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SE NOITE
FOSSE ÁGUA
S E Q U Ê N C I A S
Sergio Fingermann
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Apresentação
O Museu Nacional de Belas Artes, herdeiro do bicentenário acervo da Pinacoteca da Academia Imperial de Belas Artes, por sua tradição histórica no panorama da arte brasileira, estabelecida ao longo dos anos, vem desenvolvendo
uma criteriosa reflexão a respeito da arte produzida no Brasil e no exterior,
por meio de cursos, exposições e intercâmbio com instituições culturais.
Referência no campo da museologia e da história da arte, o Museu Nacional de Belas Artes é um dos pilares da memória nacional. Localizado no
centro histórico do Rio de Janeiro, abriga em sua coleção ícones da arte brasileira produzidos do século xviii à arte contemporânea. Este prestigioso acervo convive com obras de arte estrangeiras de relevante significação.
Historicamente, o Museu Nacional de Belas Artes abrigou memoráveis
exposições nas últimas décadas, proporcionando ao público a possibilidade
de contemplar e conhecer segmentos importantes da história artística. Neste
contexto, a exposição Se noite fosse água – Sequências, com trabalhos de Sergio
Fingermann, é apresentada ao visitante para fruição.
Sergio Fingermann é um dos raros artistas de sua geração com sólida e
erudita formação. Transita entre a pintura e a gravura, agregando aos seus
trabalhos, sempre que possível, sua experiência literária. Percorre suas lembranças, escreve e propõe reflexões a respeito de sua trajetória artística e do
exercício do olhar. Suas pinturas pulsam e transmitem poesia. Sergio experimenta novos materiais e texturas, recorre ao seu conhecimento de arquitetura para criar em alguns de seus trabalhos, paisagens e lugares imaginários.
Desloca e distorce os espaços com maestria, devolvendo ao expectador uma
composição plena de elementos, com luz própria, que nos convida muitas vezes a mergulhar em suas obras.
Os nossos agradecimentos a todos que tornaram possível a realização
desta exposição que comemora os trinta e cinco anos de carreira de Sergio
Fingermann, autor de uma obra construída com rigor e profundo sentimento
humanista. Sejam todos muito bem-vindos ao museu.
Monica F. Braunschweiger Xexéo
Diretora do MNBA/IBRAM/MinC
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Conversas de ateliê
Toda criança, às vezes, fala com seu cão, com seu gato, com suas coisas de estimação. Fala com muitas coisas que a cercam. Fala mesmo com tudo e todos que
estão ao seu redor, e ouve seus segredos, que ficam guardados consigo.
Ela sabe como entrar em muitas coisas.
Fala e escuta.
Recorda.
E com o pintor acontece o mesmo.
Lembrei-me disso, agora, na tentativa de escrever sobre as pinturas que
estou escolhendo para compor a exposição Se noite fosse água – Sequências, no
Museu Nacional de Belas Artes do Rio de Janeiro.
O título, tomei-o emprestado de um poema de Mário de Andrade Meditações sobre o Tietê, de 1945, pelo seu caráter enigmático, pela sua potência sugestiva. Gosto muito dessa partícula reflexiva e hipotética – se – como condição
para se ver esse conjunto de pinturas.
Falar de pinturas é falar da experiência da contemplação, é falar do jogo
do saber olhar.
É falar do esforço para olhar claramente, sem querer encontrar nas coisas
o que nos dizem que deve haver, mas simplesmente o que há.
Mas, afinal, nesses anos todos, o que venho tentando fazer como pintor?
Pinturas.
Pinturas que evoquem a poesia do efêmero, que despertem sensações líricas: paisagens mentais.
Outrora meu ateliê foi uma marcenaria.
No fim de uma jornada de trabalho, restavam lá, encostados às paredes,
fragmentos de móveis para serem vistos e finalizados no dia seguinte. Esse trabalho tinha como objetivo fazer objetos ou mobiliário com funções definidas.
Tanto tempo depois, hoje em dia, nas paredes do meu ateliê, no mesmo
lugar, estão encostadas telas, desenhos, esperando meu olhar, minhas mãos,
para serem vistos e trabalhados.
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Trabalhos novos, outros nem tanto, formam um conjunto nem sempre
compreensível para mim, mas que evocam realidades escondidas.
São as partes de um todo.
Ficam ali, sem destino certo.
Olho para eles como alguém que aguarda sussurros como respostas.
Ficam ali, à espera de ações e decisões que respondam aos questionamentos que o próprio fazer apresenta. Ficam à espera da aprovação do olhar.
É comum encontrar lá séries distintas de trabalhos, aguardando uma solução plástica que articule o conjunto.
Algumas nascem ou fazem referências a ilustrações técnicas de velhos livros, tratados de perspectiva, gravuras antigas.
Do plano pictórico emergem esboços de desenhos, como a visão de um
lugar. Nele, às vezes, faço referências ao mundo da cultura, da arte. Eles me
servem para fazer perceber o que separa o visto do ver.
O pintor sabe que não consegue controlar a pintura de fora: ele precisa
habitá-la, morar nela.
Fazer dela um lugar.
Nesse lugar há formas visuais compostas num pedaço de espaço.
A pintura pode ser tudo.
É sempre um olhar sobre o mundo.
Pode ser um sopro de vento, pode ser uma luminosidade.
Pode ser uma extravagância, pode ser um ato de resistência para dar esperança.
A pintura pode ser uma nuvem de dia chuvoso, pode ser uma ferida, pode
ser manchas de sangue.
Azul, amarela, branca...
