INSTITUTO NACIONAL DE PESQUISAS DA AMAZÔNIA - INPA
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ECOLOGIA
Ecologia, etnoecologia e uso local de matupás na Reserva de
Desenvolvimento Sustentável Amanã, Amazônia Central
CAROLINA TAVARES DE FREITAS
Manaus, Amazonas
Novembro, 2013
CAROLINA TAVARES DE FREITAS
Ecologia, etnoecologia e uso local de matupás na Reserva de
Desenvolvimento Sustentável Amanã, Amazônia Central
ORIENTADOR: DR. GLENN HARVEY SHEPARD JR
COORIENTADORA: DRA. MARIA TERESA FERNANDEZ PIEDADE
Dissertação apresentada ao Instituto Nacional de
Pesquisas da Amazônia como parte dos requisitos
para obtenção do título de Mestre em Biologia
(Ecologia).
Manaus, Amazonas
Novembro, 2013
ii
Relação da banca julgadora
1. Banca examinadora do trabalho de conclusão – Versão escrita
Dr. Nivaldo Peroni (Universidade Federal de Santa Catarina) – Aprovada com correções
Dr. Florian K. Wittmann (Max Planck Institute for Chemistry) – Necessita revisão
Dr. José Júlio de Toledo (Universidade Estadual de Roraima) - Aprovada
2. Banca examinadora do trabalho de conclusão – Defesa presencial
Dr. Florian K. Wittmann (Max Planck Institute for Chemistry) - Aprovada
Dr. Jansen A. S. Zuanon (Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia) - Aprovada
Dr. Charles R. Clement (Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia) - Aprovada
iii
F866
Freitas, Carolina Tavares de
Ecologia, etnoecologia e uso local de matupás na Reserva de
Desenvolvimento Sustentável Amanã, Amazônia Central / Carolina
Tavares de Freitas. --- Manaus : [s.n], 2013.
xiii, 110 f. : il. color.
Dissertação (Mestrado) --- INPA, Manaus, 2013.
Orientador : Glenn Harvey Shepard Jr.
Coorientadora : Maria Teresa Fernandez Piedade.
Área de concentração : Ecologia.
1. Ilhas flutuantes 2. Turfeiras 3. Comunidade vegetal 4.
Conhecimento tradicional 5. Uso de recursos naturais 6. Lagos de
várzea I. Título.
CDD 574.5
Sinopse:
Unindo abordagens da ecologia e da etnoecologia, estudou-se a
composição florística dos matupás (ilhas flutuantes amazônicas),
aspectos estruturais dessas ilhas, seu processo de formação, a relação
entre sua ocorrência e fatores bióticos e abióticos, sua importância
ecológica e sua relevância para populações ribeirinhas da RDS Amanã
(Amazonas, Brasil).
Palavras-chave: Ilhas flutuantes, turfeiras, comunidade vegetal,
conhecimento tradicional, uso de recursos naturais, lagos de várzea
iv
Dedico este trabalho àqueles e àquelas
que buscam fazer deste mundo um lugar
mais bonito e justo.
v
Agradecimentos
Ao INPA, incluindo seus pesquisadores e colaboradores, pela oportunidade do mestrado, por
contribuir muito para minha formação acadêmica e me proporcionar tantos aprendizados.
Ao CNPq, por me conceder uma bolsa de mestrado.
Aos meus orientadores, Glenn H. Shepard Jr. e Maria Teresa F. Piedade, que aceitaram ceder
parte de seu tempo para me ajudar a fazer o melhor possível. Sou muito grata pelo
acolhimento e por todas as sugestões, comentários e direcionamentos.
A Florian Wittmann, por ter sido sempre bastante solícito e ter compartilhado alguns de seus
conhecimentos e ideias comigo, contribuindo muito em diferentes etapas do trabalho.
A todos do projeto INPA-Max Planck e do grupo Ecologia, Monitoramento e Uso Sustentável
de Áreas Úmidas (MAUA), uma equipe que está sempre disposta a auxiliar em qualquer
necessidade, buscando fornecer as melhores condições para o desenvolvimento das pesquisas.
Ao Instituto de Desenvolvimento Sustentável Mamirauá (IDSM) por financiar a pesquisa e
fornecer todo o apoio logístico.
À National Geographic Society por contribuir para o financiamento da pesquisa.
À equipe do Instituto Piagaçu (2011), em especial a Helô (Heloísa Brum) e o Duka (Eduardo
von Muhlen), que mostraram-se acolhedores e favoráveis à possibilidade de uma parceria e
estão de alguma forma ligados ao início do meu projeto. Agradeço especialmente também ao
Zeca (José Rabello), a primeira pessoa a me falar sobre os matupás e o cultivo de
comunitários nessas ilhas – provavelmente ele não imaginava que esses diálogos seriam tão
importantes para o restante da minha trajetória no mestrado.
Àqueles que aceitaram avaliar meu trabalho e dar sugestões para seu aprimoramento em uma
ou mais etapas do processo, incluindo o plano de mestrado, a aula de qualificação, a
dissertação e a defesa oral. Um agradecimento especial a Charles R. Clement, não apenas por
vi
ser um avaliador muito atencioso e dedicado, mas também por ter se colocado sempre à
disposição para contribuir com o desenvolvimento do meu projeto.
A todos aqueles que consultei e que tentaram contribuir de alguma forma, ainda que com
pequenos comentários e sugestões ou apenas com conversas descontraídas. Algumas ideias e
esclarecimentos surgem assim, nos diálogos informais, quando menos esperamos.
Ao “etnopeople”, grupo formado por pessoas muito queridas que se juntaram para trocar
ideias sobre o universo “etno”. Nossos encontros foram sempre muito enriquecedores e me
fortaleceram ao proporcionar a sensação de não estar sozinha em um contexto no qual a
pesquisa etnobiológica é ainda tão incipiente.
À Marina (Marina Vieira), por ter sido bem mais que minha “dupla acadêmica”. Por ter tido
tanta paciência com minhas dúvidas e inseguranças em relação ao mestrado, por ter
contribuído muito em todas as etapas. Por ser uma amiga querida e uma parceira acadêmica
das melhores que se pode ter.
À Ju (Juliana Lins) e ao Chico (Francisco Diniz), pela convivência harmoniosa em nossa casa,
por tantas ideias trocadas e pelo apoio de todas as horas.
Aos demais amigos de Manaus, pessoas que tantas vezes proporcionaram momentos de
alegria e amenizaram os de tensão. Os amigos foram (e são) parte essencial da minha vida
nessa cidade. Com eles, a caminhada até aqui certamente foi mais fácil e agradável. Agradeço
especialmente à Julia (Julia Tavares), pelo seu grande companheirismo e alto-astral, por tantas
coisas compartilhadas. À Dri (Adriane Morais) e à Nanda (Fernanda Rodrigues), pela sincera
disposição para ajudar em tudo. À Carolzinha (Carolina Levis), Pimentinha (Clarissa
Pimenta), Suiço (Stefan Ammann), Danete (Adriano Didonet), Jerê (Felipe Reis) e Estopa
(Henrique Seixas), os cariocas que me proporcionaram uma ótima chegada e início de
vivências em Manaus, pessoas que sempre me alegra encontrar e trocar ideias. À Mari
(Mariana Cassino), pelas aulas de yoga que me fizeram tão bem. Aos companheiros da turma
da ecologia 2011, com os quais tantos momentos compartilhei, especialmente Nayara Soto,
Maíra Rizzi, Gabi Soberón, Juliana Bonanomi e Thiago Couto, além daqueles já citados
anteriormente.
vii
Aos amigos de Recife e do Rio, pessoas que me trouxeram muitas vivências importantes e
que de alguma forma têm relação com minha estadia aqui. Eles me fazem ter cada vez mais
certeza de que a distância e o tempo não são capazes de afetar verdadeiras amizades. Em
especial agradeço à Marcinha, que, além de compartilhar e tentar amenizar minhas angústias
associadas ao mestrado, me trouxe muitas reflexões, aprendizados e sentimentos bonitos.
Agora tento trazer meus mais profundos agradecimentos para aqueles que as palavras e gestos
certamente não seriam suficientes para demonstrar toda a minha gratidão...
Aos moradores do Amanã, pessoas tão incríveis que me emocionaram tantas vezes e me
receberam de forma tão acolhedora. Um agradecimento especial aos que disponibilizaram
parte de seu tempo para participar das minhas entrevistas e compartilharam seus preciosos
conhecimentos comigo. Sou muito grata também àqueles que me acompanharam nos matupás
como assistentes de campo: Zezão, Alair e seu Roberto (comunidade Nova Jerusalém);
Hudson e Divino (Bom Socorro); Carica e Pequiá (Várzea Alegre); Marquinhos e Sena (Vila
Nova). Minha eterna gratidão ao Áquila, muito mais que um assistente de campo, um irmão
amazonense que a vida me presenteou. Todo seu apoio nas minhas idas ao Amanã foi
fundamental para a realização da pesquisa. Gratidão sincera e intensa também a toda sua
família, pessoas que me proporcionaram momentos inesquecíveis e me fazem sentir que tenho
uma família na Amazônia - lembrarei sempre dos momentos no Ubim, no Cacau e no Bom
Socorro com imensa saudade e muito carinho.
Ao Helder, esse maravilhoso companheiro que mudou completamente os meus dias, que me
faz tão feliz e me traz tanta paz. Agradeço por toda sua imensa ajuda no processo de
construção desse trabalho, mas ainda muito mais por tudo o que trouxe (e traz) de bonito,
agradável e inesquecível para a minha vida como um todo.
Por fim, à minha família extremamente querida - minha mãe, meu pai, minha vó, meus
irmãos. Pessoas que simplesmente nem tenho palavras para descrever. Pessoas lindas, que
tanto me ajudam a nunca perder o rumo. Que contribuíram (e contribuem) imensamente para
o meu crescimento, que sempre me proporcionaram tantos aprendizados e momentos
maravilhosos. Que me apoiam a cada passo. Que me fazem desejar a invenção do
teletransporte com muita frequência. Que me fazem tão mais feliz, somente por saber que
estamos conectados. Que me fazem acreditar em um mundo melhor.
viii
MATUPÁS
“- Que serão matupás?
- Eu vos direi, leitor:
- Entremos a floresta...À nossa frente, ha um lago...
Verde vegetação vicêja, à quieta, flôr...
Capinzaes...Lá no fundo, em seu palacio mago,
A Yára, a fascinar, com seus philtros de amôr,
o incola ou o pescador, de olhar sombrio e vago...
Canta!...e elle se encanta, ao inebriante dulçôr
da mysteriosa vóz, toda blandicia e afago...
Quando o nível da enchente aos igapós se alteia,
toda a flóra lacústre o grande veio ruma,
e vae, corrente em fóra...em vírides ilhotas...
Tudo ao capim se agrega: - a alvadia colmeia,
jacarés, jaçanãs, os cédros, a samaúma,
oiranas, assacús, repletos de gaivotas,
garças e maguarys; sapos, cóbras, guarás...
Em synthese, leitor, - o que são matupás?
- Um mundo vegetal, animado e sombrio,
pomposo, pontilhando a corrente do rio...
Fauna e flora – do valle as primitivas donas,
Em ronda secular, no dorso do Amazonas...”
(“Matupás do meu lago”, José Ferreira Sobrinho, 1935)
ix
Resumo
A pesquisa ecológica e a pesquisa etnoecológica possuem forte potencial para nos permitir
conhecer e compreender melhor elementos e processos ecológicos, a partir do uso de
diferentes métodos e formas de consolidar ideias. Essas duas abordagens podem ser
complementares, e estudos que busquem uni-las tendem a resultar em trabalhos mais
completos e informativos. Aqui, o conhecimento científico e o tradicional foram utilizados
conjuntamente na obtenção de informações sobre os matupás, ilhas flutuantes que ocorrem em
lagos de várzea da Amazônia. Os matupás são formados por um bloco de material orgânico
parcialmente decomposto em sua base e uma comunidade vegetal e animal em sua superfície.
Por possuírem um substrato orgânico com características de turfa, também podem ser
considerados turfeiras. Apesar de já existirem muitos estudos sobre os diversos tipos de ilhas
flutuantes e turfeiras no mundo, há pouca informação a respeito para a Amazônia. Sobre os
matupás, o conhecimento científico é ainda muito incipiente, não havendo sido feitos estudos
centrados apenas nessas ilhas. Por outro lado, povos ribeirinhos que vivem próximo a
matupás demonstram possuir bastante conhecimento sobre essas formações e utilizá-las em
atividades relacionadas à agricultura e pesca. No presente estudo, buscamos reunir
informações obtidas a partir da realização de um inventário florístico (espécies
herbáceas/lenhosas) em matupás na Reserva de Desenvolvimento Sustentável Amanã
(Amazonas, Brasil) e de entrevistas com ribeirinhos moradores da Reserva. Para tanto, (i)
amostramos 10 matupás, delimitando parcelas de 5 x 5 m para amostragem de espécies
lenhosas e obtenção de dados sobre a espessura do substrato do matupá, e subparcelas de 1 x
1 m para espécies herbáceas (n = 82 parcelas e subparcelas); e (ii) realizamos 35 entrevistas
com ribeirinhos de cinco comunidades, levantando informações sobre o processo de formação
dos matupás; fatores bióticos e abióticos relacionados à sua ocorrência; sua importância
ecológica; e sua utilidade para os ribeirinhos. A partir dos dados obtidos nas amostragens,
pudemos perceber que a espessura do substrato do matupá é um parâmetro de muita
importância na ocorrência e distribuição de plantas em sua superfície. Conforme o substrato
se torna mais espesso, o número de espécies lenhosas aumenta e ocorre uma substituição de
espécies, modificando sua fitofisionomia como um todo. Matupás mais espessos apresentam,
ainda, uma maior dissimilaridade florística entre locais em seu interior, o que indica que são
ambientes mais heterogêneos. A partir das entrevistas, obtivemos explicações detalhadas
sobre processos relacionados aos matupás, destacando-se informações ecológicas de muita
relevância que eram desconhecidas pela ciência. Dentre elas, a importância da dinâmica
sazonal de enchente/vazante para formação dos matupás e a relevância dessas ilhas para a
abundância de peixes de grande porte nos lagos. Dados sobre composição florística fornecidos
pelos entrevistados foram comparados aos resultados do inventário realizado nos 10 matupás,
havendo relação entre ambos. Para os ribeirinhos, os matupás são uma importante fonte de
adubo no cultivo em canteiros e um local propício para pesca do pirarucu (Arapaima gigas),
além de possuírem importância indireta na dieta desses povos ao favorecer a abundância de
peixes nos lagos.
x
Ecology, ethnoecology and local use of matupás in Amanã Sustainable
Development Reservation, Central Amazon
Abstract
Ecological research and ethnoecological investigation have strong potential to allow us to
better know and understand ecological processes, by using different methods and approaches.
They can be complementary and studies that seek to connect them tend to result in more
complete and informative labors. In this study, traditional and scientific knowledge were used
together to obtain information about matupás, floating islands that occur in Amazonian
floodplain lakes. Matupás are formed by a block of partially decomposed organic material at
its base and a plant and animal community on its surface. By having an organic substrate with
characteristics of peat matupás can be also considered as peatlands. Although there are many
studies about the different types of floating islands and peatlands around the world, there is
little information within the Amazon. Scientific knowledge about matupás is still incipient,
there are actually no studies focusing solely on these islands. On the other hand, riverine
people who live near matupás show profound knowledge about these islands and use them in
activities related to agriculture and fishery. In this study, we gathered information from a
floristic inventory (herbaceous/woody plants) in matupás located in the Amanã Sustainable
Development Reservation (Amazonas, Brazil) and from interviews with riverine people living
in the Reservation. Therefore, we (i) sampled 10 matupás establishing plots of 5 x 5 m for
sampling woody species and substrate thickness and subplots of 1 x 1 m for sampling
herbaceous species (n = 82 plots and subplots), and we also (ii) conducted 35 interviews in
five riverine communities, getting information about the matupás formation process; biotic
and abiotic factors related to their occurrence, their ecological importance and its usefulness
to riverine people. According to data obtained from the inventory we conclude that substrate
thickness is an important parameter for the plants occurrence and distribution in matupás. As
the thickness increases, the number of woody species also increases and a species replacement
occurs, changing matupá physiognomy. Matupás thicker also exhibit greater floristic
dissimilarity between its sites, which indicates that they are more heterogeneous
environments. From the interviews, we obtained detailed explanations of processes related to
matupás, with points of high ecological relevance that were still unknown to science. Among
them are the importance of seasonal dynamics of water level fluctuations for matupá
formation and the relevance of these islands to the abundance of large fish in the lakes.
Floristic composition data provided by the interviewed were compared to results of our
inventory in matupás, showing relationships between them. For locals, matupás are an
important source of fertilizer in cultivation and a good place to fish pirarucu (Arapaima
gigas), and have indirect importance by favoring the greater abundance of fish in the lakes.
xi
Sumário
Lista de tabelas .......................................................................................................................xii
Lista de figuras ......................................................................................................................xiii
Introdução Geral ...................................................................................................................... 1
Objetivo Geral .......................................................................................................................... 4
Objetivos Específicos ................................................................................................................ 4
Capítulo 1: Matupás: composição florística e processo sucessional de ilhas flutuantes na
Amazônia....................................................................................................................................5
Capítulo 2: Conhecimento tradicional e uso de matupás por ribeirinhos na Reserva de
Desenvolvimento Sustentável Amanã, Amazônia Central ....................................................... 39
Síntese ...................................................................................................................................... 82
Referências Bibliográficas ..................................................................................................... 84
Glossário .................................................................................................................................. 94
Apêndice A: Fotografias de matupás ....................................................................................... 97
Apêndice B: Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE)................................... 102
Apêndice C: Roteiro para entrevistas....................................................................................104
Anexos....................................................................................................................................106
xii
Lista de tabelas
Capítulo 1
Tabela 1. Número de parcelas amostradas, espessura do substrato e área estimada para cada
um dos 10 matupás amostrados na RDS Amanã e área de entorno..........................................17
Tabela 2. Número de indivíduos, número de matupás em que ocorreu, densidade relativa,
frequência relativa, dominância relativa e índice de valor de importância (IVI) de cada espécie
lenhosa
registrada
nos
10
matupás
amostrados
na
RDS
Amanã
e
área
de
entorno......................................................................................................................................19
Tabela 3. Área de cobertura total, número de matupás em que ocorreu, área de cobertura
relativa, frequência relativa e índice de valor de importância adaptado (IVIa) de cada espécie
herbácea
registrada
nos
10
matupás
amostrados
na
RDS
Amanã
e
área
de
entorno......................................................................................................................................23
Capítulo 2
Tabela 1. Frequência de citação, posição média de citação e índice de saliência cognitiva de
cada planta citada como presente nos “matupás em formação” segundo as listagens feitas por
ribeirinhos da RDS Amanã.......................................................................................................58
Tabela 2. Frequência de citação, posição média de citação e índice de saliência cognitiva de
cada planta citada como presente nos “matupás desenvolvidos” segundo as listagens feitas por
ribeirinhos da RDS Amanã.......................................................................................................59
Tabela 3. Porcentagem de entrevistas em que cada animal foi citado como frequentador dos
“matupás em formação” e dos “matupás desenvolvidos”.........................................................63
xiii
Lista de figuras
Capítulo 1
Figura 1. Localização da RDS Amanã e dos matupás amostrados..........................................12
Figura 2. Esquema representando a distribuição das parcelas amostrais nos matupás............13
Figura 3. Relação entre a dissimilaridade florística média e a espessura média de cada um dos
10 matupás amostrados na RDS Amanã e a área de entorno....................................................25
Figura 4. Ordenação direta das espécies lenhosas e herbáceas ao longo do gradiente de
espessura do substrato do matupá nas 82 parcelas amostradas em 10 matupás da RDS Amanã
e área de entorno.......................................................................................................................27
Capítulo 2
Figura 1. Localização da RDS Amanã e das comunidades onde a pesquisa foi
realizada....................................................................................................................................46
Figura 2. Relação entre o índice de saliência cognitiva (S) das plantas citadas nas 35
entrevistas como presentes nos “matupás desenvolvidos” e o índice de valor de importância
(IVI) das plantas encontradas em inventário realizado em 10 matupás localizados próximo às
comunidades entrevistadas........................................................................................................61
1
Introdução Geral
“Para aqueles que não estão familiarizados, as ilhas flutuantes
geralmente parecem à primeira vista um mito, um paradoxo ou uma
impossibilidade: pedaços firmes de terra sólida e maciça nos quais
podemos ficar em pé não podem derivar facilmente sobre a superfície
de um corpo de água. No entanto, ilhas flutuantes existem em pelo
menos seis dos sete continentes, e às vezes nos oceanos que os
separam; podem ter árvores crescendo nelas, ter centenas de metros
de diâmetro e suportar o peso de uma centena de bois pastando em
sua superfície. Em alguns casos, elas têm inspirado veneração
religiosa, e em outros as canetas de paradoxógrafos1 (escritores de
maravilhas) e poetas.”2
(Van Duzer, 2004)
Apesar de já existirem muitos estudos sobre os diversos tipos de ilhas flutuantes
presentes no mundo, há pouca informação a respeito para a Amazônia. A maior parte do
material bibliográfico disponível corresponde apenas a observações feitas em expedições pela
região, conforme nos indica o extenso levantamento bibliográfico realizado por Van Duzer
(2004) em seu livro sobre ilhas flutuantes no mundo. Algumas das fontes aí citadas
correspondem a narrações contidas em revistas do século XIX, nas quais os autores discorrem
sobre a presença de ilhas flutuantes em diversos locais, inclusive na Amazônia3. Outras são
publicações mais recentes que abordam as “ilhas de capins” ou “bancos de macrófitas”,
destacando alguns de seus aspectos ecológicos (Chanton et al. 1989; Doyler e Fisher 1994;
Schiesari et al. 2003). Apenas duas delas, no entanto, falam explicitamente sobre os matupás
(Junk 1983; Junk e Piedade 1997), ilhas flutuantes amazônicas que possuem características
semelhantes àquelas descritas por Van Duzer (2004).
