TRIBUNAL DE JUSTIÇA PODER JUDICIÁRIO São Paulo Registro: 2013.0000450244 ACÓRDÃO Vistos, relatados e discutidos estes autos do Apelação nº 0011229-73.2008.8.26.0099, da Comarca de Bragança Paulista, em que são apelantes PAULO HENRIQUE ALVES DE ALVARENGA, ANISIO TEIXEIRA DOS SANTOS e RAQUEL COELHO BRITO, é apelado MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SÃO PAULO. ACORDAM, em 6ª Câmara de Direito Público do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: "Rejeitadas as preliminares (agravos retidos), deram provimento em parte ao apelo de Paulo Henrique Alves de Alvarenga para o fim exclusivo de reduzir a multa civil para uma vez o valor do dano, ou seja, R$ 6.310,00, decisão esta extensiva aos correqueridos Anísio Teixeira Santos e Raquel Coelho de Brito, por aplicação subsidiária do art. 580 do CPP, em relação aos quais é reduzida a multa civil para R$ R$ 4.800,00, mantida no mais a r. Sentença recorrida.v.u.", de conformidade com o voto do Relator, que integra este acórdão. O julgamento teve a participação dos Exmo. Desembargadores SIDNEY ROMANO DOS REIS (Presidente), REINALDO MILUZZI E MARIA OLÍVIA ALVES. São Paulo, 5 de agosto de 2013. SIDNEY ROMANO DOS REIS RELATOR Assinatura Eletrônica 2 PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO Apelação Cível nº. 0011229-73.2008 Voto n. 18.631 Apelantes: Paulo Henrique Alves de Alvarenga Apelado: Ministério Público do Estado de São Paulo Comarca: Bragança Paulista Magistrado Sentenciante: Elizabeth Kazuko Ashikawa Apelação Cível Administrativo Ação Civil Pública por Ato de Improbidade Administrativa proposta pelo Ministério Público Utilização de maquinas e funcionários de município para conserto de estrada particular e construção de campo de futebol Sentença de procedência Recursos pelo Requerido então prefeito Provimento parcial ao apelo de rigor. 1. Agravo retidos buscando a declaração de nulidades no feito Rejeição de rigor Primeiramente, não há nulidade por suposta ausência de apreciação de defesa preliminar na medida em que sanado o feito De mesmo modo, não prosperam as assertivas relativas à necessidade de esclarecimentos pelo Perito além daqueles já oferecidos Inocorrência de cerceamento de defesa Ao Magistrado é lícito proceder ao julgamento desde logo da lide sendo suficiente a prova colacionada pelas partes bem como por envolver matéria essencialmente de direito, sem necessidade de nova dilação probatória. 2. No Mérito, incontroversos os fatos imputados ao requerido Utilização de maquinário e funcionários do município em conserto de estrada particular e em obra de campo de futebol dentro de sítio Versão exculpatória que não prospera ante a farta prova dos autos, pericial e testemunhal inclusive Atos de improbidade administrativa suficientemente configurados. 3. Ilícito evidenciado bem como a conduta do requerido e, portanto, de rigor a imposição das sanções previstas na Lei de Improbidade Multa civil que deve ser reduzida porque excessiva, reduzindo-a para uma vez o valor do dano As demais sanções também devem ser mantidas porque adequadamente motivadas e proporcionais à conduta havida, observando-se que fixadas em seu mínimo legal no relativo à suspensão dos direitos políticos e proibição de contratar com o Poder Público Apelo do requerido parcialmente provido, com extensão aos correqueridos não apelantes por aplicação subsidiária do art. 580 do CPP. 5. Ônus de sucumbência adequadamente arbitrados. Sentença reformada em parte - Apelação provida em parte. 1. Por r. Sentença de fls. 539/545, cujo relatório ora se adota, a MM. Juíza de Direito da 1ª Vara Cível da Comarca de Bragança Paulista, nos Apelação n. 0011229-73.2008.8.26.0099 3 PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO autos de Ação Civil Pública proposta por Ministério Público do Estado de São Paulo contra Paulo Henrique Alves de Alvarenga, Anísio Teixeira Santos e Raquel Coelho de Brito, assim decidiu: “JULGO PROCEDENTE o pedido para o fim de condenar: 1) o réu Paulo Henrique pela prática de ato de improbidade previsto no artigo 10, inciso XIII da Lei 8.429/92 às sanções previstas no artigo 12, inciso II da Lei 8.429/92: 1.a) ressarcimento integral do dano, solidariamente com os demais réus, no valor de R$4.800,00 e, individualmente, no valor de R$1.510,00, devidamente atualizado desde a propositura da ação e