O que quero é tocar uma sensação de ausência, que provavelmente não
perceberíamos sem ela.
Sergio Fingermann
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Se noite fosse água no 30, 2011
Óleo sobre tela
1,80 m x 1,80 m
Se noite fosse água no 31, 2011
Óleo sobre tela
1,80 m x 1,80 m
P 14-15
Se noite fosse água no 35, 2013 (tríptico)
Óleo sobre tela
2,40 m x 3,60 m
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Se noite fosse água no 3, 2011
Óleo sobre tela
1,80 m x 1,80 m
Se noite fosse água no 1, 2011
Óleo sobre tela
1,80 m x 1,80 m
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A experiência do olhar
Entre as margens de um rio surgiu a nova exposição de Sergio Fingermann,
intitulada Se noite fosse água, nome inspirado no poema Meditações sobre o
Tietê, do escritor Mário de Andrade. A mostra se desvela como se seguisse o
curso das águas, num movimento incessante provocado pelo dizer das obras
e pelo que elas podem provocar em nossos sentidos, reunidas assim pela primeira vez. A percepção desse fluxo constante da vida significou para o filósofo
grego Heráclito uma das explicações sobre a sua natureza. Para o filósofo,
“ninguém se banha duas vezes no mesmo rio”. Em sua interpretação, o ato
de entrar no rio podia se repetir, mas este não seria mais o mesmo. Para ele,
o universo estava em constante movimento, num processo de contínuas mudanças. Essa é uma questão que interessa ao artista e seu fazer, e pode também
nos pertencer, à medida que nos colocamos disponíveis diante da capacidade
transformadora da arte.
As obras de Sergio Fingermann foram criadas pela vontade do artista de
se realizar na sua experienciação no universo da arte. Para Aristóteles, ao falar
sobre o princípio motor da práxis, entendida como ação ou toda a atividade do
homem,1 a potência da alma que move é a vontade,2 e universo é o que constitui a unidade das coisas.3 Refiro-me à arte, aqui, no sentido do todo, que nos
instiga e seduz, e onde habita o mistério.
As águas desse rio não são transparentes, mas sim escuras como a noite,
como as sombras, velando o que nelas passa ou o que nelas se contém, apesar
dos breves momentos em que as luzes das margens permitem que algo se mostre. O que ela – a água do rio – contém? O que ela esconde ou revela? Essas são
também questões que podemos partilhar com o mundo da arte, como um todo,
ou num particular, com o trabalho de Sergio Fingermann. Nesse percurso que
o artista constrói existem questões que são colocadas e que, para serem respon1 Para a definição de práxis ver Ivan Gobry. Vocabulário grego de filosofia. SP: WMF/Martins Fontes Editora, 2001,
p. 120. O filósofo italiano Giorgio Agamben ressalta que “Todas as tentativas que se sucederam na época moderna
para fundar de modo novo o ‘fazer’ do homem permaneceram sempre ancoradas nessa interpretação da práxis como
vontade e impulso vital, isto é, em última análise, em uma interpretação da vida, do homem enquanto ser vivente.”
(Giorgio Agamben, O homem sem conteúdo. Belo Horizonte: Autêntica Editora, 2012. p. 121). Mais adiante, o autor
comenta que práxis tem a mesma raiz da palavra experiência. (op. cit., p. 125).
2 Agamben, op. cit., p. 127.
3 Universo em grego é hólon e fui novamente à procura da raiz da palavra, na sua origem grega, não à toa. Devemos
aos gregos a criação de quase todas as categorias por meio das quais pensamos sobre nós mesmos e a realidade que nos
cerca. (Agamben, op. cit., p. 117).
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didas, se é que é possível, o observador – ou seja, nós – é também chamado a
fazer parte. Esta exposição nos proporciona um tempo de reflexão sobre a obra
do artista, a contemporaneidade da arte e as conexões que estabelecem. As pinturas representam investigações e releituras feitas a partir de antigos tratados
de perspectiva, documentos atemporais que definiram princípios teóricos do
fazer da arquitetura; fragmentos de cenários ilusórios, em que qualquer um de
nós poderia desempenhar um papel de um enredo imaginado; paisagens feitas
a partir do contraste de cor, que criam o caminho das águas noturnas do rio;
séries criadas a partir de intervenções que Fingermann fez sobre fotografias
ampliadas de gravuras, representando o retrato dos autores de diversas publicações antigas e manuscritos anônimos, dos séculos xviii e xix, achados em
sebos de Buenos Aires e Paris.
Também nos trabalhos do artista existem os materiais e as técnicas que
ele escolheu para dar-lhes forma, ou seja, para trazê-los à nossa presença. Em
grego, isso é a poiesis, ou seja, trazer algo à presença,4 o que envolve a ação do
artista, a matéria e a técnica. Consolidando tudo, há a vontade, a força vital que
nos coloca em movimento.
Esta exposição nos proporciona o estar junto à sua obra. Na proximidade
da pintura, podemos perceber a trama que reveste a tela, a pincelada, a tinta,
a cor, as figuras. Ao nos afastarmos dela, a vemos em seu todo e em conjunto,
nessa experiência do olhar que percorre as superfícies buscando perceber aquilo que pode estar oculto em uma camada mais profunda. E nos perguntamos: o
que o artista quis nos dizer?
Será que só apreendemos a obra se ela tiver algum significado para nós?
