Ratificação de benefícios não aprovados pelo CONFAZ
Concessões de créditos presumidos, diminuições de bases de cálculo, diferimentos,
suspensões e concessões de prazos estendidos para pagamento – se relativos ao ICMS,
estes e outros benefícios fiscais devem, antes de concedidos, serem aprovados pelo
CONFAZ. O sistemático desrespeito a tal norma criou a “guerra fiscal”, que agora se
tenta combater.
Helena Falcone
AAA/SP - [email protected].
Em 30 de julho p.p., foi noticiada a publicação do Convênio Confaz nº 70/2014, que já
era bastante aguardada. Isso porque a promessa de tal dispositivo, emitido pelo órgão
responsável pelos convênios para concessão e controle de benefícios no âmbito do
ICMS (CONFAZ), é ousada: ser o primeiro passo efetivo no sentido de pôr fim à guerra
fiscal.
E realmente começa de forma ousada: anistiando amplamente o contribuinte, o maior
prejudicado no front da guerra fiscal. Seu primeiro artigo anistia de forma clara
qualquer débito constituído com base em benefício não ratificado pelo CONFAZ, em
qualquer fase de cobrança que esteja – administrativa ou judicial. Uma providência
certamente benvinda.
Contudo, em que pese a louvável intenção, tal anistia é questionável. De acordo com o
§1º, art. 2º da Lei Complementar 24/1975, instituidora do CONFAZ, benefícios deste
tipo só poderão ser concedidos com a anuência unânime de todos os estados – o que
não ocorreu. Amazonas, Ceará, Espírito Santo, Goiás, Rio Grande do Norte e Santa
Catarina não ratificaram o convênio, o que retira por ora força normativa do dispositivo.
Caso tais estados editem decretos ratificando o convênio antes do prazo de 15 dias
previsto no 4º da supra mencionada lei complementar, a falta de anuência anterior
ficaria suprida – e tal questão seria superada.
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Os que tem fé na anistia fiam-se na aprovação do projeto de lei PLS nº 130, em trâmite
perante a Comissão de Assuntos Econômicos do Senado. Referido projeto, de autoria do
Senador Cristovam Buarque e outros, prevê não apenas uma anistia semelhante à
proposta no convênio, mas também o fim da unanimidade para a aprovação das
decisões do CONFAZ.
Seguindo no texto do Convênio 70/2014, mais uma questão surge com relação à
viabilidade da de concessão da anistia. Na cláusula sétima, o dispositivo prevê que a
anistia se aplicará mesmo aos débitos advindos de benefícios já declarados
inconstitucionais pelo Poder Judiciário, o que levanta a questão: seria possível
“constitucionalizar” os efeitos de uma norma declarada nula por ser inconstitucional?
Caberia ao CONFAZ, um órgão da administração fazendária, subordinado ao poder
executivo, assumir para si a prerrogativa de modulação de efeitos, função exclusiva do
Supremo Tribunal Federal? Certamente que não. A aplicação da anistia aos débitos
nesta situação fica bastante prejudicada.
Além da anistia (novamente, louvável porém contestável), o Convênio nº 70/2014 traz
ainda mais algumas previsões que excedem sua esfera de atuação. São elas: (a) a
determinação de diminuição progressiva das alíquotas interestaduais, definindo-as
expressamente; (b) a informação do diferencial de alíquota para as operações
interestaduais com consumidores finais não contribuintes e (c) o estabelecimento de
um fundo federativo em favor dos Estados, para contrabalançar perdas na arrecadação
advindas das anistias concedidas e das demais alterações.
Ao que parece, os próprios relatores do convênio reconhecem a inaplicabilidade de tais
pretensões, tanto que condicionam a própria eficácia e validade do dispositivo à edição
de Emenda Constitucional e de Lei Complementar, pelo Congresso ou pelo Senado,
órgãos do Poder Legislativo que detém a competência para determinar sobre as
matérias retro mencionadas.
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Também não deve passar despercebido o momento no qual se escolheu publicar o
convênio em questão. Em pleno ano eleitoral, e num clima de possível alteração
política, possivelmente os que nele acreditam esperam ter mais chance de verem
tomadas as providências legais necessárias para a validade das determinações nele
contidas. Embora já seja possível antever que a redução das alíquotas na forma como
prevista no convênio venha agravar a situação de acúmulo de créditos de alguns
contribuintes.
Mas mesmo que nenhuma legislação seja editada para dar-lhe o suporte normativo
claramente necessário para sua eficácia, e mesmo com imperfeições técnicas, ainda há
certo valor na edição deste dispositivo. Presta-se como uma verdadeira carta de
intenções, ou melhor, como uma lista de sugestões dos técnicos do CONFAZ para que o
Legislativo possa ter por onde começar uma reforma fiscal efetiva no âmbito do ICMS.
Agora, resta aguardar e ver o que será feito do Convênio nº 70/2014.
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