TEMA 2
PENSAMENTO SOCIOLÓGICO
A IMPORTÂNCIA DA COMUNICAÇÃO A IMPORTÂNCIA DA A
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Iniciando nosso diálogo
Prezado aluno,
Iniciaremos uma nova etapa de estudos. Esperamos ao final deste tema você tenha adquirido as seguintes competências:
OBJETIVOS
• A compreensão de duas perspectivas sociológicas: a concepção materialista
da história de Karl Marx e a sociologia compreensiva de Max Weber
• Capacidade de reconhecer o desenvolvimento de linhas teóricas diferentes na
história do pensamento sociológico.
• Compreensão da validade científica de perspectivas teóricas diferentes.
• Incorporar novos conceitos no vocabulário sociológico e a pensar a vida social
a partir de pontos de vista diferentes.
• Relacionar pontos de vistas diferentes da sociedade observando seus pontos
convergentes e divergentes.
Vamos iniciar nosso aprendizado!
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2.1 - KARL MARX (1818-1883)
Relações de produção e Contradições sociais
Karl Marx nasceu em 5 de maio de 1818, em Treves, na Alemanha, e morreu em 1883, em
seu eterno exílio político, em Londres na Inglaterra. Formado em Direito, nunca exerceu a profissão, dedicando-se aos estudos que extrapolaram em muito sua formação, interesses filosóficos,
econômicos, políticos etc. Seus estudos, ricos em percepções sociológicas, influenciaram incontestavelmente o processo de desenvolvimento da sociologia. Sua obra é ampla, sendo o Manifesto
Comunista de 1848, um dos documentos históricos mais conhecidos do mundo. Outras obras como
O 18 Brumário de Luís Bonaparte de 1851-1852 refletindo sobre os conflitos de classe na França e,
sobretudo, sua obra máxima, O Capital, cujo primeiro volume foi publicado em 1867. Em muitas outras obras, é visível o interesse sociológico embora nunca tenha usado essa expressão para indicar
seus estudos.
O ponto de vista sociológico de Marx está fundamentado em sua concepção materialista
e dialética da história. Como bem explica Marilena Chauí, Marx não está falando de matéria no
sentido das ciências naturais, algo inerte, regulada por relações mecânicas de causa e efeito como
a física pensa o mundo natural, “a matéria de que fala Marx, é matéria social, isto é, as relações sociais entendidas como relações de produção, ou seja, como o modo pelo qual os homens produzem
e reproduzem suas condições materiais de existência e o modo como pensam e interpretam essas
relações” (CHAUÍ, 2008, p.55). A dialética marxista pressupõe um movimento interno de negação e
contradição e conflito que é inerente às relações sociais. Nas relações de produção capitalista, por
exemplo, os sujeitos da história são seres concretos, a burguesia e o proletariado; a contradição
básica está inscrita nas relações entre os trabalhadores, os que de fato produzem e só possuem
sua força de trabalho e aqueles que não produzem, mas são os proprietários dos meios de produção. Essas contradições geram os antagonismos de classe, ou seja, a luta de classe que, segundo
Marx, teria como resultado, após o conflito, uma nova sociedade, sem exploração de uma classe
em relação à outra. Vamos ler o texto de Marx a seguir e procuraremos compreendê-lo em seus
fundamentos sociológicos:
IMPORTANTE
Na produção social da sua existência, os homens estabelecem relações determinadas, necessárias, independentes da sua vontade, relações de produção que correspondem a um determinado grau de desenvolvimento das forças produtivas materiais. O conjunto destas relações de produção constitui a estrutura econômica da sociedade, a base concreta sobre a qual se eleva uma
superestrutura jurídica e política e à qual correspondem determinadas formas
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de consciência social. O modo de produção da vida material condiciona o desenvolvimento da vida social, política e
intelectual em geral. Não é a consciência dos homens que determina o seu ser; é o seu ser social que, inversamente, determina sua consciência. Em certo estágio de desenvolvimento,
as forças produtivas materiais da sociedade entram em contradição com as relações de produção existentes ou, o que é
a sua expressão jurídica, com as relações de propriedade
no seio das quais se tinham movido [desenvolvido] até então
(Marx, Karl. “Prefácio” In Contribuição à crítica da economia
política. São Paulo, Martins Fontes, 2003 p. 5-6). TEMA 2
SAIBA MAIS
• Relações de produção: Para saber mais
sobre a dialética em contraste com outras formas
de lógica veja: HUISMAN,
Denis e VERGEZ, André.
Compêndio moderno de
filosofia: o conhecimento.
São Paulo: Freitas Bastos, 1966. Cap. 7: O pensamento lógico: o racio-
Enquanto Durkheim parte das representações coletivas, das
crenças e sentimentos que os homens constroem em suas relações sociais, em Marx, verifica-se uma inversão dessa abordagem: o fio condutor de sua abordagem sociológica são as relações de produção, a vida
material, a dimensão econômica da sociedade. O trabalho para Marx
tem uma dimensão antropológica, isto é, através de sua atividade produtiva, ao transformar a natureza, os homens não produzem somente
coisas, objetos, utilidades, os homens produzem a si próprios, produzem a sua vida real. O trabalho é extensão da humanidade do homem.
Enquanto trabalham, os homens se produzem e se realizam enquanto
seres humanos. Então o homem é o artesão de sua própria humanidade,
ou seja, de sua existência material e espiritual.
Não é a consciência dos homens que determina a realidade social, pelo contrário, observa Marx, é a realidade, a vida concreta, as suas
relações de produção que determinam a sua consciência. Na dimensão
da estrutura econômica da sociedade, ou seja, na dimensão da infraestrutura econômica, a base concreta sobre a qual se edificam todas
as relações sociais, os homens se relacionam desigualmente, uns são
os proprietários dos meios de produção, isto é, da terra, das máquinas,
das matérias prima, e os outros, os trabalhadores, os não proprietários, só possuem a sua força de trabalho. Esses trabalhadores foram
expropriados dos meios de produção no decorrer do desenvolvimento
do capitalismo. Eram artesãos que possuíam os seus instrumentos de
trabalho, eram camponeses que tinham uma relativa autonomia na terra.
Com o surgimento das fábricas e da divisão de trabalho esses trabalhadores são expropriados dos seus meios de produção. Essas relações
de produção edificam uma superestrutura jurídica, política e ideológica
que falseia, mascara a realidade. As relações de produção naturalizam
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cínio; CHAUÍ, Marilena.
O que é Ideologia. São
Paulo: Brasiliense, 2008.
Cap. IV: “A concepção
marxista de ideologia”;
CHAUÍ, Marilena. Convite à Filosofia. São Paulo:
Ática, 1995. Unidade 5:
A lógica: cap. 4: “Lógica
Dialética”. O pensamento
Marxista pode ser visto,
nas introduções à sociologia que já propomos
anteriormente. Uma competente
introdução
do
sociólogo Octávio Ianni
ao pensamento de Marx
pode ser encontrada na
Coleção Grandes Cientistas
Sociais:
MARX,
Karl. Sociologia. (seleção
de textos e introdução do
organizador). In IANNI,
Octavio (Org.) e FERNANDES, Florestan (coord.). São Paulo: Ática,
1992.
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a propriedade privada e tudo se passa como se existissem homens de sucesso, laboriosos industriais, competentes empresários que souberam aplicar inteligentemente seu capital e merecidamente acumularam riqueza. De outro lado, aqueles que não foram tão perspicazes, tão inteligentes, não
pouparam o suficiente, não adquiriram uma vocação empresarial e, portanto, não lhes restou outra
coisa que vender sua força de trabalho. A ideologia dominante quer fazer crer que é assim. A propriedade privada aparece, então, como se fosse obra da natureza e não das relações concretas
dos homens, de sua posição nas relações de produção. Marx mostrará que a propriedade privada é
resultado da expropriação e da violência.
REFLITA
Você já se perguntou o que é dialética? Uma palavra usada amplamente, mas sem
muita precisão. Entre os filósofos da Grécia antiga, dialética (dia-logos: a palavra e o
pensamento divididos em dois polos contraditórios) significa a arte do diálogo, era a
capacidade especificamente humana do uso da razão, o logos feito discurso, a arte
de discutir, de perguntar e dar respostas. Platão e Sócrates, que sempre está presente como personagem em seus diálogos, são exemplos ilustrativos. A concepção
de dialética na Grécia variava muito. Heráclito, por exemplo, um pré-socrático, já
observava que o mundo é um eteno fluir como um rio, onde é impossível banhar-se
duas vezes na mesma água, pois, as águas serão outras e o homem também será
outro, o mesmo e o outro convivem, a realidade é o fluxo eterno dos contraditórios.
Não é possível nos estendermos no assunto, o importante é o estudante observar
que a etimologia da palavra tem longa história até ser incorporada no pensamento
dos modernos. Marx redimensiona o conceito de dialética do filósofo alemão Georg
Wilhelm Friedrich Hegel (1770-1831). Na lógica formal clássica, existem três princípios que se tornaram a base do uso da razão: Princípio da identidade: “A é A” ou
“O que é, é” (uma coisa qualquer, só pode ser conhecida se for conservada a sua
identidade, um triângulo tem três lados e três ângulos, essa identidade define essa
figura geométrica e nenhuma outra poderá ser chamada assim); Princípio da não-contradição: “A é A e é impossível que seja, ao mesmo tempo e na mesma relação,
A e não-A” (por exemplo, é impossível que essa árvore diante de mim seja e não
seja ao mesmo tempo uma mangueira, que esse triângulo seja e não seja ao mesmo
tempo um triângulo); Princípio do terceiro excluído: cujo enunciado é: “Ou A é x
ou é y e não há terceira possibilidade” (ou faremos a guerra ou faremos a paz, ‘ou
isto, ou aquilo’). HUISMAN e VERGEZ observam: “os hegelianos e, notadamente os
marxistas querem substituir a lógica formal clássica por uma lógica dialética. Eles
rejeitam, em particular, o princípio da não contradição: o real é instável, contraditório.
É necessário, portanto, que o pensamento adote suas contradições. O pensamento
não irá mais do idêntico ao idêntico. Mas da tese à antítese e à síntese. A negação não é mais a negação de todo pensamento lógico, mas ao contrário, o motor
de um pensamento fecundo, o conflito que dá origem ao movimento dialético do
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pensamento e das coisas. Segundo a lógica clássica, por exemplo, entre o ser e
o não-ser há contradição, um ser não pode ser e não-ser ao mesmo tempo e na
mesma relação, é impossível que um ser não seja idêntico a si mesmo, é preciso
escolher. Mas, segundo Hegel (que à sua maneira já rejeitava o princípio do terceiro excluído), a oposição dialética entre o ser (tese) e o não-ser (antítese) engendra uma síntese, o vir-a-ser (o ser mutável, que nasce e morre, que é e não é
mais).” (HUISMAN e VERGEZ, 1966 p.113). Todavia Hegel é um filósofo idealista,
o sujeito da história é o Espírito (a cultura, a ideia), o Estado, por exemplo, é a
síntese de toda produção espiritual, é a ideia absoluta e suprema, a resolução de
todas as contradições da sociedade civil, está acima de todos os interesses particulares, o Estado é o Espírito Objetivo. A sociologia de Marx se faz em grande
parte em diálogo e contraposição à Hegel e aos pensadores hegelianos. Simplificadamente, podemos dizer que o materialismo histórico e dialético de Marx
se faz assim: Marx é materialista, portanto, o sujeito da história não é um homem
genérico e abstrato que produz as obras da humanidade, mas um sujeito concreto: as contradições se realizam entre homens reais em condições históricas e
sociais reais – a luta de classes. O Estado, para Marx, representa os interesses
da classe dominante para perpetuar as condições de dominação e exploração
capitalista. As contradições sociais são inerentes às relações de produção e às
relações sociais capitalistas. A propriedade privada nega a própria existência
emancipada dos homens, como diz Chauí, na sociedade civil capitalista, “afirmar
que a existência dos proprietários (da classe capitalista) depende da exploração
dos não-proprietários (trabalhadores assalariados), significa simplesmente o seguinte: o capital é o trabalho não-pago (a mais-valia). Temos uma contradição
na medida em que a realidade do capital é a negação do trabalho” (CHAUÍ, 2008,
p. 73). O capital, a mais-valia e a divisão do trabalho (que diferencia trabalho
intelectual de trabalho manual, como se aquele fosse uma realidade a parte e autônoma) nega o trabalho, pois, subtraí do trabalhador o produto do seu esforço e
o transforma em ser alienado. Dessa forma podemos conceber que a propriedade
privada, ou seja, a sociedade capitalista, burguesa (tese) é a negação do trabalho
e do trabalhador que institui o não proprietário (antítese) e a abolição da propriedade privada e da exploração do homem pelo homem cria uma nova realidade: a
sociedade socialista (síntese).
Modos de produção da sociedade
As sociedades passaram por diversos modos de produção. Marx vê uma história progressiva em que o desenvolvimento das forças produtivas, das técnicas de organização do trabalho traz
em si o germe de sua destruição e superação. Cada modo de produção ou formação social traz, no
interior de suas relações de produção, as contradições, os antagonismos, os conflitos que resultam
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na emergência de novas relações de produção, novas formas de organização do trabalho. O que
é um modo de produção? Um modo de produção pressupõe determinadas relações de produção.