Podemos usufruir de muitas maneiras dessa experiência que o ato de
olhar uma obra de arte provoca. A obra, ali, na nossa frente, representa também o lugar do outro, ou seja, o do artista se dando a conhecer e nos propondo
uma interlocução, uma experienciação. Essa experiência única e especial que
vivenciamos nos faz exercer em plenitude os elementos existentes nas relações
do fazer artístico: o artista, a obra e o observador. Se é difícil definir a arte, nos
colocarmos como um de seus agentes nos aproxima de sua verdade.
Faz parte da exposição a obra denominada Se noite fosse água, um políptico de 7 metros de extensão. Essa pintura particularmente provocadora
propõe uma inversão de lugares e nos faz pensar no que está além do que
vemos. São silhuetas, sombras projetadas, vultos de massas corpóreas opacas
que vislumbramos através de uma espécie de vidro que as mostra, mas nos impede de enxergá-las com nitidez. Elas se colocam como se nos observassem,
nos tornando aqueles que são observados. Somos nós a ver ou estamos sendo
vistos? Mas não é próprio da obra ser observada? Que experiência nova é
essa? Uma das possibilidades é vivenciá-la com o olhar disponível para o que
esse momento pode nos proporcionar. No exercício de ora ser o observador e
ora ser o observado, podemos talvez dizer que o essencial é, de fato, estarmos
sensíveis ao que pode nos acontecer no próximo instante. Essa sensação me
fez lembrar da obra do artista espanhol Diego Velásquez, As meninas, pintada
em 1656. O autor, numa ousadia histórica, provocou as expectativas de quem
a observava. Quem, na verdade, era o modelo do retrato que estava sendo
pintado? E, na exaustão da procura do modelo dentro da obra, Velásquez nos
levou a considerar a possibilidade de sermos nós em quem ele mantém o olhar
fixo até hoje.
Nessa aventura ou viagem pelo universo infindável da arte, Sergio Fingermann trabalha sondando sua essência, sua história e experimentando suas
possibilidades, elaborando projetos de vida, aprofundando-se na tentativa de
sua compreensão.
Imersa nessa reflexão, lembrei-me de uma frase de Charles Baudelaire
que, mesmo fora de seu contexto, continua a fazer sentido: “Quand partons-nous pour le bonheur?”5, que numa tradução livre quer dizer: “Quando partimos para a felicidade?” Essa indagação continua atual e pertinente, e poderia
fazer parte dos questionamentos de cada um de nós. Refiro-me a ela ao pensar
que a Arte pode ser também a escolha e o caminho de alguns para se pôr, a si
mesmos, em movimento.
4 Agamben, op. cit, p. 124.
5 Charles Baudelaire (1860). “IV – L’Homme-Dieu” In: Les paradis artificiels.
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Laura Abreu, historiadora e curadora do
Museu Nacional de Belas Artes do Rio de Janeiro – MNBA-RJ
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Se noite
fosse água no 36, 2013/14
Óleo sobre tela
1,88 m x 1,20 m
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Se noite
fosse água no 37, 2013/14
Óleo sobre tela
2,23 m x 1,17 m
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Interferências de pintura
sobre impressão fotográfica
0,56 m x 0,76 m (cada)
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Interferências de pintura sobre impressão
fotográfica
0,60 m x 0,45 m (cada)
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Se beleza fosse tempo
Termina sempre assim. Com a morte. Mas primeiro havia a vida. Escondida sob o blá, blá,
blá, blá, blá. Está tudo sedimentado sob o falatório e o rumor. O silêncio e o sentimento. A
emoção e o medo. Os insignificantes inconstantes lampejos de beleza. Depois a miséria desgraçada e o homem miserável. Tudo sepultado sob a capa do embaraço de estar no mundo.
Jep Gambardella, em A grande beleza.
A última sequência do filme A grande beleza1 narra um momento da juventude
do protagonista, o escritor Jep Gambardella, de delicado significado. Sob uma
suave luz noturna, a jovem que o acompanha à beira-mar desabotoa a blusa
para expor, diante de seus ávidos olhos, os seios quase imaturos: é o prelúdio da
iniciação sexual do escritor. E com a lembrança desse inocente amor, restaurada aos sessenta e cinco anos pela notícia da morte dessa mulher, aflui um jorro
de reflexões que talvez recupere sua vocação para a literatura, deixada entre os
excessos da alta sociedade romana.
A noção de beleza ali evocada pelo diretor, ligada às sutilezas da vida, aos
silêncios contemplativos e às reminiscências do vivido, sempre reinventadas
no tempo entre as nossas lembranças, é a mesma que interessa ao repousar o
olhar sobre o trabalho de Sergio Fingermann, tal como a que surge na relação
que ele estabelece com uma pintura de Aldo Bonadei. A obra, em posse de
sua família por décadas, habitou diferentes espaços, ocupando continuamente
seu pensamento em uma troca que parece ter sempre pertencido à ordem do
pedagógico. Observar reiteradamente aquela pintura cuidou de educar o olho
do artista em formação, permitindo-lhe entrar no ambiente onde era possível perceber o labor da concepção de uma imagem, seja como conceito, seja
como artesania, e a especificidade do processo pictórico, até que essa relação
pudesse evoluir para um diálogo entre pares. “A imagem nesse quadro vem ao
meu encontro, algo como um silêncio interrompido, e me desperta sensações
indefinidas de convicção.”2 Há que se creditar o papel dessa pintura na sua
educação, ou melhor, na sua compreensão do que é que se passa, ou do que se
deve passar, na construção do trabalho de uma vida. “[Uma pintura] é também
o resultado de múltiplas criações, em que as precedentes são sempre completa1 A grande beleza, Paolo Sorrentino (diretor), 142 min, cor, Itália, 2013.