Os matupás são formados por uma camada de material orgânico parcialmente
decomposto em sua base e uma comunidade vegetal em sua superfície (Junk, 1983; Junk e
1
A palavra “paradoxógrafos” foi utilizada aqui como tradução do termo em inglês paradoxographers, que se
refere a escritores do gênero literário paradoxography, um tipo de texto clássico que reporta fenômenos
incríveis, extraordinários, inexplicáveis (Kazhdan 2012; Brill Online 2013).
2
3
Texto original em inglês.
Essas narrações não correspondem a artigos científicos, mas a publicações em revistas de divulgação.
Exemplos: “Floating Islands and Gardens”, Penny Magazine of the Society for the Diffusion of Useful
Knowledge, New Series 12(1843), p.326-328; “Sea-Drift”, Brooklyn Daily Eagle, January 28, 1870, p.1.
2
Piedade 1997). Ocorrem em lagos localizados nas regiões de várzea, que são áreas de planície
alagável associadas a rios de água branca, ou seja, rios de origem andina e pré-andina nos
quais há uma grande carga de sedimentos ricos em nutrientes (Sioli, 1984; Junk et al. 2011).
Os matupás se formam a partir de uma série de estágios de sucessão autogênica na
comunidade vegetal, que se inicia com a aglomeração de plantas aquáticas na superfície da
água e, após certo tempo, resulta em um substrato consolidado onde podem crescer espécies
herbáceas, arbustivas e arbóreas (Junk 1983; Piedade 1997). O substrato do matupá pode
chegar a 3 m de espessura e sua área pode variar de poucos metros quadrados até alguns
hectares, sendo muitas vezes possível caminhar em sua superfície.
Além de ilhas flutuantes, os matupás também podem ser considerados turfeiras, uma
vez que possuem um substrato orgânico com características de turfa (Neiff et al. 2004).
Turfas são estruturas não consolidadas formadas pelo acúmulo de matéria orgânica
parcialmente decomposta em áreas que sofrem inundação (Neiff et al. 2004). A maioria das
turfeiras do mundo está localizada em regiões boreais e temperadas, mas também existem
extensas turfeiras em regiões tropicais, que vêm recebendo atenção cada vez maior devido à
sua importância ecológica (Lähtenoja et al. 2009a). Na Amazônia, pouco se conhece sobre a
existência de turfeiras. A maior parte das informações parece restrita a algumas observações
esporádicas em diferentes pesquisas ecológicas (Junk 1983; Batjes e Dijkshoorn 1999;
Schulman et al. 1999; Barbieri et al. 2000; Ledru 2001). No entanto, estudos recentes na
Amazônia peruana vêm revelando a existência de grandes depósitos de turfas, com espessura
de até 9 m (Lähteenoja et al. 2009b; Lähteenoja e Page 2011; Householder et al. 2012), o que
desperta a ciência para a necessidade de maiores estudos acerca da ocorrência, características
e papel ecológico de turfeiras amazônicas.
Desde o lançamento do livro de Van Duzer (2004), foram publicados outros estudos
acerca dos bancos de macrófitas amazônicos, mas nada novo surgiu sobre os matupás. Junk e
Piedade (1997) descreveram os matupás a partir de informações anteriormente publicadas por
Junk (1983) somadas a informações compiladas posteriormente pelos autores com base em
observações feitas em expedições à região do médio e alto Amazonas. Nessas duas
publicações, porém, os autores discutem diversos aspectos sobre as áreas alagáveis
amazônicas, não tendo como enfoque os matupás propriamente ditos. Assim, ainda não foram
publicados estudos desenvolvidos a partir de pesquisas sistemáticas nessas ilhas, sendo o
conhecimento científico sobre os matupás todavia muito incipiente.
Por outro lado, em uma viagem exploratória à Reserva de Desenvolvimento
Sustentável Amanã (RDSA; médio Solimões, Amazonas), pude perceber que populações
3
ribeirinhas que ali vivem possuem bastante conhecimento sobre os matupás e utilizam essas
ilhas em atividades relacionadas à agricultura e pesca. Isso indica que tais populações
tradicionais devem ser uma relevante fonte de informação sobre essas formações. Vale
ressaltar que o conhecimento ecológico tradicional vem sendo utilizado em diversas
pesquisas, mostrando-se muito útil especialmente para a compreensão detalhada de processos
de longa duração e para estudos em locais com áreas grandes a ponto de dificultar a pesquisa
ecológica convencional (Sheil e Lawrence 2004; Halme e Bodmer 2007; Brook e McLachlan
2008).
Sendo assim, no presente estudo busquei usar uma abordagem integrada, unindo o
conhecimento científico e o conhecimento tradicional para gerar maiores informações sobre
as características e importância ecológica dos matupás. Para tanto, realizei amostragens em
matupás e conduzi entrevistas com ribeirinhos na RDSA, apresentando e discutindo em dois
capítulos distintos os resultados obtidos em cada uma dessas abordagens. No Capítulo 1,
exponho os dados adquiridos a partir da realização das amostragens nos matupás. Com esses
dados, mostro quais espécies vegetais (herbáceas/lenhosas) ocorrem nos matupás e como elas
se apresentam em termos de densidade, frequência e dominância; relaciono a composição
florística à estrutura física dos matupás; e associo tais fatores a variações ocorridas ao longo
de seu processo sucessional. Já no Capítulo 2, apresento as informações obtidas nas
entrevistas. Com base nessas informações, discuto o que são os matupás; como eles se
formam; quais são as principais condições para que eles ocorram em um determinado local;
que características, animais e plantas estão associados aos seus diferentes estágios de
desenvolvimento; e quais são alguns de seus papéis ecológicos. Além disso, avalio a
importância que os matupás têm para as próprias populações ribeirinhas, abordando
especialmente os usos que costumam fazer dessas ilhas.
4
Objetivo Geral
Compreender a estrutura e processo de formação de matupás, bem como as concepções e os
usos dessas ilhas flutuantes por ribeirinhos da RDS Amanã (Amazônia Central, Brasil).
Objetivos Específicos
1. Determinar a composição florística dos matupás (espécies herbáceas e lenhosas);
2. Avaliar a relação entre parâmetros florísticos (número e composição de espécies) e a
estrutura dos matupás (espessura do substrato);
3. Sumarizar as concepções de ribeirinhos da RDS Amanã acerca da formação,
desenvolvimento, composição de espécies e importância ecológica dos matupás;
4. Diagnosticar o uso dos matupás por populações ribeirinhas da RDS Amanã.
Capítulo 1
Freitas, C.T.; Piedade, M.T.F.; Shepard, G.H.
Matupás: composição florística e processo
sucessional de ilhas flutuantes na Amazônia.
Manuscrito formatado segundo as regras do
periódico Acta Amazonica.
Matupás: composição florística e processo sucessional de ilhas flutuantes na
Amazônia
Carolina T. de FREITAS*1, Maria T. F. PIEDADE2 & Glenn H. SHEPARD3
1
Programa de Pós Graduação em Ecologia - Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia
INPA/ V8
Av. André Araújo 2936, Petrópolis
69060-001
Manaus, AM
[email protected]
2
Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia, Departamento de Biologia Aquática e
Limnologia, Projeto Inpa-Max Planck
Av. André Araújo 2936, Petrópolis
69011-970
Manaus, AM
[email protected]
3
Museu Paraense Emilio Goeldi, Departamento de Antropologia
Av. Perimetral, 1901, Terra Firme
66077-530
Belém, PA
[email protected]
7
Matupás: composição florística e processo sucessional de ilhas flutuantes na
Amazônia
RESUMO
Matupás são um tipo de turfeira presente em lagos de várzea da Amazônia. São ilhas
flutuantes formadas por um bloco de material orgânico parcialmente decomposto em sua base
e uma comunidade vegetal e animal em sua superfície. Servem como local de estabelecimento
para espécies vegetais e de nidificação e abrigo para animais. Há pouca informação sobre
matupás na literatura científica, não havendo sido publicados trabalhos com enfoque nessas
ilhas. Buscamos conhecer a composição florística lenhosa e herbácea dos matupás, e avaliar a
relação entre aspectos florísticos e a espessura do substrato dessas ilhas, associando tais
fatores a variações ocorridas ao longo de seu processo sucessional. Amostramos 10 matupás
na Reserva de Desenvolvimento Sustentável Amanã (Amazonas, Brasil), com número de
parcelas amostrais variando de acordo com o tamanho do matupá. Usamos parcelas de 5 x 5
m para amostrar as espécies lenhosas e a espessura do substrato e subparcelas de 1 x 1 m para
amostragem de herbáceas (n = 82 parcelas e subparcelas). Utilizamos modelos de ANCOVA,
MANCOVA e regressão simples para testar se os dados florísticos possuíam relação com a
espessura do substrato e/ou com o local de coleta. Utilizamos uma ordenação direta para
visualizar padrões de composição da comunidade vegetal ao longo do gradiente de espessura
do substrato. Registramos 28 espécies lenhosas e 20 herbáceas. O número de espécies
lenhosas, a composição de espécies e a dissimilaridade florística dos matupás apresentaram
relação com a espessura do substrato. Conforme a espessura aumenta, maior é o número de
espécies lenhosas e a dissimilaridade florística entre parcelas, e ocorre uma substituição de
espécies ao longo do gradiente de espessura. Concluímos que a espessura do substrato é um
parâmetro importante para a ocorrência e distribuição de plantas nos matupás e pode ser um
bom indicador do momento sucessional destes ambientes.
Palavras-chave: Turfeira, lagos de várzea, comunidade vegetal
8
Matupás: floristic composition and successional process of Amazonian
floating islands
ABSTRACT
Matupá is a type of peatland present in Amazonian floodplain lakes. It is formed by a block of
partially decomposed organic material at its base and a plant and animal community on its
surface. Matupás favour the establishment of plant species and offer nesting places and shelter
for animals. There is little information about matupás in scientific literature. This study aimed
at knowing the floristic composition of matupás (herbaceous/woody plants), to evaluate the
relationship between floristic data and matupá substrate thickness, and to associate these data
to successional development of matupás. We sampled 10 matupás in the Amanã Sustainable
Development Reservation (Amazonas, Brazil), with number of sample plots varying
according to the size of Matupá. We established plots of 5 m x 5 for sampling woody species
and substrate thickness and subplots of 1 m x 1 for sampling herbaceous species (n = 82 plots
and subplots). We used models of ANCOVA, MANCOVA and simple regression to test
whether floristic data were related to substrate thickness and/or to sample site; and a direct
ordination to visualize vegetal community composition patterns along the substrate thickness
gradient. We recorded 28 woody species and 20 herbaceous species. The number of woody
species, the floristic composition and floristic dissimilarity of matupás were related to
substrate thickness. As the thickness increases, the number of woody species and the
dissimilarity between plots increase, and species replacements occurs along the thickness
gradient. We conclude that the substrate thickness is an important parameter for the plants
occurrence and distribution in matupás and can be a good indicator of the succession phase of
these environments.
Keywords: Peatland, amazonian floodplain lakes, vegetation community
9
1. INTRODUÇÃO
Em áreas alagáveis, condições anóxicas ou hipóxicas podem promover o acúmulo de
matéria orgânica parcialmente decomposta, resultando na formação de ambientes conhecidos
como turfeiras (Neiff et al. 2004; Lähtenoja et al. 2009a). Turfeiras ocorrem
predominantemente em regiões boreais e temperadas, mas também existem extensas turfeiras
em regiões tropicais (Lähtenoja et al. 2009a). A importância ecológica das turfeiras tropicais
vem sendo cada vez mais reconhecida, com destaque para sua participação no ciclo global do
carbono (Limpens et al. 2008). Na Amazônia, pouco se conhece sobre a existência de
turfeiras, a maior parte das informações restringe-se a observações esporádicas obtidas em
diferentes pesquisas ecológicas (Junk 1983; Batjes e Dijkshoorn 1999; Schulman et al. 1999;
Barbieri et al. 2000; Ledru 2001). No entanto, estudos recentes sobre turfeiras amazônicas
relataram extensos depósitos de turfa com espessuras de até 9 m na Amazônia Peruana
(Lähteenoja et al. 2009b; Lähteenoja e Page 2011; Householder et al. 2012), despertando a
atenção sobre a formação e importância desses ambientes no bioma amazônico.
Um tipo específico de turfeira existente na Amazônia são os matupás, ilhas flutuantes
formadas por uma camada de material orgânico parcialmente decomposto e uma comunidade
vegetal associada, composta de plantas herbáceas, arbustivas e arbóreas (Junk 1983; Junk e
Piedade 1997). Junk (1983) e Junk e Piedade (1997) descreveram a formação de matupás
como um processo que envolve uma série de estágios de sucessão autogênica na comunidade
vegetal. Os autores sugerem que esse processo geralmente apresenta o seguinte padrão:
plantas aquáticas flutuantes, como Eichhornia crassipes, Paspalum repens, Salvinia
auriculata e Pistia stratiotes, cobrem a superfície da água e produzem uma camada orgânica,
que é subsequentemente colonizada por espécies pertencentes principalmente às famílias
Cyperaceae e Poaceae, como Cyperus ferax, Eleocharis variegata, Leersia hexandra, e
Scirpus cubensis. Esses colonizadores secundários passam a dominar o local, enquanto as
espécies pioneiras tendem a ocorrer predominantemente na porção marginal da ilha de
vegetação flutuante. A presença constante da água e os processos de decomposição das
plantas aquáticas dão origem a condições hipóxicas ou anóxicas no local, o que faz com que a
decomposição do material orgânico seja retardada e a camada flutuante aumente. O processo
sucessional continua com a colonização por Montrichardia linifera (Araceae), planta comum
em áreas de várzea amazônicas, conhecida popularmente como aninga. A aninga chega a
ultrapassar 6 m de altura e possui robustos estolões, com os quais estabiliza e compacta ainda
mais a camada flutuante. O acúmulo de material orgânico produz, então, ilhas flutuantes com
10
alguns metros de espessura, que acompanham a flutuação do nível de profundidade do corpo
de água onde estão localizadas. Quando a camada já está bem consolidada, espécies arbóreas,
como Pseudobombax munguba, Senna reticulata, Cecropia latiloba e Ficus spp. podem
colonizar essas ilhas (Junk 1983; Junk e Piedade 1997). A camada de material orgânico dos
matupás pode atingir até 3 m de espessura e a área dessas ilhas pode variar de poucos metros
quadrados a alguns hectares, sendo muitas vezes possível caminhar em sua superfície (Junk
1983).
Os matupás geralmente se formam em pequenos lagos, mas também podem ser vistos
em canais isolados ou em braços de grandes lagos, sendo normalmente corpos de água que
não sofrem grandes variações anuais em área e mantêm condições aquáticas permanentes, o
que favorece o desenvolvimento dos matupás (Junk, 1983). Esses corpos de água estão
contidos em regiões de várzea, áreas de planície alagável sob influência de rios de água
branca, ricos em nutrientes e sedimentos (Sioli, 1984; Junk et al. 2011). As áreas de várzea
são um importante componente da paisagem amazônica, cobrindo 200.000 km2 da Amazônia
Brasileira (Junk 1993), o que indica que é importante conhecermos mais acerca das turfeiras
que podem se formar nesses ambientes, compreendermos as condições que favorecem o seu
desenvolvimento e avaliarmos sua importância ecológica. Vale ressaltar que as florestas que
circundam os corpos de água da várzea são as florestas alagáveis com a maior diversidade de
espécies vegetais do mundo (Wittmann et al. 2013), de maneira que, a partir da ação de
agentes dispersores, podem atuar como fonte de sementes de diversas espécies para as
turfeiras existentes nessas regiões. Junto a isso, o grande aporte de nutrientes promovido pelas
águas dos rios de água branca tende a aumentar a concentração de nutrientes no substrato das
turfeiras, o que deve favorecer o desenvolvimento das espécies vegetais nessas ilhas. Assim,
as turfeiras presentes em áreas de várzea devem apresentar uma elevada diversidade vegetal
em comparação a turfeiras existentes em outros locais do mundo.
Apesar de tudo isso, o conhecimento científico sobre os matupás é ainda muito
incipiente. Os únicos relatos existentes na literatura científica sobre sua formação e
composição florística foram feitos apenas com base em observações de campo (Junk 1983;
Junk e Piedade 1997), não havendo sido publicados estudos desenvolvidos a partir de
pesquisas direcionadas. Sendo assim, este trabalho é pioneiro na realização de inventários
florísticos em matupás, bem como na análise de padrões ecológicos com base nas
informações obtidas em amostragens. Tivemos por objetivo conhecer a composição florística
dos matupás e avaliar a relação entre seus aspectos florísticos e sua estrutura. Com base nas
descrições de Junk (1983) e Junk e Piedade (1997), partimos do pressuposto de que o
11
substrato do matupá tende a ficar mais espesso conforme o tempo passa e que, portanto, a
espessura do substrato é um reflexo do grau de desenvolvimento do matupá. Neste sentido,
buscamos testar a hipótese de que a florística dos matupás estaria diretamente associada à
espessura de seu substrato, uma vez que esses dois parâmetros devem caminhar juntos ao
longo do processo de sucessão ecológica dessas ilhas. Para tanto, pretendemos responder às
seguintes questões: (1) Que espécies vegetais (herbáceas e lenhosas) compõem os matupás e
como elas se apresentam em termos de densidade, frequência e dominância? (2) Há relação
entre os dados florísticos (número ou composição de espécies) e a espessura do substrato do
matupá?
2. MATERIAL E MÉTODOS
2.1 Área de estudo
O estudo foi realizado na Reserva de Desenvolvimento Sustentável Amanã (RDSA),
na Amazônia Central Brasileira (Figura 1). A RDSA foi criada em 1998, possui 2.313.000
hectares e está localizada aproximadamente 650 km a oeste da cidade de Manaus, na região
do médio curso do rio Solimões, próximo à confluência deste com o rio Japurá (Amazonas,
Brasil; S 02º42', W 64º39'; IDSM 2013). A maior parte da reserva é composta por florestas de
terra firme, mas também há grandes extensões de áreas alagáveis. As áreas alagáveis sofrem
forte influência do regime flúvio-dinâmico local, que garante uma variação anual média de até
10 metros no nível da água entre as estações seca e cheia (IDSM 2013). As áreas de
amostragem do estudo foram restritas à porção sudoeste da RDSA, incluindo lagos em seu
entorno. Esta região corresponde a uma área de várzea onde há muitos lagos e na qual a
formação de matupás é comum (Figura 1).
12
Figura 1. Localização da Reserva de Densenvolvimento Sustentável Amanã (RDSA) e dos matupás
amostrados. À esquerda: acima, mapa do Brasil com destaque para o estado do Amazonas e para a RDSA em
seu interior; abaixo, mapa da RDSA com destaque para a área de amostragem. À direita: imagem de satélite
(LandSat 5) da área de amostragem; os triângulos amarelos indicam a localização dos matupás amostrados; o
contorno em vermelho indica os limites da RDSA (Adaptado de imagens fornecidas pelo IDSM).
2.2 Delineamento amostral
Amostramos 10 matupás, localizados em seis corpos de água distintos (fotografias no
Apêndice A). A escolha dos matupás foi baseada em dois critérios principais: (i) facilidade de
acesso, já que a amostragem foi feita na época da seca, quando o acesso a muitos lagos se
torna difícil devido ao seu isolamento em relação ao canal principal; e (ii) viabilidade de
caminhar na superfície do matupá, uma vez que o delineamento amostral pressupunha a
abertura de trilhas ao longo de cada matupá e a coleta de dados sendo efetuada sempre no
interior do mesmo. Toda a amostragem foi realizada no mês de outubro de 2012,
correspondendo a um período de baixo nível de profundidade dos corpos de água da região.
Nesse período a amostragem é facilitada porque o substrato dos matupás fica menos
encharcado, sendo melhor o deslocamento em sua superfície.
Em cada matupá abrimos duas trilhas centrais perpendiculares entre si, buscando
sempre estabelecê-las no eixo de maior comprimento do matupá em cada direção. Tangente a
13
essas trilhas, delimitamos uma parcela de 5 X 5 m a cada 30 m, intercalando entre os lados
direito e esquerdo da trilha (Figura 2). Em alguns casos não foi possível estabelecer parcelas
ao longo de todo o eixo devido à existência de trechos extremamente alagados. Nas parcelas
de 5 X 5 m coletamos os dados referentes às espécies vegetais lenhosas e à espessura do
substrato do matupá. A área das parcelas foi menor do que a usual em estudos florísticos por
considerarmos a necessidade de adequação ao tamanho limitado dos matupás. Para a coleta de
dados das espécies herbáceas, delimitamos uma subparcela de 1 x 1 m no centro de cada uma
das parcelas de 5 X 5 m (Figura 2).
Figura 2. Esquema representando a distribuição das parcelas amostrais nos matupás. A elipse corresponde a um
matupá; as linhas perpendiculares no interior da elipse representam as trilhas centrais e os quadrados ilustram as
parcelas. As parcelas medem 5 X 5 m e estão distantes 30 m entre si em um mesmo eixo; nessas parcelas foram
amostradas as plantas lenhosas e a espessura do substrato do matupá. Abaixo, à esquerda, uma das parcelas
ampliada mostrando uma subparcela de 1 X 1 m em seu interior; nas subparcelas foram amostradas as plantas
herbáceas.
2.3 Coleta de dados
Em cada parcela foram realizadas três medidas da espessura do substrato do matupá
para gerar um valor de espessura média por parcela. Para tanto, uma vara era inserida no
substrato, perfurando-o até que fosse alcançado o seu fim. A chegada ao fundo do matupá
podia ser percebida a partir da mudança na resistência quando a vara transpunha o substrato e
14
alcançava a água abaixo dele. Então, a vara era retirada do substrato e a espessura medida
com uma trena.