Marx não está preocupado com as coisas que são produzidas, os objetos em si, mas nas relações
sociais que essas relações de produção constroem , como vimos no tópico anterior. Um modo de
produção pressupõe riquezas naturais e técnicas que são exploradas (forças produtivas materiais,
matérias primas, instrumentos de trabalho, numa palavra: meios de produção). As máquinas modernas, por exemplo, são forças produtivas usadas em proveito de uma classe proprietária. Pressupõe
também homens, não esse ou aquele indivíduo, mas o trabalhador coletivo, a cooperação de muitos
trabalhadores para realizar uma tarefa (LAPASSADE e LOURAU, 1972, 57-67).Por meio desse conceito, Marx procura compreender o desenvolvimento histórico.
No modo de produção antigo ou escravista (Grécia, Roma) as relações básicas eram entre os proprietários das terras e do poder político e uma maioria de escravos que produziam tudo o
que era necessário, eram trabalhadores domésticos, rurais, das minas e pedreiras. Quem produzia
o que comer em Roma, quem extraía o minério de ferro para fazer os escudos e todos os equipamentos de guerra? Com certeza não eram os “patrícios”, os proprietários de terra, mas os escravos
conquistados durante as campanhas militares. Sabemos que esse modo de produção entrou em
crise. A escravidão emperrava o avanço de novas técnicas e, com o fim das guerras de conquista, a
estabilidade política torna-se cada vez mais precária. Roma encontra a sua decadência definitiva no
século V d.C. quando seu território foi invadido pelos povos germânicos, conhecidos como bárbaros,
dando início à formação da Europa e abrindo espaço às novas relações de produção. Começa a se
formar a sociedade medieval ou feudal.
No modo de produção feudal as relações básicas eram entre senhores feudais, isto é, os
proprietários da terra, a Igreja (o clero) que também era uma “senhora feudal” e a grande maioria de
servos que trabalhavam na agricultura e no artesanato. O feudo, a propriedade rural era uma unidade de produção autossuficiente, os camponeses, os artesãos (ferreiros, marceneiros etc.) produziam
tudo o que era necessário. A fonte de energia consistia na energia da água ou dos animais, como
o cavalo e o gado. Na Europa feudal, que nasceu a partir do século V d.C. com a queda do Império
Romano e durou aproximadamente até o século XV, e as cidades eram ainda pouco desenvolvidas.
A propriedade feudal era o centro da vida social. O servo devia obediência e fidelidade ao senhor e
este deveria prover a segurança daquele em suas terras. Entre os senhores as relações eram de
vassalagem, relações pessoais de fidelidade e compromisso. A Igreja cumpria o papel de mediadora dessas relações. Todas as relações eram justificadas pela ótica divina. Dessa forma, sociedade
mantinha-se em relativa estabilidade, cada qual ocupando sua posição na hierarquia social, os que
rezavam (clero), os que guerreavam e mandavam (a nobreza feudal) e os que trabalhavam, ou seja,
os servos. Com o crescimento das cidades, do comércio, das corporações de ofícios dos artesãos
estabelecidos nas cidades, a burguesia urbana começa a se fortalecer, e o poder dos senhores feudais, a enfraquecer. Percebem-se os primeiros sintomas de crise que será ampliada com o desenvolvimento das manufaturas industriais durante o chamado capitalismo comercial (XV-XVIII). É um
período caracterizado pela formação dos Estados Nacionais, em que o poder do rei era justificado
como divino. O poder, que estava fragmentado nas mãos dos senhores feudais, se centraliza nas
mãos do rei e a burguesia ganha importância econômica. O Capitalismo industrial irá varrer as últimas sobrevivências de feudalismo.
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No modo de produção capitalista, as relações básicas ocorrem eram entre os proprietários
dos meios de produção (a burguesia) e os trabalhadores assalariados, os proletários. Esses trabalhadores eram antigos artesãos e camponeses transformados em assalariados. Um exemplo desse
processo são os chamados “cercamentos” na Inglaterra durante a Revolução Industrial. Os camponeses foram expulsos violentamente e, embora eles tivessem a posse da terra, trabalhavam ainda
num regime feudal ou semifeudal ou em terras comunais, públicas, no seu lugar entraram as ovelhas
que forneciam a matéria prima, a lã, para a indústria têxtil inglesa. A terra tornou-se propriedade privada no sentido capitalista e tinha que dar lucro. A indústria de tecidos foi a pioneira no processo de
concentração dos trabalhadores nas fábricas, grandes galpões onde eram aglomerados centenas de
trabalhadores, expulsos do campo ou artesãos cuja oficina artesanal não conseguiu concorrer com
as fábricas nascentes. Esses artesãos tinham suas oficinas artesanais e eram proprietários dos seus
meios de produção. Daquela fase em diante, a grande maioria desses trabalhadores foi transformada em trabalhadores assalariados. A divisão de trabalho na fábrica potencializa a produção que
agora é feita para abastecer mercados internos e externos. Diferentemente das manufaturas iniciais
em que os produtos eram feitos por meio da divisão de trabalho, mas com instrumentos de trabalhos
simples, o advento da Grande Indústria e de novas tecnologias como a máquina a vapor, revoluciona
a produção. Começa a era da maquinofatura, novas máquinas, das novas fontes de energia que
começaram com a queima do carvão mineral que movimentava a máquina a vapor e avançou para
a energia elétrica e o petróleo. A indústria inglesa , por exemplo, no século XIX, exportava tecidos
para muitos países e também a tecnologia a vapor. O Brasil, por exemplo, tornou-se dependente dos
empréstimos e produtos industriais ingleses.
O assalariado é diferente do escravo da antiguidade considerado apenas uma peça, uma
coisa para o seu proprietário. É diferente também do servo que durante a idade média feudal, trabalhava nas terras do senhor feudal, como camponês ou artesão, a maior parte de tudo o que produzia
era destinada em forma de impostos ao luxo do seu senhor ou dízimos para a Igreja Católica, todavia
ele tinha uma relativa autonomia, podia plantar o que comer e fabricar os utensílios necessários para
a sobrevivência de sua família. Os assalariados, os trabalhadores das fábricas industriais modernas,
que entram em cena após a Revolução industrial – que começou na Inglaterra e se estendeu por
toda a Europa a partir da segunda metade do século XVIII e se intensificou durante o século XIX e
não cessa de revolucionar as forças produtivas até os dias de hoje – perderam qualquer tipo de autonomia, não eram possuidores dos meios de produção como os artesãos em suas oficinas o eram,
tornaram-se uma mercadoria como qualquer outra que tem o seu preço, o salário que visa suprir sua
subsistência e sua reprodução. Os empresários, os capitalistas monopolizaram e concentraram em
suas mãos todos os meios de produção que se tornaram propriedade privada das classes burguesas. Observem bem, esses novos trabalhadores que entram em cena não são escravos e não são
servos no sentido formal, jurídico, pois estabelecem um contrato de trabalho com o capitalista, são
formalmente livres, não estão presos formalmente a nenhum senhor e rerecebem um salário que é o
preço de sua força de trabalho.
Como o capitalista, a burguesia acumulou capital, ou seja, riquezas, meios de produção que
é medido em dinheiro? Durante o processo de desenvolvimento do capitalismo, antes do surgimento
da grande indústria moderna houve um processo chamado acumulação primitiva, a exploração das
colônias pelos países europeus, a escravização dos índios e africanos, os produtos vindos dessas
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colônias ou domínios como as especiarias orientais - a pimenta do reino, a canela etc. -, tecidos,
açúcar, algodão e tantos outros. A indústria têxtil inglesa, por exemplo, utilizava o algodão de sua
colônia inglesa na América que, depois da independência, passou a se chamar Estados Unidos da
América. O próprio escravo, lembremos, foi uma mercadoria valiosa e lucrativa para os países europeus que exploravam o tráfico negreiro. Esse processo de acumulação primitiva também ocorreu dentro da própria Europa. Os camponeses expulsos das suas terras e os artesãos expropriados dos seus meios de produção, trabalhavam jornadas extensas, com dez ou quinze horas e, ainda, permitia a exploração da mão de obra
infantil e das mulheres que ganhavam bem menos que os homens. Durante o chamado capitalismo
comercial, entre os séculos XV e meados do século XVIII, em que a Europa possuía muitas colônias e estavam se desenvolvendo as manufaturas, a acumulação primitiva foi a fonte de formação
do capital. O capital se originou dessa exploração dos produtos e do trabalho de dentro e de fora
da Europa. A grande indústria, com tecnologias superiores, que se iniciou com a máquina a vapor
desenvolvida na Inglaterra, intensifica-se na divisão do trabalho e na acumulação de capital, agora
uma acumulação capitalista bem avançada, moderna.
Marx desenvolverá o conceito de mais-valia para explicar o segredo da acumulação de capital no processo de desenvolvimento do capitalismo. O capitalista acumula capital porque explora
a força de trabalho dos operários. Uma mesa, uma calça um produto qualquer não se produzem sozinhos, precisam do trabalhador. A única mercadoria que produz outras mercadorias chama-se
trabalhador. O trabalho é a fonte de toda riqueza social apropriada indevidamente pelo capitalista.
O trabalho é a fonte de todo valor, ou melhor, é uma fonte de mais-valor, mais riqueza. A mais-valia
é, portanto, o trabalho não pago. O operário, por exemplo, trabalha 8 horas e, todavia, seu salário
é pago por 4 horas. Essa defasagem consiste na mais-valia, o tempo de trabalho não remunerado
e fonte do lucro do capitalista. O salário pago corresponde somente àqueles meios de subsistência
necessários à manutenção do trabalhador, todavia o trabalhador produz um valor bem maior e, por
meio da divisão do trabalho e das novas tecnologias, a produção não cessa de aumentar.
O capitalista explora esse potencial coletivo, esse trabalhador coletivo que é a classe operária aglomerada nas fábricas. Essa desigualdade na distribuição da riqueza produzida faz parte da
própria dinâmica do capitalismo. A mais-valia absoluta corresponde à extensa jornada de trabalho
(10, 15 horas ou mais), quando as técnicas ainda não são tão desenvolvidas. A mais-valia relativa
corresponde à exploração do trabalhador a partir do surgimento das máquinas. O trabalhador não
precisa trabalhar tantas horas, mas continua produzindo a riqueza do patrão, ou seja, a mais-valia.
Pelo trabalho assalariado, o capitalismo produz mais-valia que, por sua vez, se converte em capital
acumulado e apropriado pelos proprietários privados, os capitalistas. Em cada modo de produção,
desenvolveram-se contradições expressas em contradições de classe. As considerações a seguir
têm como referência o Manifesto Comunista e ampliarão nossa compreensão.
As classes sociais
Vamos ler um fragmento do Manifesto Comunista para iniciarmos essa conversa:
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IMPORTANTE
A burguesia não pode existir sem revolucionar constantemente os instrumentos
de produção, portanto as relações de produção e, por conseguinte, todas as
relações sociais. A conservação inalterada dos antigos modos de produção
era a primeira condição de existência de todas as classes industriais anteriores.
A transformação contínua da produção, o abalo incessante de todo o sistema social, a insegurança [crises econômicas, incertezas em relação ao futuro] e o movimento permanentes distinguem a época burguesa de todas as demais. As relações rígidas e enferrujadas com suas representações e concepções tradicionais
são dissolvidas, e as mais recentes tornam-se antiquadas antes de se colidirem.
Tudo o que era sólido desmancha no ar, tudo o que era sagrado é profanado,
e as pessoas são finalmente forçadas a encarar com serenidade sua posição social e suas relações recíprocas. (...) As armas com as quais a burguesia abateu o
feudalismo se volta agora contra ela. (...) Com o desenvolvimento da burguesia,
isto é, do capital, desenvolve-se também o proletariado, a classe dos trabalhadores modernos, que só encontram trabalho se este incrementa o capital. Esses trabalhadores, que são forçados a se vender diariamente, constituem
uma mercadoria como outra qualquer, por isso exposta a todas as vicissitudes
da concorrência, todas as turbulências [e crises] do mercado. Com a expansão
da maquinaria e da divisão do trabalho, o trabalho dos proletários perdeu toda
a autonomia e deixou, assim, de interessar ao trabalhador. Ele [o trabalhador] se
torna um apêndice da máquina, dele se exige o trabalho manual mais simples,
monótono e fácil de aprender. Os custos do trabalhador se resumem aos meios
de subsistência de que necessita para se manter e se reproduzir. (...) Quanto
mais adverso [precário] o trabalho, menor o salário. (...) A condição essencial
para a existência e a dominação da classe burguesa é a concentração de
riqueza nas mãos de particulares, a formação e multiplicação do capital; a
condição de existência do capital é o trabalho assalariado. O progresso da
indústria (...) substitui o isolamento dos trabalhadores (...) pela sua união revolucionária, através da associação. Com o desenvolvimento da grande indústria,
portanto, a base sobre a qual a burguesia assentou seu regime de produção
e apropriação dos produtos é solapada. A burguesia produz, antes de mais
nada, os seus próprios coveiros [isto é, os proletários]. Seu declínio e a vitória
do proletariado são igualmente inevitáveis. (...) Os comunistas podem resumir
sua teoria numa única expressão: supressão da propriedade privada. (...) Ser
capitalista não significa apenas ocupar uma posição pessoal, mas antes de mais
nada uma posição social na produção. O capital é um produto social e só pode
ser posto em movimento pela ação comum de muitos membros, e mesmo, em
última instância, todos os membros da sociedade. O capital não é, portanto,
uma força pessoal; é uma força social. Se consequentemente, o capital é
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A IMPORTÂNCIA DA COMUNICAÇÃO A IMPORTÂNCIA DA A
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PENSAMENTO SOCIOLÓGICO
SAIBA MAIS
• Classes sociais: O
longo século XIX e o desenvolvimento do capitalismo: Leia mais a respeito: HUBERMAN, Leo.
transformado em propriedade comum, pertencentes a todos
os membros da sociedade, não é uma propriedade individual
que se transformou em propriedade social. Apenas o caráter
social da propriedade se transforma. Ela perde seu caráter
de classe. (Marx, Karl. Engels, Friedrich. Manifesto Comunista. In Aragão, Daniel Reis (org.). Manifesto Comunista 150
anos depois. Rio de Janeiro: Contraponto; São Paulo: Fundação Perseu Abramo, 1998. pp. 11, 14,15, 20,22).
