TRIBUNAL DE JUSTIÇA
PODER JUDICIÁRIO
São Paulo
Registro: 2013.0000450244
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos do Apelação nº
0011229-73.2008.8.26.0099, da Comarca de Bragança Paulista, em que são
apelantes PAULO HENRIQUE ALVES DE ALVARENGA, ANISIO TEIXEIRA
DOS SANTOS e RAQUEL COELHO BRITO, é apelado MINISTÉRIO
PÚBLICO DO ESTADO DE SÃO PAULO.
ACORDAM, em 6ª Câmara de Direito Público do Tribunal de
Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: "Rejeitadas as preliminares
(agravos retidos), deram provimento em parte ao apelo de Paulo Henrique
Alves de Alvarenga para o fim exclusivo de reduzir a multa civil para uma vez o
valor do dano, ou seja, R$ 6.310,00, decisão esta extensiva aos correqueridos
Anísio Teixeira Santos e Raquel Coelho de Brito, por aplicação subsidiária do
art. 580 do CPP, em relação aos quais é reduzida a multa civil para R$ R$
4.800,00, mantida no mais a r. Sentença recorrida.v.u.", de conformidade com
o voto do Relator, que integra este acórdão.
O julgamento teve a participação dos Exmo. Desembargadores
SIDNEY ROMANO DOS REIS (Presidente), REINALDO MILUZZI E MARIA
OLÍVIA ALVES.
São Paulo, 5 de agosto de 2013.
SIDNEY ROMANO DOS REIS
RELATOR
Assinatura Eletrônica
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PODER JUDICIÁRIO
TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO
Apelação Cível nº. 0011229-73.2008
Voto n. 18.631
Apelantes: Paulo Henrique Alves de Alvarenga
Apelado: Ministério Público do Estado de São Paulo
Comarca: Bragança Paulista
Magistrado Sentenciante: Elizabeth Kazuko Ashikawa
Apelação Cível Administrativo Ação Civil Pública por Ato
de Improbidade Administrativa proposta pelo Ministério
Público Utilização de maquinas e funcionários de município
para conserto de estrada particular e construção de campo de
futebol Sentença de procedência Recursos pelo Requerido
então prefeito Provimento parcial ao apelo de rigor.
1. Agravo retidos buscando a declaração de nulidades no feito
Rejeição de rigor Primeiramente, não há nulidade por suposta
ausência de apreciação de defesa preliminar na medida em que
sanado o feito De mesmo modo, não prosperam as assertivas
relativas à necessidade de esclarecimentos pelo Perito além
daqueles já oferecidos Inocorrência de cerceamento de defesa
Ao Magistrado é lícito proceder ao julgamento desde logo da
lide sendo suficiente a prova colacionada pelas partes bem
como por envolver matéria essencialmente de direito, sem
necessidade de nova dilação probatória.
2. No Mérito, incontroversos os fatos imputados ao requerido
Utilização de maquinário e funcionários do município em
conserto de estrada particular e em obra de campo de futebol
dentro de sítio Versão exculpatória que não prospera ante a
farta prova dos autos, pericial e testemunhal inclusive Atos de
improbidade administrativa suficientemente configurados.
3. Ilícito evidenciado bem como a conduta do requerido e,
portanto, de rigor a imposição das sanções previstas na Lei de
Improbidade
Multa civil que deve ser reduzida porque
excessiva, reduzindo-a para uma vez o valor do dano As
demais sanções também devem ser mantidas porque
adequadamente motivadas e proporcionais à conduta havida,
observando-se que fixadas em seu mínimo legal no relativo à
suspensão dos direitos políticos e proibição de contratar com o
Poder Público Apelo do requerido parcialmente provido, com
extensão aos correqueridos não apelantes por aplicação
subsidiária do art. 580 do CPP.
5. Ônus de sucumbência adequadamente arbitrados.
Sentença reformada em parte - Apelação provida em parte.