acrescido de juros de mora de 1% desde a citação; 1.b) perda da função pública que exerce ou estiver exercendo até o trânsito em julgado da sentença; 1.c) suspensão dos direitos políticos pelo prazo de cinco anos; 1.d) pagamento de multa civil de até duas vezes o valor do dano; 1.e) e proibição de contratar com o Poder Público ou receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios, direta ou indiretamente, ainda que por intermédio de pessoa jurídica da qual seja sócio majoritário, pelo prazo de três anos. 2) os réus Anísio e Raquel pela prática de ato improbidade previsto no artigo 10, inciso XIII da Lei 8.429/92 às sanções previstas no artigo 12, inciso I da Lei 8.429/92: 2.a) perda do valor acrescido ilicitamente, solidariamente com o réu Paulo Henrique, no valor de R$4.800,00, devidamente atualizado desde a propositura da ação e acrescido de juros de mora de 1% desde a citação; 2.b) perda da função pública que exerce ou estiver exercendo até o trânsito em julgado da sentença; 2.c) suspensão dos direitos políticos pelo prazo de oito anos; 2.d) pagamento de multa civil de até três vezes o valor do acréscimo patrimonial; 2.e) e proibição de contratar com o Poder Público ou receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios, direta ou indiretamente, ainda que por intermédio de pessoa jurídica da qual seja sócio majoritário, pelo prazo de dez anos. Deverão os réus arcar com o pagamento das custas e despesas processuais. Deixo de arbitrar verba honorária por ser o autor o Ministério Público.” Opostos Embargos de Declaração pelo Ministério Público estes foram acolhidos em parte “para o fim de constar a condenação dos réus Anísio e Raquel no artigo 9º, inciso IV da Lei 8.429/92, bem como a multa civil a Apelação n. 0011229-73.2008.8.26.0099 4 PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO ser paga pelo réu Paulo Henrique, no valor de R$12.620,00, a ser corrigido desde a data do fato e dos réus Anísio e Raquel no valor de R$14.400,00, a ser corrigido desde a data do fato. No mais, mantenho a sentença nos exatos moldes em que foi proferida.” fls. 552/554. Não conformado apela o requerido Paulo Henrique Alves de Alvarenga com razões de fls. 557/579. Em preliminar pugna pelo conhecimento e acolhimento de Agravos Retidos para o fim de ver declarado o cerceamento de defesa e ao contraditório. No Mérito, pugna pela improcedência da demanda. Para tanto, em resumo breve, argumenta que não comprovada a imputação de cometimento de ato de improbidade administrativa e que sem valor o IC. Salienta que o local da obra é público e utilizado por diversas pessoas conforme prova testemunhal não podendo prevalecer a frágil prova pericial. Assevera também que não houve a intenção de direcionamento a particular dos serviços e que inexiste prova neste sentido. Aduz também que em relação à segunda obra havia autorização apenas para reparo do leito carroçável e que uso diverso era desautorizado e assim que soube, houve ordem para sua não utilização conforme depoimento de Nelson Martins na Delegacia de Polícia. Diz ainda que inexiste prova de sua participação direta. Alternativamente, pugna pela redução ou afastamento das sanções dizendoas excessivas. Recebido o apelo, com contrarrazões (fls. 585/594), subindo os autos. O Parecer da D. e I. Procuradoria de Justiça, fls. 599/604, opina pelo desprovimento do apelo. 2. Dos Agravos Retidos. 2.1. Agravo Retido de fls. 136/140 que pugna pela decretação de nulidade do processo porque determinada a citação sem que se apreciasse a defesa preliminar do requerido. Não viceja a preliminar na medida em que sanada a pretensa Apelação n. 0011229-73.2008.8.26.0099 5 PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO nulidade com a retratação havida pela Nobre Magistrada de Primeiro Grau às fls. 187/188, oportunidade em que apreciou as defesas preliminares ofertadas e, ao depois, porque não acolhidas, recebeu a petição inicial e determinou a reabertura de prazo para apresentação de contestação. 