Com base no comprimento das duas trilhas estimamos a área de cada matupá usando a
fórmula padrão para cálculo da área de uma elipse, dada por: A = π.a.b, onde A = área da
elipse; a = comprimento do semieixo maior; b = comprimento do semieixo menor. A elipse
foi a forma geométrica escolhida por ser considerada a mais próxima ao formato de um
matupá. Essa estimativa foi utilizada apenas como um descritor do tamanho dos matupás, não
sendo usada como um parâmetro nas análises estatísticas por apresentar uma grande margem
de erro, visto que, além de o formato do matupá variar bastante, em alguns casos foi
necessário estimar visualmente o comprimento de cada trilha devido à impossibilidade de
ultrapassar áreas demasiadamente alagadas para medir a trilha de uma ponta a outra.
Em cada parcela foram contabilizados os indivíduos de todas as morfoespécies
arbóreas e arbustivas que apresentavam Diâmetro à Altura do Peito (DAP) maior ou igual a 5
cm e das palmeiras que possuíam estipe maior ou igual a 1 m. Para cada indivíduo amostrado
registramos uma medida de DAP a partir do uso de fita diamétrica e uma medida de altura,
estimada visualmente. Nas subparcelas de 1 x 1 m, estimamos visualmente a cobertura (%)
preenchida por cada morfoespécie herbácea presente em seu interior, com exceção da aninga
(M. linifera) cujos indivíduos foram contabilizados nas parcelas de 5 x 5 m. A amostragem da
aninga foi diferente das demais herbáceas por se tratar de uma espécie com características de
porte mais semelhantes às de plantas lenhosas do que herbáceas.
Foi realizada coleta botânica de todas as morfoespécies para posterior identificação.
As morfoespécies foram herborizadas segundo metodologia usual (Fidalgo e Bononi 1984) e
receberam seus respectivos nomes científicos a partir de consultas a guias de identificação
botânica, especialistas e herbários. As plantas foram depositadas no Herbário do Instituto
Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Amazonas (Herbário EAFM/IFAM),
localizado em Manaus (Amazonas, Brasil).
2.4 Análise dos dados
Para sistematizar as informações sobre a composição florística dos matupás,
calculamos o índice de valor de importância (Importance Value Index - IVI) de cada espécie
lenhosa, dado pela soma da densidade relativa, frequência relativa e dominância relativa (área
basal relativa) de cada espécie no total de parcelas amostradas (Curtis e McIntosh, 1951). No
caso das herbáceas, não pudemos calcular um índice similar por não possuirmos dados de
15
biomassa. Portanto, fizemos uma adaptação do IVI, gerando um “Índice de Valor de
Importância adaptado” (IVIa) dado pela soma da área de cobertura relativa e frequência
relativa de cada espécie no total de subparcelas amostradas.
Para testar se o número de espécies em cada parcela apresentava relação com a
espessura do substrato da parcela e/ou com o matupá no qual a parcela se encontrava
utilizamos uma análise de covariância (ANCOVA). Os matupás foram inseridos como uma
variável categórica por considerarmos que o número de espécies pode variar de acordo com a
história de formação e desenvolvimento de cada matupá e não apenas com a espessura do
substrato na parcela. Acrescentamos no modelo um termo de interação entre as variáveis
independentes para testar se a possível relação entre o número de espécies e a espessura do
substrato era afetada pelo matupá onde as parcelas estavam inseridas. Assim, o modelo gerado
pode ser representado como: número de espécies = espessura + matupá + espessura*matupá.
Este modelo foi utilizado para espécies herbáceas e para lenhosas separadamente. Os valores
de espessura foram transformados pelo log(x) buscando-se obter uma distribuição normal dos
dados para adequada realização da ANCOVA.
Para avaliar se havia relação entre a composição florística e a espessura do substrato
e/ou o matupá no qual a parcela se encontrava realizamos uma análise multivariada de
covariância (MANCOVA), acrescida de um termo de interação entre as variáveis
independentes pela mesma razão descrita acima para o modelo de ANCOVA. Os dados de
composição florística foram representados pelos dois eixos de ordenação obtidos a partir de
uma ordenação multivariada quantitativa por Escalonamento Multidimensional Não-Métrico
(NMDS). Para realizar a ordenação foram utilizados os dados de número de indivíduos/m2
(densidade) de cada espécie lenhosa e de M. linifera por parcela e o total de área ocupada por
cada herbácea em cada subparcela, utilizando-se o índice de Bray-Curtis como índice de
associação. Os valores referentes a cada coluna foram padronizados para que todas as
espécies tivessem dados quantitativos variando em uma mesma escala, com média igual a
zero e desvio padrão igual a um (Legendre e Legendre 1998). O modelo gerado para a
MANCOVA pode ser expresso como: eixo 1 NMDS + eixo 2 NMDS = espessura + matupá +
espessura*matupá. Os dados de espessura foram transformados por log(x) para atingir a
normalidade.
No intuito de avaliar a variação na composição de espécies ao longo do gradiente de
espessura do substrato, realizamos uma ordenação de gradiente direto a partir dos dados de
número de indivíduos de cada espécie lenhosa e de M. linifera por parcela, e de área de
cobertura de cada herbácea em cada subparcela. Esta ordenação gerou um gráfico composto
16
no qual foi possível avaliar visualmente a abundância relativa (espécies lenhosas) ou a
cobertura relativa (herbáceas) de cada espécie nas diferentes medidas de espessura do
substrato.
Por fim, para testar se havia relação entre a heterogeneidade florística existente dentro
de cada matupá e a espessura média do substrato da ilha, utilizamos uma regressão linear
simples tendo como variável independente a espessura média do substrato de cada um dos 10
matupás e como variável dependente a dissimilaridade florística média entre as parcelas de
um mesmo matupá. O valor de dissimilaridade média de cada matupá foi calculado com o
índice de Bray-Curtis, utilizando-se os mesmos dados de composição florística padronizados
que foram usados para realização do NMDS. Todas as análises foram realizadas no programa
R (R Development Core Team 2011), utilizando-se, quando necessário, o pacote vegan
(Community Ecology Package; Oksanen et al. 2011).
3. RESULTADOS
A amostragem incluiu matupás de dimensões distintas, apresentando desde 0,5 ha até
9,7 ha (Tabela 1). O número de parcelas estabelecidas variou entre cinco e 14 por matupá,
sendo que na maioria dos matupás (70%) foram amostradas pelo menos sete parcelas (Tabela
1). No total, amostramos 82 parcelas e 82 subparcelas. A espessura média do substrato por
matupá variou de 0,7 m a 2,4 m, sendo o maior registro igual a 3 m (Tabela 1).
17
Tabela 1. Número de parcelas amostradas, espessura do substrato e área estimada para cada um dos 10 matupás
amostrados na RDS Amanã e área de entorno. A espessura do substrato está representada pela média da
espessura de todas as parcelas de cada matupá, junto ao desvio padrão e à amplitude de variação (entre
parênteses).
Espessura
Área estimada
do substrato (m)
(ha)
14
1,4 ± 0,30 (0,8 - 2,0)
9,7
02
05
1,5 ± 0,05 (1,4 - 1,5)
0,5
03
07
2,4 ± 0,46 (1,5 - 3,0)
3,0
04
10
0,9 ± 0,24 (0,5 - 1,3)
1,3
05
10
0,8 ± 0,09 (0,7 - 1,0)
0,7
06
06
1,3 ± 0,36 (0,8 - 1,8)
3,8
07
06
0,7 ± 0,04 (0,7 - 0,8)
1,1
08
09
1,3 ± 0,18 (1,0 - 1,5)
0,9
09
08
1,0 ± 0,21 (0,7 - 1,4)
1,1
10
07
2,0 ± 0,36 (1,4 - 2,6)
1,6
Matupás
Número de parcelas
01
3.1 Dados florísticos descritivos: espécies lenhosas
Nas 82 parcelas amostradas, registramos 170 indivíduos lenhosos, pertencentes a 28
espécies, de 23 gêneros e 17 famílias (Tabela 2). Dentre as 28 espécies, incluímos três
morfoespécies que puderam ser identificadas apenas ao nível de gênero.
Foi encontrada correlação positiva entre densidade e frequência (r = 0,99), densidade e
dominância (r = 0,86) e entre frequência e dominância (r = 0,90), indicando que, em geral, as
espécies com maior número de indivíduos são também as mais frequentes e as que
apresentam maior área basal. Os valores de IVI variaram de 1,4 a 54,5 entre as espécies.
Dentre as 28 espécies encontradas, as que apresentaram os maiores valores de IVI foram
Clusia cf. panapanari (Clusiaceae), Vismia sandwithii (Hypericaceae), Euterpe precatoria
(Arecaceae), Triplaris surinamensis (Polygonaceae), Pseudobombax munguba (Malvaceae) e
18
Ficus sp. (Moraceae), conhecidas popularmente como apuí, lacre, açaí, tachi, munguba e apuí,
respectivamente. Essas seis espécies corresponderam a 21,4% das espécies lenhosas
encontradas, mas abarcaram 72,3% dos indivíduos amostrados e 68,2% da área basal total
ocupada por eles (Tabela 2).
Em termos de estrutura do estrato arbóreo, o valor médio de DAP dos indivíduos
lenhosos amostrados variou entre 7,23 cm e 13,68 cm, sendo 32,0 cm o maior registro,
referente a um indivíduo de Macrolobium acaciifolium, espécie localmente conhecida como
arapari. A altura média dos indivíduos nos 10 matupás variou entre 4,6 m e 6,0 m, com o
maior valor registrado igual a 12 m, apresentado por um indivíduo de T. surinamensis.
19
Tabela 2. Número de indivíduos, número de matupás em que ocorreu, densidade relativa, frequência relativa, dominância relativa e índice de valor de importância (IVI) de cada
espécie lenhosa registrada nos 10 matupás amostrados na RDS Amanã e área de entorno. O IVI é dado pela soma da densidade relativa, frequência relativa e dominância relativa (área
basal relativa) de cada espécie no total de parcelas amostradas.
Número de
Número de matupás
Densidade
Frequência
Dominância
indivíduos
em que ocorreu
relativa (%)
relativa (%)
relativa (%)
1
1
0,6
0,8
0,2
1,7
17
6
10,0
10,2
15,9
36,0
3
3
1,8
2,5
0,6
4,9
39
6
22,9
16,9
14,6
54,5
Alchornea discolor Poepp.
1
1
0,6
0,8
0,2
1,6
Glycydendron amazonicum Ducke
1
1
0,6
0,8
2,3
3,7
Sapium glandulosum (L.) Morong
1
1
0,6
0,8
1,1
2,5
3
2
1,8
2,5
1,1
5,4
Inga acreana Harms
1
1
0,6
0,8
0,2
1,6
Macrolobium acaciifolium (Benth.) Benth.
4
3
2,4
2,5
7,4
12,3
Acacia loretensis J.F. Macbr.
1
1
0,6
0,8
0,0
1,4
Família
Espécie
IVI
Apocynaceae
Himatanthus sucuuba (Spruce ex Müll.Arg.) Woodson
Arecaceae
Euterpe precatoria Mart.
Calophyllaceae
Calophyllum brasiliense Cambess.
Clusiaceae
Clusia cf. panapanari (Aubl.) Choisy
Euphorbiaceae
Fabaceae
Hydrochorea corymbosa (Rich.) Barneby & J.W.Grimes
20
Tabela 2. Continuação
Número de
Número de matupás
Densidade
Frequência
Dominância
indivíduos
em que ocorre
relativa (%)
relativa (%)
relativa (%)
Vismia japurensis Reichardt
7
3
4,1
5,1
2,7
11,9
Vismia sandwithii Ewan
32
8
18,8
15,3
13,7
47,8
1
1
0,6
0,8
0,3
1,8
1
1
0,6
0,8
0,6
2,0
9
5
5,3
5,9
4,0
15,2
1
1
0,6
0,8
0,2
1,6
2
1
1,2
1,7
1,0
3,8
Ficus cf. mathewsii (Miq.) Miq.
3
3
1,8
2,5
1,9
6,3
Ficus maxima Mill.
5
4
2,9
3,4
2,6
8,9
Ficus sp.
12
4
7,1
7,6
7,9
22,6
Ficus sp.2
1
1
0,6
0,8
0,7
2,2
Família
Espécie
IVI
Hypericaceae
Lauraceae
Nectandra amazonum Nees
Malpighiaceae
Byrsonima japurensis A.Juss.
Malvaceae
Pseudobombax munguba (Mart. & Zucc.) Dugand
Melastomataceae
Miconia sp. Ruiz & Pav
Moraceae
Ficus cf. gomelleira Kunth & C.D.Bouché
21
Tabela 2. Continuação
Família
Espécie
Ochnaceae
Cespedesia spathulata (Ruiz & Pav.) G.Planch.
Ouratea coccinea Engl.
Phyllanthaceae
Hieronyma alchorneoides Allemão
Número de
Número de matupás
Densidade
Frequência
Dominância
indivíduos
em que ocorre
relativa (%)
relativa (%)
relativa (%)
1
1
0,6
0,8
0,6
2,1
1
1
0,6
0,8
0,2
1,7
2
2
1,2
1,7
1,7
4,6
14
3
8,2
8,5
13,5
30,2
4
1
2,4
1,7
0,1
4,1
2
1
1,2
1,7
4,9
7,73
-
-
-
-
IVI
Polygonaceae.
Triplaris surinamensis Cham.
Rubiaceae Juss.
Palicourea marcgravii A.St.-Hil.
Urticaceae Juss.
Cecropia latiloba Miq.
Abundância total
170
22
3.2 Dados florísticos descritivos: espécies herbáceas
Nas 82 subparcelas amostradas (82 m2), a cobertura de espécies herbáceas
correspondeu a um total de 38,1 m2. Registramos 19 espécies, pertencentes a 17 gêneros de 11
famílias (Tabela 3). Dentre as 19 espécies, incluímos duas morfoespécies que puderam ser
identificadas apenas ao nível de gênero.
Houve correlação positiva entre a cobertura e a frequência das espécies (r = 0,81), o
que indica que, em geral, as espécies que ocorrem em maior abundância são também as mais
frequentes. Dentre as 19 espécies encontradas, as que apresentaram maiores valores de IVIa
foram Rhynchospora corymbosa (Cyperaceae), Thelypteris interrupta (Thelypteridaceae),
Thelypteris angustifolia (Thelypteridaceae) e Panicum polygonatum (Poaceae), conhecidas
localmente como capim navalha, samambaia, samambaia e piri, respectivamente. Essas quatro
espécies representaram 21,1% das espécies herbáceas registradas, mas responderam por
72,1% da cobertura total de herbáceas nos 10 matupás. Além dessas 19 espécies, registramos
um total de 1.521 caules de aninga (Montrichardia linifera (Arruda) Schott, Araceae) nas 82
parcelas de 5 x 5 m. A aninga ocorreu em 35,4% das parcelas e esteve presente em seis dos 10
matupás amostrados.
23
Tabela 3. Área de cobertura total, número de matupás em que ocorreu, área de cobertura relativa, frequência relativa e índice de valor de importância adaptado (IVIa) de cada espécie
herbácea registrada nos 10 matupás amostrados na RDS Amanã e área de entorno. O IVIa é dado pela soma da cobertura relativa e frequência relativa de cada espécie no total de
parcelas amostradas.
Número de matupás em
Cobertura
Frequência
(m )
que ocorreu
relativa (%)
relativa (%)
0,4
1
0,9
0,7
1,8
0,1
1
0,3
0,7
1,1
0,8
4
2,0
5,5
8,8
0,3
4
0,7
6,2
8,4
Eleocharis variegata (Poir.) C.Presl.
0,9
4
2,4
4,1
7,5
Rhynchospora corymbosa (l.) Britton
17,0
9
44,5
19,2
68,4
Scleria muehlenbergii Steud.
0,1
1
0,3
0,7
1,1
0,1
3
0,2
2,7
3,6
2,9
4
7,6
4,1
12,7
Família
Espécie
Cobertura
2
IVIa
Acanthaceae Juss.
Hygrophila costata Nees
Araceae
Philodendron sp.
Convolvulaceae Juss.
Ipomoea squamosa Choisy
Costaceae
Costus arabicus L.
Cyperaceae
Fabaceae Lindl.
Desmodium adscendens (Sw.) DC.
Lomariopsidaceae Alston
Nephrolepis biserrata (Sw.) Schott
24
Tabela 3. Continuação
Número de matupás em
Cobertura
Frequência
(m )
que ocorreu
relativa (%)
relativa (%)
0,7
1
1,8
0,7
2,7
0,2
1
0,5
0,7
1,4
Echinochloa polystachya (Kunth) Hitchc.
0,1
1
0,3
0,7
1,1
Oryza grandiglumis (Döll) Prod.
1,0
2
2,6
1,4
4,3
Panicum polygonatum Schrad.
4,2
4
10,9
4,8
16,9
Paspalum repens P.J.Bergius
0,5
1
1,3
0,7
2,2
Thelypteris angustifolia (Willd.) Proctor
3,2
5
8,3
7,5
17,7
Thelypteris interrupta (Willd.) K.Iwats.
3,2
7
8,4
15,8
28,1
Thelypteris membranacea (Mett.) R.M.Tryon
2,6
3
6,7
3,4
11,0
0,2
1
0,4
0,7
1,3
38,1
-
-
-
Família
Espécie
Cobertura
2
IVIa
Marantaceae R. Brown
Ischnosiphon sp.
Melastomataceae
Clidemia cf. bullosa DC.
Poaceae
Thelypteridaceae Pic.Serm.
Vitaceae
Cissus erosa Rich.
Cobertura total
25
3.3 Relações entre a florística e a estrutura dos matupás
A espessura do substrato do matupá esteve relacionada ao número de espécies
lenhosas (ANCOVA F1,62 = 5,60; P = 0,021), à composição florística das parcelas
(MANCOVA F1,62 = 6,43; P = 0,01) e à dissimilaridade florística média existente dentre as
parcelas de um mesmo matupá (r2 = 0,45; P = 0,034; Figura 3), mas não apresentou relação
com o número de espécies herbáceas presente nas parcelas amostradas (ANCOVA F1,62 0,15;
P = 0,70). Tanto o número de espécies herbáceas e o de lenhosas quanto a composição
florística das parcelas estiveram relacionados ao matupá em que as parcelas se encontravam
(respectivamente: ANCOVA F9,62 = 4,47, P = 0,0002; ANCOVA F1,62 = 3,24, P = 0,0028;
MANCOVA F9,62 = 3,00, P = 0,005). O número de espécies herbáceas ou lenhosas e a
composição florística não estiveram relacionados à interação entre a espessura e o matupá
(respectivamente: ANCOVA F9,62 = 1,25, P = 0,28; ANCOVA F9,62 = 0,84, P = 0,58;
MANCOVA F9,62 = 1,19, P = 0,32), sugerindo que a relação entre as variáveis dependentes e
a espessura não depende do matupá amostrado.
Figura 3. Relação entre a dissimilaridade florística média e a espessura média de cada um dos 10 matupás
amostrados na RDS Amanã e área de entorno. A dissimilaridade média foi calculada a partir dos dados de
composição florística de cada parcela (espécies herbáceas/lenhosas), utilizando-se o índice de Bray Curtis como
índice de associação.
26
O gráfico composto gerado a partir da ordenação de gradiente direto com base nos
dados de composição florística apresentou um padrão em diagonal, indicando ocorrência de
substituição de espécies ao longo do gradiente de espessura do substrato (Figura 4). A ordem
das espécies na sequência vertical é determinada de acordo com a média ponderada da
abundância de cada espécie nas distintas medidas de espessura do substrato. Assim, espécies
cujos indivíduos ocorreram prioritariamente em valores baixos de espessura aparecem na
parte inferior do gráfico, enquanto as espécies predominantemente presentes em espessuras
maiores aparecem na parte superior. Em geral, as espécies que apresentaram maior
abundância nas parcelas com substrato mais fino foram herbáceas. E. precatoria foi a
primeira espécie lenhosa a aparecer em mais de uma parcela quando observamos o gráfico de
baixo para cima. Na parte superior do gráfico as espécies que ocorreram em maior frequência
e abundância foram arbóreas, destacando-se T. surinamensis, V. sandwithii, Ficus sp., C. cf.
panapanari, P. munguba e Vismia japurensis.
27
Figura 4. Ordenação direta das espécies lenhosas e herbáceas ao longo do gradiente de espessura do substrato do matupá
nas 82 parcelas amostradas em 10 matupás da RDS Amanã e área de entorno. Cada linha apresenta os dados de
distribuição de uma espécie ao longo do gradiente de espessura, e o tamanho das barras corresponde à sua abundância
relativa (espécies lenhosas) ou cobertura relativa (herbáceas) em cada medida de espessura. A ordem das espécies na
sequência vertical é determinada de acordo com a média ponderada da abundância de cada espécie nas distintas medidas
de espessura do substrato. As espécies estão representadas pelo seu nome científico antecedido da sigla “arb” ou “herb”,
indicando se a espécie é lenhosa ou herbácea, respectivamente. Devido a questões gráficas, os nomes científicos estão
escritos em letra minúscula com o nome genérico separado do epíteto específico por um ponto.
28
4. DISCUSSÃO
4.1 Dados florísticos: comparação entre matupás e outros ambientes
Em comparação a áreas de várzea adjacentes, os matupás apresentam um baixo
número de espécies e uma baixa densidade de indivíduos, considerando tanto as plantas
lenhosas (Wittmann et al. 2010a), quanto as herbáceas (Junk e Piedade 1997). Isto se deve
especialmente ao fato de os matupás apresentarem limitações para o estabelecimento e
distribuição das espécies, com destaque para a pouca consolidação de seu substrato, sua
espessura limitada e sua condição de alagamento constante em diversos trechos da ilha. Esses
fatores também tendem a limitar o porte das árvores que chegam a se estabelecer nos
matupás, de maneira que seu DAP e sua altura são, em geral, menores do que de indivíduos
da mesma espécie localizados em outras áreas (Wittmann et al. 2010b). Apesar disso, é válido
ressaltar que observamos muitos indivíduos arbóreos produzindo frutos nos matupás, o que
indica que esses indivíduos chegam à idade adulta, ainda que com porte menor do que aqueles
localizados em outros ambientes.