2 Sergio Fingermann. Uma aprendizagem. São Paulo: BEĨ, 2010, p. 23.
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das pelas seguintes. Assim, uma pintura consiste numa série de outras pinturas
superpostas.”3 Essa sensibilidade ligada à costura do tempo e ao imediatamente
inapreensível transforma-se em valor, em moeda de troca entre o artista e o
observador de sua obra. O sentido que se pode construir no seu trabalho vem
com um exercício conjunto, com uma vontade partilhada para se chegar além
da superfície da pintura, de sua materialidade crua. E tal vontade é que leva
pelas mãos aquele que pacientemente deseja perscrutar o caminho que se abre
obra após obra. Tempo aqui é matéria-prima.
Como eco de uma sensibilidade, vale evocar a literatura do italiano Antonio Tabucchi, tão dedicada que é à imaterialidade, como também tomada de
uma vocação certeira para o mal-estar em relação ao mundo contemporâneo.
No pequeno conto Yo me enamoré del aire, o protagonista, passeando por um jardim botânico, busca por detalhes que lhe confirmem estar no lugar certo, como
pistas para chegar a um passado já muito distante. “Por que veio aqui, disse a
si mesmo, o que procura? Desapareceu tudo, evaporaram-se todos, pudera!”4
Então, levado por um caminho ao terraço de onde podia observar toda a cidade,
chega até ele uma voz cantante de mulher. Localizando-a por trás do muro do
jardim, ela não mais canta e se entrega à tarefa de pendurar roupas no varal.
“A voz que tinha escutado e que agora não mais escutava não se apagara, ainda
a escutava dentro de si, como se ela tivesse lançado um eco que continuava, e
que ao mesmo tempo experimentava uma espécie de comoção estranha, uma
sensação realmente curiosa, como se seu corpo tivesse perdido peso e estivesse
fugindo para algum lugar distante que não identificava.”5 Tirado do eixo mais
pela sensação causada pela sonoridade da música que por sua lembrança, regressa ao tempo de infância. Aparece então um menino que, se jogando nos braços
da jovem, faz com que ela volte a cantar enquanto giram como um carrossel:
“Yo me enamoré del aire, del aire de una mujer, como una mujer era aire, con el aire
me quedé.”6 Em um gesto sublime, o protagonista abre então a boca para respirar
e engolir o azul celeste. O texto, delicado e de estranha conclusão, acolhe uma
noção de tempo que não retorna na evocação, mas no conjunto da paisagem, da
música, de todo um ambiente que envolve o personagem.
3 Sergio Fingermann. Fragmentos de um dia extenso. São Paulo: BEĨ, 2001, p. 73.
4 Antonio Tabucchi. O tempo envelhece depressa. São Paulo: Cosac Naify, 2010, p. 111.
5 Ibid, p. 112.
6 “Eu me apaixonei pelo ar, pelo ar de uma mulher, como a mulher era ar, com o ar fiquei.” [Canção tradicional
sefardita].
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Essa atmosfera que se cria, às vezes com elementos que podem parecer
díspares, é algo como um método para se chegar à obra de Sergio Fingermann.
A projeção para dentro desse espaço construído à frente do observador, ou
desse cenário, para usar um termo caro ao artista, é o pressuposto para fundar
as bases do entendimento, da conversa. Trazendo à tona elementos que são
como testemunhos dos dias, uma obra é um artifício possível que vai se instaurando no mundo. Das leituras da revista italiana L’Arti à viagem para a Itália
em 1973, o caminho de dúvidas a serem investigadas em seu trabalho se forma
a partir de uma argila arenosa, que tem a ver com aquilo que passa pela mente
tanto quanto pelas mãos, e em certo sentido, um tanto díspar das indagações
que direcionam os rumos da arte desde a década de 1960. Acaba por erigir uma
obra autônoma e calcada na dedicada atenção de seu observador. A referência
à história da arte articula as passagens e declara um interesse inesgotável pelas
matrizes do conhecimento que escora seu trabalho. Basta lembrar a pesquisa
com os tratados de perspectiva, que evocam objetivamente a riqueza das discussões sobre o conceito do belo, assim como os diversos cruzamentos da imagem com a palavra, seja no seu exercício autocrítico, seja na inserção direta nas
obras, lembrando o antigo paralelo do ut pictura poesis, comparação tradicional
que atravessa séculos de teorizações sobre a arte.
Uma sensação acaba se impondo ao se permitir adentrar em sua obra,
que parece lembrar a estranheza e o mal-estar do texto de Tabucchi. Algo
que faz com que nos perguntemos: O que se procura? Ou mesmo, por que
se procura? A capacidade de perceber essa beleza sutil e tão essencial que
Fingermann propõe, por meio de uma narrativa (porque é tempo) puramente visual, nada tem a ver com os imediatismos do mundo contemporâneo, às vezes tão distraído para o que não está explícito, mas precisa ser
descortinado. Como o Tietê de Mario de Andrade, que inspira o título da
mostra, esse é um rio que corre para dentro, contra as expectativas, podendo ser melancólico e reflexivo, mas sempre reconhecendo a necessidade de
se seguir fiel ao próprio curso. E nesse sentido reverte-se no elogio maior
à vida, na abertura máxima para todas as mínimas possibilidades de driblar
a morte: uma abertura compartilhada.