1. Por r. Sentença de fls. 539/545, cujo relatório ora se adota, a
MM. Juíza de Direito da 1ª Vara Cível da Comarca de Bragança Paulista, nos
Apelação n. 0011229-73.2008.8.26.0099
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autos de Ação Civil Pública proposta por Ministério Público do Estado de São
Paulo contra Paulo Henrique Alves de Alvarenga, Anísio Teixeira Santos e
Raquel Coelho de Brito, assim decidiu: “JULGO PROCEDENTE o pedido para o
fim de condenar: 1) o réu Paulo Henrique pela prática de ato de improbidade
previsto no artigo 10, inciso XIII da Lei 8.429/92 às sanções previstas no artigo
12, inciso II da Lei 8.429/92: 1.a) ressarcimento integral do dano, solidariamente
com os demais réus, no valor de R$4.800,00 e, individualmente, no valor de
R$1.510,00, devidamente atualizado desde a propositura da ação e acrescido
de juros de mora de 1% desde a citação; 1.b) perda da função pública que
exerce ou estiver exercendo até o trânsito em julgado da sentença; 1.c)
suspensão dos direitos políticos pelo prazo de cinco anos; 1.d) pagamento de
multa civil de até duas vezes o valor do dano; 1.e) e proibição de contratar
com o Poder Público ou receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios,
direta ou indiretamente, ainda que por intermédio de pessoa jurídica da qual
seja sócio majoritário, pelo prazo de três anos. 2) os réus Anísio e Raquel pela
prática de ato improbidade previsto no artigo 10, inciso XIII da Lei 8.429/92 às
sanções previstas no artigo 12, inciso I da Lei 8.429/92: 2.a) perda do valor
acrescido ilicitamente, solidariamente com o réu Paulo Henrique, no valor de
R$4.800,00, devidamente atualizado desde a propositura da ação e acrescido
de juros de mora de 1% desde a citação; 2.b) perda da função pública que
exerce ou estiver exercendo até o trânsito em julgado da sentença; 2.c)
suspensão dos direitos políticos pelo prazo de oito anos; 2.d) pagamento de
multa civil de até três vezes o valor do acréscimo patrimonial; 2.e) e proibição
de contratar com o Poder Público ou receber benefícios ou incentivos fiscais
ou creditícios, direta ou indiretamente, ainda que por intermédio de pessoa
jurídica da qual seja sócio majoritário, pelo prazo de dez anos. Deverão os réus
arcar com o pagamento das custas e despesas processuais. Deixo de arbitrar
verba honorária por ser o autor o Ministério Público.”
Opostos Embargos de Declaração pelo Ministério Público estes
foram acolhidos em parte “para o fim de constar a condenação dos réus
Anísio e Raquel no artigo 9º, inciso IV da Lei 8.429/92, bem como a multa civil a
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ser paga pelo réu Paulo Henrique, no valor de R$12.620,00, a ser corrigido
desde a data do fato e dos réus Anísio e Raquel no valor de R$14.400,00, a ser
corrigido desde a data do fato. No mais, mantenho a sentença nos exatos
moldes em que foi proferida.” fls. 552/554.
Não conformado apela o requerido Paulo Henrique Alves de
Alvarenga com razões de fls. 557/579.
Em preliminar pugna pelo conhecimento e acolhimento de
Agravos Retidos para o fim de ver declarado o cerceamento de defesa e ao
contraditório. No Mérito, pugna pela improcedência da demanda. Para tanto,
em resumo breve, argumenta que não comprovada a imputação de
cometimento de ato de improbidade administrativa e que sem valor o IC.
Salienta que o local da obra é público e utilizado por diversas pessoas
conforme prova testemunhal não podendo prevalecer a frágil prova pericial.