História da riqueza do
homem. Rio de Janeiro:
LTC, 2010. HOBSBAWM,
Eric. A era das revoluções:
1789-1848.
Rio
de Janeiro: Paz e Terra,
2009, do mesmo autor: A
era do Capital. Rio de Janeiro: Paz e terra, 2009.
A leitura do Manifesto Comunista de Karl Marx é
importante e fundamental
na formação de todos os
estudantes. Existem muitas edições, uma interessante edição comemorativa traz artigos de vários
especialistas
avaliando
a atualidade da obra:
MARX, Karl e ENGELS,
Friedrich.
O
manifesto
comunista. In REIS FILHO, Daniel Arão (org.).
O manifesto comunista:
150 anos depois. Rio de
Janeiro:
São
Contraponto;
Paulo:
Fundação
Perseu Abramo, 1998.
O Manifesto Comunista foi publicado como programa da Liga
dos Comunistas, primeira organização internacional dos comunistas
criada por Marx e Engels. Sua primeira publicação, em fevereiro de
1848, situa-se na onda revolucionária de 1848, que atingiu amplamente a Europa e as ex-colônias europeias, conhecida como a Primavera
dos Povos. Os objetivos desta onda revolucionária, de inspiração liberal, socialista e nacionalista eram os mais variados: reformas liberais e
democráticas, fim da servidão dos camponeses, autonomia das minorias nacionais, e agitações operárias por direitos sociais. Contou com a
participação ativa de grupos socialistas com intenções declaradamente
radicais. Como dizia Marx e Engels no Manifesto: o “espectro do comunismo” rondava a Europa. É, de fato, o que se verá na explosiva França
com a Comuna de Paris de 1871, na então proclamada República que
se declarou em Comuna, ou seja, governo autônomo, contanto com
a participação de operários e intelectuais internacionalistas ligados à
Associação Internacional dos trabalhadores, conhecida como Primeira
Internacional, fundada em Londres em 1864, e proposta por Marx. Na
Inglaterra, todavia, o pragmatismo dos trabalhadores procurava respostas mais imediatas aos seus problemas: o movimento Ludita (nome
derivado de seu líder Ned Ludd), em 1811, invadia as fábricas e destruía as máquinas, grandes vilãs das condições desumanas de trabalho. Entre 1837 e 1842, desenvolve-se o movimento cartista (assim
chamado por inspiração na carta de William Lovett, que reivindicava
o voto universal aos homens maiores de 21 anos) que baseava suas
reivindicações em petições, cartas ao parlamento inglês. A criação dos
sindicatos no final do século XIX representa um avanço na consciência
dos trabalhadores em sua luta por direitos políticos e sociais. O capitalismo, em sua fase imperialista, desenvolvia-se por todo o globo terrestre impulsionado pelas novas tecnologias industriais, pela competição
entre potências europeias e novas potências como os Estados Unidos
e o Japão. A disputa entre as empresas era acirrada, organizando-se
em trustes ou cartéis, isto é, o movimento de concentração de capital,
monopolização do mercado e imposição de preços. Acompanhando os
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PENSAMENTO SOCIOLÓGICO
TEMA 2
passos do desenvolvimento capitalista e participando ativamente das lutas sociais, Marx escreveu o
Manifesto que se transformou em inspiração e na linguagem de muitos movimentos na história, que
procuravam uma alternativa ao capitalismo, notadamente a Revolução Russa de 1917.
O Manifesto Comunista começa dizendo que a história de todos os povos tem sido a história
da luta de classe. Marx não desconhecia as várias classes sociais, todavia identificava dois campos
antagônicos: a burguesia e o proletariado. Em modos de produção anteriores como no modo de
produção feudal esses antagonismos eram mascarados pela ideologia religiosa. A sociedade feudal tinha uma hierarquia rígida, parecia natural que cada um ocupasse seu lugar: a Igreja católica
ocupava o topo dessa pirâmide e fornecia a linguagem ideológica que justificava a dominação dos
senhores feudais, da nobreza, dos barões, dos duques, dos marqueses e dos reis que justificavam
seu poder como emanado de Deus. Os servos e artesãos nas cidades nascentes acreditavam que
essa hierarquia era divina, natural. Com o desenvolvimento do capitalismo, da grande indústria, da
fábrica, da divisão do trabalho essas máscaras não se sustentam mais. A burguesia, por meio dos
filósofos do Iluminismo - que criticavam os privilégios da nobreza e o domínio da Igreja –, com apoio
da Revolução Industrial e da Revolução Francesa, abalou os alicerces da nobreza e da Igreja Católica.
A Revolução Francesa transformou todos em cidadãos livres perante lei, independentemente
dos seus títulos e prestígio tradicionais. Da mesma forma que a burguesia foi uma classe revolucionária, rompeu violentamente com a ordem feudal, o proletariado, a moderna classe dos trabalhadores urbanos, fruto desse novo mundo industrial e urbano, nasce e se desenvolve sob as asas da burguesia. Da mesma forma que a burguesia desmascarou a ideologia das classes anteriores, acabou
com seus privilégios e títulos de nobreza, o proletariado surge como uma classe revolucionária com a
missão de desmascarar a ideologia burguesa. O proletariado, diz Marx, traz o futuro em suas mãos.
O Estado não é um poder independente dos interesses de classe, pelo contrário, é um poder político
para reprimir e manter a dominação da burguesia. A propriedade privada não é sagrada e inviolável
como consta na lei, porque a lei é uma expressão dos interesses da classe dominante.
Por meio da divisão de trabalho, ou seja, com seu trabalho coletivo, os trabalhadores produzem o capital, portanto, este já é uma potência social que aparece ideologicamente como propriedade de um indivíduo, de um burguês. Vimos que só o trabalho produz riqueza. Essa força social,
esse conjunto de forças produtivas materiais, esses meios de produção, essa mais-valia apropriada
como lucro pelo capitalista transforma-se com a revolução proletária. O capital que já é uma força
social deixa de ser monopolizado e apropriado privativamente pela burguesia. Essa força social é,
agora, canalizada para a construção de uma nova sociedade, a sociedade socialista. Os trabalhadores concentrados nas fábricas, reunidos em associações de classe, os sindicatos, adquirem uma
consciência política de sua situação.
Num primeiro momento, os trabalhadores compõem uma classe em si, ou seja, têm muitos
pontos em comuns: não são proprietários dos seus meios de produção, têm uma situação de miséria
parecida, o salário não cobre suas despesas pessoais e familiares, moram em situação indigna, ou
seja, têm um sofrimento comum. Tudo isso realmente era confirmado por qualquer um que andasse
nas ruas de Londres ou Paris do século XIX. Um movimento da época chamado movimento ludita,
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A IMPORTÂNCIA DA COMUNICAÇÃO A IMPORTÂNCIA DA A
PENSAMENTO SOCIOLÓGICO
porque levava o nome de seu líder Ned Ludd, identificando nas máquinas a causa de seu sofrimento,
passou a quebrá-las com martelos e outros instrumentos.
A luta constante do proletariado, sua sindicalização, sua participação nos conflitos maiores
transforma os trabalhadores em classe para si, consciente de sua situação, em condições de perceber a necessidade de mudança. Identificando que seu verdadeiro inimigo não são as máquinas,
mas os proprietários delas, a burguesia, proprietárias das máquinas. Marx critica muitos socialistas
da sua época, chamando-os de socialistas utópicos. Em sua opinião procuraram remediar a situação, criando sociedades alternativas ou procuram reformar o capitalismo. Todavia, na perspectiva de
Marx, só há uma alternativa para a classe trabalhadora, a extinção da propriedade privada e a realização de uma sociedade futura, primeiramente socialista, em que a riqueza social seria monopolizada por um Estado proletário e, mais tarde, num processo de transição, o próprio Estado deixaria
de existir e seria uma sociedade em que só a desigualdade de talentos e vocações seria tolerável,
uma sociedade sem classes proprietárias no sentido capitalista e sem exploração do trabalho: a
sociedade comunista. A riqueza social seria usufruto coletivo.
REFLITA
O que é um modo de produção para Marx? Quais são os critérios marxistas para
definir classe social?
Alienação, Ideologia e o Fetiche da Mercadoria
Sabemos o que faz os trabalhadores tornarem-se uma classe social consciente, mas o que
faz com que muitos trabalhadores não adquiram essa consciência? Vamos ler o texto abaixo para
entender essa questão:
O homem se torna em um apêndice da máquina, parte dela, como um parafuso ou uma engrenagem. Não é o homem que produz, é a máquina. O homem
limita-se a fazê-la funcionar. O aperfeiçoamento das máquinas, à medida que
reduz o esforço físico do homem, mais reduz sua participação e, em consequência, mais reduz sua intervenção consciente no trabalho. A máquina moderna dispensa a inteligência e a consciência humana e o anula como homem.
Este se torna uma peça de engrenagem cada vez mais insignificante (BASBAUM, Leôncio, Alienação e Humanismo. São Paulo Global 1985, p. 25).
Marx e seu amigo Engels já haviam apontado no Manifesto Comunista que o trabalhador se
tornara um simples apêndice da máquina, um parafuso em sua complexa engrenagem. O trabalho,
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A IMPORTÂNCIA DA COMUNICAÇÃO A IMPORTÂNCIA DA A
PENSAMENTO SOCIOLÓGICO
como vimos, é uma dimensão de humanização do homem. O ser humano torna-se humano trabalhando. Como diz Marx, o trabalho é vida
criando vida. No capitalismo, ele se tornou um fardo, um peso, algo indesejado. Submetido a uma jornada de trabalho extensa ou realizando
trabalhos repetitivos ao ritmo da máquina, o operário tornou-se um ser
embrutecido. A famosa imagem do filme Tempos Modernos, de Charles
Chaplin (1937), em que o operário protagonizado pelo próprio Chaplin,
tentando seguir o ritmo da máquina é tragado por suas complexas engrenagens nos dá a dimensão do que Marx quer dizer com alienação.
A máquina aparece como um poder acima do trabalhador, que o oprime. O operário de Tempos Modernos é alienado porque seu trabalho
não faz sentido, ele é anulado pela complexa organização industrial e
experimenta um sentimento de estranhamento em relação ao trabalho
e ao produto deste trabalho. Ele produz coisas não se sabe bem para
que e para quem. A emancipação desse trabalhador retratado no filme
só é possível mediante a sua desalienação, ou seja, por meio de sua
ação política, da construção de uma consciência de classe para si e,
consequentemente, da transformação radical da sociedade capitalista
com a eliminação da propriedade privada. IMPORTANTE
Alienação é um conceito muito importante no pensamento
de Marx. Ele ressignificará um conceito já existente em
Hegel, sua fonte de inspiração. Em seu Dicionário de Filosofia, José Ferrater Mora observa: Para o filósofo Hegel
(em quem Marx se inspira), em sua obra Fenomenologia
do Espírito a “consciência infeliz é a alma alienada ou a
alma alheada, isto é, a consciência de si como natureza
dividida. Hegel supõe que a consciência pode se experimentar como separada da realidade à qual pertence; sendo essa realidade consciência da realidade, a mencionada separação é separação de si mesma. Surge então um
sentimento de dilaceração e desunião, um sentimento de
afastamento, alienação e despossessão”. O dicionário de
Ciências Sociais da FGV salienta que o termo “alienação
em ciências sociais significa geralmente um afastamento
ou separação de partes ou do todo da personalidade em
relação a aspectos significativos do mundo empírico: a)
um estado objetivo de isolamento ou separação, b) um
estado de espírito da personalidade isolada c) um estado
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TEMA 2
SAIBA MAIS
• Alienação: Além do filme
Tempos Modernos (1937)
que você está convidado a
assistir, outras obras podem
ser relacionadas ao pensamento de Karl Marx a respeito da desumanização do
trabalho: Germinal (1885)
de Émile Zola é um livro que
retrata as condições e os
movimentos grevistas dos
trabalhadores franceses em
uma mina de carvão. O filme
de mesmo nome “Germinal”
(1993: França, Itália, Bélgica) é de direção de Claude
Berri, tendo como protagonista principal Gérard Depardieu. No filme Metrópolis
(1926), Fritz Lang imaginou
uma sociedade em que os
exploradores viviam em
suntuosos jardins suspensos enquanto a classe trabalhadora vivia oprimida em
subterrâneos e dirigia-se ao
seu trabalho como autômatos. Esse controle absoluto
pode ser igualmente visto
no livro de Aldous Huxley em
Admirável Mundo Novo, publicado pela primeira vez em
1932. Existe edição brasileira pela Editora Globo. Existe
o filme também, com o mesmo nome (EUA, 1998), direção de Leslie Libman e Larry
Williams. O estudante não
pode deixar de ouvir a música de Chico Buarque Construção (1971) que retrata um
operário coisificado, alienado e desumanizado. Por fim, não é demais ler a poesia
de Vinícius de Moraes, Um
Operário em Construção
(1956). São indicações que
contribuirão na compreensão do pensamento de Karl
Marx, expresso no Manifesto Comunista e em toda sua
obra.