Daniel Barretto, museólogo e curador do
Museu Nacional de Belas Artes do Rio de Janeiro – MNBA-RJ
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P. 35
Se noite fosse água no 38, 2013
Óleo sobre tela
2,30 m x 1,80 m
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Se noite fosse água no 40, 2013
Óleo sobre tela
2,30 m x 1,80 m
Se noite fosse água no 39, 2013
Óleo sobre tela
1,80 m x 1,80 m
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Se noite fosse água no 41, 2014 (tríptico)
Óleo sobre tela
1,00 m x 4,50 m
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Se noite fosse água no 10, 2011 (tríptico)
Óleo sobre tela
1,65 m x 3,60 m
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Se noite fosse água no 42, 2014 (políptico)
Óleo sobre tela
2,40 m x 7,00 m
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Presentation
Atelier conversations
The National Fine Arts Museum is the heir of the bicentennial collection belonging to the
Pinacoteca museum of the Fine Arts Imperial Academy. Following its historical tradition established along the years in the Brazilian art scene, it has been developing a careful reflection
about the art produced in Brazil and abroad, through courses, exhibitions and a two-way exchange with cultural institutions.
A reference in the field of museology and art history, the National Fine Arts Museum
is one of the pillars of the national memory. Located in Rio de Janeiro’s historical center, it
hosts in its collection icons of Brazilian art produced from the 18th century to nowadays. Such
prestigious collection shares the spotlight with relevant foreign art works.
Historically, the National Fine Arts Museum has hosted memorable exhibitions in the
past decades, offering to the audience the possibility of admiring and getting to know important segments of art history. In such context, the exhibition If The Night Were Water – Sequels,
with works by Sergio Fingermann, is presented for the visitor’s enjoyment.
Sergio Fingermann is one the rare artists of his generation possessing a solid erudite
basis. He dedicates himself to painting and print, adding to his works, whenever possible, his
literary experience. He visits his memories, writes and proposes reflections about his artistic
trajectory and practice of observation. His paintings pulsate and transmit poetry. Sergio experiments with new materials and textures, and applies his knowledge in architecture to create
imaginary landscapes and places in some of his works. He moves and distorts spatial elements
with mastery, giving back to the observer compositions brimming with their own light, which
often invite us to get immersed in his works.
We would like to thank all of those who made this exhibition possible for celebrating
thirty five years in the career of Sergio Fingermann, the author of a body of work built with
rigor and deep humanistic feeling. We welcome you all to the museum.
Monica F. Braunschweiger Xexéo
Director of the National Fine Arts Museum,
the Brazilian Institute of Museums,
and the Ministery of Culture
Every child sometimes talks to her dog, cat or the things she cherishes.
The child speaks to many things surrounding her. Indeed, she speaks with everything
and everyone around her, listening to their secrets and keeping them.
She knows how to enter many things.
She talks and listens.
She remembers.
And this is also what happens to a painter.
I recall this now as I attempt to write about the paintings I am selecting for the exhibition
If the Night Were Water – Sequels, to be held at the National Museum of Arts in Rio de Janeiro.
That title is borrowed from a poem by Brazilian writer Mário de Andrade (Meditations about
the Tietê, dating back to 1945), for its enigmatic trait, for its suggestive strength. I very much like this
reflective and hipotetic particle – if – as a condition to perceive this set of paintings.
To speak of paintings is to speak of the contemplative experience, is to speak of the game
involved in knowing how to look.
It is to speak of the effort of seeing with clarity what is simply there, without trying to
find in things what people tell us they should imply.
So, after all, in all those years, what is that I am attempting to do as a painter?
Paintings.
Paintings that evoke the poetry of the ephemeral, that awake lyrical sensations: mental
landscapes.
My atelier was once a carpentry workshop.
At the end of a working day, what was left, leaning against the walls, were the fragments
of furniture to be inspected and finished the next day. Such work aimed at the making of objects or pieces of furniture with definite functions.
After such a long time, leaning against my atelier’s walls, in the same place, now there
are canvases and drawings waiting for my regard, for my hands, to be seen and worked on.
Some works are new, others not so much, and they all form a set that is not always comprehensible to me but evoke hidden realities.
They are parts of the whole.
And remain there, with no definite fate.
I look at them as someone waiting for whispers as answers.
They remain there, waiting for actions and decisions that will answer the questions
raised by the act itself of making something. They keep waiting for the approval of the regard.
It is common to find different work series there, waiting for a plastic solution that will
articulate the entire set.
Some paintings are born from, or reference to, technical illustrations in old books, perspective treatises, vintage gravures.
From the pictorial plane emerge drawing drafts, like the vision of a place. In it, sometimes I refer to the worlds of culture and art. They help me discern the line between what is
seen and the act of seeing.
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The painter cannot control a painting from the outside: he needs to inhabit it, to live in it.
He needs to convert it into a place.
In that place, there are visual forms composed in a piece of space.
A painting can be everything.
It is always a gaze at the world.
It can be a whisper of the wind, it can be luminousness.
It can be extravagance, or an act of resistance for sowing hope.
A painting can be a cloud in a rainy day, it can be a wound, or blood stains.
Blue, yellow, white…
What I wish through painting is to touch a sensation of absence, which we would
probably not perceive without it.
Sergio Fingermann
The experience of the regard
In between riverbanks, emerged the new exhibition by Sergio Fingermann, named If the Night
Were Water, a title inspired by writer Mário de Andrade’s poem Meditations about the Tietê.
The exhibition unfolds as if it followed the course of the waters, in an incessant motion stirred
by the sayings of the works—thus reunited for the first time—and by what they can trigger in
our senses. The perception of this constant flow of life has meant for Greek philosopher Heraclitus one of the explanations for its own nature. To the philosopher, “No one bathes twice in
the same river.” In his interpretation, the act of entering a river could be repeated, albeit not
the river would ever be the same. To him, the universe was in constant motion, in process of
continuous change. This is a matter that interests the artist and his creative process, and that
can also belong to us as we become available to the transforming power of art.