Assevera também que não houve a intenção de direcionamento a particular
dos serviços e que inexiste prova neste sentido. Aduz também que em relação
à segunda obra havia autorização apenas para reparo do leito carroçável e
que uso diverso era desautorizado e assim que soube, houve ordem para sua
não utilização conforme depoimento de Nelson Martins na Delegacia de
Polícia.
Diz
ainda
que
inexiste
prova
de
sua
participação
direta.
Alternativamente, pugna pela redução ou afastamento das sanções dizendoas excessivas.
Recebido o apelo, com contrarrazões (fls. 585/594), subindo os
autos.
O Parecer da D. e I. Procuradoria de Justiça, fls. 599/604, opina
pelo desprovimento do apelo.
2. Dos Agravos Retidos.
2.1. Agravo Retido de fls. 136/140 que pugna pela decretação de
nulidade do processo porque determinada a citação sem que se apreciasse
a defesa preliminar do requerido.
Não viceja a preliminar na medida em que sanada a pretensa
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nulidade com a retratação havida pela Nobre Magistrada de Primeiro Grau às
fls. 187/188, oportunidade em que apreciou as defesas preliminares ofertadas
e, ao depois, porque não acolhidas, recebeu a petição inicial e determinou a
reabertura de prazo para apresentação de contestação.
2.2. Agravo Retido de fls. 301/302 contra o indeferimento de
manifestação do perito sobre quesitos apresentados o que configuraria
cerceamento de defesa.
Também sem sucesso o requerido apelante na medida em que
efetivamente descabida a nova apresentação de quesitos quando já
esgotado o prazo para tanto inclusive com oferta anterior de Laudo Pericial
com base nos quesitos originais.
Note-se neste ponto, que não se pode falar em cerceamento de
defesa na medida em que, muito embora não permitida a formulação de
novos quesitos, porque preclusos, teve o réu ampla oportunidade de
contrariar as conclusões periciais e assim o fez apresentando elementos que
ao seu ver, debelariam tais conclusões.
Dai por que, não se há falar em ofensa à ampla defesa e ao
contraditório.
2.3. Agravo Retido de fls. 427/432 que se insurge contra o
indeferimento de pedido de intimação do Perito para esclarecimentos em
audiência.
Não
prospera
a
preliminar
de
nulidade
porquanto
o
indeferimento foi adequadamente motivado pela Magistrada “a quo”,
observando-se inclusive que tornou o requerido a insistir na formulação
extemporânea de quesitos.
Convém não olvidar que nosso sistema observa a
persuasão
racional, adotado pelo Código de Processo Civil nos arts. 130 e 131.
Assim sendo, não se pode compelir o magistrado a autorizar a
produção desta ou daquela prova, se por outros meios estiver convencido da
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verdade dos fatos, tendo em vista que o juiz é o destinatário final da prova, a
quem cabe a análise da conveniência e necessidade da sua produção.
Aliás, no caso presente, a pretensão do requerido era a respaldar
sua assertiva de que o local da obra da ponto não era propriedade particular
mas sim via de circulação pública e a oitiva de perito se mostrava
desnecessária ante a prova colacionada pelo requerido neste sentido.
Não se olvide, também, que o Magistrado não está adstrito à
prova pericial.
Impõe-se observar, ainda, que se aplica ao caso o princípio da
“pas de nullité sans grief”, não podendo a parte aduzir em seu favor nulidade
sem que demonstre, de forma efetiva, em que consistiu seu prejuízo.
Confira-se à propósito:
Aplicável o princípio do "pas de nullité sans grief",
pois a nulidade de ato processual exige a respectiva
comprovação de prejuízo. In casu, o servidor teve pleno
conhecimento dos motivos ensejadores da instauração do
processo disciplinar. Houve, também, farta comprovação do
respeito aos princípios constitucionais do devido processo legal,
contraditório e ampla defesa, ocasião em que a indiciada pôde
apresentar defesa escrita e produzir provas. (STJ, RMS 20481 / MT,
RECURSO
ORDINÁRIO EM MANDADO DE SEGURANÇA
2005/0130075-0, Relator(a) Ministro GILSON DIPP (1111), Órgão
Julgador T5 - QUINTA TURMA, Data do Julgamento 17/08/2006).
