Proporciona-se todo um comportamento moderno
que desafia estas pessoas a se envolverem, sob pena de serem acusados de ‘culpados’ se
ficarem relegados ao abandono e dependência, se envolverem nas atividades e não
adotarem as novas formas de consumo e estilos de vida. Aqui entra um alerta às entidades
religiosas que, sendo também uma entidade de agregação social, precisam interpretar esse
novo momento para criarem em seu meio programas e espaços voltados para essas faixas
etárias, sob pena de perdê-los para outros setores. Idosos e terceira idade que freqüentam
igrejas não querem apenas rezar e se prepararem para a morte como faziam o velho Simeão
e a profetisa Ana1, citados em nossos evangelhos; eles buscam e compartilham vida,
trabalhos, projetos, esforços e ações pela igreja, família e comunidade.
1
Contidas no Evangelho de Lucas 2.25-38.
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Aprendendo a ser idoso/terceira idade
Aprende-se, hoje, que os cuidados pessoais na terceira idade, dignificam a vida para
a fase idosa. A terceira idade contemporânea é representada como aquela que está sendo
levada a buscar novos estilos de vida e formas de consumo para viverem a eterna
juventude. Ensina-se que só é velho quem quer, pois, a juventude é mostrada como um bem
que pode ser conquistado por qualquer faixa etária, desde que “adotem estilos de vida
modernos e formas de consumo adequados”. A ciência descobriu formas de viver e
envelhecer, e a mídia as mostra para ensinar “que se pode mudar a aparência indesejada
através de vitaminas, alimentação saudável, cosméticos, ginástica, enfim, de todo um
aparato industrial do corpo e do prazer” (BRANDÃO, 2009, p. 61,62).
Ressaltamos que a sociedade contemporânea enaltece a juventude e estigmatiza a
velhice, pois, privilegia e ensina-se a ser jovem, mas, ao mesmo tempo, a sociedade cria
espaços de convivência ou atendimento público que classificam e separam os idosos e
terceira idade, preparando-lhes todo um espaço de convivência e consumo. E ainda, se os
idosos se tornaram mais uma fatia de mercado, eles passaram a ser uma classe que precisa
ser adulado e conquistado. Essa busca pelo rejuvenescimento, que disfarça as marcas do
corpo, está resgatando a auto-estima dessa classe, porque redescobrem a vaidade de serem
admiradas, de serem maduras, sensuais, transformadas e invejáveis. Investe-se na aparência
do corpo – um corpo cenário - porque é o maior capital social que se possui para conquistar
a aceitação, esconder o envelhecimento, manter a beleza, ser sexy e atraente sem ser vulgar.
Os vovôs e vovós contemporâneos já não esperam a morte em cadeiras de balanço e
contando histórias para netinhos. Pesquisas mostram que eles usufruem muitas conquistas.
Um bom momento para refletir, compreender e trabalhar com essa força encantadora dentro
das diversas organizações sociais. Avaliar e modernizar cultos, missas e celebrações sem
empobrecê-los, oportunizar programas diversos tornando-os inclusivos e participativos para
todas as faixas etárias, de forma especial, os programas e ações realizados em famílias,
entidades, universidades e sociedade que convivem com essa cultura classificatória e
consumista. Fica a reflexão.
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OBRAS CONULTADAS
BRANDÃO, Maria de Fátima. Representações de velhice nos discursos juvenis em
comunidades de orkut. Dissertação de Mestrado, Universidade Luterana do Brasil,
Programa de Pós-Graduação em Educação, Canoas: ULBRA, 2009, p. 40-96.
CARDOS, Áureo André. Velha é a vovozinha: Estratégias de marketing ensinando às
mulheres “novas” formas de envelhecer. Dissertação de Mestrado, Universidade Luterana
do Brasil, Programa de Pós-Graduação em Educação, Canoas: ULBRA, 2007.
LOURO, Guacira Lopes. Gênero, sexualidade e educação – uma perspectiva pósestruturalista. Petrópolis, RJ: Vozes, 1997.
MEYER, Dagmar E., SOARES, Rosângela de Fátima R. (Org). Corpo, Gênero e
Sexualidade. Porto Alegre: Mediação, 2004.
VEIGA-NETO, Alfredo. As idades do corpo: (material)idades, (divers)idades,
(ident)idades... In: AZEVEDO, José Clóvis et alii (org). Utopia e democracia na educação
cidadã. Porto Alegre: Editora da Universidade, 2000, p. 215-234.
Rev. Irmo Wagner
Capelão da ULBRA – campus Guaíba
Teólogo, Especialista em Teologia, Pedagogo e Mestre em Educação.
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