The works by Sergio Fingermann are triggered by the artist’s wish to find fulfillment in
his experience in the universe of art. To Aristotle, as the philosopher spoke of the praxis’ drive
as action or all activity performed by men,1 will is the potency of the soul that moves,2 and the
universe is what constitutes the unity of things.3 Here I refer to art in a sense of the whole,
which instigates and seduces us, and where mystery dwells.
The waters in this river are not transparent, they are rather dark as the night, as the shadows, veiling what flows or is contained in them, despite the brief moments when the lights on
the margins allow something to be glimpsed. What does it—the water in the river—contain?
Through Sergio Fingermann’s works, these are questions we can also share with the world of
art, as a whole or in a particular instance. Along this course built by the artist, there are questions raised that, in order to be answered (if there is such possibility) require the participation
of the observer—that is, of each of us. This exhibition provides us with time to reflect about
the artist’s works, the contemporary facet of art and the connections they establish. The paintings represent investigations and reinterpretations taken from the starting point of old treatises
of perspective, timeless documents that have defined theoretical principles of the making of
architecture; fragments of illusory sceneries, where any of us could take a role in an imaginary
plot; landscapes made of color contrast, which lay the path of nocturne waters in the river;
series created from interventions that Sergio Fingermann has made in blown-out photographs
of gravures, representing the portrait of the authors of several vintage publications and anonymous manuscripts, dating back to the 18th and 19th centuries, which were found in secondhand stores in Buenos Aires and Paris.
In the artist’s works there are also the materials and the techniques he had chosen
to give them form, that is, to bring them to us. In Greek, that is equivalent to poiesis, to
bringing something to the presence of someone,4 which involves the artist’s action, the
matter and the technique. Consolidating everything, there is the will, the vital force that
sets us in motion.
1 For a definition of praxis, please refer to Ivan Gobry. Vocabulário grego da filosofia [“A Greek Vocabulary of Philosophy”]. São Paulo:
WMF/Martins Fontes Editora, 2001, p. 120. Italian philosopher Giorgio Agamben stresses in his book O homem sem conteúdo [“The
Man without Content”] that “All attempts carried out in modern times to find a new way of the ‘making’ by man remained always
anchored in such interpretation of praxis as a vital will and impulse, that is to say, ultimately, in an interpretation of life, of man as a
living being” (Giorgio Agamben, Belo Horizonte: Autêntica Editora, 2012. p. 121). Further ahead, the author comments that praxis
shares the same root with the word experience. (op. cit., p. 124-125).
2 Agamben, op. cit., p. 127.
3 Universe in Greek is hólon, and not by chance I proceeded again to search for its root, for its Greek origin. We owe to the Greeks the
creation of almost all categories through which we think about ourselves and the reality surrounding us. (Agamben, op. cit., p. 117).
4 Agamben, op. cit., p. 124.
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If beauty were time
This exhibition allows us to be close to the works. In the proximity of a painting, we
can notice the tapestry that covers the canvas, the brushstroke, the paint, the color, the figures.
When we draw back from it, we see it in its entirety, in this experience of the eye trailing its
surfaces in an attempt to perceive what could be hidden in a deeper layer. So we ask ourselves:
what did the artist want to tell us?
Could it be that we can only apprehend a work if it has a meaning to us?
We can enjoy in many ways such experience triggered by the action of looking at an art
work. The piece of work before us also represents the place of the other, that is, of the artist
revealing himself and proposing a dialogue, an experience. Such experience lived by us, unique
and special, makes us exert entirely the existing elements in the relations implied in the making
of art: the artist, the work and the observer. If it is difficult to define what art is, stepping in as
one of its agents brings us closer to the truth.
Included in this exhibition is the work If The Night Were Water, a 7-meter long polypticus. This painting, particularly provoking, proposes trading places and makes us think about
what is beyond what we see. It consists of silhouettes, projected shadows, opaque forms of
bodily masses that we glimpse through some sort of glass, which displays them without allowing us to see clearly. Such forms present themselves as if they were observing us, converting us
in objects of observation. Are we the ones looking, or are we being looked at? What is this new
experience? One possibility is to enjoy it with an open mind to what this moment can bring to
us. In the exercise of being the observer and then being observed, we can say that the essential
is, in fact, keeping oneself available to what can happen in the next moment. Such sensation reminds me of the work by Spanish artist Diego Velásquez, The Maids of Honor, painted in 1656.
At the time, the author, with historical boldness, provoked the expectations of who watched his
painting. Who, in truth, was the model of the portrait being painted? And, through the exhaustion of searching for the model within the work, Velásquez made us consider the possibility of
us being the ones at whom he fixes his gaze to this day.
In such adventure, or endless travel in the universe of art, Sergio Fingermann works
probing its essence, its history, and experimenting with its possibilities, elaborating life projects, going deeper in the attempt of understanding it.
Immersed in this reflection, I recall a phrase by Charles Baudelaire that, even out of
context, still makes sense: “Quand partons-nous pour le bonheur?”5 Which, loosely translated,
means: “When are we going to depart to happiness?” Such musing is still pertinent and up to
date, and could be part of the questionings of each of us. I refer to it for I think Art can also be
the choice and the path for some to set themselves in motion.