Assim, porque ausente qualquer cerceamento de defesa, ficam
desde logo desprovidos os agravos retidos interpostos.
3. Do Mérito.
Comporta parcial acolhida o reclamo do requerido Paulo
Henrique Alves de Alvarenga nos termos ao final consignados.
Por primeiro, impõe observar que suficiente a prova dos autos a
confirmar os atos de improbidade administrativa imputados ao requerido
Paulo Henrique.
De um lado, dúvidas inexistem acerca da efetiva realização de
obras de reparo de uma ponte dentro da propriedade rural pertencente à
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família do requerido Paulo Henrique no mês de março de 2006, oportunidade
em que era Prefeito do Município de Tuiuti.
É o que se depreende de farta prova testemunhal, documental e
pericial constante dos autos.
O requerido Paulo Henrique admite inclusive que determinou aos
funcionários da Prefeitura que se dirigissem ao local para que reparassem uma
ponte afetada pelas chuvas.
A única controvérsia que persiste em relação a esta obra diz
respeito à ser a estrada também utilizada por terceiros ou exclusivamente
voltada à propriedade rural Fazenda Cachoeira.
Pese embora o esforço demonstrado pelo requerido Paulo
Henrique em asseverar que a estrada seria de uso coletivo o que, então,
autorizaria a utilização de maquinário da Prefeitura de Tuiuti, tal assertiva não
restou comprovada nos autos.
Aliás, a prova é contundente em sentido contrário.
Neste ponto, afora as constatações do senhor Perito (fls. 242/251
e 279/280), temos a informação da própria Prefeitura (fls. 260/261) de que se
trata de estrada interna à propriedade e de utilização exclusiva desta.
A prova testemunhal não diverge de tais informações e não
logrou o requerido-apelante em demonstrar que efetivamente haveria uso de
terceiros da estrada como se servidão de passagem se tratasse.
O senhor Perito foi claro ao consignar que há apenas utilização
por residentes do local os quais estão vinculados ao requerido por contrato de
aluguel ou arrendamento.
Assim, à evidência, tais pessoas não podem ser equiparadas a
terceiros haja vista a inegável ligação negocial com os familiares do requerido
e que, portanto, são os únicos beneficiários financeiros da estrada.
Não presente, portanto, o interesse público alegado a respaldar
a utilização de bem público (maquinário e funcionários municipais) e, assim,
ofendidos os princípios que norteiam a administração pública, tais como, o da
moralidade, da impessoalidade e legalidade, com prejuízo ao erário.
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De outra parte, também inconteste a realização de obras em
propriedade dos demais requeridos Anísio Teixeira e Raquel Coelho consoante
se depreende do Laudo Pericial já mencionado bem como admitido por
estes, oportunidade em que asseveraram que teriam pago pelos serviços.
Todavia, prova alguma fizeram neste sentido, sendo certo que
houve a efetiva utilização de maquinário da Prefeitura bem como funcionários
municipais, consoante os diversos testemunhos colhidos no curso da instrução
processual, cf. fls. 327/354.
Note-se também que o funcionário Nelson Martins
(fls. 352)
confirma que houve determinação do Prefeito para a realização dos
trabalhos, aliás, os demais requeridos Anísio e Raquel, embora negado o uso
de bens municipais, admitiram que solicitaram do prefeito Paulo Henrique a
realização de trabalhos na estrada próxima da propriedade.
Em sendo assim, não vinga a alegação do requerido Paulo
Henrique de que desconhecia da obra, mormente em se considerando sua
relativa complexidade e que redundou na retenção da máquina e
funcionários por pelo menos duas semanas na propriedade particular para a
terraplenagem.