TEMA 2
A IMPORTÂNCIA DA COMUNICAÇÃO A IMPORTÂNCIA DA A
PENSAMENTO SOCIOLÓGICO
motivacional propenso ao afastamento”. Consiste na separação entre o “eu e
o mundo objetivo” ou entre “aspectos do próprio eu que dele se separaram e
foram substituídos, por exemplo, no trabalho alienado”. É, por fim, a separação
entre o “eu e o eu”.
No meio psiquiátrico, alienado é aquele que tem uma perturbação mental ou é uma doença
do seu eu. No sentido marxista, é o processo pelo qual o trabalhador perde a consciência de si e
passa a pertencer ao objeto, à coisa, ao outro. Vimos que as relações de produção capitalistas criam
uma superestrutura ideológica, jurídica e política (as leis, o contrato de trabalho, o Estado) que falseia as contradições, os antagonismos de classe, ou seja, o conflito latente entre proprietários e não
proprietários. No capitalismo, como diz o sociólogo Octávio Ianni, as relações de alienação e antagonismo estão no centro das relações entre o operário e o capitalista. Essas relações produzem o
trabalhador alienado e também a sua possibilidade de libertação. O capital, que é uma força social,
produto do trabalho coletivo aparece como dotado de vida própria, independente, justificando-se
como propriedade privada, sagrada perante a lei. Todavia, sabemos que o capital só pode aumentar com a exploração da mais-valia, ou seja, do trabalho não pago, do excedente produzido pelo
trabalhador e apropriado indevidamente pelo capitalista. O que se chama de riqueza de uma nação
não é nada além de produto do trabalho humano. Somente o trabalho produz riqueza; máquina não
trabalha sozinha. E a própria máquina é produto do trabalho. Todavia a máquina aparece como se
fosse um ser à parte, estranho, que condiciona e aliena o trabalhador.
No mesmo processo em que a máquina aparece como algo estranho que oprime o trabalhador, as mercadorias que ele produz aparecem, igualmente, nas suas experiências na produção
como algo que lhe é alheio. O trabalhador artesanal, que era proprietário de seus meios de produção concebia o produto do começo ao fim. Podemos imaginar um sapateiro em sua sapataria: ele é
proprietário dos meios de produção, isto é, dos instrumentos de trabalho, ele faz o sapato desde as
primeiras fases de fabricação, corta o couro, costura, tinge, cola, prega a sola, etc. Todavia, o trabalhador industrial se vende a outro (o capitalista), e sua produção pertence a esse outro. Por meio da
divisão do trabalho, o operário perdeu o controle sobre o ato e o produto de seu trabalho. Perdeu a
ideia do todo e do sentido do seu trabalho. Como ele faz uma única tarefa repetitiva, sua consciência
é atrofiada, alienada. A coisa que ele produz adquire vida própria, enquanto sua vida como espécie
humana se mortifica. A máquina – trabalho cristalizado, trabalho vivo, produto da inteligência coletiva
acumulada na sociedade - passa a oprimir o trabalhador como se ela tivesse vida própria. O trabalhador vê uma mercadoria na vitrine, mas não se reconhece nela. Não percebe naquela mercadoria
o trabalho coletivo, ou seja, dele próprio, o trabalho coletivo de toda a sociedade. A riqueza social
parece que se autoproduziu. O dinheiro, que também é uma mercadoria que serve para comprar outras mercadorias parece que tem vida própria. Mais adiante, traremos mais detalhes sobre o fetiche
da mercadoria. Perante o trabalhador, a mercadoria adquiriu um poder autônomo, como se fosse
mágico. É um mundo fantasmagórico, dirá Marx, no qual as relações sociais aparecem reificadas,
ou seja, alienadas, coisificadas, desumanizadas. Embrutecido, coisificado, alienado, o trabalhador
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A IMPORTÂNCIA DA COMUNICAÇÃO A IMPORTÂNCIA DA A
PENSAMENTO SOCIOLÓGICO
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não percebe que ele é o real produtor de todas as coisas. O capitalista, por sua vez, também é alienado. Vive a sua vida para acumular dinheiro. O capital, isto é, a propriedade privada, aparece como
um monstro que, a toda hora , precisa ser alimentado. O capitalista vive para ter, portanto, aliena
também o seu ser a esse poder “sobrenatural” chamado dinheiro. O capitalista se transforma na extensão de seu dinheiro, ele também se coisifica. A sociedade capitalista produz uma dupla alienação,
do trabalhador e do capitalista.
REFLITA
O que é mercadoria para Marx? Qual a importância da categoria “trabalho” na
obra de Marx? O que é o fetiche da mercadoria? O que é alienação? O que Marx
entende por ideologia?
Uma mercadoria pode ser vista sob dois pontos de vista. Como valor de uso e valor de
troca. Como valor de uso, ela tem uma utilidade. Se trocássemos um produto por outro como nas
culturas tradicionais, a relação seria direta, trocaríamos um valor de uso por outro, um quilo de feijão
por um quilo de arroz. No capitalismo, porém, se generaliza o valor de troca (preço). O valor de uso
é inteiramente determinado pelas condições de mercado. Uma mercadoria é produzida não para o
próprio consumo, mas para a venda. Se eu for um consumidor, compro para usar, ou mesmo para
esnobar, ostentar, se eu for um especulador compro para valorizar, ganhar algo mais. O dinheiro é
uma mercadoria universal, um equivalente geral de todas as demais mercadorias. Compramos tal
produto com dinheiro e não com outro produto. O dinheiro oculta um dado muito importante, não são
coisas que são compradas e, sim, trabalho humano. O lucro do capitalista, por sua vez, não vem
pura e simplesmente da venda de mercadorias, mas da exploração do trabalho humano pela mais-valia. Aparentemente, a mercadoria é uma coisa, todavia, analisando-a profundamente, ela não é
uma coisa. É um valor. Imagine uma mercadoria qualquer, uma camisa, por exemplo. Desde quem
plantou o algodão, passando pela indústria têxtil que irá transformar a matéria prima, até chegar à
loja de roupas quanto de trabalho humano não está condensado naquela camisa. Quanto valor foi
depositado pelo trabalho de muitos, do plantio à circulação no mercado; trabalhadores agrícolas, trabalhadores da indústria têxtil, trabalhadores das empresas de transporte, trabalhadores das lojas de
roupas etc. Compramos uma coisa (camisa) com outra coisa chamada dinheiro, e não percebemos
que estamos comprando trabalho humano.
No capitalismo, o trabalhador transformou-se numa mercadoria como outra qualquer, cujo
preço pago em dinheiro é o salário. Todavia, como vimos, o salário não cobre as necessidades do
trabalhador e de sua família, pois seu trabalho só tem sentido no sistema capitalista se produzir
mais-valia, trabalho não pago e apropriado indevidamente pelo capitalista. O operário assina um
contrato com o empresário, ambos parecem iguais perante lei, contrato que coloca no mesmo pé de
igualdade duas partes desiguais, porque um é proprietário e outro não. Portanto, há um processo de
mercantilização de todas as relações sociais, tudo no capitalismo se torna mercadoria, tudo se torna
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A IMPORTÂNCIA DA COMUNICAÇÃO A IMPORTÂNCIA DA A
PENSAMENTO SOCIOLÓGICO
coisa, inclusive as relações humanas. Compreendemos melhor esse processo a partir da análise
marxista do fetichismo da mercadoria, como já havíamos comentado acima.
O fetiche é um poder mágico ou sobrenatural que os homens atribuem às coisas tornando-as animadas. Numa comunidade indígena tradicional, o feiticeiro cospe uma saliva ensanguentada em
sua mão e mostra ao doente que ali está a causa de seu males, porém com seus atos mágicos, do
maracá que ele vibra e de suas danças, de suas conversas com os espíritos, ele age sobre a doença
no sentido de curá-la. A Bíblia fala do bezerro de ouro, adorado e idolatrado pelas pessoas como
um deus. Vamos acompanhar o raciocínio de Marilena Chauí para que compreendamos melhor o
fetiche da mercadoria:
E como o dinheiro também é mercadoria (aquela mercadoria que serve para estabelecer um equivalente social geral para todas as outras
mercadorias) tem início uma relação fantástica [fetichizada] das mercadorias uma com as outras (a mercadoria $ 1,50 se relaciona com a
mercadoria sabonete Gessy, a mercadoria $ 600,00 se relaciona com
a mercadoria menino que faz pacotes etc.). As coisas-mercadorias começam, pois, a se relacionarem umas com as outras como se fossem
sujeitos sociais, dotados de vida própria (um apartamento estilo ‘mediterrâneo’ vale ‘um modo de viver’, um cigarro vale um ‘estilo de viver’,
um automóvel zero km vale um ‘jeito de viver’, uma bebida vale ‘a alegria de viver’, uma calça vale uma ‘vida jovem’ etc.). E os homens mercadorias aparecem como coisas (um nordestino vale $ 20,00 à hora na
construção civil, um médico vale $ 300,00 à hora no seu consultório).
A mercadoria passa a ter vida própria, indo da fábrica à loja, da loja
a casa, como se caminhasse sobre os seus próprios pés. O primeiro
momento do fetichismo é este: a mercadoria é um fetiche (no sentido
religioso da palavra), uma coisa que existe em si e por si. O segundo
momento do fetichismo, mais importante, é o seguinte: assim como o
fetiche religioso (deuses, objetos, símbolos, gestos) tem poder sobre
seus crentes ou adoradores, domina-os como uma força estranha, assim também age a mercadoria (CHAUÍ, Marilena. O que é ideologia.
São Paulo: Brasiliense, 2008, pp.58-60).
Veja que voltamos àquela nossa conversa sobre alienação. As coisas tomam vida própria.
Aparecem como relações materiais entre sujeitos humanos e como relações sociais entre coisas. O
dinheiro faz parecer que tudo é uma questão de possuí-lo para ter isso ou aquilo. O dinheiro oculta
ideologicamente a exploração do trabalho. Ele passa a ter vida própria. É um processo de coisificação dos sujeitos humanos, a coisa adquire vida enquanto a vida se coisifica. Vamos ler mais trecho
para ampliar nossa compreensão:
O trabalhador passa a ser uma coisa denominada força de trabalho,
que recebe outra coisa chamada salário. O produto do trabalho passa
a ser uma coisa chamada mercadoria, que possui outra coisa, isto é
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A IMPORTÂNCIA DA COMUNICAÇÃO A IMPORTÂNCIA DA A
PENSAMENTO SOCIOLÓGICO
TEMA 2
um preço. O proprietário das condições de trabalho e dos produtos
do trabalho passa a ser uma coisa chamada capital, que possui outra
coisa, capacidade de ter lucros. Desaparecem os seres humanos, ou
melhor, eles existem sob a forma de coisas (donde o termo reificação;
em latim: res, que significa coisa). Em contrapartida, as coisas produzidas e as relações entre elas (produção, distribuição, circulação, consumo) humanizam-se e passam a ter relações sociais. Produzir, distribuir,
comerciar, acumular, consumir, investir, poupar, trabalhar, todas essas
atividades econômicas começam a funcionar e operar sozinhas, por
si, mesmas, com uma lógica que emana delas próprias, independentemente dos homens que a realizam. Os homens tornam-se suportes
dessas operações, instrumentos delas. O mundo transforma-se numa
imensa fantasmagoria. Alienação, reificação, fetichismo: é o processo
fantástico no qual as atividades humanas começam a realizar-se como
se fossem autônomas ou independentes dos homens, sem que estes
possam controlá-las. São ameaçados e perseguidos por elas. Tornam-se objetos delas (CHAUÍ, Marilena. O que é ideologia. São Paulo: Brasiliense, 2008, pp. 59 60).
Do ponto de vista marxista, ideologia consiste, portanto, no falseamento dessas relações
sociais, no encobrimento ou mascaramento que são gestados no âmbito das relações de produção.