Laura Abreu, historian and curator for the MNBA-RJ
(Museu Nacional de Belas Artes do Rio de Janeiro)
5 Charles Baudelaire. “IV – L’Homme-Dieu” In: Les Paradis Artificiels, Paris, 1860.
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It ends like this: with death. However, first there was life. Hidden under the blah, blah, blah, blah. Everything is sedimented beneath the talk and the rustle. The silence and the feeling. The emotion and the
fear. The insignificant, inconstant flashes of beauty. Then the disgraced misery and the miserable man.
Everything buried under the veil of embarrassment for being in the world.
Jep Gambardella, in The Great Beauty.
The last scene of The Great Beauty1 narrates a moment from the youth of the protagonist,
writer Jep Gambardella, that holds a delicate meaning. Under a soft nocturne light, the girl
walking with him on the waterfront unbuttons her blouse to expose, before his hungry eyes,
her nearly pubescent breasts: it is the prelude to the writer’s sexual initiation. And, with the
memory of such innocent love, retrieved when at the age of sixty five he receives the news of
that woman’s passing, an outpour of reflections streams and may restore his vocation to literature, lost amid the excesses of the Roman elite.
The notion of beauty evoked by the film director, linked to life’s subtleties, to contemplative silences and reminiscences of what was lived—always reinvented through time among
our memories—is the same that interests us when we lay our gaze on Sergio Fingermann’s
works, as is the beauty that emerges in the relation that he establishes with Aldo Bonadei’s
painting. That work, in possession of his family for decades, has inhabited different spaces,
continuously occupying his thoughts in an exchange pertaining seemingly to a pedagogical
aspect. Observing that painting over and over has educated the eye of the artist in the making,
allowing him to enter the ambient where it was possible to perceive the labor in the conception of an image—be it as a concept, be it as a craft—, as well as the specificity of the pictorial
process, until such relation could evolve into a dialogue between peers. “The image in this
painting comes to me, as something like an interrupted silence, and stirs in me vague sensations of determination.” 2 One must credit this painting’s role in his education, or to put it another way, in his comprehension of what happens or should happen in the making of a lifetime
work. “[A painting] is also the result of multiple creations, in which the precedent ones are
always completed by those following them. Thus, a painting consists of a series of superimposed paintings.” 3 Such sensitivity associated to the sewing of time and to what is immediately
inapprehensible becomes value, an exchange token between the artist and the observer of his
works. The meaning that can be constructed in his work comes from a joint exercise, with a
shared desire of reaching beyond the painting surface and its raw materiality. And such desire
is the one that guides those who patiently wish to peer through the path that opens up work
after work. Here, time is raw material.
As an echo of sensitivity, it is worth evoking here Italian writer Antonio Tabucchi’s
literature, so dedicated to immateriality, as well as possessing a sure vocation to uneasiness
regarding the contemporary world. In the short story Yo me enamoré del aire, as the protagonist strolls in a botanical garden, he searches for details confirming he is in the right place, like
clues to arrive at a very distant past. “Why did you come here, he said to himself, what are you
looking for? Why, everything has disappeared, everyone has evaporated!” 4 Then, following a
path to the terrace where he could contemplate the entire city, he heard the singing voice of a
1
2
3
4
The Great Beauty, by Paolo Sorrentino (director), 142 min, color, 2013, Italian.
Sergio Fingermann. Uma aprendizagem [“A Learning”]. São Paulo: BEĨ, 2010, p. 23.
Sergio Fingermann. Fragmentos de um dia extenso [“Fragments of a Long Day”]. São Paulo: BEĨ, 2001, p. 73.
Antonio Tabucchi. Time ages in a hurry. New York: Archipelago Books, 2014.
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woman. Finding her behind the garden wall, he sees she is no longer singing and occupies herself with the task of hanging clothes on a line. “The voice he had heard and now he no longer
could hear had not faded, he still listened to it within himself, as if it had cast a lingering echo;
and at the same time he felt a strange commotion, a really curious sensation, as if his body had
lost weight and was running away to a distant place he could not identify.” 5 Set out of his axe
rather by the sound of the music than by his memories, he goes back to his childhood. A boy
shows up then, who, throwing himself in the young woman’s arms, makes her resume singing
as they spin together like in a carousel: “Yo me enamoré del aire, del aire de una mujer, como una
mujer era aire, con el aire me quedé.”6 In a sublime gesture, the protagonist opens his mouth to
inhale and swallow the azure. The text, delicate and bearing this strange conclusion, embraces
a notion of time that does not come back in an invocation, but in the ensemble of the scenery,
of the music, of an entire ambiance surrounding the character.
This atmosphere that is created, sometimes with seemingly disparate elements, is something like a method for approaching Sergio Fingermann’s work. The projection into this space
built in front of the observer—or into this scenario, to use a word cherished by the artist—is
the tenet for establishing the understanding, the conversation. Bringing to surface elements
that are like witnesses of time, a piece of work is a possible gimmick that establishes itself
gradually in the world. From readings of the Italian magazine L’Arti to the trip to Italy in 1973,
the path of questions to be investigated in his works takes shape from sandy clay, which has
relation with what crosses the mind as well as with what is touched by the hands, and in a sense,
quite different from the questionings that have been directing art since the 1960s. It ends up
building an autonomous work based on the dedicated attention of its observer. The reference
to the history of art articulates the passages, and states an endless interest for the matrixes of
knowledge that support his work. All one has to do is remember the research of perspective
treatises, which objectively evoke the richness of debates about the concept of beauty, as well
as the various crossings of images and words—be it in its exercise of self-criticism, be it in the
direct insertion in the works—, reminding us of the old parallel of ut pictura poesis, a traditional comparison that crosses centuries of theories about art.