Neste particular, não se olvide que se trata de município de
pequena dimensão territorial e de simplória estrutura administrativa e cujos
trabalhos e serviços são facilmente controlados pelo chefe do Poder
Executivo.
Inconteste que a realização de obras se deu de forma
deliberada e consciente por parte dos requeridos.
E, mesmo que assim não fosse, convém anotar que a
responsabilização do requerido dar-se-ia por ato comissivo eis que seria
possível taxar de ímproba sua conduta em razão da omissão dolosa que
teriam praticado.
Nesse sentido, oportunas as ponderações doutrinárias:
“No que se refere à omissão dolosa, há que se considerar a
denominada 'obrigação de saber' de que fala Peter Eigen: 'Muitas vezes os
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dirigentes não querem tomar conhecimento das sujeiras a seu redor. O abuso
desse escudo da impunidade levou o sistema judicial americano a evoluir
para a noção da 'obrigação de saber'. O chefe é responsável pela ação de
seus subordinados. Ponto.'. Essa perspectiva fundamental na análise da
responsabilidade por ato de improbidade administrativa de modo a não se
excluir a responsabilidade da autoridade superior por ato de improbidade
administrativa de seus subordinados, em função da mera alegação de
desconhecimento.
Não
se
trata
de
responsabilidade
objetiva,
mas,
diversamente, na cobrança do exercício de um dever-poder de controle
sobre os atos das autoridades inferiores, sob o comando imediato do superior
hierárquico, e que haveria de resultar, como sabido, na retificação e correção
desses atos ilegais e lesivos, com a punição, por iniciativa da autoridade
superior, de seus comandados.” (BERTONCINI. Mateus. Ato de improbidade
administrativa. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2007. P.172)
Assim, resta suficientemente comprovada a utilização de veículo
da Municipalidade bem como funcionários para fins particulares.
De acordo com Francisco Octávio de Almeida Prado1, "A
improbidade pressupõe, sempre, um desvio ético na conduta do agente, a
transgressão consciente de um preceito de observância obrigatória". (grifei)
O artigo 4º da Lei Federal n. 8.429/92 elenca os princípios a serem
observados pelos agentes públicos, independente de sua hierarquia, a saber:
legalidade, impessoalidade, moralidade e publicidade nos assuntos que lhe
são afetos.
A utilização de máquinas da prefeitura para finalidades
particulares infringe o princípio da impessoalidade, este entendido como a
“realização de atos sem conotação especial à pessoa do agente, ou aos
interesses particulares, de modo a se evidenciar total objetividade e
neutralidade na atividade administrativa”2. Já o princípio da moralidade,
“coloca-se como meta principal o bem público, não se dirigindo a
1
Improbidade Administrativa. São Paulo: Malheiros Editores, 2001. p.37.
Cf. Arnaldo Rizzardo. Ação Civil Pública e Ação de Improbidade Administrativa.Rio de Janeiro: GZ
Editora, 2009. p. 442.
2
Apelação n. 0011229-73.2008.8.26.0099
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administração à satisfação de interesses particulares”3 encontra-se igualmente
ferido pelos atos do apelado.
Convém, neste caso, colacionar o ensinamento do Ilustre
Professor e Promotor de Justiça, Mateus Bertoncini4:
“É um exagero imaginar que qualquer ilegalidade
possa ser causa de improbidade administrativa, conforme se
induz de uma interpretação gramatical da linguagem prescritiva
do caput do artigo 11. A ilegalidade por si só não é causa de ato
de improbidade administrativa. O que é causa de ato dessa
natureza
é
a
ilegalidade
que
viola
a
honestidade,
a
imparcialidade e a lealdade às instituições. A ilegalidade que é
causa de ato de improbidade é a decorrente de desvio de
finalidade e de incompetência, conforme o inc, I do art. 11”.
(grifei)
Anote-se, também, que a improbidade administrativa não se
circunscreve
apenas a eventuais prejuízos sofridos pelo erário ou
enriquecimento ilícito do agente público.