A vida econômica aparece como poder autônomo de tal forma que não percebemos mais trabalho
humano, percebemos apenas coisas e tornamo-nos uma coisa. Quando vamos ao supermercado
e pegamos um produto da prateleira não percebemos mais que são produtos do trabalho humano
e que só o trabalho humano pode gerar a riqueza social que é apropriada pelos capitalistas. A propriedade aparece como sagrada perante a lei, o capital como puro esforço de empresários bem-sucedidos, a lei aparece como expressão da justiça. A divisão de trabalho fragmenta a consciência
do trabalhador, produzindo-o como ser alienado e introduz em sua cabeça a ideia de cada um tem o
seu lugar certo na hierarquia social, cada um ocupa uma posição na divisão social do trabalho que é
justa de acordo com a sua classe. Todavia, ao desvelar essa realidade, ao tirar o véu ideológico que
encobre as relações de produção e dominação, Karl Marx nos mostra outro mundo, feito por pessoas
concretas, de carne e osso, os trabalhadores. Estes, com sua atividade, geram mais-valia, a fonte de
toda a riqueza apropriada por outros, ou seja, pela burguesia.
REFLITA
Tempos Modernos: Como surgiu esse mundo moderno? Quais foram as consequências sociais dessa nova forma de organização social que se desenvolveu
com o capitalismo? Que realidade o filme de Chaplin e outros indicados querem
retratar? Nas primeiras décadas do século XX, cenário do capitalismo retratado por Tempos Modernos de Charles Chaplin, o taylorismo (deriva de Frederick
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A IMPORTÂNCIA DA COMUNICAÇÃO A IMPORTÂNCIA DA A
PENSAMENTO SOCIOLÓGICO
Taylor 1856-1915) e o fordismo (deriva de Henry Ford 1863-1947) eram os modelos organizacionais das empresas capitalistas. O taylorismo sustentava que
uma empresa, para ser eficiente, deveria ser administrada racionalmente, separando-se o setor da concepção (administração empresarial) e o da execução (o
trabalho). O trabalhador é despojado de todo o seu saber tradicional e reduzido
a uma tarefa extremamente simples, seus movimentos são controlados de maneira a eliminar o desperdício de tempo, pois no capitalismo “tempo é dinheiro”.
Na indústria automobilística de Ford, numa fase capitalista mais avançada tecnologicamente, com a introdução da esteira móvel (a mesma que aparece no
filme) e a linha de montagem completa-se o controle sobre o ritmo e o tempo
de trabalho. O operário de Tempos Modernos é pouco adaptado a esse mundo
de controle (o relógio, as regras da empresa, a vigilância constante). Carlitos
e sua amada são espíritos livres num mundo de autômatos, teimam em sonhar
com uma vida oposta à da fábrica, onde trabalho, prazer e felicidade não são inconciliáveis. São muitas as cenas do filme em que a esperança procura vencer
o desespero e a desumanização da luta pela sobrevivência.
2.2 - MAX WEBER (1864-1920)
Max Weber nasceu em Erfurt, Turíngia, um dos estados federais da Alemanha, em 21 de abril
de 1864. Morreu em Munique em 14 de junho de 1920. Foi professor, desde 1894, na Universidade
de Friburgo e, de 1897 a 1903, na Universidade de Heidelberg. É um dos maiores nomes da sociologia. Em sua obra Economia e Sociedade, que deixou inacabada e foi publicada somente em 1922,
expõe o seu sistema de sociologia e o método que criou, baseado na teoria dos “tipos ideais”. Teve
também grande repercussão sua obra Ética Protestante e o Espírito Capitalismo de 1904 em que
sustenta a influência que a ética protestante teria exercido sobre a gênese e o espírito do capitalismo.
Ação social e seus significados
O conceito de ação social desempenha um papel fundamental na sociologia de Max Weber e, por consequência, em sua perspectiva sociológica dos fundamentos da organização social.
Para Weber, uma ação social “é uma ação cujo significado subjetivamente atribuído pelo sujeito ou
sujeitos tem como referência a conduta dos outros, orienta-se por esta em seu desenvolvimento”
(WEBER, 1991, p. 3). É uma ação em que o sujeito orienta-se pelas ações de outros, ou seja, pelo
comportamento e expectativas de outros.
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A IMPORTÂNCIA DA COMUNICAÇÃO A IMPORTÂNCIA DA A
PENSAMENTO SOCIOLÓGICO
TEMA 2
O papel do sociólogo consiste em compreender e interpretar a ação social em suas conexões
causais, isto é, deve procurar compreender o sentido e o significado da ação social e as consequências possíveis num equilíbrio entre meios e fins. O sociólogo deve se esforçar para compreender o
significado subjetivamente visado pelo sujeito, isto é, captar o sentido da ação, quais sãos os motivos
que fundamentam a ação concreta dos sujeitos e que direção pode tomar. Essa ação não é vazia,
é rica e carregada de significados, orienta-se num sentido visado pelo sujeito, tem uma motivação.
Também não se dirige ao nada, essa ação orienta-se pelas expectativas dos outras pessoas, isto é,
de outras ações igualmente significativas. Estuda-se a ação social e não o agente ou sujeito em si,
todavia o agente ou sujeito é o portador dos sentidos e dos significados. O sujeito pondera, calcula e
avalia os meios ao seu alcance para chegar aos fins ou objetivos visados e desejados.
No processo da ação social, há regularidades, certas ações se repetem e são possíveis de
serem estudadas pelo sociólogo. Weber explica que não podemos considerar todo tipo de ação
uma ação social. Vamos entender isso. Começa a chover, todos abrem seus guarda-chuvas, ou eu
começo a bocejar e, de repente, a pessoa a meu lado, também começa a bocejar; ou, numa ação de
massa, todos começam a fazer os mesmos gestos ou movimentos. Ações deste tipo, homogêneas,
mecânicas ou baseadas na imitação não podem ser classificadas como ação social. Abri meu guarda chuva por uma necessidade que nada teve a ver com o outro, o transeunte que estava do meu
lado; comecei a abrir a boca e, por sugestão ou imitação, o outro também o faz. No meio da massa,
ou seja, da multidão, muitas vezes as pessoas perdem o sentido de sua ação; embora nesse aglomerado de pessoas possa haver graus de ação com algum sentido e significado. Portanto, se numa
agitação social todos começam a correr e eu também corro, nem sei bem porque, isso não se caracteriza uma ação social. Outro exemplo é bem ilustrativo do pensamento de Weber: dois ciclistas se
chocam, esse evento por si só não é uma ação social. É um evento que se assemelha aos eventos
da natureza, um raio por exemplo. Todavia, se houver alguma comunicação, se um ciclista orientou
sua ação em relação ao outro, ou seja, se houve uma atitude para evitar o choque desviando-se, ou
ainda se houve algum desentendimento ou pedidos de desculpas. Nesses casos, temos uma ação
social.
Para se caracterizar uma ação social, é preciso, portanto, existir comunicação de significados
de um sujeito em relação ao outro. O professor ministra sua aula, sua ação se orienta em relação
aos alunos. O professor conta com as expectativas dos alunos. Os gestos de interesse ou desinteresse, a participação na aula, até mesmo a tolerância ou omissão por parte dos alunos orientará o
sentido da ação do professor. Os meios utilizados pelo professor para atingir seus fins, isto é, comunicar sua aula, fazer-se entender, podem seguir o curso inicial da ação ou mudar de acordo com as
expectativas em jogo. Se os alunos demonstram desinteresse, o professor pode usar outros meios
para atingir seus fins. Os alunos, por outro lado, têm suas expectativas em relação ao professor que
são múltiplas, diversas. Os alunos que estudam com paixão e responsabilidade e querem uma boa
formação para se tornarem bons profissionais depositarão no professor suas expectativas que terão
esses valores e essa intencionalidade. Os alunos que só querem um certificado e estudam com
certo distanciamento, envolvendo-se pouco com a aula, depositarão outro tipo de expectativas em
relação ao professor. Observe que, em todos os casos exemplificados, a ação tem um conteúdo de
significados e um sentido que o sociólogo procurará compreender.
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TEMA 2
A IMPORTÂNCIA DA COMUNICAÇÃO A IMPORTÂNCIA DA A
PENSAMENTO SOCIOLÓGICO
Tipos ideais: a compreensão da inesgotável realidade social
A perspectiva teórica de Max Weber é o que ele denomina sociologia compreensiva. Como
chegar a compreender as ações e interações sociais? Para Weber, só é possível se chegar à compreensão da realidade social e histórica por meio de uma postura metodológica que consiste na
construção de tipos ideais:
“O tipo Ideal é um quadro de pensamento, e não da realidade histórica, e muito menos da
realidade ‘autêntica’ (...) Tem antes o significado de um conceito limite puramente ideal, em relação
ao qual se mede a realidade a fim de esclarecer o conteúdo empírico de alguns de seus elementos
importantes com o qual esta [realidade] é comparada.” (Weber, Max. Ensaio sobre a Objetividade.
Lisboa. Editorial Presença, 1974, p. 81).
Sua postura teórico-metodológica se diferencia tanto da de Durkheim como de Marx. Como
ambos, Weber postulava uma objetividade no conhecimento das ciências sociais. Como qualquer
outra ciência, a sociologia deveria observar objetivamente os fenômenos sociais e ter uma postura de distanciamento em relação ao seu objeto de estudo, desvinculando-os do senso comum.
Durkheim, em sua postura positivista, acredita que era possível estudar os fatos sociais como coisas, selecionar um grupo de fenômenos sociais que apresentavam certas características observáveis que fossem comuns e incluir na mesma investigação tudo o que corresponda a esta definição.
É assim que Durkheim chega, por exemplo, ao conceito de crime, todos os atos que têm em comum
ofenderem a consciência coletiva. Os fatos sociais tinham a mesma validade dos fatos naturais,
eram tão objetivos quanto os fatos estudados pelos físicos. Karl Marx, por sua vez, compreendia que
a realidade social e histórica é determinada pela infraestrutura da sociedade, ou seja pela dimensão
econômica, pelas ralações de produção que determinam a consciência e edifica toda uma superestrutura idológica, política e jurídica.
Max Weber concebia os tipos ideais como um quadro de pensamento, como uma construção limitada e provisória realizada pelo sociólogo que parte dos elementos encontrados em uma
dada configuração cultural. O tipo ideal é um conceito limite, um quadro ou um retrato exagerado
da realidade social em seu sentido puro, um meio ou um recurso analítico para que o sociólogo se
aproxime da realidade social. A vida social tem uma dinâmica própria, não podemos atingir a mesma objetividade das ciências naturais como pretendia Durkheim. Nem por isso devemos renunciar
à objetividade científica. Não criticava na concepção materialista da história a análise unilateral da
realidade partindo de sua dimensão econômica, via, por exemplo, o conceito de modo de produção
e tantos outros conceitos marxistas como tipos ideais ricos em possibilidades para a análise da sociedade. No entanto, sua postura intelectual abandonava qualquer pretensão da sociologia poder
decidir sobre fins absolutos, como a humanidade realizará seu destino final como pretendia Marx ao
prever um fim último, a sociedade socialista.
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A IMPORTÂNCIA DA COMUNICAÇÃO A IMPORTÂNCIA DA A
PENSAMENTO SOCIOLÓGICO
Nesse sentido, Weber compreendia a sociedade como composta de várias esferas sociais, uma multiplicidade de causas, a esfera econômica, a esfera política, a esfera religiosa e assim por diante
determinando-se mutuamente sem uma se sobrepor à outra. Um ponto
de vista que privilegia a esfera religiosa não invalida o ponto de vista
que faz um recorte da vida econômica ou política. Os conceitos, para
Weber, não podem ser o retrato real da realidade, não podem ser endeusados como verdadeiros e absolutos e, sim, como uma construção
válida do investigador e possível de ser refeito conforme a dinâmica da
sociedade. Os tipos ideais, por fim, para reforçar tudo o que dissemos,
têm um valor heurístico, isto é, o conceito é um meio intelectual para
interpretar e controlar o empiricamente dado, interpretar o que está por
trás das ações sociais e, nesse sentido, aproximar-se da realidade social. Todavia, se o conceito, um tipo ideal, que nunca esgota a realidade, demonstrou um grau elevado de aproximação de uma realidade
empírica, é um bom sinal. Todavia, se acontece o contrário, o conceito
se distancia da realidade, mesmo assim possibilitará ao sociólogo reformular seus conceitos. Se o tipo ideal revelou diferenças e distâncias
consideráveis da experiência concreta, a realidade por isso mesmo se
apresentará aos olhos do cientista social com novos coloridos, com
toda sua riqueza e fornecerá novos elementos para a reconstrução de
novos tipos ideais. Weber elabora quatro tipos de ação social que são
tipos ideias. Uma ótima oportunidade para compreendermos melhor o
que ele está querendo dizer por tipos ideais. Vamos ler abaixo:
SAIBA MAIS
• Max Weber: mais sobre
o pensamento de Max
Weber,
veja:
WEBER,
Max. Sociologia. (seleção
de textos e introdução do
organizador). In COHN,
Gabriel (org.) e FERNANDES, Florestan (coord.).
São Paulo: Ática, 1991;
WEBER, Max. Ensaios
de Sociologia. (seleção
de textos e introdução
dos
organizadores)
In
GERTH, H. H. e MILLS C.