A sensation ends up imposing itself as we allow ourselves to get immersed in his work,
which seem to conjure the oddness and uneasiness in Tabucchi’s text. Something that makes
us wonder: what is sought? Or even, why is it sought? The ability to perceive such subtle and
crucial beauty proposed by Fingermann, through a purely visual narrative (because it is time),
has nothing to do with the short-termisms of the contemporary world, sometimes so distracted
to what is not explicit; yet it needs to be unveiled. Like Mário de Andrade’s Tietê, which inspires the title of this exhibition, this is a river that flows to the inside, against expectations, and
can be melancholic and reflective, but always recognizes the need to remain faithful to its own
course. In that sense, it reverts to the larger homage to life, to the maximum aperture opening
up to all minimum possibilities of dribbling death: a shared aperture.
Daniel Barretto, museologist and curator for the MNBA-RJ
(Museu Nacional de Belas Artes do Rio de Janeiro)
Presidenta da República
Dilma Vana Rousseff
Ministra de Estado da Cultura
Marta Suplicy
Presidente do Instituto Brasileiro de Museus
Ângelo Oswaldo de Araújo Santos
Diretora do Museu Nacional de Belas Artes
Monica F. Braunschweiger Xexéo
Assessoria de Imprensa
Nelson Moreira Junior
Lucélia Santos de Paiva
Coordenação Técnica
Daniela Matera
José Antonio Patané Filho (apoio)
Ingrid Vidal (estagiária)
Roberta Fontes (estagiária)
Curadoria de Escultura e Arte Africana
Daniel Barretto da Silva (curador)
Anaildo Baraçal
Arnaldo Alonso (estagiário)
Curadoria de Gravura
Laura Abreu (curadora)
Mariana Virgílio Rocha (estagiária)
Coleções Especiais
Amauri Rodrigues Dias
Coordenação de Conservação e
Restauração
Larissa Long
Jadir de Souza (apoio)
Reserva Técnica
Nilsélia Diogo
Cláudia Ribeiro
Gabriela Rodrigues (estagiária)
Restauração Pintura
Larissa Long
Adelaide Ferreira (estagiária)
Coordenação de Comunicação
Sheila Salewski
Exposições Temporárias
Sheila Salewski
Laís Quintanilha (estagiária)
Sistema de Informações do Acervo do
Museu Nacional de Belas Artes – Simba
Gilson Gemente
Educativa - Responsabilidade Social
Rossano Antenuzzi
Simone Bibian
Jéssica de Castro (estagiária)
Seção de Registro
Cláudia Regina da Rocha
Cinda Alcântara
Ana Paula Rocha (estagiária)
Educativa - Educação Patrimonial
Amandio Miguel dos Santos
Henrique Guilherme Vianna
Reginaldo Tobias de Oliveira
Núcleo de Imagem
Andrea Pedreira
Vicente do Carmo
Comunicação Visual
Guilherme Sarmento
Biblioteca
Mary Komatsu
Ângela Cirene Teles
Júlia Bastos
Márcia Rebelo
Vicência Mendes
Pollyana Sales
Thaís Freitas
Lusia Soares (apoio)
Juliana Carolinne de Souza (estagiária)
Jéssica Santos Prado Cabral (estagiária)
Coordenação Administrativa
Jose Rodrigues Neto
Financeiro
Adriana Fontes Lavinas
Recursos Humanos
Cláudia Regina Pessino
Priscila Silva
Patrimônio
Waldir Luiz Lane
Paulo Roberto da Silva
Licitação e Compras
Lúcio Roberto Machado
Waldir Luiz Lane
Protocolo
Sérgio Alcântara
Mário Luís Pinto
Apoio Administrativo
Adilson da Silva
Edemilson Barbosa
Segurança Interna
Ilmar de Barros (chefe)
Janilson dos Santos Vieira
Luiz Carlos Bezerra
Luiz Silva de Mendonça
Wagner Vasques
Manutenção Predial
Altair Dantas (chefe)
Armando Carvalho Manhães
Conselho Científico de Exposições
Amandio Miguel dos Santos
Antônio Grosso
Cláudio Valério Teixeira
Daniel Barretto da Silva
George Kornis
Luciano Migliaccio
Morris Braun
Pedro Xexéo
Renata Lessa
Sheila Salewski
Suzana Queiroga
Almoxarifado
João Carlos Esteves
Jorgival Freire
Robson Simões
5 Ibid, p. 112.
6 “I fell in love with the air, with a woman’s air, as the woman was air, with air I remained.” [Traditional Sephardic song].
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Agradeço a todos que colaboraram com generosidade e entusiasmo
e tornaram possível a realização desta publicação
e da exposição Se noite fosse água – Sequências
Curadoria da exposição Laura Abreu e Daniel Barretto
Monica F. Braunschweiger Xexéo
Fernando Ullmann (gráfica Ipsis)
Karl Rafael Wollny (Atlantis Moving Logistics & Relocation)
Flávio Cohn (Dan Galeria)
Cícero Oliveira
Marcus Tadeu Daniel Ribeiro
Ensaio fotográfico
Marcelo Greco
Reprodução das obras
Sergio Guerini
Versão para o Ingles
Nicole Anne Collet
Revisão
Laura Aguiar
Projeto gráfico
Yumi Saneshigue
Tratamento de imagens
Eduardo Monezi
Impressão
Ipsis
Transporte das obras
Atlantis Moving Logistics & Relocation
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Download

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