2.2. Agravo Retido de fls. 301/302 contra o indeferimento de manifestação do perito sobre quesitos apresentados o que configuraria cerceamento de defesa. Também sem sucesso o requerido apelante na medida em que efetivamente descabida a nova apresentação de quesitos quando já esgotado o prazo para tanto inclusive com oferta anterior de Laudo Pericial com base nos quesitos originais. Note-se neste ponto, que não se pode falar em cerceamento de defesa na medida em que, muito embora não permitida a formulação de novos quesitos, porque preclusos, teve o réu ampla oportunidade de contrariar as conclusões periciais e assim o fez apresentando elementos que ao seu ver, debelariam tais conclusões. Dai por que, não se há falar em ofensa à ampla defesa e ao contraditório. 2.3. Agravo Retido de fls. 427/432 que se insurge contra o indeferimento de pedido de intimação do Perito para esclarecimentos em audiência. Não prospera a preliminar de nulidade porquanto o indeferimento foi adequadamente motivado pela Magistrada “a quo”, observando-se inclusive que tornou o requerido a insistir na formulação extemporânea de quesitos. Convém não olvidar que nosso sistema observa a persuasão racional, adotado pelo Código de Processo Civil nos arts. 130 e 131. Assim sendo, não se pode compelir o magistrado a autorizar a produção desta ou daquela prova, se por outros meios estiver convencido da Apelação n. 0011229-73.2008.8.26.0099 6 PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO verdade dos fatos, tendo em vista que o juiz é o destinatário final da prova, a quem cabe a análise da conveniência e necessidade da sua produção. Aliás, no caso presente, a pretensão do requerido era a respaldar sua assertiva de que o local da obra da ponto não era propriedade particular mas sim via de circulação pública e a oitiva de perito se mostrava desnecessária ante a prova colacionada pelo requerido neste sentido. Não se olvide, também, que o Magistrado não está adstrito à prova pericial. Impõe-se observar, ainda, que se aplica ao caso o princípio da “pas de nullité sans grief”, não podendo a parte aduzir em seu favor nulidade sem que demonstre, de forma efetiva, em que consistiu seu prejuízo. Confira-se à propósito: Aplicável o princípio do "pas de nullité sans grief", pois a nulidade de ato processual exige a respectiva comprovação de prejuízo. In casu, o servidor teve pleno conhecimento dos motivos ensejadores da instauração do processo disciplinar. Houve, também, farta comprovação do respeito aos princípios constitucionais do devido processo legal, contraditório e ampla defesa, ocasião em que a indiciada pôde apresentar defesa escrita e produzir provas. (STJ, RMS 20481 / MT, RECURSO ORDINÁRIO EM MANDADO DE SEGURANÇA 2005/0130075-0, Relator(a) Ministro GILSON DIPP (1111), Órgão Julgador T5 - QUINTA TURMA, Data do Julgamento 17/08/2006). Assim, porque ausente qualquer cerceamento de defesa, ficam desde logo desprovidos os agravos retidos interpostos. 3. Do Mérito. Comporta parcial acolhida o reclamo do requerido Paulo Henrique Alves de Alvarenga nos termos ao final consignados. Por primeiro, impõe observar que suficiente a prova dos autos a confirmar os atos de improbidade administrativa imputados ao requerido Paulo Henrique. De um lado, dúvidas inexistem acerca da efetiva realização de obras de reparo de uma ponte dentro da propriedade rural pertencente à Apelação n. 0011229-73.2008.8.26.0099 7 PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO família do requerido Paulo Henrique no mês de março de 2006, oportunidade em que era Prefeito do Município de Tuiuti. É o que se depreende de farta prova testemunhal, documental e pericial constante dos autos. O requerido Paulo Henrique admite inclusive que determinou aos funcionários da Prefeitura que se dirigissem ao local para que reparassem uma ponte afetada pelas chuvas. A única controvérsia que persiste em relação a esta obra diz respeito à ser a estrada também utilizada por terceiros ou exclusivamente voltada à propriedade rural Fazenda Cachoeira. Pese embora o esforço demonstrado pelo requerido Paulo Henrique em asseverar que a estrada seria de uso coletivo o que, então, autorizaria a utilização de maquinário da Prefeitura de Tuiuti, tal assertiva não restou comprovada nos autos. Aliás, a prova é contundente em sentido contrário. Neste ponto, afora as constatações do senhor Perito (fls. 242/251 e 279/280), temos a informação da própria Prefeitura (fls. 260/261) de que se trata de estrada interna à propriedade e de utilização exclusiva desta. A prova testemunhal não diverge de tais informações e não logrou o requerido-apelante em demonstrar que efetivamente haveria uso de terceiros