W. (Orgs.) Rio de Janeiro: LTC, 1982; LEFORT,
Claude. O que é burocracia? In CARDOSO, Fernando Henrique, MARTINS, Carlos Estevam
(Orgs.). Política e Socie-
1) Ação racional com relação a fins: Envolve não só a
adequação dos meios aos fins, mas também a consideração das consequências previsíveis e eventualmente
indesejáveis. Este tipo de cálculo está vinculado à ética da responsabilidade: toda decisão envolve riscos ou
custos e o agente não pode alegar inocência.
dade. São Paulo: Editora
2) Ação racional com relação a valores: Envolve
ações racionais no relacionamento entre meios e fins,
mas irracionais por estarem vinculadas a fins exclusivos
ou absolutos – conforme as convicções sobre o que é
o dever, a beleza, a sabedoria religiosa, a piedade ou
a importância de uma ‘causa’ – sem consideração dos
efeitos eventualmente indesejáveis. Esse tipo de ação
está vinculado à ética da convicção.
WEBER, Max. Ética Pro-
3) Ação afetiva: Especialmente emotiva determinada
por afetos e estados sentimentais atuais. Age afetivamente quem satisfaz sua necessidade atual de vingan-
64
TEMA 2
Nacional, 1979. ARON,
Raymond. As etapas do
pensamento
sociológi-
co. São Paulo: Martins
Fontes, 1993, capítulo
dedicado a Max Weber.
testante e o Espírito do
Capitalismo. São Paulo:
Cia das Letras, 2004.
TEMA 2
A IMPORTÂNCIA DA COMUNICAÇÃO A IMPORTÂNCIA DA A
PENSAMENTO SOCIOLÓGICO
ça. Pode ser também uma reação sem limites a um estímulo extraordinário, fora do
cotidiano.
4) Ação tradicional: É determinada por um costume arraigado. São as ações cotidianas, habituais, puramente maquinais, por obediência aos costumes prescritos pela
tradição.
Como exemplo de uma ação racional com relação a fins, podemos indicar aquela ação própria do empresário capitalista que toma decisões de modo a respeitar as regras do mercado, pois
caso contrário a empresa poderá falir. Nada impede que o empresário aja irracionalmente, desrespeitando as regras do mercado, vendendo, por exemplo, suas mercadorias abaixo do custo de
produção, mas, agindo assim, colocará sua empresa em situação vulnerável. Do mesmo modo, o
empresário que age intransigentemente e emotivamente numa greve de trabalhadores não abrindo
espaço para negociação pode trazer altos prejuízos financeiros para sua empresa. A ação racional
com relação a fins pondera, calcula e avalia, portanto, os meios disponíveis e os fins desejáveis. O
empresário pondera e vê que é melhor conversar e negociar com os trabalhadores para que a empresa volte logo a produzir. O político, um presidente de um país, por exemplo, quando toma uma
decisão envolve uma multiplicidade de pessoas. Motivado por uma ética da responsabilidade, procurará minimizar ao máximo as consequências indesejáveis de sua deliberação. Toda decisão envolve
sacrifícios. Se governar atendendo somente às facções ou grupos de interesses que o sustentam no
poder maximizará as consequências indesejáveis e negativas para a população, ou seja, para os
cidadãos que votaram nele.
A ação racional com relação a valores é própria daquele que persegue uma causa que julga
sua razão de ser e existir. Um revolucionário, por exemplo, irá às últimas consequências para realizar suas convicções, os valores que lhes são caros. Um sindicalista defenderá sua classe profissional tendo como referência para a sua ação os valores de igualdade e justiça social que procurará
realizar a todo custo. Um religioso considera os valores de sua religião como fins últimos, pois o
futuro a Deus pertence. Em todos esses casos, o revolucionário, o sindicalista e o religioso agem
de acordo com uma ética da convicção. A pessoa que age está a serviço de suas convicções, de
exigências, valores, mandamentos, doutrinas que o sujeito se vê no dever de perseguir mesmo e
apesar das possíveis consequências indesejáveis. A postura de fechar qualquer possibilidade de
diálogo com o governo e com os empresários por parte do sindicalista pode trazer efeitos contrários
à sua categoria. A revolução que destrói violentamente uma ordem social traz desafios para organização da nova ordem social que os envolvidos quase sempre não previam. A Revolução Francesa,
por exemplo, abalou os alicerces da nobreza e da Igreja Católica. A nova ordem burguesa não se
edificou do dia para noite, envolveu uma série de conflitos e demorou praticamente todo o século XIX
para a burguesia se afirmar no poder.
Na ação afetiva, o coração, os sentimentos apaixonados falam mais alto e, como se diz, cegam a razão. Por fim, aquele que age movido pela tradição, respeita os costumes tidos como regras
inquestionáveis. Esses dois últimos tipos, comparados aos dois primeiros, comportam um elevado
grau de irracionalidade; já os dois primeiros comparados com os dois últimos são atitudes mais
racionais. Todavia esses tipos de ação são tipos puros, isto é, são tipos ideais, não se apresentam
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A IMPORTÂNCIA DA COMUNICAÇÃO A IMPORTÂNCIA DA A
PENSAMENTO SOCIOLÓGICO
TEMA 2
assim na realidade concreta. Então podem se misturar e se inter-relacionar como já indicamos . Uma
ação racional com relação a valores pode comportar um grau de racionalização em direção a fins.
Um sindicalista que defende sua categoria profissional até as últimas consequências numa greve,
num determinado momento, senta à mesa de negociações e sacrifica determinados pontos de suas
reivindicações. Da mesma forma, uma ação racional com relação a fins pode comportar um grau
considerável de ação tradicional. O empresário pode administrar sua empresa por respeito à tradição
familiar, pois a própria empresa é entendida por ele como uma grande família e de maneira irracional
coloca em postos importantes parentes sem competência técnica.
REFLITA
O que é uma ação social? Quais os tipos de ação social e como se relacionam
com os tipos de dominação? O que é dominação? O que é tipo ideal?
Resumindo, todos os tipos de ação comportam graus de racionalidade e irracionalidade e
todos os tipos de ação podem racionalizar seus elementos irracionais ou ao contrário. Uma ação afetiva pode caminhar para uma ação racional com relação a valores. Num desentendimento entre um
casal namorados, a emoção fala mais alto que a razão. Todavia, o casal pondera os meios e os fins,
considera o valor do casamento e da futura vida familiar e decide continuar juntos. A tradição pode
se tornar um valor importante e plenamente consciente do sujeito e não somente um ato puramente
maquinal. Um político é motivado por valores como a igualdade, liberdade e justiça social e procura
de algum modo, em sua prática política, realizar esses ideais, elaborando um projeto, buscando o
apoio da sociedade e colocando-o em votação no Congresso de Deputados. A ética da responsabilidade não exclui a ética da convicção e esta não exclui a ética da responsabilidade. Num único
dia, dependendo da situação em que se encontra, um sujeito pode agir de formas diferenciadas. Na
família, minha ação tem um conteúdo mais próximo da tradição ou dos valores; no local de trabalho,
a formalidade de meus atos e gestos contrasta com a informalidade afetiva no grupo de amigos após
o expediente, no happy hour. Numa situação social, os sujeitos ou agentes envolvidos orientam-se
por uma multiplicidade de sentidos e significados, e os tipos de ação se misturam e se entrelaçam
numa teia emblemática de significados.
Os três tipos puros de dominação legítima
Vamos ler a seguir outra tipologia construída por Max Weber. Observe que esta se relaciona
com os tipos de ação que vimos anteriormente.
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TEMA 2
A IMPORTÂNCIA DA COMUNICAÇÃO A IMPORTÂNCIA DA A
PENSAMENTO SOCIOLÓGICO
IMPORTANTE
Existem em princípio – e começamos por aqui – três razões internas que justificam a dominação, existindo, consequentemente, três fundamentos da legitimidade. [Dominação Tradicional]: Antes de tudo, a autoridade do “passado
eterno”, isto é, dos costumes santificados pela validez imemorial e pelo hábito,
enraizado nos homens, de respeitá-los. Tal é o domínio “tradicional”, que o patriarca ou senhor de terras, outrora, exercia. [Dominação Carismática]: Existe,
em segundo lugar, a autoridade que se funda em dons pessoais e extraordinários
do indivíduo (carisma) – devoção e confiança estritamente pessoais depositadas
em alguém que se que se singulariza por qualidades prodigiosas, por heroísmo
ou por outras qualidades exemplares. Tal é o domínio “carismático”, exercido
pelo profeta ou – no meio político – pelo dirigente guerreiro eleito, pelo soberano
escolhido através de plebiscito [voto do povo], pelo demagogo ou dirigente de
um partido político. [Dominação Legal-Racional]: Existe por fim, a autoridade
que se impõe em razão da “legalidade”, em razão da crença na validade de um
estatuto legal e de uma “competência” positiva, fundada em regras racionalmente estabelecidas ou, em outros termos, na autoridade fundada na obediência,
reconhece obrigações conformes ao estatuto estabelecido. Tal é a dominação,
como o exerce o “servidor do Estado” em nossos dias e como exercem todos os
detentores do poder que dele se aproximam sob esse aspecto (Weber, Max. A
política como vocação. São Paulo: Cultrix, 1993, p. 57-59)
Weber diferencia poder de dominação. Por dominação, Weber entende a probabilidade de
encontrar obediência em um determinado mandato, que tem, por sua vez três formas de legitimidade, isto é, fundamentos da autoridade e da obediência, que pode ser de conteúdo tradicional,
carismático ou legal-racional. O poder, por sua vez, é uma potência irresistível e consiste na probabilidade de impor a própria vontade contra qualquer tipo de resistência. Num assalto, por exemplo, o
bandido armado tem um poder que não admite discussões. O Estado, para Weber, é compreendido
como o único organismo político que se funda no monopólio do uso legítimo da violência física. Embora tenha esse monopólio, ou seja, esse poder concentrado (forças armadas, polícia, instituições
jurídicas etc.) de impor a sua vontade contra qualquer resistência, nenhum Estado se manteria no
uso permanente da força física, portanto, a sua dominação nas sociedades modernas se dilui em
suas estruturas burocráticas.
O tipo puro da dominação legal-racional, característica do mundo moderno, é a dominação burocrática sustentada pela crença na validade de um estatuto e da competência funcional definida de acordo com regras impessoais racionalmente estabelecidas e passíveis de serem mudadas
por uma convenção, que define novas regras. A moderna estrutura do Estado, a organização das
empresas privadas e, de modo geral, os aparelhos administrativos, são exemplos ilustrativos desse
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A IMPORTÂNCIA DA COMUNICAÇÃO A IMPORTÂNCIA DA A
PENSAMENTO SOCIOLÓGICO
TEMA 2
tipo de dominação. Numa empresa capitalista, por exemplo, a autoridade do chefe é baseada em um
estatuto aprovado em reunião de sócios e na hierarquia da organização empresarial que estipula as
funções e não em relações pessoais ou porque o chefe é desta ou daquela religião. Não se respeita
a pessoa do chefe em si, mas as regras estatuídas.
Nas Forças Armadas do Brasil, no Exército, por exemplo, existe uma hierarquia de comando
e um conjunto de regras constitucionais que devem ser respeitadas. O soldado não obedece às ordens do cabo e o cabo não obedece às do sargento e o sargento do tenente e assim por diante
baseando-se em relações pessoais ou tradicionais. A autoridade do sargento fundamenta-se em
regras escritas e conhecidas e cada posto na hierarquia tem uma função determinada por essas
regras e por uma competência profissional. O marechal , por sua vez, o posto mais alto da cadeia de
comando do Exército, não pode desconhecer as regras constitucionais que prevê que o Presidente
da República é o comandante supremo das Forças Armadas. Aquele que ocupa o cargo é investido
de autoridade prevista em lei. No Estado moderno, é importante salientar, os funcionários públicos
nos diversos graus de hierarquia respeitam regras estatuídas.
Nenhum detentor de cargo público, no Brasil, por exemplo, poderia, a seu bel prazer, deixar
de aplicar os recursos constitucionalmente estabelecidos para a Educação Pública sem sofrer sanções legais. O ministro da educação, os secretários municipais e estaduais da educação orientam
suas ações por um conjunto de regras estabelecidas pela LDB, a Lei de Diretrizes e Base da Educação Nacional. Em caso de descumprimento dessa lei, o Estado, pelos mecanismos apropriados,
como o Ministério Público, por exemplo, responsabilizará legalmente um desses funcionários. Esse
é um dado importante da dominação burocrática ou legal-racional e o funcionário público (ou da empresa privada em grande medida) possui um sentimento de responsabilidade e dever com seu cargo,
por uma disciplina profissional. As regras são escritas e conhecidas, as funções e a autoridade são
estabelecidas em lei e reconhecidas como legítimas pelos subordinados.
A dominação tradicional é fundada na santidade dos costumes e facilitada pela orientação
habitual para o conformismo. A autoridade do patriarca e dos antigos soberanos tinha esse tipo de
domínio. A legitimidade da autoridade do pai numa família tradicional não é questionada pelos filhos
educados e disciplinados para obedecer ao patriarca que é fonte de toda autoridade. A autoridade,
portanto, é baseada em laços pessoais, a exemplo do senhor feudal, durante o feudalismo se fundava no respeito àquelas regras inquestionáveis da tradição, pela hereditariedade e nos rituais de
fidelidade e obediência reconhecidos e autenticados pela Igreja, e não em regras impessoais como
na dominação burocrática. Durante o período chamado absolutismo real, na Europa, o rei passava
seu poder ao filho herdeiro, considerado um representante de Deus na terra e, portanto, fonte de
toda a ordem social.