Contrastando a composição florística dos matupás com a de outras turfeiras e ilhas
flutuantes existentes no mundo, percebemos que apesar de o número e a densidade de
espécies herbáceas também serem relativamente baixos nos matupás (exemplos: Waughman
1980; Wells 1996; Mallison et al. 2001; Mason e Van Der Valk 2002; Wetzel 2002; Costa et
al. 2003; Whinam et al. 2003; Somodi e Botta-Dukat 2004; Warner e Asada 2006; John et al.
2009), o número de espécies arbóreas é alto (exemplos: Mason e Van Der Valk 2002; Wetzel
2002; Costa et al. 2003; Pellerin et al. 2009). O baixo número e a baixa densidade de espécies
herbáceas devem estar especialmente associados à inibição de seu desenvolvimento pelas
arbóreas e pela alta densidade de aninga, uma vez que a concentração dessas plantas tende a
sombrear o local, o que limita o estabelecimento de muitas espécies herbáceas bastante
exigentes de luz (Piedade et al. 2010a). O elevado número de espécies arbóreas em
comparação a outras turfeiras e ilhas flutuantes provavelmente se deve a uma combinação de
diversos fatores, dentre os quais destacamos: (i) o fato de os matupás estarem arrodeados
pelas florestas de várzea, que são as florestas alagáveis com maior diversidade vegetal do
mundo (Wittmann et al. 2006), podendo funcionar como fonte de sementes de diversas
espécies; e (ii) o fato de os rios de água branca oferecem sazonalmente um grande aporte de
nutrientes para os lagos onde os matupás estão localizados, possibilitando que parte desses
29
nutrientes fique retida no substrato do matupá, o que favorece o desenvolvimento das plantas
nessas ilhas.
4.2 Dados florísticos: a ocorrência das espécies nos matupás
Dentre as espécies lenhosas e herbáceas que ocorrem nos matupás pudemos perceber
que poucas têm uma ampla distribuição nessas ilhas: 53,6% das espécies lenhosas e 40% das
herbáceas ocorreram em apenas um dos dez matupás amostrados; 32,1% das lenhosas e 40%
das herbáceas estiveram presentes em dois, três ou quatro matupás; e somente 14,3% das
lenhosas e 20% das herbáceas ocorrem em pelo menos metade dos matupás amostrados.
Considerando as espécies lenhosas que conseguem se desenvolver nos matupás, acreditamos
que a sua capacidade de tolerar o alagamento do substrato seja um dos fatores que mais
influenciem sua ocorrência. Neste sentido, as espécies que estão mais adaptadas à condição de
alagamento prolongado durante uma grande quantidade de dias no ano tenderiam a ter valores
de IVI mais altos e ocorrer em um maior número de matupás. É o caso, por exemplo, de C. cf.
Panapanari, V. sandwithii e E. precatoria, espécies que ocorreram em mais da metade dos
matupás amostrados e apresentaram os maiores valores de IVI. Tais espécies são comuns em
áreas de várzea, estando adaptadas a suportar a presença da água no substrato durante muitos
dias consecutivos (Wittmann et al. 2010a). Já Alchornea discolor, Glycydendron amazonicum
e Sapium glandulosum ocorreram em apenas um matupá, e, mais especificamente, em apenas
uma parcela, provavelmente por não terem a mesma tolerância ao alagamento constante, o
que restringe bastante o estabelecimento nessas ilhas.
Para as herbáceas que conseguem se desenvolver nos matupás a tolerância ao
alagamento não deve ser um dos principais fatores que influenciam sua distribuição nessas
ilhas, uma vez que muitas das espécies que ocorreram em apenas um ou dois matupás são
fortemente associadas a ambientes aquáticos, como é o caso de Paspalum repens, Oryza
grandiglumis e Echinochloa polystachya (Junk e Piedade 1997). A restrita distribuição dessas
plantas nos matupás deve estar mais relacionada ao fato de a amostragem ter sido realizada
apenas em matupás que não estavam nos estágios iniciais do processo sucessional de
desenvolvimento, uma vez que amostramos somente ilhas nas quais era possível caminhar.
Nos matupás já bem desenvolvidos é esperado que as novas espécies que foram se
estabelecendo, conforme o matupá evoluía em seu processo sucessional, tenham promovido a
inibição do estabelecimento das espécies herbáceas associadas às etapas mais iniciais do
processo.
30
Rhynchospora corymbosa foi a espécie herbácea de maior destaque nas subparcelas, o
que acreditamos ser reflexo de sua importância na estruturação dos matupás. Essa espécie
possui rizomas, com os quais cria uma “malha” entremeada que deve contribuir para retenção
de sedimentos e matéria orgânica e, portanto, para a consolidação do substrato, assim como
observado para Leersia hexandra em matupás localizados nas cercanias de Manaus (Piedade,
com. pess.). Além das herbáceas amostradas nas subparcelas, devemos ressaltar a aninga,
espécie encontrada com bastante frequência nas parcelas amostradas. A importância da aninga
para a formação de matupás já havia sido citada por Junk (1983), ao afirmar que seu sistema
radicular contribuía para a estabilização do substrato. A aninga apresenta características que
nitidamente favorecem seu estabelecimento nos matupás: ao mesmo tempo em que consegue
sobreviver em condição de alagamento constante (Junk e Piedade 1997), ela chega a atingir a
altura média das plantas lenhosas encontradas nos matupás, de maneira que a presença dessas
plantas não prejudica sua exposição à luz solar, como tende a ocorrer com as demais
herbáceas. Além disso, a aninga se propaga vegetativamente, tendendo a formar grandes
agrupamentos que recebem o nome de aningais (Junk e Piedade 1997). Alguns matupás
chegam a ser chamados de aningais por ribeirinhos da RDSA, devido à elevada densidade de
aningas em sua superfície.
4.3 Relações entre a florística e a estrutura dos matupás
A relação positiva entre o número de espécies lenhosas e a espessura do substrato do
matupá nos mostra que conforme o matupá vai crescendo em espessura, novas espécies vão
conseguindo se estabelecer. A espessura do substrato certamente é um fator limitante para o
estabelecimento de muitas espécies, especialmente de arbóreas, que tendem a apresentar
raízes maiores do que plantas herbáceas ou arbustivas. Em espessuras menores, uma árvore
consegue iniciar seu processo de desenvolvimento no matupá, mas quando sua raiz ultrapassa
o substrato e chega à camada de água existente logo abaixo dele, o desenvolvimento da planta
é prejudicado e ela tende a morrer. Isto porque ainda que a maior parte das espécies lenhosas
que se estabelecem nos matupás seja comum em áreas de várzea e possua adaptações para
suportar exposição ao alagamento durante uma grande quantidade de dias por ano (Wittmann
et al. 2010a), a condição de alagamento permanente é um fator extremamente limitante para a
sobrevivência dessas espécies (Piedade et al. 2010b). A ausência de relação entre o número de
espécies herbáceas e a espessura do substrato do matupá deve ser consequência
principalmente da menor necessidade dessas plantas em ter um substrato espesso para
31
conseguir se estabelecer em um local. A menor espessura do susbtrato registrada nas 82
parcelas amostradas foi 0,5 m, o que representa uma medida suficiente para o estabelecimento
da maior parte das espécies herbáceas encontradas nos matupás amostrados.
Com o aumento da camada orgânica do matupá e o estabelecimento de novas espécies
arbóreas, a densidade de raízes no substrato tende a aumentar, o que deve fazer com o que o
mesmo vá se tornando cada vez mais consolidado e, consequentemente, mais seco. Assim, o
substrato do matupá passa a oferecer melhores condições de fixação para as plantas e o fator
limitante do alagamento contínuo deixa de existir em muitos trechos. Isto deve favorecer o
estabelecimento de novas espécies arbóreas, o que, por sua vez, tende a prejudicar o
estabelecimento de muitas espécies herbáceas, especialmente por causar um maior
sombreamento no local. Portanto, ocorre uma substituição de espécies na superfície do
matupá ao longo do tempo, de maneira que os matupás com substrato menos espesso possuem
maior predominância de espécies herbáceas em seu interior, enquanto as ilhas que possuem
substrato mais espesso apresentam uma maior abundância de espécies arbóreas.
A relação positiva entre a dissimilaridade florística média dos matupás e a espessura
média do substrato indica que matupás mais espessos tendem a ser mais heterogêneos
floristicamente. Essa relação também deve estar diretamente relacionada ao processo
sucessional dos matupás. Matupás em estágios mais iniciais de sucessão devem ser mais
homogêneos porque poucas espécies os compõem e o ambiente ainda não fornece condições
estruturais que possibilitem o estabelecimento de outras espécies. Com o passar do tempo,
ocorre todo o processo descrito anteriormente em que o substrato do matupá vai ficando mais
espesso e mais consolidado e um maior número de espécies passa a compô-lo. Junto a isso, os
matupás ocasionalmente sofrem aumento lateral em sua área, possuindo trechos em estágios
iniciais de formação após a chegada de novos colonizadores primários em suas bordas. Assim,
a ilha passa a conter trechos em diferentes estágios de sucessão e, portanto, torna-se um
ambiente mais heterogêneo. Associado a esses fatores, o grau de alagamento do substrato
provavelmente varia nos diferentes trechos do matupá, de acordo com a ação das raízes das
plantas ali presentes e com o estágio de desenvolvimento de cada trecho, o que também deve
ter influência na determinação das espécies que se estabelecem nos diferentes locais. Assim, o
matupá como um todo parece se tornar cada vez mais heterogêneo, tanto estrutural quanto
floristicamente.
Essa heterogeneidade deve ser reforçada pelo fato de os matupás estarem
frequentemente expostos a situações de distúrbio, pois se encontram em corpos de água que
sofrem influência do regime de enchente e vazante local, havendo eventos de cheias ou secas
32
extremas em alguns anos (Junk et al. 2011), que certamente afetam a dinâmica de sucessão
ecológica dos matupás. Uma cheia extrema pode provocar, por exemplo, a inundação de todo
o matupá e levar muitas plantas à morte. Já uma seca extrema pode fazer com que o lago em
que o matupá se encontra seque a ponto de o substrato do matupá encostar no fundo do lago, o
que possibilita o enraizamento de suas plantas naquele ponto; com a chegada da enchente,
então, os trechos enraizados não voltam a flutuar, provocando alterações na estrutura do
matupá como um todo. Além disso, os matupás estão desprendidos do fundo e, portanto,
vagam pelos lagos, estando constantemente expostos à ação dos ventos locais. Os ventos
podem afetar os matupás diretamente, causando destruição de suas partes, ou indiretamente,
devido à colisão com outras estruturas presentes nos lagos ou à ondulação que se forma na
água (Wittmann, com.pess.). Devido a essas situações de distúrbio, é comum que alguns
pedaços já consolidados da ilha se desprendam em distintos pontos, dando início a novos
processos sucessionais. Esta dinâmica seria similar àquela que ocorre em florestas de várzea
devido à influência do pulso de inundação. Nessas áreas, os periódicos eventos de inundação
e vazante geram processos de erosão e sedimentação, que acarretam na formação de mosaicos
na fitofisionomia da floresta como um todo (Wittmann et al. 2010b).
Tanto o número de espécies lenhosas e o de herbáceas quanto a composição florística
das parcelas amostradas apresentou relação com o matupá no qual as parcelas se
encontravam, o que significa que os dados florísticos variam de acordo com o local de
amostragem. Isso provavelmente se deve ao fator histórico de colonização dos matupás. Os
matupás são ilhas que costumam estar isoladas em lagos, o que significa que sua composição
florística deve variar de acordo com a vegetação do entorno do lago em que se encontram e
com a chegada de sementes carreadas por agentes dispersores. No entanto, apesar da
influência do local de coleta, vale ressaltar que a variação no número de espécies lenhosas e
na composição florística como um todo apresentou uma relação mais forte com a espessura do
matupá, o que podemos concluir ao comparar os valores da estatística F da ANCOVA e da
MANCOVA.
5. CONCLUSÃO
Matupás são ilhas que apresentam uma baixa densidade e um baixo número de
espécies herbáceas e lenhosas em comparação a áreas de várzea adjacentes, mas um alto
número de espécies arbóreas se comparados com outras turfeiras ou ilhas flutuantes presentes
33
no mundo. A espessura do substrato do matupá é um parâmetro importante na ocorrência e
distribuição de plantas em sua superfície. Conforme o substrato se torna mais espesso, o
número de espécies lenhosas aumenta e ocorre uma substituição de espécies, o que faz com
que o matupá passe de um ambiente inicialmente dominado por herbáceas a um ambiente
onde espécies arbóreas são frequentes. Matupás mais espessos apresentam, ainda, uma maior
dissimilaridade florística entre locais em seu interior, o que indica que são ambientes mais
heterogêneos. Concluímos que as mudanças na florística dos matupás provocam alterações
estruturais nessas ilhas, como uma maior consolidação de seu substrato, e essas alterações
estruturais, por sua vez, influenciam a vegetação ali presente. Assim, as espécies vegetais e a
estrutura do matupá são fatores que caminham juntos e que devem se influenciar mutuamente
ao longo do desenvolvimento dessas ilhas. Associado a isso, os matupás tendem a compor um
mosaico estrutural e florístico, seja devido a processos de sucessão autogênica ou alogênica.
Em complementação ao nosso trabalho, seria muito interessante a realização de estudos que
buscassem acompanhar o desenvolvimento dos matupás em escala temporal, no intuito de
avaliar sua evolução de forma sistemática, podendo verificar as mudanças que ocorrem em
seus aspectos bióticos e abióticos ao longo dos anos.
6. AGRADECIMENTOS
Gostaríamos de agradecer aos moradores da RDSA pela hospitalidade e acolhimento;
a Divino Áquila Araújo pelo apoio logístico e assistência em todas as etapas de campo; a José
Fernandes Ferreira, Alair Batalha, José Roberto da Silva, Hudson Araújo, Valdivino Feitosa,
Sulemilton Feitosa, Iranilson Feitosa, Jomilson Marcos de Freitas e Felipe Sena da Silva pela
assistência nas amostragens; a Florian Wittmann pelas contribuições para o delineamento do
trabalho; a Helder Espírito Santo pelo auxílio nas análises estatísticas; a Florian Wittmann,
Helder Espírito Santo, José Julio de Toledo, Nivaldo Peroni e Jansen Zuanon pelas sugestões
para a escrita do texto; ao Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico
(CNPq) pela bolsa de mestrado de CTF; ao Instituto de Desenvolvimento Sustentável
Mamirauá (IDSM) pelo apoio financeiro e logístico; à National Geographic Society (NGS)
pelo apoio financeiro.
34
7. BIBLIOGRAFIA CITADA
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Capítulo 2
Freitas, C.T.; Shepard, G.H.; Piedade, M.T.F.
Conhecimento tradicional e uso de matupás por
ribeirinhos na Reserva de Desenvolvimento
Sustentável Amanã, Amazônia Central.
Manuscrito formatado segundo as regras do
periódico Acta Amazonica.
Conhecimento tradicional e uso de matupás por ribeirinhos na Reserva de
Desenvolvimento Sustentável Amanã, Amazônia Central
Carolina T. de FREITAS*1, Glenn H. SHEPARD2 & Maria T. F. PIEDADE3
1
Programa de Pós Graduação em Ecologia - Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia
INPA/CBIO/V8
Av. André Araújo 2936, Petrópolis
69060-001
Manaus, AM
[email protected]
2
Museu Paraense Emilio Goeldi, Departamento de Antropologia
Av. Perimetral, 1901, Terra Firme
66077-530
Belém, PA
[email protected]
3
Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia, Departamento de Biologia Aquática e
Limnologia, Projeto Inpa-Max Planck
Av. André Araújo 2936, Petrópolis
69011-970
Manaus, AM
[email protected]
41
Conhecimento tradicional e uso de matupás por ribeirinhos na Reserva de
Desenvolvimento Sustentável Amanã, Amazônia Central
RESUMO
Matupás são ilhas flutuantes presentes em lagos de várzea da Amazônia. São formadas por
uma camada de material orgânico em sua base e uma comunidade vegetal em sua superfície.
Há pouca informação sobre matupás na literatura científica. Por outro lado, algumas
populações ribeirinhas amazônicas utilizam os matupás em atividades agrícolas e pesqueiras e
demonstram possuir bastante conhecimento acerca dessas ilhas. Este estudo buscou
diagnosticar o conhecimento local sobre matupás e investigar a importância dessas ilhas para
populações ribeirinhas. A partir de 35 entrevistas realizadas com ribeirinhos de cinco
comunidades da Reserva de Desenvolvimento Sustentável Amanã (Amazonas, Brasil),
registrou-se informações sobre o processo de formação dos matupás; fatores bióticos e
abióticos relacionados à sua ocorrência; sua relevância ecológica; e seu uso pelos ribeirinhos.
Os entrevistados forneceram explicações detalhadas, destacando pontos relevantes em termos
ecológicos que eram ainda desconhecidos pela ciência. Dentre eles, a importância da
dinâmica sazonal de enchente/vazante para formação dos matupás e a relevância dessas ilhas
para a abundância de peixes de grande porte nos lagos. Dados sobre composição florística
fornecidos pelos entrevistados foram comparados a resultados de inventários realizados em
matupás, havendo forte relação entre ambos. Para os ribeirinhos, os matupás são uma
importante fonte de adubo para cultivo em canteiros e um local propício para pesca do
pirarucu (Arapaima gigas), além de possuírem importância indireta na dieta desses povos ao
favorecer a abundância de peixes nos lagos. O levantamento de informações junto aos
ribeirinhos mostrou-se uma valiosa ferramenta na compreensão de processos associados aos
matupás, permitindo melhor entendimento acerca desses ambientes.
Palavras-chave: Etnoecologia, etnoecologia da paisagem, conhecimento ecológico tradicional,
uso de recursos naturais, povos amazônicos, ilhas flutuantes, lagos de várzea
42
Tradicional knowledge and use of matupás by riverine people in the Amanã
Sustainable Development Reservation, Central Amazon
ABSTRACT
Matupás are floating islands that occur in Amazonian floodplain lakes. They are formed by a
block of organic material at its base and a plant community on its surface. There is little
information about matupás in scientific literature. However some local people use matupás in
activities related to agriculture and fishery and shown to have profound knowledge about
these islands. In this study we investigate local knowledge about matupás and the relevance
of these islands to local people. We conducted 35 interviews in five riverine communities of
the Amanã Sustainable Development Reservation (Amazonas, Brazil), getting information
about the formation process of matupás; biotic and abiotic factors related to their occurrence,
their ecological importance and its usefulness to riverine people. Interviewes provided
detailed explanations, highlighting points of high ecological relevance that were still unknown
to science. Among them are the importance of seasonal dynamics of high/low water for
matupás formation and the relevance of these islands to the abundance of large fish in the
lakes. Floristic composition data provided by the interviewed were compared to results of
inventories in matupás, showing a strong relationship between them. For locals, matupás are
an important source of fertilizer in cultivation and a good place to fish pirarucu (Arapaima
gigas), and have indirect importance by favoring the abundance of fish in the lakes. The
survey information from riverine people proved to be a valuable tool in understanding the
processes associated with matupás, allowing us to better understand these environments.
Keywords: Ethnoecology, landscape ethnoecology, traditional ecological knowledge, use of
natural resources, amazonian people, floating islands, amazonian floodplain lakes
43
1. INTRODUÇÃO
“Aquela terra do matupá vai formando desde o início. Vai formando,
vai formando, vai formando... Até ela ficar grandona mesmo. Aí é
quando as árvores crescem em cima dela, ela vai ficando aquele
estrume, é de invocar! Fica aquela terra ali em cima, uma terra tão
bonita daquela!”
Matupás são ilhas flutuantes amazônicas formadas por uma camada de material
orgânico em sua base e uma comunidade vegetal em sua superfície. Ocorrem em regiões de
várzea, áreas de planície alagável sob influência de rios de água branca, ricos em nutrientes e
sedimentos (Junk et al. 2011). Os matupás se formam a partir de uma série de estágios de
sucessão autogênica na comunidade vegetal, que se inicia com a aglomeração de plantas
aquáticas na superfície da água e, após certo tempo, resulta em um substrato consolidado onde
podem crescer espécies herbáceas, arbustivas e arbóreas (Junk 1983; Junk e Piedade 1997). O
substrato do matupá pode chegar a 3 m de espessura e sua área pode variar de poucos metros
quadrados até alguns hectares, sendo muitas vezes possível caminhar em sua superfície (Junk
1983; Junk e Piedade 1997).
Na literatura científica, a maior parte das informações sobre matupás está concentrada
em apenas duas publicações (Junk 1983; Junk e Piedade 1997). Essas publicações, no entanto,
discutem diversos aspectos sobre as áreas alagáveis amazônicas, não tendo como enfoque os
matupás propriamente ditos, de maneira que o conhecimento científico sobre essas ilhas é
ainda muito incipiente. Por outro lado, em uma viagem exploratória à Reserva de
Desenvolvimento Sustentável Amanã (RDSA; médio Solimões, Amazonas), percebemos que
as populações ribeirinhas que ali viviam utilizavam os matupás em atividades relacionadas à
agricultura e pesca, e pareciam ter um bom conhecimento acerca dessas ilhas.
O conhecimento ecológico tradicional é um patrimônio imaterial valioso dos povos da
humanidade. Refere-se a um corpo de conhecimentos ecológicos que foram acumulados ao
longo de gerações por povos tradicionais4, sendo, em grande parte, transmitido oralmente e de
forma dinâmica, a partir das experiências de gerações passadas e presentes (Berkes 1993). Na
pesquisa ecológica, o conhecimento tradicional vem se mostrando uma ferramenta importante
na compreensão de eventos e processos, podendo ser muito relevante para a compreensão de
processos de longa duração e para trabalhos em locais nos quais a grande extensão da área de
4
O termo “povos tradicionais” é utilizado aqui para designar sociedades não-industriais ou com menor avanço
tecnológico, que reproduzem seu modo de vida historicamente com base em modos de cooperação social e
intensa relação com o meio natural (Berkes 1993; Diegues 2000).