da estrada como se servidão de passagem se tratasse. O senhor Perito foi claro ao consignar que há apenas utilização por residentes do local os quais estão vinculados ao requerido por contrato de aluguel ou arrendamento. Assim, à evidência, tais pessoas não podem ser equiparadas a terceiros haja vista a inegável ligação negocial com os familiares do requerido e que, portanto, são os únicos beneficiários financeiros da estrada. Não presente, portanto, o interesse público alegado a respaldar a utilização de bem público (maquinário e funcionários municipais) e, assim, ofendidos os princípios que norteiam a administração pública, tais como, o da moralidade, da impessoalidade e legalidade, com prejuízo ao erário. Apelação n. 0011229-73.2008.8.26.0099 8 PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO De outra parte, também inconteste a realização de obras em propriedade dos demais requeridos Anísio Teixeira e Raquel Coelho consoante se depreende do Laudo Pericial já mencionado bem como admitido por estes, oportunidade em que asseveraram que teriam pago pelos serviços. Todavia, prova alguma fizeram neste sentido, sendo certo que houve a efetiva utilização de maquinário da Prefeitura bem como funcionários municipais, consoante os diversos testemunhos colhidos no curso da instrução processual, cf. fls. 327/354. Note-se também que o funcionário Nelson Martins (fls. 352) confirma que houve determinação do Prefeito para a realização dos trabalhos, aliás, os demais requeridos Anísio e Raquel, embora negado o uso de bens municipais, admitiram que solicitaram do prefeito Paulo Henrique a realização de trabalhos na estrada próxima da propriedade. Em sendo assim, não vinga a alegação do requerido Paulo Henrique de que desconhecia da obra, mormente em se considerando sua relativa complexidade e que redundou na retenção da máquina e funcionários por pelo menos duas semanas na propriedade particular para a terraplenagem. Neste particular, não se olvide que se trata de município de pequena dimensão territorial e de simplória estrutura administrativa e cujos trabalhos e serviços são facilmente controlados pelo chefe do Poder Executivo. Inconteste que a realização de obras se deu de forma deliberada e consciente por parte dos requeridos. E, mesmo que assim não fosse, convém anotar que a responsabilização do requerido dar-se-ia por ato comissivo eis que seria possível taxar de ímproba sua conduta em razão da omissão dolosa que teriam praticado. Nesse sentido, oportunas as ponderações doutrinárias: “No que se refere à omissão dolosa, há que se considerar a denominada 'obrigação de saber' de que fala Peter Eigen: 'Muitas vezes os Apelação n. 0011229-73.2008.8.26.0099 9 PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO dirigentes não querem tomar conhecimento das sujeiras a seu redor. O abuso desse escudo da impunidade levou o sistema judicial americano a evoluir para a noção da 'obrigação de saber'. O chefe é responsável pela ação de seus subordinados. Ponto.'. Essa perspectiva fundamental na análise da responsabilidade por ato de improbidade administrativa de modo a não se excluir a responsabilidade da autoridade superior por ato de improbidade administrativa de seus subordinados, em função da mera alegação de desconhecimento. Não se trata de responsabilidade objetiva, mas, diversamente, na cobrança do exercício de um dever-poder de controle sobre os atos das autoridades inferiores, sob o comando imediato do superior hierárquico, e que haveria de resultar, como sabido, na retificação e correção desses atos ilegais e lesivos, com a punição, por iniciativa da autoridade superior, de seus comandados.” (BERTONCINI. Mateus. Ato de improbidade administrativa. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2007. P.172) Assim, resta suficientemente comprovada a utilização de veículo da Municipalidade bem como funcionários para fins particulares. De acordo com Francisco Octávio de Almeida Prado1, "A improbidade pressupõe, sempre, um desvio ético na conduta do agente, a transgressão consciente de um preceito de observância obrigatória". (grifei) O artigo 4º da Lei Federal n. 8.429/92 elenca os princípios a serem observados pelos agentes públicos, independente de sua hierarquia, a saber: legalidade, impessoalidade, moralidade e publicidade nos assuntos que lhe são afetos. A utilização de máquinas da prefeitura para finalidades particulares infringe o princípio da impessoalidade, este entendido como a “realização de atos sem conotação especial à pessoa do agente, ou aos interesses particulares, de modo a se evidenciar total objetividade e neutralidade na atividade administrativa”2. Já o princípio da moralidade, “coloca-se como meta principal o bem público, não se dirigindo a 1 Improbidade Administrativa. São Paulo: Malheiros Editores, 2001. p.37. Cf. Arnaldo Rizzardo. Ação Civil Pública e Ação de Improbidade Administrativa.Rio de Janeiro: GZ Editora, 2009. p. 442. 