Por fim temos a dominação carismática, cuja legitimidade da autoridade está no dom da
graça. A fidelidade ao profeta, ao herói, ao líder político tem um forte conteúdo emocional. A pessoa
portadora do carisma é a fonte de todas as regras. Jesus Cristo dizia “Ouvistes o que foi dito... mas
eu vos digo”. Com esse “mas”, como observa o sociólogo Peter Berger, Cristo dava a entender que
possuía a autoridade legitimada pelo Pai, Deus, de revogar tudo o que antes, pela ordem social
anterior, era considerado válido. O carisma investe essas pessoas de uma autoridade baseada na
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TEMA 2
A IMPORTÂNCIA DA COMUNICAÇÃO A IMPORTÂNCIA DA A
PENSAMENTO SOCIOLÓGICO
crença em seus poderes sobrenaturais, na virilidade e bravura ou na oratória. O portador do carisma
deve demonstrar a todo tempo que sua força extraordinária se mantém. Deve provar que é um bravo
guerreiro ou, no caso do carisma religioso, que tem o poder de fazer milagres e que está amparado
pelos deuses e espíritos. Quando as qualidades excepcionais, atribuídas ao profeta, por seus seguidores, persistem, seu domínio dura; todavia, quando seu carisma se esvai, seu deus o abandona,
seu domínio fica caduco, ou seja, sua fonte de legitimidade acaba. Max Weber identificava no carisma uma das principais forças motrizes da História. São momentos excepcionais em que as possibilidades de mudanças se desenham. Se o carisma aparece
em seu tipo puro em profetas e homens portadores de poderes extraordinários, como o caso dos
profetas bíblicos, que fundam novos valores e uma nova ordem social, ele pode aparecer, todavia,
de forma relativa em líderes políticos que encarnam valores que são fonte de mudança social. Pode
ser visto num Napoleão Bonaparte que espalhou os valores da Revolução Francesa por toda Europa no século XIX. Ou num Martim Luther King que enfrentou a situação de segregação racial nos
estados Unidos durante os anos 60, e pode estar presente em qualquer líder local ou nacional e
influenciar mudanças significativas na História ou nas organizações sociais. Em qualquer caso, o carisma é uma força poderosa e dura enquanto a atmosfera carismática for favorável. Depois de certo
tempo, o carisma tende a se rotinizar, quer dizer, tomar a forma de uma dominação tradicional e ou
burocrática. O profeta funda uma Igreja com toda sua hierarquia funcional, os sacerdotes são eleitos
e são disciplinados a respeitar regras. O líder político, depois de ter cultivado a atenção do povo e
implantado as mudanças prometidas, cumpre rotineiramente os rituais do partido e do Estado, comparece às reuniões e, aos poucos, se transforma na pálida imagem do que era quando mergulhado
naquela atmosfera revolucionária ou de reforma política que todos respiravam. Todos sabem que
Napoleão Bonaparte, resgatando valores tradicionais, tornou-se Imperador da França, com o poder
pessoal de um rei, embora tendo que respeitar uma constituição.
Como vimos, a função do tipo ideal não é retratar com exatidão a realidade, mas fornecer
um quadro aproximado, padrões claros e unívocos para ordenar os dados. Na realidade concreta,
não encontraremos um tipo puro de dominação, mas tipos híbridos, misturados. Elementos de dominação burocrática existiam na Idade Média, mas o conceito de burocracia não é mais fecundo para
conhecer uma unidade feudal (uma baronia) do século XIII, no entanto, presta-se com êxito à análise
do Estado moderno e de uma empresa capitalista moderna. O rei detém, por sua vez, uma grande
dose de carisma. A noção de autoridade tradicional pode ter utilidade para estudar a gestão de uma
empresa moderna; a vida de uma empresa capitalista é afetada por elementos que se distanciam da
racionalidade legal-racional, todavia, pode ser afetada também por elementos de carisma. A autoridade do chefe num escritório pode ter um conteúdo de tradição ou carisma. O chefe atrai a atenção
dos subordinados com seu jeito afetuoso e carismático de lidar com as coisas. Estamos, portanto,
falando de traços, elementos de carisma e tradição num ambiente de dominação burocrática.
Pegue o exemplo do professor. Em tese, o professor é um funcionário de uma universidade
que se organiza racionalmente como uma empresa e presta um serviço educacional. Suas funções e
sua autoridade são estabelecidas por um estatuto geral da universidade, por um currículo aprovado
nos conselhos universitários e ratificado pelo Ministério da Educação e por um plano de trabalho reconhecido como válido pela coordenação do curso, ou seja, sua conduta se baseia em muitas regras
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A IMPORTÂNCIA DA COMUNICAÇÃO A IMPORTÂNCIA DA A
PENSAMENTO SOCIOLÓGICO
TEMA 2
racionalmente estabelecidas. No entanto, as relações entre professor e aluno comportam elementos
de tradição e carisma. Quando o professor fala bem e tem uma boa oratória, é respeitado por um suposto dom é considerado um professor carismático. Muitos outros alunos, no entanto, o respeitarão
por verem nele uma imagem tradicional do papel do educador na sociedade.
REFLITA
Você já se perguntou qual o significado de burocracia? Para o senso comum a
burocracia não é vista como aquele monte de regras e papeladas que estorvam
a vida do cidadão? Todavia a burocracia deve ser compreendida no contexto histórico e político em que ela está inserida. Dificilmente uma sociedade moderna
poderia prescindir de uma organização burocrática, a vida social seria impraticável. Todavia ela pode estar a serviço de uma dominação ilegítima, que oprime as
liberdades individuais. É o caso da burocratização da vida em regimes totalitários. Segundo o Dicionário de Ciências Sociais da FGV, o termo burocracia tem
uma longa história, na qual se registra uma curiosa evolução. Sua origem é o
vocábulo francês bureau, tecido grosso de lã com que antigamente se forravam
mesas. Por extensão, bureau passou a designar a mesa e o lugar onde se juntavam as mesas para o trabalho de administração, pública ou privada, as várias
repartições e os tipos de funções e tarefas que nelas se realizavam. Tendo como
referência o Estado moderno, a burocracia (dominação burocrática, racional-legal) pressupõe um conjunto de funcionários e órgãos estatais que executam
funções públicas de acordo com decisões políticas e regras expressas em lei.
Claude Lefort sintetiza as características fundamentais da burocracia moderna,
na perspectiva de Max Weber: 1) “As atribuições dos funcionários são oficialmente fixadas por força de leis, de normas ou de disposições administrativas; 2)
As funções são hierarquizadas, integradas num sistema de mando de modo que
em todos os níveis as autoridades inferiores são controladas pelas superiores,
sendo possível apelar para uma instância superior a propósito das decisões de
uma instância inferior; 3) A atividade administrativa é registrada em documentos
escritos; 4) As funções supõem um aprendizado profissional; 5) O trabalho do
funcionário exige uma dedicação completa ao cargo ocupado; 6) O acesso à
profissão é, ao mesmo tempo, um acesso a uma tecnologia particular (jurisprudência, ciência comercial, ciência administrativa, etc.)”. (LEFORT, 1993, p. 155).
Não podemos esquecer que a dominação burocrática é um tipo ideal e, portanto,
convive e interage numa mesma sociedade com outras formas de dominação.
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TEMA 2
A IMPORTÂNCIA DA COMUNICAÇÃO A IMPORTÂNCIA DA A
PENSAMENTO SOCIOLÓGICO
Racionalização e desencantamento
Para finalizarmos nossa conversa sobre Max Weber, vamos ler o texto a seguir:
IMPORTANTE
Vamos esclarecer, primeiro, o que significa, praticamente, essa racionalização
intelectualista, criada pela ciência e pela tecnologia orientada cientificamente. Significa que nós, hoje, por exemplo, sentados neste auditório, temos maior
conhecimento das condições de vida em que existimos do que um índio americano? [ou seja, qualquer indivíduo de outra cultura e não familiarizado com
os valores do mundo industrial e moderno] Dificilmente. A menos que seja um
físico, quem anda num trem não tem ideia de como o veículo se movimenta. E
não precisa saber. Basta-lhe poder “contar” com o trem e orientar, consequentemente, nosso comportamento; mas não sabemos como se constrói aquela
máquina que tem condições de deslizar. O selvagem, ao contrário, conhece, de
maneira incomparavelmente melhor, os instrumentos de que se utiliza. Eu seria
capaz de garantir que todos ou quase todos os meus colegas e economistas,
acaso presentes nesta sala, dariam respostas diferentes à pergunta: como explicar que, utilizando a mesma soma de dinheiro, ora se possa adquirir grande
soma de coisas e ora uma quantidade mínima? O selvagem, contudo, sabe perfeitamente como agir para obter o alimento diário e conhece os meios capazes
de favorecê-lo em seu propósito. A crescente intelectualização e racionalização não indicam, portanto, um conhecimento maior e geral das condições
sob as quais vivemos. [A racionalização] significa mais alguma coisa, ou seja,
o conhecimento ou a crença em que, se quiséssemos, poderíamos ter esse
conhecimento a qualquer momento. Significa principalmente, portanto, que não
há forças misteriosas incalculáveis, mas que podemos, em princípio, dominar
todas as coisas pelo cálculo. Isso significa que o mundo foi desencantado.
Já não precisamos recorrer aos meios mágicos para dominar tudo, por meio
da previsão,-ou implorar aos espíritos, como fazia o selvagem, para quem esses poderes misteriosos existiam. Os meios técnicos e os cálculos realizam o
serviço. Isto, acima de tudo, é o que significa a intelectualização (Weber, Max.
Ciência como vocação. In Gerth, H. H. e Mills C. W. Ensaios de Sociologia, Rio
de Janeiro, LTC, 1982, p. 165).
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A IMPORTÂNCIA DA COMUNICAÇÃO A IMPORTÂNCIA DA A
PENSAMENTO SOCIOLÓGICO
TEMA 2
Para compreender o que Weber está falando por racionalização e desencantamento do mundo é preciso abordar algumas de suas ideias em sua obra-prima Ética Protestante e o Espírito do
Capitalismo. Durante a Reforma Protestante, no século XVI, a Europa vivenciou profundas mudanças. Ao confrontar e negar os dogmas da Igreja Católica, como as indulgências (compra do perdão
dos pecados e da salvação) e a autoridade papal, os protestantes desenvolveram uma nova concepção de salvação e de postura perante o mundo. A vida ascética torna-se secular, ou seja, não está
mais trancafiada nos mosteiros católicos, de forma simplesmente contemplativa, mas, abriu-se para
o mundo.
O ascetismo puritano se realiza no mundo real. A riqueza deixa de ser um pecado e a pobreza
perde sua exclusividade como virtude da vida cristã. A salvação não depende só de boas obras, pois
os desígnios de Deus não são totalmente conhecidos. Os fieis não têm mais o amparo da confissão
católica, sua relação agora é direta com Deus através da fé e da leitura da bíblia. Sua ansiedade
aumenta no mesmo grau em que aumentam suas incertezas. O trabalho e a acumulação de riquezas
tornam-se, então, valores estimados, um meio para aumentar a glória de Deus. O gênero humano
foi predestinado, escolhido, desde a criação, para a glória de Cristo. Aos homens de fé cabe ter autoconfiança na eleição de Deus, afugentar as dúvidas de uma intensa atividade profissional. Como
diz Weber, ao invés daquela visão de mundo de Martinho Lutero de humildes pecadores de fé penitente, João Calvino (criador da doutrina da predestinação), criou estes santos autoconfiantes que
impulsionaram a época heroica do capitalismo. O trabalho torna-se uma vocação, e a falta de vontade de trabalhar, uma ausência do estado graça divina. Agindo religiosamente e motivados por uma
ética protestante, os indivíduos favoreceram - involuntariamente, pois essa não era uma intenção
consciente dos reformadores - o desenvolvimento do capitalismo e do moderno homem econômico
racional. Paradoxalmente, uma ética religiosa que desencantou o mundo.
À medida que se foi estendendo a influência da concepção de vida puritana – e isto, naturalmente, é muito mais importante do que o simples
fomento da acumulação de capital – ela favoreceu o desenvolvimento
de uma vida econômica racional e burguesa. Era a sua mais importante e, antes de tudo, a sua única orientação consistente, nisto tendo sido
o berço do moderno homem econômico (Weber, Max. A ética protestante e o espírito do capitalismo. São Paulo: Livraria Pioneira Editora,
1989, p. 125).
Estamos, pois, diante de um conceito fundamental da sociologia weberiana: a racionalização
e sua contraface, o desencantamento do mundo. O mundo moderno – mundo edificado no processo de desenvolvimento do capitalismo, com o desenvolvimento da ciência, da tecnologia e de uma
crescente burocratização de todas as dimensões de nossa existência social – destruiu as crenças
tradicionais e colocou o indivíduo friamente perante a vida. Como diz o sociólogo Anthony Giddens,
os indivíduos estão cada vez mais se pautando por avaliações racionais e instrumentais que levam
em consideração a eficiência e as consequências futuras. Aumentou nossa capacidade de previsão
racional pela ciência e pela técnica e engenhosas máquinas burocráticas. Aquela crença do século
XVIII, dos filósofos iluministas, confiantes de que, com o progresso da ciência e da tecnologia, a
humanidade atingiria a felicidade, para tanto era preciso desencantar tudo e todos dos elementos
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TEMA 2
A IMPORTÂNCIA DA COMUNICAÇÃO A IMPORTÂNCIA DA A
PENSAMENTO SOCIOLÓGICO
religiosos, mágicos ou supersticiosos, acrescentou-lhe, no entanto, um vazio e uma angústia que
caracteriza o mundo moderno.