44
estudo dificulta a pesquisa ecológica convencional (Sillitoe 1998; Huntington 2000; Balram et
al. 2004; Sheil e Lawrence 2004; Halme e Bodmer 2007; Brook e McLachlan 2008).
Grande parte dos estudos que envolvem o conhecimento tradicional está centrada na
classificação taxonômica popular de plantas e animais, na listagem de espécies úteis, e na
caracterização do uso dessas espécies por diferentes culturas (Berlin 1973; Balick 1996;
Holman 2002; Jinxiu et al. 2004). No entanto, recentemente vêm surgindo diversos estudos
abordando o conhecimento tradicional acerca das paisagens ecológicas. Neste contexto,
Johnson e Hunn (2010a) sugeriram o termo “etnoecologia da paisagem” para abarcar os
trabalhos que buscam retratar a classificação, percepção e interação de povos tradicionais com
o ambiente em que vivem, considerando os diversos elementos e dinâmicas associados à
paisagem como um todo. Apesar do surgimento do termo ser recente, alguns estudos prévios
já vinham sendo desenvolvidos sob essa abordagem, a exemplo dos seguintes trabalhos: Fleck
e Harder (2000), em que os autores documentaram o sistema de classificação de ambientes
florestais pelos índios Matsés no nordeste da Amazônia Peruana; Shepard et al. (2001),
abordando o sistema de classificação florestal dos índios Matsigenka no sudeste da Amazônia
Peruana; Halme e Bodmer (2007), que avaliaram a classificação de tipos florestais por
ribeirinhos não-indígenas no nordeste da Amazônia Peruana; e Abraão et al. (2008), que
investigaram a classificação de tipos de florestas de campinarana pelos índios Baniwa no
noroeste da Amazônia Brasileira. Em todos esses trabalhos os povos entrevistados revelaram
possuir classificações minuciosas sobre os ambientes investigados, havendo relação entre
essas classificações e resultados obtidos a partir de inventários florísticos e/ou análises sobre
padrões de variância espectral observados em imagens de satélite na região do estudo (Fleck e
Harder 2000; Shepard et al. 2004; Halme e Bodmer 2007; Abraão et al. 2008).
As classificações de ambientes que vêm sendo documentadas nessas e em outras
pesquisas são baseadas em características bióticas (como espécies indicadoras, estrutura
florestal e estágio sucessional) e abióticas (como regimes de inundações, topografia e tipo de
solo). Essas características possuem importância adaptativa para as pessoas que mantêm sua
subsistência baseada na extração de recursos naturais e, portanto, são aspectos que lhes
chamam a atenção, sendo constantemente relacionados a eventos ou processos ecológicos.
Dessa forma, as características utilizadas por povos tradicionais para descrever ou classificar
paisagens tendem a refletir acuradamente aspectos ecológicos das mesmas (Shepard et al.
2001; Halme e Bodmer 2007).
Assim, partimos do pressuposto de que o conhecimento ecológico tradicional poderia
elucidar diversos aspectos também em relação aos matupás. Neste sentido, levantamos
45
informações sobre os matupás a partir do conhecimento ecológico de povos ribeirinhos da
RDSA. Buscamos responder as seguintes perguntas com base na percepção dos ribeirinhos:
(i) O que são matupás?; (ii) Como os matupás se formam?; (iii) Quais são as condições
necessárias para que eles ocorram em um local?; (iv) Existem diferentes tipos de matupás?
Quais são as principais diferenças entre eles?; (v) Que animais e plantas ocorrem nos
matupás?; e (vi) Qual é a importância ecológica dos matupás? Além disso, questionamos a
importância que os matupás têm para os próprios ribeirinhos, explorando especialmente os
usos que costumam fazer dessas ilhas.
2. MATERIAL E MÉTODOS
2.1 Área de Estudo
O estudo foi realizado na RDSA, na Amazônia Central Brasileira (Figura 1). A RDSA
foi criada em 1998, possui 2.313.000 hectares e está localizada aproximadamente 650 km a
oeste da cidade de Manaus, na região do médio curso do rio Solimões, próximo à confluência
deste com o rio Japurá (Amazonas, Brasil; S 02º42', W 64º39'; IDSM 2013). A maior parte
da reserva é composta por florestas de terra firme, mas também há grandes extensões de áreas
alagáveis. As áreas alagáveis sofrem forte influência do regime flúvio-dinâmico local, que
garante uma variação anual média de até 10 metros no nível da água entre as estações seca e
cheia (IDSM 2013).
A RDSA é habitada por aproximadamente 4.000 pessoas, distribuídas em 26
comunidades (IDSM 2013). As comunidades estão concentradas no lado oeste da reserva,
ocupando principalmente áreas de várzea ao longo das margens de igarapés e paranás que
compõem a bacia do rio Solimões (IDSM 2013). Os habitantes da reserva obtêm sua
subsistência por meio do uso dos recursos naturais da região, principalmente em atividades de
agricultura, pesca, caça e extração de madeira. A agricultura é a atividade que predomina
como fonte de renda nas comunidades de terra firme, enquanto a pesca é a predominante nas
comunidades de várzea (IDSM 2013).
46
Figura 1. Localização da Reserva de Densenvolvimento Sustentável Amanã (RDSA) e das comunidades onde
a pesquisa foi realizada. À esquerda: acima, mapa do Brasil com destaque para o estado do Amazonas e para a
RDSA em seu interior; abaixo, mapa da RDSA com destaque para a área de estudo. À direita: imagem de
satélite (LandSat 5) da área de estudo; os pontos amarelos indicam as cinco comunidades onde foram feitas as
entrevistas, com seus respectivos nomes; o contorno em vermelho indica os limites da RDSA. (Adaptado de
imagens fornecidas pelo IDSM).
2.2 Comunidades envolvidas com a pesquisa
A pesquisa foi realizada em cinco comunidades ribeirinhas localizadas em uma área de
várzea na porção sudoeste da RDSA: Santo Estevão, Vila Nova, Bom Socorro, Nova
Jerusalém e Várzea Alegre (Figura 1). Essas comunidades possuem entre cinco e 30 famílias e
as principais atividades de subsistência de seus habitantes são a pesca e a agricultura. Tais
comunidades foram selecionadas por se localizarem em uma região onde há muitos matupás e
por seus moradores haverem demonstrado possuir um contato frequente com esses ambientes.
2.3 Aspectos éticos e legais da pesquisa
Como o estudo envolve o acesso ao conhecimento tradicional, obtivemos a aprovação
do Comitê de Ética em Pesquisa com Seres Humanos do Instituto de Desenvolvimento
Sustentável Mamirauá (CEP/IDSM) para realização da pesquisa (Protocolo 003/2012),
47
conforme exigências legislativas e institucionais. Em cada comunidade escolhida para
realização da pesquisa convocamos uma reunião, convidando todas as famílias residentes a
comparecer, na qual foram explicados os objetivos e métodos do estudo e solicitada
aprovação e participação dos moradores. Nas cinco comunidades houve apoio consensual dos
moradores à execução da pesquisa. O Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE;
Apêndice B) foi assinado por todas as comunidades envolvidas, conforme exigência do
CEP/IDSM. Após a análise dos dados, retornamos à RDSA para realizar uma reunião em cada
uma das cinco comunidades, na qual fizemos uma apresentação para os moradores sobre o
desenvolvimento e os resultados da pesquisa, havendo espaço para que eles expusessem
dúvidas e colocações acerca do trabalho.
2.4 Coleta de dados
Foram realizadas entrevistas semiestruturadas (Bernard 1994) com 45 habitantes da
RDSA, sendo 32 homens e 13 mulheres. Tivemos por objetivo entrevistar o maior número
possível de homens e mulheres moradores de cada uma das cinco comunidades, porém no
período de realização das entrevistas muitas famílias haviam se mudado temporariamente para
outros locais devido ao evento da grande cheia de 2012, que causou alagamento de muitas
comunidades localizadas em áreas alagáveis da Amazônia. No total, foram realizadas 35
entrevistas, compreendendo 28 (80%) individuais e sete (20%) coletivas. As coletivas foram
realizadas com duas ou três pessoas, correspondendo a casais ou a familiares que habitavam
uma mesma residência. A idade média dos entrevistados foi 50 anos, sendo que o entrevistado
mais novo tinha 18 e o mais velho 78 anos. As entrevistas foram feitas em junho de 2012 e
todas foram gravadas, com consentimento dos entrevistados, para posterior transcrição. O
roteiro utilizado para guiar as entrevistas foi sempre o mesmo, composto por perguntas
abordando aspectos sobre o conceito de matupá, suas características bióticas e abióticas, seu
processo de formação, fatores relacionados à sua ocorrência, sua importância e seu uso por
populações locais (roteiro das entrevistas no Apêndice C). Em uma parte da entrevista foi
utilizado o método da listagem livre (free-list), que consiste em estimular o entrevistado a
fornecer uma lista de itens referentes a um certo domínio a partir de uma pergunta aberta
(Borgatti 1998). Neste caso, foi solicitado aos entrevistados que listassem as plantas que
julgavam existir nos matupás.
48
2.5 Análise dos dados
As respostas dos entrevistados foram transcritas e comparadas. Em alguns casos
apresentamos nos resultados a porcentagem de entrevistas em que surgiu uma determinada
informação; nesses casos, utilizamos o número total de entrevistas como base (35),
considerando aqueles que participaram de uma entrevista coletiva como uma única fonte de
informação. Alguns trechos de relatos dos ribeirinhos foram utilizados para ilustrar descrições
sobre aspectos dos matupás, mas mantivemos o anonimato dos autores por questões éticas.
Para elucidar o significado de palavras e expressões regionais contidas nesses trechos fizemos
um glossário (ver Glossário). A explicação para cada termo corresponde ao nosso
entendimento a partir de vivências e esclarecimentos junto aos ribeirinhos. Cada palavra
contida no glossário aparece nos trechos transcritos com um asterisco sobrescrito ao lado (*)
para indicação.
A partir dos dados florísticos obtidos com a listagem livre, determinamos o índice de
saliência cognitiva (cognitive salience index) de cada planta, conforme sugerido por Sutrop
(2001). O índice de saliência cognitiva (S) combina dois parâmetros: a frequência de citação
do item (F) e a posição média de citação do item nas listagens (mP), onde: S = F/(N mP),
sendo N o número total de listagens. S pode variar de 0 a 1; quanto maior o seu valor, maior
destaque o item possui nas listagens como um todo (Sutrop 2001). As plantas citadas apenas
uma vez não foram consideradas nas listagens.
O índice de saliência cognitiva das plantas citadas pelos entrevistados foi comparado
aos resultados do inventário que realizamos em 10 matupás presentes na região onde estão
localizadas as cinco comunidades envolvidas com a pesquisa (ver Capítulo 1 para detalhes
sobre o inventário). Para tanto, utilizamos apenas as informações referentes às espécies
lenhosas, visto que os inventários foram feitos em matupás já bem desenvolvidos e, na
maioria dos casos, os entrevistados listavam apenas árvores e a espécie herbácea
Montrichardia linifera ao descrever a florística dos matupás nesse estágio. Montrichardia
linifera, conhecida popularmente como aninga, é cientificamente considerada uma planta
herbácea, mas é vista pelos ribeirinhos como uma árvore devido ao seu porte. Ela não foi
incluída nos dados utilizados na regressão por não possuir um valor de IVI, visto que para
essa planta não se tem medidas de área basal (ver Capítulo 1). As espécies encontradas nos
inventários foram agrupadas de acordo com os nomes populares localmente associados a elas,
tendo em vista que em alguns casos mais de uma espécie possui um mesmo nome popular.
Foram excluídas as plantas representadas por apenas um indivíduo no total dos 10 matupás,
49
exceto aquelas que também foram citadas nas entrevistas. A partir disso, utilizamos uma
regressão simples para testar se o índice de saliência cognitiva das plantas citadas pelos
entrevistados apresentava relação com o índice de valor de importância (Importance Value
Index - IVI) das plantas encontradas nos inventários. O IVI é dado pela soma da densidade
relativa, frequência relativa e dominância relativa (área basal relativa) de cada espécie no total
de parcelas amostradas (Curtis e McIntosh, 1951; ver capítulo 1). Para adequada realização da
regressão os dados foram transformados buscando-se aproximar à normalidade de distribuição
e reduzir o efeito de pontos extremos. Para tanto, utilizamos ln(x+0.5) para o IVI e ln(x+0.01)
para o índice de saliência cognitiva. Todo o procedimento envolvendo a análise estatística foi
realizado no programa R (R Development Core Team 2011).
3. RESULTADOS E DISCUSSÃO
3.1 O conceito de matupá
Apesar de o termo “matupá” ser ainda muito pouco conhecido no meio acadêmico e
urbano, é nítido que para aqueles que vivem em locais onde essas ilhas ocorrem existe muita
clareza em relação ao seu significado. Em geral, os matupás foram descritos como ilhas que
flutuam nos lagos, possuindo uma grossa camada de “terra” em sua base e uma densa
vegetação em sua superfície:
Matupá é uma floresta que flutua em cima da água.
Na minha visão, matupá é uma terra fluvial. Naquela terra
fluvial, fica uma mata em cima.
Matupá é onde forma um capim que cria terras em cima [...] vai
formando igual uma terra só que em cima da água, com vários tipos
de planta em cima, árvores e aninga, bastante aninga.
Em 82,9% das entrevistas, os ribeirinhos destacaram a necessidade de existir um
substrato consolidado nas ilhas flutuantes para que as mesmas pudessem ser categorizadas
como matupás. Nesse ponto estabelecem uma forte distinção entre os bancos de macrófitas
flutuantes e os matupás, alegando que os primeiros não possuem substrato consolidado, sendo
possível cruzá-los de uma ponta à outra com a canoa por água, enquanto os matupás são
50
estruturas firmes que normalmente abrigam uma maior diversidade de espécies vegetais em
sua superfície, inclusive espécies arbóreas.
Matupá é aquele matupá bem duro, que dá pra gente andar em cima,
que tem as árvores. Tem vários capins aí, mas não é matupá, porque a
gente vai embora com a canoa por dentro, é ralo.
O matupá tem uma camada de solo... Acho que é um solo que tem,
diferente desse daqui da terra. Então o matupá tem esse tipo de solo e
é considerado matupá por isso [...], pode ser uma pequena espessura
assim, mas ele tem que ter. E o capim, não, ele não tem solo nenhum,
ele é em cima da água mesmo, só as raízes na água.
Matupá é um batume* imenso, tem um monte de coisa ali naquele
mato [...] Tem capim navalha, tiririca, aninga, lacre, tem vários tipos
de mato, várias espécies. [...] Matupá inclui toda aquela diversidade
de plantas. Pra chamar de matupá ele tem uma mistura de tudo, é
uma sequência de mato mesmo, de vários matos, muito mato.
Esse conceito de matupá expresso pelos entrevistados apresenta grande congruência
com aquele utilizado pelos autores que definiram e descreveram os matupás no meio
científico (Junk 1983; Junk e Piedade 1997). Vale ressaltar que a distinção estabelecida pelos
ribeirinhos entre os bancos de macrófitas e os matupás, também subentendida nos textos de
Junk (1983) e Junk e Piedade (1997), é muito importante em termos classificatórios, uma vez
que esses dois conceitos parecem ser frequentemente confundidos no meio acadêmico e
urbano (“senso comum”).
3.2 O processo de formação do matupá
Os entrevistados também apresentaram bastante congruência entre si ao descrever o
processo de formação e desenvolvimento dos matupás. Como ponto de partida, os ribeirinhos
costumam citar a aglomeração de capins nos lagos, especialmente o piri (Panicum
polygonatum) e o membeca (Paspalum repens). A maioria dos entrevistados (74,3%)
ressaltou que esses capins, então, “sentam” no período da enchente, quando há um grande
aumento na vazão da água dos rios e uma consequente inundação dos lagos onde os matupás
estão localizados. O termo “sentar” é empregado nesse caso com o intuito de dizer que os
capins afundam e morrem, deixando de se fazer visíveis na superfície. Com a vazante, esses
blocos de capins voltam a boiar, mas não mais como capins verdes e sim como “capins
podres”, blocos de matéria orgânica parcialmente decomposta. Nesse substrato flutuante,
51
então, espécies vegetais começam a se estabelecer e desencadeiar um gradual processo de
sucessão que culmina no estabelecimento de espécies arbóreas anos mais tarde. Segundo os
entrevistados, esse processo do bloco de capim “sentar” e voltar a boiar, sendo recolonizado,
pode se repetir algumas vezes e é uma etapa essencial para a formação do matupá.
Morre, vive, morre, vive. Aí, quando pensa que não, tá lá formado.
Na quebra da água, quando a água branca invade 5, ele morre [...].
Aí nesse período de seca ele boia só aquela massa, tipo uma terra, vai
parando a água e ele vai boiando. [...] Ele vai pro fundo, por causa
da água corrente; na seca, parou a água, a água não corre mais, ele
boia. Aí começa a nascer novos filhos e fica de novo do mesmo jeito.
Na minha opinião, pra virar esses matupás duro mesmo, que nasce
essas árvores em cima, ele morre primeiro. Aí aquele capim morre e
daí boia [...] Depois do capim morto, nasce uns outros matos e daí
que vai nascer as árvores no meio deles.
Assim, o processo de formação dos matupás provavelmente envolve não apenas a
sucessão autogênica da comunidade vegetal, conforme descrito por Junk (1983) e Junk e
Piedade (1997), mas também essa importante etapa de formação de um substrato flutuante
gerado a partir da dinâmica fluvial amazônica de enchente e vazante. O processo relatado
pelos ribeirinhos significaria uma espécie de “salto” existente dentro do processo descrito por
Junk (1983) e Junk e Piedade (1997), uma vez que a existência de um substrato flutuante
permitiria o estabelecimento de espécies que demorariam muito mais para colonizar o local se
dependessem apenas da aglomeração das plantas aquáticas e da consequente formação de um
substrato a partir da retenção e acúmulo de sedimentos e matéria orgânica conforme descrito
por Junk (1983) e Junk e Piedade (1997).
Além disso, a formação desse substrato flutuante em tão poucos meses, com a chegada
da enchente e posteriormente da vazante, deve contribuir para um aumento na probabilidade
de formação do matupá, visto que reduz (temporalmente) a exposição do matupá em início de
formação aos potenciais distúrbios causados pela instabilidade das condições aquáticas ao
longo do ano. Tal instabilidade deve-se a grande variação de profundidade dos corpos de água
amazônicos entre as estações seca e cheia (Junk et al. 1989), de maneira que com a
subida/descida das águas pode ocorrer, por exemplo, a fragmentação de um bloco de plantas
aquáticas flutuantes precursor de um matupá, comprometendo o seu processo de formação.
5
O entrevistado se refere à época da enchente, que corresponde ao período entre os meses de janeiro e maio.
52
3.3 As plantas envolvidas no processo de formação do matupá
Em geral (74,3% das entrevistas), o piri foi destacado como uma planta fundamental
para o processo de formação dos matupás. Dizem que quando os piris colonizam o substrato
flutuante é que o matupá de fato começa a ser formado. Segundo os entrevistados, os piris se
entrelaçam uns nos outros e suas raízes vão criando uma espécie de malha, ajudando a reter
sedimentos e formar a “terra”, a camada de matéria orgânica que compõe a base do matupá.
Essa camada vai ficando cada vez mais grossa e novas espécies vão se estabelecendo, com
destaque para a aninga, uma planta também muito associada aos matupás na região.
Primeiramente tem um outro capim, que chama-se piri, é um fininho.
Aí vai, vai, vai... E vai formando uma estopa, aquela raizinha vai
emendando uma com a outra e vai formando aquela estopa. Aí vem o
navalha, que dá aquelas touceironas. Aí vai vindo semente de vários
tipos... Passa pra aninga e ela vai tomando conta. Aí vai criando
vários tipos de mato, como lacre, açaí, aninga...
Com a chegada da aninga, então, a camada orgânica se consolida ainda mais,
possibilitando o estabelecimento de espécies lenhosas, como o lacre (Vismia sp.), o apuí
(Ficus sp. ou Clusia sp.) e o açaí (Euterpe precatoria).
Quando a aninga chega, já tem terra, mas com ela vai engrossando
mais ainda, a raiz dela penetra muito embaixo e aí engrossa o
matupá.
Tem que ter pelo menos 1 m de terra pra criar árvore em cima. Por
isso que ele só cria árvore quando já tem aninga em cima, que ele já
tá mais duro.
Aí depois que tá aquele batume*, aquela sequência lá de espécies de
capim, aí os passarinhos e morcegos é que conduzem, levam as frutas
do lacre e de outros tipos de plantas, que caem ali e ali eles têm
condição de crescer.
Essas árvores, por sua vez, vão contribuir para a consolidação do substrato, deixandoo cada vez mais seco e firme. Nesse ponto, é possível caminhar sobre o matupá e ele já não
está mais vulnerável aos eventos de enchente e vazante como no início de sua formação, de
maneira que só “senta” se ocorrem eventos climáticos extremos, como uma cheia muito forte.
Aninga, açaizeiro, lacreiro, embaubeira, batatarana... E outros tipos
de mato - acho que os matupás dependem muito desses matos pra
53
formar um matupá que dê a sustância de a gente andar em cima,
porque só o capim mesmo afunda com a gente. Com essas árvores
grandes, a gente anda por cima como anda aqui nesse jirau*.
Tem que ter as plantas pra aguentar ele, pra ter a raiz que é pra
aguentar o matupá – principalmente o lacre, a embaubeira, o
açaizeiro... A mungubeira também costuma dar. Sem essas plantas, o
matupá forma, mas é aquele matupá alagado, não é o matupá que tem
mesmo a terra em cima, que fica flutuado.