No caso em tela, está a se discutir também o respeito aos mais
elementares princípios norteadores da Administração Pública, esta em sua
mais ampla acepção.
Conforme o escólio da insigne administrativista Irene Patrícia
Nohara5:
“Os atos de improbidade que atentam contra os
princípios da administração pública compreendem a ação ou
omissão que ferem os deveres de honestidade, imparcialidade,
legalidade e lealdade às instituições (...)
3
Idem, p. 444.
“Ato de Improbidade Administrativa 15 Anos da Lei 8.429/1992”. São Paulo: Editora Revista dos
Tribunais, 2007. p.168.
5 Direito Administrativo. São Paulo: Editora Atlas, 2011. pp. 845-846.
4
Apelação n. 0011229-73.2008.8.26.0099
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Dispõe o art. 21 da lei que a aplicação das sanções
previstas independe:
I
de efetiva ocorrência de dano ao patrimônio
público, salvo quanto à pena de ressarcimento; e
II
da aprovação ou rejeição das contas pelo
órgão de controle interno ou pelo Tribunal ou Conselho de
Contas” (grifou-se)
O ilustre professor José Afonso da Silva6, sobre o princípio da
probidade administrativa, pontifica:
“A probidade administrativa é uma forma de moralidade
administrativa
que
mereceu
consideração
especial
pela
Constituição, que pune o ímprobo com a suspensão dos direitos
políticos (art. 37, § 4º). A probidade administrativa consiste no
dever de o 'funcionário servir à Administração com honestidade,
procedendo no exercício de suas funções, sem aproveitar os
poderes ou facilidades delas decorrentes em proveito pessoal ou
de outrem a quem queira favorecer'. (...)
Outra idéia que sai do texto é que a suspensão dos
direitos políticos por improbidade administrativa pode ser
aplicada independente de um processo criminal. É o que se
extrai da parte final, segundo a qual todas as sanções indicadas
antes
o
são
sem
prejuízo
da
ação
penal.
Vale
dizer,
independentemente dessa ação”. (grifou-se)
Deste modo, as condutas imputados ao requerido-apelante se
enquadram perfeitamente nas hipóteses do artigo 10, inciso XIII, e artigo 12,
II, ambos da Lei Federal nº 8.429/92.
Confira-se, à propósito, r. julgado em caso análogo ao presente:
6
Curso de Direito Constitucional Positivo. 9ª Edição. São Paulo: Malheiros Editores, 1992. pp. 571-572.
Apelação n. 0011229-73.2008.8.26.0099
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AÇÃO CIVIL PÚBLICA POR ATO DE IMPROBIDADE
ADMINISTRATIVA Prefeito Municipal que se utilizou em proveito
próprio e de sua filha, corré na ação, de trator esteira de
propriedade do Município e do trabalho de servidor público
Realização de obras em propriedade arrendada pelo então
Prefeito em nome de sua filha - Elemento subjetivo demonstrado Ato ímprobo configurado (art. 9º, IV, da Lei 8.492/92) Adoção dos
princípios da razoabilidade e da proporcionalidade para
redução das sanções com relação à corré - Sentença de
precedência
Recurso
provido
em
parte.
(0002092-02.2007.8.26.0326, Apelação, Relator(a): Reinaldo
Miluzzi, Comarca: Lucélia, Órgão julgador: 6ª Câmara de Direito
Público, Data do julgamento: 22/04/2013).
Bem delineados e configurados os atos de improbidade, resta
então, apenas, a dosimetria das sanções a serem impostas ao requerido.
Por primeiro, saliente-se que as penalidades a serem impostas
pelo Magistrado devem ser condizentes com a conduta do administrador (ou
terceiro) ímprobo, ou seja, de acordo com o grau de ilegalidade/lesividade
do ato.