2 Apelação n. 0011229-73.2008.8.26.0099 10 PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO administração à satisfação de interesses particulares”3 encontra-se igualmente ferido pelos atos do apelado. Convém, neste caso, colacionar o ensinamento do Ilustre Professor e Promotor de Justiça, Mateus Bertoncini4: “É um exagero imaginar que qualquer ilegalidade possa ser causa de improbidade administrativa, conforme se induz de uma interpretação gramatical da linguagem prescritiva do caput do artigo 11. A ilegalidade por si só não é causa de ato de improbidade administrativa. O que é causa de ato dessa natureza é a ilegalidade que viola a honestidade, a imparcialidade e a lealdade às instituições. A ilegalidade que é causa de ato de improbidade é a decorrente de desvio de finalidade e de incompetência, conforme o inc, I do art. 11”. (grifei) Anote-se, também, que a improbidade administrativa não se circunscreve apenas a eventuais prejuízos sofridos pelo erário ou enriquecimento ilícito do agente público. No caso em tela, está a se discutir também o respeito aos mais elementares princípios norteadores da Administração Pública, esta em sua mais ampla acepção. Conforme o escólio da insigne administrativista Irene Patrícia Nohara5: “Os atos de improbidade que atentam contra os princípios da administração pública compreendem a ação ou omissão que ferem os deveres de honestidade, imparcialidade, legalidade e lealdade às instituições (...) 3 Idem, p. 444. “Ato de Improbidade Administrativa 15 Anos da Lei 8.429/1992”. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2007. p.168. 5 Direito Administrativo. São Paulo: Editora Atlas, 2011. pp. 845-846. 4 Apelação n. 0011229-73.2008.8.26.0099 11 PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO Dispõe o art. 21 da lei que a aplicação das sanções previstas independe: I de efetiva ocorrência de dano ao patrimônio público, salvo quanto à pena de ressarcimento; e II da aprovação ou rejeição das contas pelo órgão de controle interno ou pelo Tribunal ou Conselho de Contas” (grifou-se) O ilustre professor José Afonso da Silva6, sobre o princípio da probidade administrativa, pontifica: “A probidade administrativa é uma forma de moralidade administrativa que mereceu consideração especial pela Constituição, que pune o ímprobo com a suspensão dos direitos políticos (art. 37, § 4º). A probidade administrativa consiste no dever de o 'funcionário servir à Administração com honestidade, procedendo no exercício de suas funções, sem aproveitar os poderes ou facilidades delas decorrentes em proveito pessoal ou de outrem a quem queira favorecer'. (...) Outra idéia que sai do texto é que a suspensão dos direitos políticos por improbidade administrativa pode ser aplicada independente de um processo criminal. É o que se extrai da parte final, segundo a qual todas as sanções indicadas antes o são sem prejuízo da ação penal. Vale dizer, independentemente dessa ação”. (grifou-se) Deste modo, as condutas imputados ao requerido-apelante se enquadram perfeitamente nas hipóteses do artigo 10, inciso XIII, e artigo 12, II, ambos da Lei Federal nº 8.429/92. Confira-se, à propósito, r. julgado em caso análogo ao presente: 6 Curso de Direito Constitucional Positivo. 