Às vezes quando tá se formando e a água vem, ele senta*. Aí depois
boia aquele pedaço seco, aí depois vai tornando a nascer capim de
novo. Mas quando já tá com a aninga e as árvores, ele não senta
mais, não. Quando encher, ele sobe; se a água descer, ele desce.
3.4 Ocorrência de matupás: condições ambientais
Os entrevistados destacaram a correnteza como um fator extremamente limitante para
a ocorrência de matupás em corpos de água, o que acreditam justificar o fato de essas ilhas
serem encontradas com maior frequência em lagos, especialmente aqueles que não recebem
muita água do rio no período da enchente. Alguns entrevistados alegaram, ainda, que os
matupás normalmente começam a se formar nas beiras dos lagos ou em áreas de “ressaca”,
que correspondem a reentrâncias dos corpos de água onde a correnteza é sempre muito fraca.
Depois de já estarem bem consolidados podem ser levados pelo vento para outras áreas do
lago sem sofrer fragmentação. O vento foi colocado como um fator de risco para os matupás,
por proporcionar sua destruição tanto de forma direta, ao impedir a aglomeração das plantas
ou promover colisões, quanto indireta, ao gerar ondulações na superfície da água,
denominadas localmente de “banzeiro”.
Se tiver muita correnteza, o matupá não resiste. Ali, naquele lago, ele
não tem saída, ele teve que ficar lá, aí ficou ali amontoando,
amontoando e virou aquele matupá grande. Se fosse um igarapé* que
tivesse uma corrente forte, ele não tinha ficado lá.
Lago com mais ressaca* dá mais matupá. Matupá sempre se forma na
ressaca, nas beiras do lago. No lago, dá muito banzeiro*, muito vento
e o capim que fica no meio sai.
Os entrevistados afirmaram também que os matupás ocorrem sempre na água preta,
porém em locais que sofrem influência da água branca sazonalmente, com a entrada da água
dos rios na época da enchente. Em geral, explicam a restrição dos matupás aos corpos de água
54
preta alegando que a água branca está associada à correnteza, de maneira que os corpos de
água nos quais não há correnteza, como os lagos onde ocorrem matupás, são sempre
compostos de água preta6, exceto quando ocorre a entrada sazonal de água branca. Por outro
lado, alguns entrevistados utilizaram o argumento de que a água branca é “pesada”, por ter
muito sedimento, de maneira que ela tenderia a fazer o matupá “sentar”, sofrendo alagamento
de seu substrato e uma consequente destruição.
Ele dá na água preta*, mas sempre aonde já foi um lugar que a água
branca* já visitou.
Água branca é água de rio, e no rio não tem [matupá] em canto
nenhum. Lago é água preta, qualquer lago é água preta; só fica
branca quando alaga, que vem a água do rio.
Água do rio faz ele sentar* por causa do barro, porque ela é uma
água muito pesada, a água preta é leve. A água branca bateu, o
matupá senta, não tem jeito.
No entanto, a água dos lagos onde há matupás não poderia ser cientificamente
classificada como água preta, mas sim como água branca. O que ocorre é que para os
ribeirinhos a coloração da água é o fator que determina sua categorização, visto que é o
elemento visual de que disponibilizam; para eles, a água de coloração barrenta é considerada
água branca e a de coloração escura, água preta. Portanto, eles chamam de “água preta” não
apenas a que possui características físicas de água preta na definição científica (Sioli 1984;
Junk et al. 2011), mas também a água branca (definição científica; Sioli 1984; Junk et al.
2011) que fica isolada em um corpo de água durante um período. Isto porque a água branca
possui sua cor barrenta devido a grande quantidade de partículas em suspensão que contém,
de maneira que nos locais onde não há correnteza ocorre sedimentação dessas partículas e a
água consequentemente muda de coloração, aproximando-se visualmente da água preta.
Contudo, ela continua possuindo características químicas e físicas de água branca. A água
branca é um importante condicionante para a formação dos matupás porque garante a intensa
proliferação de espécies vegetais aquáticas e semiaquáticas que participam ativamente do
processo de formação dessas ilhas. Tais espécies costumam ocorrer em abundância muito
maior nas bacias de rios de água branca do que de água preta, uma vez que os rios de água
preta possuem uma quantidade bem menor de nutrientes e baixos valores de pH (Sioli 1984;
Junk et al. 2011).
55
Por fim, outro aspecto ambiental destacado pelos entrevistados corresponde à variação
na profundidade dos corpos de água onde ocorrem matupás. Eles afirmam que os matupás não
podem se formar em locais que secam completamente no período da seca, uma vez que isso
faz com que as plantas que estão nos matupás possam enraizar no fundo dos lagos e com que,
então, o matupá não volte a flutuar com a chegada da enchente, sofrendo um consequente
alagamento que provocará a morte de suas plantas e a sua destruição.
Se o lago fica sequinho, sequinho, não tem condições de criar matupá,
não, porque são quatro meses de enchente, né, não ia ter condições de
criar matupá...
Ele tem que ficar todo fora da terra, porque se ele triscar* na terra, a
raiz prende no fundo e, quando vem a cheia, ele morre.
Os ribeirinhos alegam que, em geral, esse processo não ocorre com os matupás mais
desenvolvidos, que tendem a conter sempre água embaixo de seu substrato. Acreditamos que
isso se deve a dois motivos principais: (i) o matupá só conseguiu chegar a um estágio
avançado de desenvolvimento por estar em um local onde há sempre a presença da água; e (ii)
os matupás atuam como uma espécie de “esponja”, acumulando e represando água onde se
encontram, de maneira que ainda que o lago seque bastante, embaixo do matupá continua
existindo um pouco de água. Essa ideia foi relatada por alguns entrevistados, que alegavam
que o matupá “segurava” a água do lago.
Ele não deixa secar, ele mantém aquela água todo tempo ali, não vaza
água pra nenhum canto, não. Os mais velhos dizem que é o matupá
que sustenta a água.
3.5 Aspectos estruturais dos matupás
Alguns entrevistados afirmaram que existem diferentes tipos de matupá, enquanto
outros alegaram que existe somente um tipo, sendo as diferenças entre os matupás associadas
apenas aos estágios sucessionais de seu desenvolvimento. Nos dois casos, os ribeirinhos
distinguiam duas possibilidades: um matupá composto apenas por espécies herbáceas e outro
composto principalmente por aningas e espécies arbóreas.
Tem aqueles que têm as árvores grandes e aninga em cima e têm
aqueles que só têm o capim, que só tá aquele piri, aquele rabo de
cavalo...
56
Depois que vira matupá desse daí, eu só tenho visto desse jeito
mesmo, com esses matos em cima - açaí, lacre, esses matos assim...
Matupá que a gente conhece é só esse.
Só é um tipo só, mas tem a variação, a transformação dele.
Quando questionados sobre a espessura da camada orgânica do matupá, os
entrevistados que distinguiam essas duas etapas/tipos, sempre atribuíam uma menor espessura
aos matupás formados apenas por herbáceas do que àqueles que possuíam árvores em sua
superfície. Considerando os valores estimados por todos os entrevistados, tem-se que os
matupás compostos apenas por herbáceas possuiriam, em média, um substrato com espessura
de 40 (± 20) cm, enquanto os matupás com árvores, 1,4 (± 0,8) m. O aspecto do substrato é
sempre descrito de forma similar, correspondendo a uma terra fofa e úmida, frequentemente
caracterizada como um “paú”. O termo “paú” é empregado pelos ribeirinhos para designar um
substrato formado pela decomposição imcompleta de matéria orgânica vegetal, geralmente
visto como um bom adubo para o plantio. Quanto ao tempo de formação dos matupás, os
entrevistados demonstraram muita incerteza, especialmente tratando-se do matupá já bem
desenvolvido. A estimativa para a formação dos matupás compostos apenas por herbáceas foi,
em média, 2,5 (± 1,7) anos, enquanto para aqueles com árvores em sua superfície, 8,7 (± 4,9)
anos. Já o tamanho que um matupá pode alcançar foi colocado como relativo ao tamanho do
lago, sendo este o principal fator limitante para o crescimento da área do matupá, além dos
eventos ambientais que venham a interferir em sua estrutura.
Assim, os dois “tipos de matupás” distinguidos por alguns entrevistados
aparentemente correspondem a estágios sucessionais do desenvolvimento dessas ilhas, uma
vez que, além de muitos entrevistados acreditarem justamente nessa transformação temporal,
os que alegavam existir dois tipos sempre estimavam uma espessura e um tempo de formação
menor para os matupás compostos apenas por herbáceas do que para o outro “tipo”, composto
principalmente por arbóreas. Essa constatação é um forte indício de que as diferenças
associadas a cada “tipo” são, na verdade, mudanças que ocorrem na estrutura e fitofisionomia
do matupá ao longo do seu processo de desenvolvimento.
Vale ressaltar que alguns utilizam o termo “matupá” para nomear essas ilhas desde o
momento em que o “capim podre” flutua, enquanto para outros esse momento corresponde
apenas ao início da formação do matupá, de maneira que denominam de “matupás” somente
as ilhas que já possuem um substrato bem consolidado e uma densa vegetação em sua
superfície, incluindo espécies arbóreas e aningas.
57
No piri já tá virado o matupá, aí vai nascendo mato pelo meio,
aqueles mata-pasto, lacre... Aqui, acolá um apuizinho pelo meio.
Aquele piri vai morrendo, aí já nasce o canafiche, aí nasce caxinguba,
munguba... Aí ele já tá quase feito. Depois que nasce essas coisas,
açaí pelo meio... Aí já tá virado mesmo de uma vez, aí é matupá
mesmo!
Neste contexto, pode-se perceber que o termo “matupá” é polissêmico, sendo utilizado
de duas formas: existe o termo “matupá” lato sensu, que engloba o que é ou será matupá, e o
termo “matupá” stricto sensu, que é o matupá propriamente dito. Na etnobiologia, a
polissemia já foi diagnosticada e bem discutida no âmbito da classificação de espécies por
povos tradicionais (Berlin 1972; Berlin et al. 1973; Brown et al. 1986). Berlin (1972) alega
que a polissemia faz parte de um processo regular em que um termo passa a representar, ao
mesmo tempo, uma forma de vida e um gênero mais “culturalmente saliente”, seja por ser
mais abundante ou mais útil; ou, ainda, um gênero e uma espécie mais culturalmente saliente.
Algo similar parece ocorrer com os matupás, o que fica bem claro nessa frase de um dos
entrevistados: Matupá [stricto sensu] é aquele matupá [lato sensu] bem duro, que dá pra
gente andar em cima, que tem as árvores. Isso explica o porquê de algumas pessoas
considerarem o “matupá em formação” como matupá e outras não, enquanto todas classificam
o “matupá desenvolvido” como matupá. O “matupá desenvolvido” corresponde ao matupá
stricto sensu, ao matupá propriamente dito. O “matupá em formação” dará origem ao “matupá
desenvolvido”, sendo chamado por alguns de matupá (lato sensu), mas por outros não.
3.6 Aspectos biológicos dos matupás: flora
Os ribeirinhos citaram poucas espécies vegetais associadas aos matupás, havendo
algumas espécies que se repetiram com muita frequência nas diferentes entrevistas (Tabelas 1
e 2). Aqueles que distinguiam dois tipos ou estágios de matupás listaram as espécies
associando-as a cada um deles, enquanto os que julgavam que o matupá correspondia apenas
à ilha já bem desenvolvida citaram as espécies que acreditavam estar presentes nessa ilha.
Assim, em todas as entrevistas (35), foi feita uma listagem de plantas para o matupá
desenvolvido, mas em apenas 25 entrevistas foram listadas as plantas associadas ao matupá
em formação.
No matupá em formação, a planta de maior destaque foi o piri (P. polygonatum),
apresentando o maior índice de saliência cognitiva (0,59; Tabela 1). O capim navalha
58
(Rhynchospora corymbosa) foi a segunda planta mais associada ao matupá em formação, com
índice de saliência cognitiva igual a 0,24; as demais plantas tiveram índice sempre menor que
0,14 (Tabela 1). O piri e o capim navalha devem ser espécies estruturadoras dos matupás na
região, uma vez que possuem rizomas com os quais criam uma “malha” entremeada que deve
contribuir para retenção de sedimentos e matéria orgânica e, portanto, para a consolidação do
substrato, assim como observado para Leersia hexandra em matupás localizados nas
cercanias de Manaus (Piedade, com. pess.).
Tabela 1. Frequência de citação, posição média de citação e índice de saliência cognitiva de cada planta citada
como presente nos “matupás em formação” segundo as listagens feitas por ribeirinhos da RDS Amanã. O índice
de saliência cognitiva (S) foi obtido a partir da fórmula: S = F/(N mP), onde F = frequência de citação do item;
mP = posição média de citação do item; e N = número total de listagens. Número total de listagens para os
matupás em formação = 25.
Frequência de
Posição média de
Índice de saliência
citação
citação
cognitiva
Piri (Panicum polygonatum)
20
1,35
0,59
Capim navalha (Rhynchospora corymbosa)
11
1,82
0,24
Membeca (Paspalum repens)
06
1,67
0,14
Batatarana (Ipomoea squamosa)
06
2,00
0,12
Aninga (Montrichardia linifera)
07
3,29
0,09
Rabo de cavalo (Hymenachne amplexicaulis)
04
2,50
0,06
Mureru6
02
2,00
0,04
Planta
No matupá já desenvolvido, a planta com maior índice de saliência cognitiva foi o
lacre (Vismia spp.; S = 0,38), apesar de o açaí (E. precatoria) ter sido a planta mais citada
(Tabela 2). Acreditamos que a alta citação do açaí não se deve necessariamente à percepção
do açaí como a espécie que ocorre em maior frequência ou abundância nos matupás, mas ao
destaque que essa planta tem na região devido ao valor alimentício que lhe é atribuído. Os
frutos do açaí são bastante utilizados para a produção do “vinho de açaí”, um produto muito
6
Mureru é um nome genérico utilizado para designar diversas espécies herbáceas flutuantes, especialmente
aquelas que não se prolongam acima da superfície da água, mantendo suas folhas na superfície. Alguns
exemplos são: Pistia stratiotes, Hydrocotyle ranunculoides, Azolla caroliniana, Azolla microphylla, Limnobium
spongia, Ludwigia helminthorrhiza, Phyllanthus fluitans, Pontederia rotundifolia, Eichornia crassipes, Salvinia
minima.
59
consumido e apreciado pelos povos locais. Considerando-se tanto a frequência quanto a
posição de citação, o açaí foi a segunda planta de maior destaque, seguida da aninga (M.
linifera), do apuí (Ficus sp. ou Clusia sp.) e da embaúba (Cecropia sp.). As demais espécies
tiveram índice de saliência cognitiva inferior a 0,10 (Tabela 2).
Tabela 2. Frequência de citação, posição média de citação e índice de saliência cognitiva de cada planta citada
como presente nos “matupás desenvolvidos” segundo as listagens feitas por ribeirinhos da RDS Amanã. O
índice de saliência cognitiva (S) foi obtido a partir da fórmula: S = F/(N mP), onde F = frequência de citação do
item; mP = posição média de citação do item; e N = número total de listagens. Número total de listagens para os
matupás desenvolvidos = 35.
Planta
Frequência de citação
Posição média de
Índice de saliência
citação
cognitiva
Lacre (Vismia sp.)
31
2,32
0,38
Açaí (Euterpe precatoria)
33
2,94
0,32
Aninga (Montrichardia linifera)
19
2,05
0,26
Apuí (Ficus sp. ou Clusia sp.)
20
3,20
0,18
Embaúba (Cecropia sp.)
20
3,45
0,17
Munguba (Pseudobombax munguba)
14
4,14
0,10
Caxinguba (Ficus maxima)
10
3,70
0,08
Tachi (Triplaris surinamensis)
4
3,75
0,03
Matapasto (Chromolaena maximilianii)
4
3,50
0,03
Jauari (Astrocaryum jauari)
3
5,33
0,02
Jacareúba (Calophyllum brasiliense)
2
3,50
0,02
Rabo de camaleão (Acacia loretensis)
2
3,00
0,02
Piranheira (Piranhea trifoliata)
2
6,50
0,01
Houve relação positiva entre o índice de saliência cognitiva das plantas listadas pelos
entrevistados e o índice de valor de importância (IVI) das plantas encontradas no inventário
(r2 = 0,30; P = 0,03; Figura 2). Apuí, lacre e açaí foram as plantas de maior destaque tanto nas
entrevistas quanto no inventário. A quarta espécie arbórea de maior destaque nas entrevistas
foi a embaúba (Cecropia sp.), que, embora não tenha sido visualizada de forma similar no
60
inventário, foi um dos gêneros vegetais citados por Junk (1983) e Junk e Piedade (1997) ao
falar sobre as espécies arbóreas que costumam colonizar os matupás, de maneira que espécies
de Cecropia devem ser comuns em matupás, apesar de não terem sido encontradas com muita
frequência nas parcelas amostradas em nosso inventário. A munguba (Pseudobombax
munguba) e a caxinguba (Ficus maxima) foram mais salientes nas entrevistas do que o tachi
(Triplaris surinamensis), que teve maior destaque no inventário. Por outro lado, a munguba e
a caxinguba estiveram distribuídas em um maior número de matupás no inventário do que o
tachi (ver capítulo 1), o que significa que talvez seja de fato mais comum vê-las nessas ilhas
de maneira geral, justificando um maior destaque dessas plantas para os ribeirinhos. As
demais espécies apresentaram baixo índice de saliência cognitiva e IVI.
A congruência entre o inventário florístico e as informações concedidas pelos
entrevistados sobre as espécies arbóreas presentes nos matupás reafirma o conhecimento
ecológico dos ribeirinhos acerca do ambiente em que vivem. A existência de relação entre
dados obtidos em inventários e entrevistas também foi verificada em outros trabalhos
envolvendo povos tradicionais, como o de Abraão et al. (2008) e o de Halme e Bodmer
(2007), mostrando que o conhecimento empírico desses povos realmente reflete aspectos
ecológicos detectados através de métodos científicos.
61
Figura 2. Relação entre o índice de saliência cognitiva (S) das plantas citadas nas 35 entrevistas como presentes
nos “matupás desenvolvidos” e o índice de valor de importância (IVI) das plantas encontradas em inventário
realizado em 10 matupás localizados próximo às comunidades entrevistadas. S = F/(N mP), onde F = frequência
de citação do item; mP = posição média de citação do item; e N = número total de listagens. O IVI corresponde à
soma da densidade relativa, frequência relativa e dominância relativa (área basal relativa) de cada planta no total
de parcelas amostradas. Os pontos estão acompanhados pelo nome popular que as plantas recebem na região,
correspondendo aos seguintes táxons científicos: lacre = Vismia sp.; açaí = Euterpe precatoria; apuí = Ficus sp.
ou Clusia sp.; embaúba = Cecropia sp.; munguba = Pseudobombax munguba; caxinguba = Ficus maxima; tachi
= Triplaris surinamensis; jacareúba = Calophyllum brasiliense; ; rabo de camaleão = Acacia loretensis; matapasto = Chromolaena maximilianii; joari = Astrocaryum jauari; piranheira = Piranhea trifoliata; paricá =
Hydrochorea corymbosa; erva de rato = Palicourea marcgravii; arapari = Macrolobium acaciifolium; pau pedra
= Hieronyma alchorneoides.
3.7 Aspectos biológicos dos matupás: fauna
Em geral, os matupás são tidos pelos ribeirinhos como ambientes frequentados por
muitos animais, tanto na sua superfície, quanto na região logo abaixo deles, dentro da água.
Os animais mais citados são: jacarés (Caiman crocodilus e Melanosuchus niger); tracajá
(Podocnemis unifilis); peixe-boi (Trichechus inunguis); peixes, principalmente pirarucu
(Arapaima gigas) e tambaqui (Colossoma macropomum); capivara (Hydrochoerus
hydrochaeris); onça (Panthera onca ou Puma concolor); cobras; pássaros, em especial jaçanã
62
(Jacana jacana), cigana (Opisthocomus hoazin) e alencorne (Anhima cornuta); e insetos
(Tabela 3).
Segundo os entrevistados, os jacarés costumam frequentar bastante os matupás em
estágios sucessionais mais avançados para construir ninhos em sua superfície. O tracajá
também desova nos matupás, tanto nos mais desenvolvidos quanto naqueles em formação,
desde que disponham de uma área aberta, com substrato seco, sob incidência direta do sol. O
pirarucu, o tambaqui e o peixe-boi foram mencionados como estando presentes tanto nos
matupás em formação quanto naqueles já bem desenvolvidos, porém mais frequentemente sob
esses últimos.
Peixe-boi dá mesmo é no matupá grosso. Pode ser grosso que for,
mas tem aqueles buracos onde eles boiam. Ele gosta de lá, é uma casa
boa pra ele, é o mesmo que nós tá embaixo do mosquiteiro!
A capivara, a onça e as cobras frequentam principalmente os matupás em estágios
sucessionais mais avançados, já os demais animais ocorrem de forma similar nos matupás
ainda pouco desenvolvidos e naqueles já bem estruturados.
63
Tabela 3. Porcentagem de entrevistas em que cada animal foi citado como frequentador dos “matupás em
formação” e dos “matupás desenvolvidos”. Entre parênteses está o número de entrevistas em que o animal foi
citado. Para o matupá em formação, o número total de entrevistas foi 25 e para o matupá desenvolvido, 35,
pois nem todos os entrevistados consideravam o matupá em formação como sendo um matupá de fato, listando
apenas o que julgavam existir no matupá desenvolvido.