Enquanto Marx acreditava que a luta de classes era o que caracterizava a época moderna,
Weber apontará para uma direção bem diferente. O capitalismo, não é só um regime econômico, é
uma visão de mundo, uma cultura, dificilmente arrebentada por uma revolução política. Os valores,
a ética econômica capitalista, o estilo de vida e de consumo é parte integrante da maneira de pensar
e agir de todas as classes sociais. O que caracteriza a nossa época é a burocratização crescente de
todas as esferas da vida humana.
Desse modo, involuntariamente, como diz Weber na Ética Protestante, construímos nossa
própria jaula de ferro, talhada com nossas próprias mãos. Como observa o sociólogo Julien Freund,
a racionalização ocidental e capitalista se estendendo pelo conjunto da vida social e cobrindo todas
as nossas relações externas pode subjulgar a nossa alma à burocratização e ao puro utilitarismo
técnico. Da mesma forma, cria um cientificismo, uma crença que a ciência tudo pode e tudo resolve.
O próprio homem é dispensado de sua criatividade como se a tecnologia e os aparelhos burocráticos
fossem poderes autônomos que o homem não pode controlar.
Weber nutria um temor especial em face do socialismo que se desenvolvia na Rússia com a
Revolução de 1917, por colocar a técnica e a burocracia a serviço de uma funcionalização e padronização de toda a vida humana. Seu temor não era menor em relação ao capitalismo, como dissemos
linhas acima. Portanto, procurando avaliar os rumos das mudanças numa perspectiva weberiana,
poderíamos dizer que esse homem racionalizado e desencantado de todos os traços da religião tradicional precisaria ser reencantado ou reanimado por uma ética da responsabilidade equilibrada por
uma ética da convicção, por valores sociais que o façam enfrentar com lucidez e discernimento os
antagonismos e os conflitos que o mundo moderno faz emergir com sua crescente racionalização e
intelectualização.
REFLITA
Quais as consequências de uma ética e de uma visão de mundo (religiosa no
caso) na vida prática das pessoas? Foi indagando sobre isso que Weber chegou
a uma explicação original do surgimento do capitalismo e da emergência de um
novo homem econômico. Na edição brasileira de A ética protestante e o espírito
do capitalismo, encontramos no glossário uma sintética definição de ascese e
puritanismo que reproduzimos em parte: “Em grego, a palavra áskesis quer dizer
“exercício físico”. Ascese, ascetismo ou ascética é o controle austero e disciplinado do próprio corpo por meio da evitação metódica do sono, da comida, da
bebida, da fala, da gratificação sexual e de outros tantos prazeres deste mundo.
Weber distingue dois tipos principais de ascese: a ascese do monge, que se pratica “fora do mundo”, chamada extramundana, e a ascese do protestante purita-
73
A IMPORTÂNCIA DA COMUNICAÇÃO A IMPORTÂNCIA DA A
PENSAMENTO SOCIOLÓGICO
TEMA 2
no [presbiterianos, batistas, quakers, e toda uma gama de igrejas nascidas direta
ou indiretamente do calvinismo] que é intramundana e faz do trabalho diário e
metódico um dever religioso, a melhor forma de cumprir, “no meio do mundo”, a
vontade de Deus. É por isso que, na sociologia de Weber, as formas puritanas de
protestantismo recebem o rótulo de “protestantismo ascético”. O puritanismo foi
um movimento religioso inglês dos séculos XVI e XVII, inicialmente determinado
a tornar o cristianismo na Inglaterra o mais “puro” possível [em relação à pompa
e luxo das cerimônias da Igreja Anglicana], praticado por uma Igreja “purificada”
de todo resíduo papista [católico] e de todo oficialismo estatal, uma Igreja de
doutrina absolutamente “pura” conforme a Sagrada Escritura – daí o nome puritanos” (WEBER, 2004, Glossário). As perseguições religiosas na Inglaterra da
época fizeram crescer o fluxo de protestantes para a Nova Inglaterra, a colônia
inglesa na América do Norte. Embora, na atualidade, diria Weber, o capitalismo
esteja despojado de todos os elementos religiosos, as marcas deste movimento
fundamental permanecem na conduta racional do burguês e de todos aqueles
que respiram a atmosfera de valores capitalistas e respiram dela.
Perspectivas sociológicas: múltiplos pontos de vista sobre a organização social
O estudante pôde perceber, após a sua trajetória de estudos, nas Etapas 1 e 2, que o edifício
da sociologia foi construído a partir de perspectivas teóricas diferentes. Não há uma resposta única
aos problemas sociológicos. Assim, pôde perceber que as perspectivas sociológicas convergem e
divergem, dependendo das perguntas feitas à realidade social. Verificam-se, portanto, quando comparamos Durkheim e Marx, duas perspectivas: a do equilíbrio e a do conflito. Quando consideramos
Weber, surgem outras duas perspectivas: a perspectiva da ação e o interacionismo simbólico.
Equilíbrio e Conflito: As perspectivas sociológicas de Émile Durkheim e Karl Marx influenciaram sociólogos contemporâneos e passaram a ser referidas respectivamente como corrente do
equilíbrio e do conflito. A corrente do equilíbrio confunde-se com a perspectiva teórica conhecida
como funcionalismo. A perspectiva funcionalista da sociedade enfatiza a estabilidade, os fatores
que contribuem para a manutenção da organização social, o consenso moral (possibilitado pela
consciência coletiva e pelas formas de solidariedade social) que mantém a ordem e a estabilidade
social. Essa atitude teórica diante dos fatos sociais frequentemente usa uma analogia orgânica, a
sociedade vista como um organismo vivo. No corpo humano, por exemplo, cada órgão trabalha em
conjunto para a saúde do organismo como um todo. A sociedade, nesse sentido, pode ser vista como
um complexo sistema de órgãos e partes que cooperam entre si para o funcionamento do todo. Já a
perspectiva do conflito, herdeira da concepção materialista e dialética da história de Marx, enfatiza o
conflito de interesses entre as classes, as divisões e desigualdades existentes, uma realidade contraditória em contínua tensão e transformação, a organização social apresenta-se como um sistema
em equilíbrio necessariamente precário. Todavia, se quando estudamos uma dimensão da organi-
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A IMPORTÂNCIA DA COMUNICAÇÃO A IMPORTÂNCIA DA A
PENSAMENTO SOCIOLÓGICO
zação social tendemos a enfatizar mais um aspecto que outro, na sociedade, contudo, consenso e
conflito coexistem, alternam-se e influenciam-se. A existência da organização social depende de um
grau de estabilidade nas relações entre os indivíduos e os grupos. Não podemos, por outro lado,
ignorar que por mais integrado que seja um sistema social, os conflitos fazem parte da dinâmica
social. Embora exista divergência, uns apontando para a dimensão do consenso e outros para a
dimensão dos conflitos, em ambas as perspectivas as estruturas sociais determinam os arranjos da
organização social e influenciam a maneira de agir dos sujeitos. Basta lembrar os conceitos de fatos
sociais e consciência coletiva de Durkheim e os conceitos de relações de produção, infraestrutura e
superestrutura e classes sociais de Marx para compreender como a sociedade, as estruturas sociais
pesam sobre o indivíduo. REFLITA
A sociologia como ciência sustenta uma perspectiva absoluta sobre a realidade
social?
Perspectiva da ação social e interacionismo simbólico: A sociologia compreensiva de
Max Weber influenciou muitos pensadores contemporâneos. Podemos dizer que elementos da perspectiva weberina estão presentes tanto no modelo teórico do funcionalismo como no modelo teórico
do conflito, relativizando essas perspectivas, pelo menos, quando não se adota uma perspectiva
teórica de forma ortodoxa e inflexível. O papel da sociologia, segundo Weber, é abarcar e compreender o significado da ação social e das interações sociais. Enquanto o funcionalismo e a teoria
do conflito dão ênfase às estruturas sociais que determinam as relações sociais, a perspectiva da
ação social concentra sua análise nos agentes individuais, portadores de ações significativas que
modelam, igualmente, a organização social, isto é, são as ações individuais que se orientam por
valores, significados e tipos específicos de racionalidade, de acordo com a configuração cultural e
social, que criam as estruturas sociais e as relações de dominação com conteúdos específicos de
legitimidade. Weber inspirou uma corrente sociológica denominada interacionismo simbólico, que
se tornou influente nos Estados Unidos com G. H. Mead (1863-1931). A ênfase dessa perspectiva é
com a linguagem e os significados. O elemento chave do processo de interação social é o símbolo,
as ações sociais são simbólicas num sentido profundo. Objetos, gestos e formas de comunicação
verbais e não verbais representam simbolicamente um universo complexo de significados que o sociólogo procura interpretar. Todavia, a importância das representações simbólicas não é exclusividade dessa perspectiva, como o estudante já pôde e poderá observar no decorrer do curso (GIDDENS,
2005, p. 34-36 e VILA NOVA, 2012, p. 90-97).
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2.1 - A FASE PRÉ-CIENTÍFICA (DA GRÉCIA ANTIGA ATÉ 1750)
A fase pré-científica engloba três períodos históricos:
Durante a antiguidade, tanto na Grécia, quanto na Roma Antiga não havia um pensamento
econômico estruturado e independente. As discussões econômicas apareciam como coadjuvantes
em meio a temas centrais sobre política, filosofia e moral. Na Idade Média, entre os séculos XI e XIV, ocorre a intensificação do comércio entre as várias
regiões da Europa. Segundo Pinho (2004), com o intuito de moralizar os interesses pessoais, a Igreja
condenou a cobrança de juros e defendeu o preço justo. O Mercantilismo é o conjunto de práticas econômicas implementadas pelos governos absolutistas entre 1450 e 1750 na Europa, com o objetivo de aumentar a riqueza das nações. Para
Vasconcellos e Garcia (2006, p.16), “Apesar de não representar um conjunto técnico homogêneo,
o mercantilismo tinha algumas preocupações explicitas sobre a acumulação de riqueza de uma nação.”.
Segundo os mercantilistas, a riqueza de um país estava associada ao acúmulo de metais preciosos (ouro e prata). Assim, defendiam a manutenção de saldos positivos no comércio (exportações
maiores que as importações) mediante a interferência direta do Estado, estimulando as exportações
e limitando ao máximo as importações.
2.2 - A FASE CIENTÍFICA: FISIOCRACIA (SÉCULO XVIII)
A fisiocracia é a escola do pensamento econômico que surgiu na França no século XVIII. Seu
principal representante é François Quesnay (1694-1774), que publicou o livro Tableau Economique
(Quadro Econômico), em 1758.
Diferentemente dos mercantilistas, a fisiocracia entendia que a terra era a única fonte de
riqueza de uma nação, e a agricultura, o setor mais importante na economia, ou seja, a indústria e o
comércio seriam totalmente dependentes do que a natureza podia oferecer.
Os fisiocratas acreditavam na existência de uma ordem natural suprema. Sendo assim, viam
como desnecessária qualquer espécie de regulamentação por parte do governo.
2.3 - TEORIA CIENTÍFICA: ADAM SMITH (1723-1790)
Adam Smith é considerado o fundador da moderna teoria econômica e o primeiro a elaborar um modelo abstrato completo e relativamente coerente do sistema capitalista (Troster; Mochon,
2003). Sua principal obra é A Riqueza das Nações (1776).
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RECAPITULANDO
Estudamos dois grandes nomes da sociologia. O edifício sociológico como você deve ter
percebido é feito de perspectivas divergentes sobre temas semelhantes ou sobre o mesmo objeto
de estudo. Tanto Durkheim que vimos no tema anterior, como Marx e Weber procuravam explicar
e compreender o moderno mundo que emergiu com o capitalismo industrial. Todos esses autores
dentro de sua inegável grandeza e inteligência forneceram explicações que temos que considerar
em nossas reflexões sobre a vida social. Não é possível ignorar que a sociedade possui aspectos
anomicos no sentido durkheimino, alienantes, no sentido marxista e de racionalidade e irracionalidade no sentido weberiano. As perspectivas teóricas são divergentes, como vimos, Durkheim elabora
uma perspectiva sociológica do equilíbrio e do consenso, dando ênfase aos elementos que tornam a
ordem social coesa. Marx elabora uma perspectiva sociológica do conflito, sendo as contradições e
os antagonismos enfatizados em sua abordagem. Weber, por sua vez, com sua sociologia compreensiva elabora uma perspectiva sociológica da ação social e enfatiza tanto aspectos de estabilidade
da ordem social como os aspectos de conflito, tudo dependendo das interações significativas dos sujeitos que modelam as suas estruturas sociais e não simplesmente são modelados por elas. Adiante
quando avançarmos em nossos estudo procuraremos pontos de convergências. Mais uma vez, o
importante é que a lente sociológica faça parte de sua maneira de ver o mundo o social. Seguir um
autor ou outro de maneira dogmática, isto é, como se tivéssemos adotando uma religião e não um
referencial sociológico é empobrecer a imaginação sociológica.
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