9ª Edição. São Paulo: Malheiros Editores, 1992. pp. 571-572. Apelação n. 0011229-73.2008.8.26.0099 12 PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO AÇÃO CIVIL PÚBLICA POR ATO DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA Prefeito Municipal que se utilizou em proveito próprio e de sua filha, corré na ação, de trator esteira de propriedade do Município e do trabalho de servidor público Realização de obras em propriedade arrendada pelo então Prefeito em nome de sua filha - Elemento subjetivo demonstrado Ato ímprobo configurado (art. 9º, IV, da Lei 8.492/92) Adoção dos princípios da razoabilidade e da proporcionalidade para redução das sanções com relação à corré - Sentença de precedência Recurso provido em parte. (0002092-02.2007.8.26.0326, Apelação, Relator(a): Reinaldo Miluzzi, Comarca: Lucélia, Órgão julgador: 6ª Câmara de Direito Público, Data do julgamento: 22/04/2013). Bem delineados e configurados os atos de improbidade, resta então, apenas, a dosimetria das sanções a serem impostas ao requerido. Por primeiro, saliente-se que as penalidades a serem impostas pelo Magistrado devem ser condizentes com a conduta do administrador (ou terceiro) ímprobo, ou seja, de acordo com o grau de ilegalidade/lesividade do ato. A propósito do tema, ensina Francisco Octavio de Almeida Prado: “Cabe lembrar, no entanto, que toda disciplina punitiva subordina-se ao princípio da proporcionalidade em sentido amplo, que contém a razoabilidade e que impõe equivalência entre agressão e repressão, que restaria definitivamente comprometida com a obrigatoriedade de imposição da totalidade de uma extensa relação de penalidades a fatos substancialmente diferentes no que concerne ao comprometimento dos bens tutelados pelo Direito. O princípio da proporcionalidade em sentido amplo, envolvendo a conformidade ou adequação (razoabilidade), a exigibilidade ou necessidade (seleção do meio menos oneroso) e a proporcionalidade em sentido estrito (meio proporcionado ao fim), impõe-se como diretriz para a dosagem das penalidades e seleção daquelas que se apresentem compatíveis com a efetiva gravidade das infrações. Apelação n. 0011229-73.2008.8.26.0099 13 PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO Assim, o Judiciário, atento aos ditames desse princípio, deverá considerar cada caso concreto em face dele, podendo perfeitamente deixar de aplicar uma ou mais sanções dentre as previstas no art. 12 da Lei 8.429, de 1992.” (grifos atuais) (“Improbidade Administrativa”, Francisco Octavio de Almeida Prado , Editora Malheiros, p. 153). Neste sentido: AÇAO CIVIL PUBLICA IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. 1. Servidor Público que valendo-se do cargo solicitava vantagem indevida para a prática de atos relacionados com o exercício de suas funções como Escrevente Técnico Judiciário - Improbidade configurada - Inobservância dos princípios da Administração Pública (Art. 11, caput, da Lei n° 8.429/92). 2. Prova Emprestada - Aproveitamento das provas produzidas no Procedimento Administrativo Disciplinar e Inquérito Policial - Admissibilidade - Cerceamento de defesa não caracterizado -Precedentes. 3. Redução da multa civil Necessidade de observância dos princípios da razoabilidade e proporcionalidade. Recurso parcialmente provido. (0000235-55.2009.8.26.0097, Apelação, Relator(a): Cristina Cotrofe, Comarca: Buritama, Órgão julgador: 8ª Câmara de Direito Público, Data do julgamento: 14/03/2012). No caso dos autos, embora reprováveis as condutas ímprobas, reputo excessiva a multa civil imposta na medida em que também aplicadas as demais sanções preconizadas na lei. Assim, de rigor a redução da multa para uma vez o valor do dano, valor este suficiente a servir de coerção e prevenção a novas condutas, até porque, como dito, aliada às demais sanções, sobretudo a perda dos direitos políticos e a proibição de contratar com o Poder Público. Esta redução é extensiva aos demais requeridos não apelantes porquanto inconteste a natureza punitiva da sanção com aplicação subsidiária do art. 580 do Código de Processo Penal. Ônus de sucumbência mantidos porque inalterada a procedência da demanda mas apenas reduzida uma das sanções. 4. Ante todo o exposto, pelo meu voto, rejeitadas as preliminares Apelação n. 0011229-73.2008.8.26.0099 14 PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO (agravos retidos), dou provimento em parte ao apelo de Paulo Henrique Alves de Alvarenga para o fim exclusivo de reduzir a multa civil para uma vez o valor do dano, ou seja, R$ 6.310,00, decisão esta extensiva aos correqueridos Anísio Teixeira Santos e Raquel Coelho de Brito, por aplicação subsidiária do art. 580 do CPP, em relação aos quais é reduzida a multa civil para R$ R$ 4.800,00, mantida no mais a r. Sentença recorrida. Sidney Romano dos Reis Relator Apelação n. 0011229-73.2008.8.26.0099