Frequência de citação (%)
Animal
Matupá em formação
Matupá desenvolvido
Jacaré (Caiman crocodilus e Melanosuchus niger)
72,0 (18)
85,7 (30)
Cobras
64,0 (16)
80,0 (28)
Tracajá (Podocnemis unifilis)
60,0 (15)
71,4 (25)
Capivara (Hydrochoerus hydrochaeris)
28,0 (7)
65,7 (23)
Onça (Panthera onca ou Puma concolor)
8,0 (2)
48,6 (17)
Peixe-boi (Trichechus inunguis)
52,0 (13)
45,7 (16)
Insetos
60,0 (15)
42,9 (15)
Pirarucu (Arapaima gigas)
36,0 (9)
42,9 (15)
Tambaqui (Colossoma macropomum)
32,0 (8)
42,9 (15)
Peixes7
28,0 (7)
25,7 (9)
Pássaros
28,0 (7)
25,7 (9)
Aranhas
12,0 (3)
8,6 (3)
Rato
20,0 (5)
5,7 (2)
Sapos
8,0 (2)
2,9 (1)
3.8 Importância ecológica dos matupás
Quando questionados acerca da importância dos matupás, todos os entrevistados
afirmaram que essas ilhas são muito relevantes para a manutenção dos peixes nos lagos, em
especial os de grande porte. Na categoria de peixes de grande porte, os ribeirinhos incluem
7
A frequência de citação relativa aos peixes correspondeu à proporção de pessoas que utilizaram esse termo de
forma genérica, não incluindo aquelas que falaram do pirarucu e/ou do tambaqui, mas não utilizaram esse termo
também. Isto porque, em geral, ao falar “peixes” as pessoas referem-se aos peixes de menor porte, destacando
separadamente o pirarucu e o tambaqui quando querem se referir a eles.
64
principalmente o pirarucu, o tambaqui e o peixe-boi8. Segundo eles, lagos com matupás
concentram um número muito maior desses animais do que aqueles que não possuem tais
ilhas flutuantes.
O matupá acho que é que nem um assoalho, que mora porco, galinha
debaixo do jirau*. Acho que os bichos moram debaixo.
Lago que não tem matupá tem mais esses peixes miúdos, mas onde
tem matupá fica mais pirarucu, tambaqui...
Ele é muito importante pros peixes. Lago que não tem matupá, não
cria peixe, tem pouco peixe, pelo menos os peixes que gostam de estar
debaixo: tambaqui, tucunaré, pirarucu, peixe-boi... Lago que não tem
matupá, eles não gostam de estar lá.
O matupá faz uma parte da preservação. Pode ver que se um lago não
tem matupá, o peixe vai embora logo. Quando tem matupá, o peixe
fica lá. Então o matupá tem uma grande importância. Não tem um
canto que junte tanto peixe, quanto aonde tem matupá.
Em geral, os ribeirinhos atribuem a maior abundância de peixes em áreas com matupás
ao fato dessas ilhas funcionarem como um importante abrigo para esses animais, atraindo-os e
potencializando sua permanência no local ao fornecer proteção e temperaturas mais amenas.
Alguns afirmam, ainda, que servem também como fonte de alimento.
Tem muita importância [O matupá]. Pelo menos pra esses bichos que
moram lá debaixo... Protege muito eles. Acho que foi Deus que deixou
aquilo pra proteger esses bichos, pra ser uma casa pra eles. Onde tem
o matupá a água não esquenta tanto como na parte limpa*. Lá eles
tão na casa deles, de noite saem pro limpo e vão passear.
É aonde é a proteção dos bichos, dos peixes. Se não existir o matupá,
como é que os pobres ficam fora, na água?! Se tiver fora e tiver
matupá, ele fica fora e vai pro matupá, fica fora e vem pro matupá. O
matupá é a proteção.
O principal do lago é o matupá, que é o esconderijo do peixe. Além de
ser um esconderijo, é um alimento muito forte pros peixes, que comem
a raiz dele, dos matos que dão nele. Aqui dá muito peixe por causa
disso, porque os lagos têm muito matupá. Os lagos daqui só é de
matupá, tem lago aqui que você entra e tem só um abertinho, você
olha e aquilo some, só é um puro matupá, coisa linda mesmo de ver.
8
Apesar de taxonomicamente ser classificado como um mamífero, o peixe-boi costuma ser classificado como
um peixe pelos povos da Amazônia (Calvimontes 2009).
65
Alguns entrevistados acreditam que o maior número de peixes em áreas com matupás
também está associado à maior dificuldade de captura pelos pescadores, uma vez que os
matupás representam barreiras que impõem uma limitação para a sobrepesca no local.
Pra pesca, ele é um protetor dos peixes, um esconderijo [...]. Com o
matupá, o homem não faz o que quer, vai pegando os peixes conforme
a saída deles dos matupás. Tem muito peixe embaixo do matupá, é a
casa do tambaqui, do pirarucu. Matupá é a casa dos peixes, lago que
tem muito matupá é lago que ajunta muito peixe.
No Mamédio9, pode matar os [peixes] que boiam no buraco ou os que
saem pra fora, mas depois que ele se entocar embaixo do matupá,
minha filha, não tem como tirar ele dali.
Onde tem matupá, tem muito peixe; fica muito tambaqui, pirarucu. O
tambaqui aqui é tão sabido, que se a gente coloca uma malhadeira
num dia, quando é no outro dia nem coloque, que não pega; eles se
entocam tudo pra debaixo, vão tudo pra debaixo do matupá e só
quando tá muito silêncio que ele sai.
Na literatura científica não há reconhecimento a respeito da importância ecológica dos
matupás para os peixes, mas já é bastante conhecida a relevância dos bancos de macrófitas,
que funcionam não apenas como local de abrigo e fonte de alimento, mas também como
berçário para muitas espécies (Petr 2000; Sánchez-Botero e Araújo-Lima 2001; Agostinho et
al. 2007). Os matupás, com sua espessa camada de matéria orgânica parcialmente
decomposta, devem funcionar de forma parecida ao oferecer uma cobertura natural na
superfície da água e uma série de potenciais micro-habitats a serem explorados, além de
possuir, em sua estrutura como um todo, muito material biológico que pode servir como
alimento para diversos animais. Sobre o uso dos matupás pelos peixes-boi, há registros na
publicação de Nunes Pereira (1944) em que o autor faz um amplo levantamento de
informações sobre o peixe-boi amazônico e destaca a relevância dos matupás para esse
mamífero aquático, alegando que estão entre as suas zonas ecológicas preferidas como abrigo.
Houve citações também sobre a importância dos matupás para outros animais,
principalmente jacarés, tracajás e pássaros. Os ribeirinhos afirmam que os matupás funcionam
tanto como local de abrigo, quanto de nidificação para esses animais. Isto já foi registrado
para C. crocodilus por Hoogmoed (1993) e para M. niger por Villamarín et al. (2011). Para
Villamarín et al.(2011) a deposição de ovos nos matupás deve ser interessante por reduzir os
riscos de inundação dos ninhos de M. niger, uma vez que essas ilhas se mantêm sempre
9
Mamédio é o nome de um lago.
66
flutuando, mesmo com a chegada da enchente. Alguns entrevistados salientaram, ainda, a
relevância dos matupás para espécies vegetais ao representar um local de estabelecimento e
fornecer substrato fértil para seu desenvolvimento.
É um esconderijo pros animais [o matupá], serve de apoio pras
árvores, é um local de ninhos de muitos pássaros.
Bichos gostam de desovar lá... Tracajá desova muito e jacaré
também.
O jacaré gosta muito do matupá, porque lá se junta muito peixe. Além
dos peixes, ele usa o matupá como casa dele [...]. Na hora que ele
quer desovar, como aquele batume*, aquela coisa ali, é muito funda,
ele faz o lugar pra desovar ali. Ele puxa as folhas e faz um ninho bem
alto e se mete ali debaixo do folharal* pra desovar.
Outro papel ecológico associado aos matupás por alguns entrevistados é o de
conservação da água do lago, existindo até mesmo relatos sobre a retirada de matupás de
lagos e uma consequente redução drástica do seu volume de água. Esta ideia entra em
congruência com a do papel do matupá em atuar como uma “esponja”, conforme discutido
anteriormente.
Já aconteceu aí nesse laguinho: uma vez o menino cortou o matupá,
aí saiu o matupá, e a água desceu, ficou só a mortandade de peixe.
Antes não acontecia isso, os peixes tavam tudo aí, tambaqui, tudo
tambaquizão assim, tudo grande os tambaquis... Mesmo na seca,
ficava água; aonde tava o matupá ficava água.
3.9 Importância dos matupás para os ribeirinhos: usos locais
Em 85,7% das entrevistas foi destacado o valor do substrato do matupá como fonte de
matéria orgânica para cultivo em canteiros. Segundo os ribeirinhos, o matupá é mais fértil do
que o esterco de boi, sendo considerado um excelente adubo natural para o plantio,
especialmente de temperos bastante utilizados na culinária regional, como a cebolinha (Allium
fistulosum), a pimenta de cheiro (Capsicum chinense) e a cebola (Allium cepa).
É um adubo muito bom pras plantas. A planta que não nascer
no matupá eu acho que é porque ela tava contaminada de alguma
doença, porque não tem planta que não nasça, que não cresça, que
não produza, e muito, na terra do matupá. É muito bom, muito bom
mesmo.
67
A planta sempre se dá melhor, cresce mais, é uma terra com certeza
de mais potência pras plantinhas, elas ficam bonitas.
Serve pra plantar cebola*, pimenta, cebola de cabeça*... É o que a
gente mais usa pra plantar.
O substrato do matupá é sempre coletado no período da seca e normalmente é retirado
de matupás que ainda estão no início do processo de formação, já possuindo a camada
orgânica em sua base, mas não apresentando espécies de grande porte em sua superfície.
Segundo os entrevistados, quando o nível de profundidade da água diminui com a vazante, o
matupá em formação muitas vezes “fica em terra”, ou seja, encosta na beira dos lagos e fica
ressecado devido à exposição ao sol e à ausência de contato com a água. É esse matupá
“morto”, então, que costuma ser utilizado pelos ribeirinhos nos canteiros. Eles afirmam que
também é possível usar matupás em estágios sucessionais mais avançados, contanto que eles
também sejam levados para a beira do lago na vazante e percam o contato com a água,
ficando ressecados e “mortos”, além de mais acessíveis para a coleta; no entanto, alegam que
é raro que isso ocorra com matupás mais desenvolvidos.
Quando enche, fica na água, mas quando seca, muitos ficam em
terra . É aí que a gente vai tirar o paú*. Quando tá em terra, ele seca
todinho. [...] Esses que têm árvore não vão pra terra, ficam só
naquele local, é difícil sair de lá.
*
É quando vem o sol, sempre é na época de junho, julho, agosto, que
ele sai [em terra]. Ele morre com a quentura do sol e aí já fica o
adubo. Mas depois que ele fica grossão, adulto mesmo, aí não morre
mais, não.
Os ribeirinhos costumam concentrar a coleta do matupá em uma vez ao ano, quando já
levam a quantidade necessária para preencher os seus canteiros. Para alguns, o acesso
logístico aos matupás na época da seca é difícil, mas aqueles que possuem fácil acesso tendem
a utilizá-lo sempre no cultivo de seus temperos.
Ah, eu não deixo de usar matupá, que as coisas dão bem bonitas. [...]
A cunhada do meu marido fez uma hortinha lá e colocou só o matupá,
vai lá pra tu ver como tão as pimentas dela! Tão lindas, lindas,
lindas... Só com o matupá!
Pode colocar na cebola*! Espia minha cebola, depois tu vai olhar
minha cebola pra ver como tá. Cebola de palha*, pimenta de cheiro*,
cheiro verde... Pode adubar; pode plantar no matupá pra tu ver só
como dá lindo, lindo, lindo. Nós só planta assim aqui.
68
Muitos misturam o matupá com o esterco de boi, seja para aumentar o rendimento, já
que às vezes não conseguem coletar uma quantidade de matupá suficiente para preencher os
canteiros, seja por achar que o matupá está muito úmido, o que dizem que pode prejudicar a
produção de certos itens. No entanto, alguns afirmam que a mistura não é muito vantajosa,
porque o esterco de boi potencializa o desenvolvimento de muitos capins no canteiro, o que
não ocorre no caso do matupá puro.
O uso do substrato do matupá como matéria prima na preparação de adubo chegou a
ser recomendado por Junk (1977) devido à sua elevada fertilidade e à facilidade de acesso e
transporte do mesmo. Posteriormente, Noda et al. (1978) realizaram um experimento
buscando avaliar o valor do matupá como fonte de matéria orgânica em adubações para o
cultivo de feijão-de-asa (Psophocarpus tetragonolobus). Os autores concluíram que dentre
todos os tratamentos utilizados o matupá foi o que resultou em um maior rendimento, sendo
um adubo melhor do que o esterco de galinha ou restos de hortaliças e frutas (Noda et al.
1978). Sendo assim, o substrato do matupá mostra-se realmente uma interessante fonte de
matéria orgânica natural para cultivos que pode ser utilizada pelas populações locais. O uso
desse
recurso
demonstra-se
sustentável,
não
comprometendo
a
manutenção
e
desenvolvimento dos matupás, uma vez que as pessoas costumam utilizar apenas os matupás
no início do processo de formação que perderam o contato com a água. Por um lado, esses
matupás poderiam vir a servir como substrato para colonizadores secundários e originar o
processo de sucessão que resulta na formação de matupás desenvolvidos; por outro lado, a
coleta é realizada em uma proporção muito pequena em comparação à quantidade de blocos
de capim que boiam na superfície depois do período de enchente, de maneira que essa
atividade não parece comprometer a persistência de matupás na região.
Houve alguns relatos também sobre a utilização do matupá como área de cultivo
propriamente dita, algo nunca registrado na literatura científica. Tais relatos são raros e essa
prática parece tratar-se de algo muito esporádico, sempre associada a uma experimentação. As
plantas escolhidas para o cultivo no matupá geralmente são o milho (Zea mays), a melancia
(Citrullus lanatus) e o maxixe (Cucumis anguria), principalmente as duas primeiras. O
plantio costuma ser realizado no matupá em formação que perdeu o contato com a água
durante o período da seca, a mesma condição anteriormente relatada para o caso do uso do
matupá nos canteiros domésticos. Nas entrevistas, cinco pessoas (13,9%) afirmaram já ter
tentado plantar no matupá, das quais três obtiveram sucesso, mas duas tiveram sua colheita
prejudicada devido a eventos de enchente que alagaram a área que estavam usando para
69
cultivo. Alguns citaram a tentativa de plantio no matupá feita por outros três moradores, que
não foram entrevistados por não estarem presentes na região. Alegaram que um deles já
tentou algumas vezes e obteve sucesso, enquanto os outros dois tentaram apenas uma vez e
não conseguiram realizar a colheita. Um deles foi prejudicado pela ação de ratos que atacaram
a produção, enquanto o outro realizou o cultivo em um matupá que estava flutuando e a
chegada de um temporal, que provocou fortes ondulações na água, causou sua destruição e a
perda de tudo o que ele havia plantado.
Minha irmã, ali dá um adubo pra qualquer planta! Plantei um
milharal [no matupá] com uma menina que é mãe da minha cunhada
que mora ali no Acará10, deu milho, milho, que se estragou.
Vovô uma vez plantou melancia em cima e deu bonito!
O irmão do Bioca, ali no Itanga11, plantou melancia em cima de um,
mas os ratos comeram tudo. Só que ele ficou em terra*, não ficou na
água, secou e ele ficou lá numa ponta. O do Chico Pereira não deu
rato, mas o temporal bagunçou. O [matupá] do tio Chiquinho ficou na
água mesmo, pra onde o vento levava, ele ia [...], mas aí veio o
temporal e ele foi parar no lago grande e parece que o banzeiro* foi
forte lá e despedaçou o pobre todinho...
Essa última citação corresponde ao único relato sobre alguém que chegou a cultivar
em um matupá que estava flutuando, apesar de outros terem falado dessa possibilidade como
algo interessante:
Meu marido dizia assim “Se a gente plantasse melancia aqui em
cima, como não dava bonito os pés de melancia! Dava fruto aqui em
cima, porque é o mesmo que terra!”. É dessa alturona o matupá. É
bonito aquele matupá dali, tem açaizeiro, tem lacre... Tudo tem em
cima.
Esse rapaz que pescava com a gente até falava “rapaz, bicho, eu
ainda vou fazer um bananal aqui em cima...porque aqui não vai pro
fundo e eu tenho certeza que dá banana, porque dá açaí, dá capim, dá
lacre, dá tudo!”
O uso dos matupás como local de cultivo nos remete aos chinampas, canteiros
agrícolas construídos pelos Aztecas em lagos na região do Vale do México. O chinampa é
uma espécie de ilha artificial formada por uma estrutura retangular firmemente fixada ao
10
11
Acará é o nome de um lago.
Itanga é o nome de um lago.
70
substrato dos lagos na qual são colocadas camadas alternadas de plantas aquáticas, lama do
fundo dos lagos e terra (Chapin 1988). Os chinampas são um dos sistemas agrícolas mais
intensivos e produtivos já desenvolvidos no hemisfério ocidental e continuaram existindo
após a colonização europeia, sendo usados até hoje, ainda que com abrangência muito menor
(Denevan 1970; Chapin 1988; Onofre 2005). No entanto, no caso dos matupás nota-se que
existe um risco muito grande associado ao seu uso como local de cultivo, principalmente
devido ao dinamismo do sistema hidrológico local. Apesar dos rios da região serem regidos
por um pulso monomodal e apresentarem uma dinâmica sazonal previsível (Junk et al. 1989),
os corpos de água onde os matupás se localizam estão vulneráveis a eventos de inundação
extemporâneos. Esses eventos ocorrem usualmente e são conhecidos localmente como
“repiquetes”. Além dos repiquetes, sempre existe o risco de ocorrência de temporais, que
podem aumentar subitamente o nível de água dos lagos, especialmente daqueles de dimensões
pequenas. Como os matupás cogitados para realização de cultivo geralmente são aqueles em
formação que “ficaram em terra” e não estão mais flutuando, essas alterações na profundidade
da água podem provocar alagamento desses matupás e, portanto, um prejuízo para a
produção. O cultivo nos matupás já desenvolvidos e que se mantêm flutuando não é
interessante para os ribeirinhos porque eles consideram que seria necessário retirar todas as
árvores dos matupás e queimar a região onde seria realizado o cultivo, assim como fazem nas
áreas de plantio na terra firme. Como disponibilizam de áreas de terra firme para cultivar, não
precisam realizar esse esforço e alterar a estrutura do matupá. Isto pode ser encarado como
algo positivo, visto que esse impacto seria bastante oneroso para os matupás e conduziria
certamente à sua completa destruição e à consequente supressão de suas importantes funções
ecológicas na paisagem.
Em 57,1% das entrevistas os ribeirinhos destacaram a importância dos matupás para as
pessoas associando-os à questão da pesca. Nesse caso, existe tanto uma abordagem de
relevância direta, quanto indireta. A indireta refere-se ao papel dos matupás na manutenção e
maior abundância de peixes nos lagos, o que consideram algo de muita valia, uma vez que os
peixes são um item essencial da sua dieta.
Pra procriação do alimento da gente é importante [o matupá]. Lá eles
se criam. Quando vem a cheia, os peixes saem e a gente pega eles no
igapó*, em outro lugar. Lá [no matupá] é difícil de pegar, mas eles tão
guardados lá.
71
Já o uso direto está relacionado à pesca no próprio matupá, em especial a captura de
pirarucus. Os entrevistados alegam que os pirarucus costumam permanecer embaixo dos
matupás e boiar em buracos existentes em seu substrato. Os pescadores, então, abrem uma
trilha para caminhar no matupá e posicionam-se na beira de um buraco para arpoar o pirarucu
quando ele vem à superfície respirar.
Pescadores vão por cima do matupá, os pirarucus sempre fazem o
boiador* dele no matupá. Aí o pescador já faz um caminhozinho por
cima do matupá, que aguenta ele bacana, e fica lá esperando.
Abria um caminho, deixava passar uns três dias e ia lá
devagarzinho... Aí tinha o peixe. Agora [na época da seca] só onde
tem é lá mesmo. Quando amanhece o dia eles tão tudo lá debaixo, no
limpo* não. Pirarucu boia sempre lá.
Daqui pra lá tem aqueles buracos [no matupá], que é o boiador* dos
peixes, do pirarucu. Lá onde tem o buraco, o cara vai se escorar lá.
Nenhum dos entrevistados alegou manter esta prática, mas em 18 das 20 entrevistas
nas quais a questão da pesca foi comentada pelos entrevistados foram relatados casos de
pescadores que já haviam frequentado os matupás no intuito de pescar pirarucus, de maneira
que esse uso nitidamente ocorria no passado. Hoje possivelmente esse uso continua existindo,
porém com a proibição permanente da pesca do pirarucu exceto em áreas de cultivo ou sob
plano de manejo aprovado pelos órgãos competentes (Brasil, Instrução Normativa 34/2004;
Amazonas, Instrução Normativa 1/2005) deve existir um certo receio na execução e/ou no
relato dessa prática. Algumas das comunidades envolvidas com a pesquisa estão inseridas
dentro do Programa de Manejo da Pesca, promovido pelo Instituto de Desenvolvimento
Sustentável Mamirauá (IDSM), de maneira que, em geral, seus moradores falavam mais
abertamente sobre o assunto, ainda que também tenham alegado não mais fazer esse tipo de
uso. Seria necessária uma exploração especificamente voltada a esse aspecto para diagnosticar
informações mais detalhadas sobre esse tipo de uso do matupá.
Houve, ainda, alguns relatos acerca da coleta de ovos de tracajá e de jacarés nos
matupás. Os ovos desses animais são muito apreciados como alimento pela população local,
especialmente os de tracajá. No entanto, a coleta de ovos nos matupás mostrou-se associada a
certo oportunismo e baixa frequência, visto que aparentemente os ribeirinhos coletam ovos
apenas quando estão nas proximidades de matupás e avistam sinais de nidificação de jacarés
ou tracajás nas beiras dessas ilhas.