A propósito do tema, ensina Francisco Octavio de Almeida
Prado:
“Cabe lembrar, no entanto, que toda disciplina punitiva
subordina-se ao princípio da proporcionalidade em sentido amplo, que
contém a razoabilidade e que impõe equivalência entre agressão e
repressão, que restaria definitivamente comprometida com a obrigatoriedade
de imposição da totalidade de uma extensa relação de penalidades a fatos
substancialmente diferentes no que concerne ao comprometimento dos bens
tutelados pelo Direito. O princípio da proporcionalidade em sentido amplo,
envolvendo a conformidade ou adequação (razoabilidade), a exigibilidade
ou necessidade (seleção do meio menos oneroso) e a proporcionalidade em
sentido estrito (meio proporcionado ao fim), impõe-se como diretriz para a
dosagem
das
penalidades
e seleção daquelas que se apresentem
compatíveis com a efetiva gravidade das infrações.
Apelação n. 0011229-73.2008.8.26.0099
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Assim, o Judiciário, atento aos ditames desse princípio, deverá
considerar cada caso concreto em face dele, podendo perfeitamente deixar
de aplicar uma ou mais sanções dentre as previstas no art. 12 da Lei 8.429, de
1992.” (grifos atuais) (“Improbidade Administrativa”, Francisco Octavio de
Almeida Prado , Editora Malheiros, p. 153).
Neste sentido:
AÇAO
CIVIL
PUBLICA
IMPROBIDADE
ADMINISTRATIVA. 1. Servidor Público que valendo-se do cargo
solicitava vantagem indevida para a prática de atos
relacionados com o exercício de suas funções como Escrevente
Técnico Judiciário - Improbidade configurada - Inobservância
dos princípios da Administração Pública (Art. 11, caput, da Lei n°
8.429/92). 2. Prova Emprestada - Aproveitamento das provas
produzidas no Procedimento Administrativo Disciplinar e Inquérito
Policial - Admissibilidade - Cerceamento de defesa não
caracterizado -Precedentes. 3. Redução da multa civil Necessidade de observância dos princípios da razoabilidade e
proporcionalidade.
Recurso
parcialmente
provido.
(0000235-55.2009.8.26.0097,
Apelação,
Relator(a):
Cristina
Cotrofe, Comarca: Buritama, Órgão julgador: 8ª Câmara de
Direito Público, Data do julgamento: 14/03/2012).
No caso dos autos, embora reprováveis as condutas ímprobas,
reputo excessiva a multa civil imposta na medida em que também aplicadas
as demais sanções preconizadas na lei.
Assim, de rigor a redução da multa para uma vez o valor do
dano, valor este suficiente a servir de coerção e prevenção a novas condutas,
até porque, como dito, aliada às demais sanções, sobretudo a perda dos
direitos políticos e a proibição de contratar com o Poder Público.
Esta redução é extensiva aos demais requeridos não apelantes
porquanto inconteste a natureza punitiva da sanção com aplicação
subsidiária do art. 580 do Código de Processo Penal.
Ônus
de
sucumbência
mantidos
porque
inalterada
a
procedência da demanda mas apenas reduzida uma das sanções.
4. Ante todo o exposto, pelo meu voto, rejeitadas as preliminares
Apelação n. 0011229-73.2008.8.26.0099
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(agravos retidos), dou provimento em parte ao apelo de Paulo Henrique Alves
de Alvarenga para o fim exclusivo de reduzir a multa civil para uma vez o valor
do dano, ou seja, R$ 6.310,00, decisão esta extensiva aos correqueridos Anísio
Teixeira Santos e Raquel Coelho de Brito, por aplicação subsidiária do art. 580
do CPP, em relação aos quais é reduzida a multa civil para R$ R$ 4.800,00,
mantida no mais a r. Sentença recorrida.
Sidney Romano dos Reis
Relator
Apelação n. 0011229-73.2008.8.26.0099
Download

Apelação nº 0011229-73.2008.8.26.0099