72
3.10 Universo cosmológico dos matupás: a cobra grande
Durante a realização das entrevistas foi muito comum ouvir relatos associando a
ocorrência de matupás à presença da “cobra grande”. A cobra grande é um ser bastante
presente no cenário mitológico amazônico, havendo diversas histórias sobre sua existência e
relação com eventos da natureza (Galvão 1955; Cascudo 2001; Monteiro 2006).
Diz a ciência que não existe cobra grande, né, mas, aqui, a gente que
mora aqui no interior percebe que existe.
Nas comunidades envolvidas com a pesquisa ela costuma ser vista como um animal
que vive sempre nos lagos, sendo muito importante para a manutenção da água no local em
que se encontra, chegando a ser denominada como “mãe dos lagos” ou “mãe das águas”. Os
ribeirinhos demonstravam sempre temor em relação à cobra grande, alegando ser um animal
perigoso, de dimensões muito grandes, capaz de fazer todo o lago tremer, provocar estrondos
e até mesmo temporais.
Se você ver o remanso* dela, você vai ter medo [...]. Ela que faz o
temporal vir. Toda vez que vem o temporal forte, é porque a cobra tá
boiada em algum lugar.
Muitos entrevistados (51,4%) se referiram aos matupás como um importante local de
abrigo para a cobra grande. Comumente ouvíamos as pessoas denominando-os como “a casa
da cobra grande” e alguns ressaltaram que a presença desse animal é essencial para que a ilha
possa se formar em um local. Dizem que é devido à presença da cobra grande que não chega a
secar totalmente embaixo dos matupás, de maneira que se a cobra grande sair do lago, o
matupá se acaba e o lago seca. Houve também associações entre o tamanho do matupá e a
probabilidade da cobra grande viver embaixo dele, de maneira que quanto maior o matupá,
maior o receio em relação à presença da cobra grande.
Matupá só cria onde tem cobra; ele tem mãe. Se não tiver mãe, não
cria matupá [...] Se matar a mãe, acaba. Não pode ser qualquer
cobra, tem que ser uma cobra grande...dizem que não existe, mas
existe.
Tem um lago ali que nós chama lago do Antônio Paulino. Ele
não tinha um fio de capim, era um olho de água. Hoje, o lago tem
mais ou menos uns 200 m de comprimento por 100 m de largura e tá
todo tapado de matupá. Nós acha que aquilo foi uma cobra que foi
73
pra lá. Nós acha que a cobra tem um ímã pro matupá nascer onde ela
mora. Ela, então, atrai o matupá, com certeza.
Eu vejo dizer que a cobra ajuda [a criar o matupá]. Ajuda porque é o
lugar que ela fica, é a casa dela, então ela forma aquele matupá. Meu
avô que dizia isso pra mim. Ele dizia que onde tem cobra tem matupá
que cria grande mesmo, porque é a casa dela.
Alguns entrevistados acreditavam que a relação entre o matupá e a cobra grande se
dava em outro sentido: uma vez formados, os matupás atrairiam uma série de animais que
gostam de viver no espaço localizado abaixo deles ou frequentá-los esporadicamente,
incluindo a cobra grande. Assim, a presença da cobra grande no lago não seria necessária para
que o matupá se formasse.
O matupá não cria porque tem um animal ali e ele nasce, não. Eu
acho que ele nasce e aí alguns bichos que tem vão pra lá.
Apesar da crença na cobra grande não ser unânime entre os moradores das
comunidades visitadas, é nítido que se trata de algo muito presente no imaginário coletivo. A
negação à crença parecia estar vinculada, na maioria dos casos, a certa timidez, sendo muito
mais comum entre entrevistados jovens do que entre aqueles com idade avançada; em alguns
casos, entrevistados jovens chegaram a dizer que a crença na cobra grande era “coisa dos
antigos”. No entanto, a associação entre a existência da cobra grande e do matupá em um
mesmo local parece ser um forte motivo para os ribeirinhos terem receio ao frequentar lagos
onde há matupás, em especial as ilhas propriamente ditas ou áreas próximas a elas. Pôde-se
perceber que este receio é generalizado, existindo mesmo no caso daqueles que negam
acreditar na cobra grande.
Depois que tem um matupá em qualquer lago, o cara já fica logo com
medo, pode ter uma cobra...
O pessoal diz “o matupá quem faz é a cobra” [...] mas eu acho que o
medo é que se tem um lago que uma parte é limpa* e a outra é
matupá, os animais não querem tá no limpo, eles vão pra lá, pra ficar
escondidos, por isso é o medo. A gente já fala “olha, matupá eu não
passo, não, quem sabe tem um bicho aí”.
Assim, além dos papéis ecológicos dos matupás e de sua importância direta e indireta
para os ribeirinhos, essas ilhas também merecem destaque por estarem inseridas em um
contexto cosmológico, envolvendo um ser bastante presente no imaginário coletivo dos povos
74
amazônicos. Acreditamos que a associação entre os matupás e a cobra grande seja um
elemento importante para a preservação dessas ilhas, uma vez que o temor a esse ser faz com
que as pessoas tenham certo receio em frequentar os matupás e áreas próximas a eles. Como
os matupás são um local utilizado como abrigo por muitos animais, esse receio pode ser
positivo na medida em que tende a intensificar o potencial que essas ilhas têm de proteger as
espécies que as frequentam.
4. CONCLUSÃO
Com base em todas as informações destacadas e discutidas neste trabalho podemos
concluir que os ribeirinhos possuem um valioso conhecimento sobre os matupás, explicitando
uma série de aspectos relacionados a essas ilhas e conseguindo destacar pontos de grande
relevância em termos ecológicos. Considerando-se a existência de tão pouca literatura
científica acerca dos matupás, o levantamento de informações junto a esses povos mostrou-se
uma ótima ferramenta na compreensão dos processos associados a essas ilhas. Além disso,
vale ressaltar que algumas das informações obtidas certamente exigiriam anos de observação
em campo para serem detectadas por pesquisadores. Neste sentido, nosso trabalho entra em
congruência com os estudos de Fleck e Harder (2000), Shepard et al. (2001), Shepard et al.
(2004), Halme e Bodmer (2007) e Abraão et al. (2008), dentre outros, ao verificar o potencial
do conhecimento tradicional em ser uma importante fonte de informação sobre o ambiente e
seus elementos. Tal conhecimento pode agregar ao conhecimento científico novos pontos de
vista e novas informações, oriundos da estreita relação desses povos com o meio natural e da
transmissão de conhecimentos ao longo das gerações.
Além de contribuir para a compreensão de processos ecológicos, a etnoecologia da
paisagem pode desempenhar um importante papel na gestão de recursos e conservação
ambiental. Em geral, políticas de desenvolvimento tendem a privilegiar o conhecimento
acadêmico como base para definir planos de manejo e uso de recursos em ambientes naturais.
Com isso, deixa-se de incorporar estratégias de povos tradicionais na gestão da sua terra, água
e recursos bióticos, que poderiam ser positivas para a conservação ambiental (Johnson e Hunn
2010b). Assim, o conhecimento ecológico tradicional e o conhecimento ecológico acadêmico,
com seus diferentes métodos e fontes de informação, deveriam ser vistos como
complementares na compreensão do ambiente, gerando diagnósticos mais completos e
informativos.
75
5. AGRADECIMENTOS
Gostaríamos de agradecer aos moradores da RDSA pela hospitalidade e acolhimento,
especialmente aos entrevistados por terem compartilhado seus conhecimentos conosco; a
Divino Áquila Araújo pelo apoio logístico e assistência em todas as etapas de campo; a
Helder Espírito Santo pelo auxílio na análise estatística e sugestões para aprimoramento do
texto; a Marina Vieira, Flávia Santoro, Nivaldo Peroni e Jansen Zuanon pelas sugestões para
aprimoramento do texto; ao Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico
(CNPq) pela bolsa de mestrado de CTF; ao Instituto de Desenvolvimento Sustentável
Mamirauá (IDSM) pelo apoio financeiro e logístico; à National Geographic Society (NGS)
pelo apoio financeiro.
76
6. BIBLIOGRAFIA CITADA
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82
Síntese
No presente trabalho, dois tipos de abordagem bastante distintos se mostraram
complementares: a pesquisa ecológica convencional e a pesquisa etnoecológica. Cada uma
delas abrange diferentes métodos, perspectivas, fontes de informação e formas de consolidar
ideias, tendo ambas forte potencial para nos permitir conhecer e compreender melhor os
fenômenos biológicos. Aqui, o conhecimento científico e o tradicional foram utilizados
conjuntamente na obtenção de informações sobre os matupás, ilhas flutuantes que ocorrem na
Amazônia.
A partir de amostragens biológicas e ambientais realizadas em matupás na RDS
Amanã, pudemos concluir que essas ilhas apresentam uma baixa densidade e um baixo
número de espécies herbáceas e lenhosas em comparação às áreas de várzea adjacentes, mas
um alto número de espécies arbóreas se comparadas com outras turfeiras ou ilhas flutuantes
que ocorrem em diversos locais do mundo. Diagnosticamos também que a espessura do
substrato do matupá é um parâmetro de muita importância na ocorrência e distribuição de
plantas em sua superfície. Conforme o substrato se torna mais espesso, o número de espécies
lenhosas aumenta e ocorre uma substituição de espécies, modificando sua fitofisionomia
como um todo. Matupás mais espessos apresentam, ainda, uma maior dissimilaridade
florística entre locais em seu interior, o que indica que são ambientes mais heterogêneos.
Assim, acreditamos que o matupá tende a passar, ao longo do tempo, de uma ilha com
substrato pouco espesso e composta apenas por plantas herbáceas para uma estrutura cada vez
complexa, com substrato mais firme e consolidado e uma fisionomia que nos remete a uma
pequena floresta.
Com a realização de entrevistas na RDS Amanã, percebemos que os ribeirinhos que ali
vivem possuem um rico conhecimento sobre os matupás. A partir de seus relatos notamos a
importância da dinâmica sazonal de enchente e vazante dos corpos de água amazônicos para a
formação dessas ilhas. Pudemos também descrever com detalhes o processo de formação dos
matupás, incluindo a importância de algumas espécies-chave, como o piri (Panicum
polygonatum) e a aninga (Montrichardia linifera). Confirmamos que existe congruência entre
os dados encontrados no inventário florístico e as informações fornecidas pelos entrevistados
quanto à composição de espécies arbóreas dos matupás. Diagnosticamos que essas ilhas são
ambientes de elevada relevância potencial para diversos animais, em especial peixes de
grande porte, como o pirarucu (Arapaima gigas) e o tambaqui (Colossoma macropomum),
83
peixes-boi (Trichechus inunguis), jacarés (Caiman crocodilus e Melanosuchus niger) e
tracajás (Podocnemis unifilis). Os matupás parecem servir como local de abrigo, fonte de
alimento e/ou nidificação para essas e outras espécies. Avaliamos, ainda, a importância dos
matupás para os próprios ribeirinhos, registrando e descrevendo o uso que fazem do substrato
dessas ilhas como fonte de matéria orgânica para adubação de canteiros. Por fim, percebemos
que os ribeirinhos estabelecem uma estreita relação entre os matupás e a cobra grande, um ser
de grande destaque no cenário mitológico da Amazônia. Tal relação parece atuar como um
importante fator na conservação dos matupás e, consequentemente, na manutenção de seus
relevantes papéis ecológicos.
Sendo assim, os dados obtidos a partir de amostragens em matupás e entrevistas com
populações ribeirinhas permitiram reunir novas informações sobre essas ilhas e complementar
algumas já existentes na literatura científica. O conhecimento científico e o tradicional
possuem distintas potencialidades e limitações. É de suma importância que valorizemos esses
diferentes tipos de conhecimento e reconheçamos o potencial que possuem de se
complementar, sem julgamentos sobre qual deles é mais “correto”. Ambos possuem sua
história de construção, baseada em observações, reflexões e processos dinâmicos de criação e
recriação, devendo ser reconhecidos e legitimados.
84
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Netherlands , p.357–389.
Whinam, J.; Chilcott, N.; Morgan, J.W. 2003. Floristic composition and environmental
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94
Glossário
Água branca – Água com coloração barrenta. No meio acadêmico a “água branca” é aquela
proveniente dos rios de origem andina e pré-andina, que carregam uma grande carga de
sedimentos ricos em nutrientes e possuem pH relativamente neutro (Sioli 1984; Junk et al.
2011). A origem dos rios e os fatores associados a ela garantem certas características físicoquímicas que são levadas em consideração para classificar a água como “água branca” (Sioli
1984; Junk et al. 2011). Para os ribeirinhos, no entanto, a coloração da água é o fator que
determina sua categorização, visto que é o elemento visual de que disponibilizam.
Água preta – Água com coloração escura. No meio acadêmico, a “água preta” é aquela
proveniente dos rios originados no escudo pré-cambriano das Guianas, que possuem baixa
quantidade de matéria em suspensão e alta proporção de ácidos húmicos, que lhes
proporcionam sua cor escura (Sioli 1984; Junk et al. 2011). A origem dos rios e os fatores
associados a ela garantem certas características físico-químicas, que são levadas em
consideração para classificar cientificamente a água como “água preta” (Sioli 1984; Junk et
al. 2011). Para os ribeirinhos, no entanto, a coloração da água é o fator que determina sua
categorização, visto que é o elemento visual de que disponibilizam. Assim, eles chamam de
“água preta” não apenas àquela que possui características físicas de água preta (na definição
científica), mas também a água branca (definição científica) que fica isolada em um corpo de
água durante um período. Isto porque, com a água parada, ocorre sedimentação das partículas
que estavam em suspensão e uma consequente modificação na cor da água, aproximando-a
visualmente da água preta.
Banzeiro - Ondulações na superfície da água.
Batume – Estrutura aglomerada, compactada. No caso do matupá, a palavra é utilizada
especialmente para se referir ao seu substrato, por ser um bloco de matéria orgânica
acumulada.
Boiador – Local onde os animais aquáticos vão à superfície respirar. Termo utilizado
especialmente para pirarucus (Arapaima gigas) e peixes-boi (Trichechus inunguis).
95
Cebola / Cebola de palha – Allium fistulosum, planta conhecida como “cebolinha” em
muitos lugares do Brasil.
Cebola de cabeça – Allium cepa, planta conhecida como “cebola” em muitos lugares do
Brasil.
Ficar em terra – Ficar em local aonde a água não chega. Para estruturas que costumam ficar
na água (como o matupá) significa dizer que elas ficaram na beira do corpo de água, perdendo
o contato com o mesmo.
Folharal – Acúmulo de folhas.
Igapó – Floresta alagável. No meio acadêmico, o igapó refere-se apenas às florestas alagáveis
que sofrem influência dos rios de água preta (ver verbete “água preta” para definição desse
termo), sendo “várzea” o termo utilizado para designar as florestas alagáveis sob influência
dos rios de água branca (ver verbete “água branca” para definição desse termo). No entanto,
as populações ribeirinhas da Amazônia costumam denominar ambas de igapó.
Igarapé – Riacho.
Jirau – Extensão das casas de palafita onde geralmente lava-se a louça e prepara-se os
ingredientes das refeições que serão levados ao fogo dentro da casa. Normalmente
corresponde a um espaço construído com piso de madeira e sem paredes, em frente a uma das
portas da casa.
Limpo/a (para corpos de água) – Local sem vegetação.
Paú - Substrato formado pela decomposição imcompleta de matéria orgânica vegetal,
geralmente visto como um bom adubo para o plantio.
Remanso (na água) – Movimento na água, especialmente aquele semelhante a um
redemoinho. É utilizado também para designar o rastro de animais na água.
96
Ressaca (de corpos de água) – Reentrâncias dos corpos de água onde geralmente há pouca
correnteza.
Sentar (em um corpo de água) – Afundar, passar a ter água lhe cobrindo. No caso do
matupá é um termo muito utilizado para se referir ao fato de ele não estar mais flutuando na
superfície da água.
Triscar - Encostar.
97
Apêndice A
Fotografias de matupás
Fotografia aérea de matupás localizados em um lago na Reserva de Desenvolvimento Sustentável Amanã,
Amazonas, Brasil. (Foto: Florian Wittmann).
98
Fotografia de um matupá localizado na Reserva de Desenvolvimento Sustentável Amanã, Amazonas, Brasil. (Foto:
Carolina Freitas)
99
Fotografia de um matupá localizado na Reserva de Desenvolvimento Sustentável Amanã, Amazonas, Brasil. O
matupá corresponde ao estrato mais baixo e de coloração mais clara do que a floresta ao fundo da fotografia.
(Foto: Carolina Freitas).
100
Fotografia de um dos matupás onde foi realizada a
amostragem, na Reserva de Desenvolvimento Sustentável
Amanã, Amazonas, Brasil. (Foto: Carolina Freitas).
Fotografia de um dos matupás onde foi realizada a
amostragem, na Reserva de Desenvolvimento
Sustentável Amanã, Amazonas, Brasil. (Foto:
Carolina Freitas).
101
Fotografia de um dos matupás onde foi realizada a amostragem, na Reserva de Desenvolvimento
Sustentável Amanã, Amazonas, Brasil. (Foto: Carolina Freitas).
102
Apêndice B
Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE)
Projeto: Ecologia, etnoecologia e uso tradicional de matupás na Reserva de Desenvolvimento
Sustentável Amanã, Amazônia Central
Eu, Carolina Tavares de Freitas, estou fazendo uma pesquisa sobre os matupás.
Gostaria de pedir a sua colaboração em responder algumas perguntas sobre a formação e
desenvolvimento dos matupás e sobre os usos que as pessoas podem fazer dos matupás.
Essa pesquisa é o meu projeto de mestrado. Vou usar os conhecimentos tradicionais
para realizar minha pesquisa, e por isso estou pedindo que assine esse documento, se desejar
contribuir na realização do meu estudo.
Os seus conhecimentos estarão protegidos, não correndo o risco de serem patenteados
(ou seja, não haverá qualquer direito exclusivo dos pesquisadores sobre as informações
fornecidas pelo(a) senhor(a), tampouco lucro financeiro relacionado a essas informações).
A participação é voluntária e se o(a) senhor(a) participar não terá nenhuma despesa
nem receberá algo em troca.
Caso o senhor(a) permita, a entrevista que farei com o senhor(a) será gravada. Mesmo
após a sua autorização o(a) senhor(a) terá o direito e a liberdade de retirar seu consentimento
em qualquer momento da pesquisa, independente do motivo e sem levar qualquer prejuízo.
O seu nome não será revelado em nenhum momento e as informações fornecidas serão
utilizadas apenas na realização desse projeto.
Eu me comprometo a validar as informações com os entrevistados, avaliar os dados e
a apresentar os resultados para a comunidade.
Se o(a) senhor(a) quiser saber mais detalhes ou tirar qualquer dúvida, pode entrar em
contato comigo, com algum dos integrantes do projeto, com o Comitê de Ética do Instituto de
Desenvolvimento Sustentável Mamirauá (CEP-IDSM) ou com o Programa
de
Pós-
Graduação em Ecologia do INPA (PPG ECO – INPA). Os contatos seguem abaixo:
 Carolina Freitas – Telefone: (92) 81377392; Email: [email protected]
 Glenn Shepard – Telefone: (91) 3656-6572; Email: [email protected]
 Maria Teresa Piedade – Telefone: (92) 3643-3266; Email: [email protected]
 CEP-IDSM – Telefone: (97) 33434672; Email: [email protected]; Endereço: Estrada
do Bexiga, nº 2584, Bairro Fonte Boa, Tefé-AM.
103
 PPG ECO-INPA – Telefone: (92) 3643-1820; Email: [email protected]; Endereço:
Av. André Araújo, 2936, Bairro Aleixo, Manaus-AM
Eu, ________________________________________________ morador(a) da comunidade
_________________________________________ entendi o que a pesquisadora vai fazer e
aceito participar de livre e espontânea vontade. Por isso, dou meu consentimento para
inclusão como participante da pesquisa e atesto que me foi entregue uma cópia desse
documento.
Data:...........................................................................
......................................................................................................
Assinatura do(a) entrevistado(a)
......................................................................................................
Responsável pela entrevista
Impressão do polegar caso não saiba
escrever o nome
104
Apêndice C
Roteiro para entrevistas
Data:
Informações gerais sobre os entrevistados
1. Nome:
2. Idade/Sexo:
3. Em que comunidade mora? Há quanto tempo?
4. Seus ascendentes moravam aqui?
5. De onde seus ascendentes vieram?
6. Quais são as fontes de sustento de sua família? (em ordem de importância)
Informações sobre conceito, características, processo de formação e fatores relacionados
à ocorrência de matupás
7. O que é um matupá?
8. Como os matupás se formam?
9. O que tem que ter ou não pode ter (fatores bióticos/abióticos) para que haja formação de
matupás em certo local?
 Cor da água:
 Correnteza:
 Profundidade Lago:
 Variação Profundidade Lago (cheia X seca):
 Formato Lago:
 Área Lago:
 Distância pro Rio:
 Conectividade com Rio:
 Presença Animais:
 Presença Plantas:
 Outros:
105
10. Existem diferentes tipos/estágios de matupás? Quais? Como você os distingue?
Tipo
Estágio
Tempo Formação
Tamanho
Profundidade
Substrato
Espécies Vegetais
Aspecto
Substrato
Espécies Animais
Informações sobre a importância e o uso local dos matupás
11. Os matupás têm alguma importância? Qual?
12. Os matupás podem ser úteis para as pessoas que vivem aqui na reserva? Como?
13. Você faz ou já fez algum tipo de uso do matupá? Qual? Com que frequência?
14. Quais são as vantagens e desvantagens de utilizar esse(s) recurso(s) dos matupás?
15. Você acha que esse(s) uso(s) têm influência sobre a integridade e continuidade do
matupá? Qual?
106
Anexo A
Ata da defesa oral
107
Anexo B
Ficha de avaliação do revisor José Júlio de Toledo
108
Anexo C
Ficha de avaliação do revisor Florian K. Wittmann
109
Anexo D
Ficha de avaliação do revisor Nivaldo Peroni
110
Anexo E
Ata da aula de qualificação
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Dissertação_ Carolina Tavares Freitas - BDTD