DIONÍSIO:
UM BON VIVANT ENTRE OS DEUSES
ANDRÉ DIAS
Ao longo dos anos, a mitologia clássica tem influenciado o imaginário e a cultura
popular moderna. Apesar de milenar, os mitos gregos continuam vivos nos dias
atuais e, notoriamente, podemos nos deparar com grandes mitos em filmes,
desenhos, artes, peças, entre outros tipos de mídia que tentam levar ao nosso
imaginário
um
pouco
das
crenças
e
cultura
desses
povos.
Para conhecermos um pouco mais sobre os deuses e os mitos que os envolvem,
será apresentado um dos mais complexos Deuses da mitologia grega: Dionísio, um
Bon Vivant1 entre os Deuses.
Dentre todos os deuses da mitologia grega, Dionísio pode ser considerado o mais
próximo dos mortais (BOLTON, 2004, p. 194), uma vez que este viveu entre os
mortais durante anos, antes de, finalmente, ocupar seu espaço no rol entre as doze
divindades do Monte Olimpo2.
São muitas as histórias relacionadas ao seu nascimento. Como outras divindades, o
nascimento de Dionísio é cheio de mistérios. A história mais popular é de que seria
filho de Zeus3 com uma mortal, Sêmele, que aparece, inclusive, quando se trata do
nascimento de Baco4 (FRANCHINI, 2007, p. 45)
Um dos mitos mais conhecidos é que Zeus teria seduzido Sêmele na forma humana,
o que não era de costume, conforme veremos abaixo.
A fim de enganar Hera. O deus geralmente tomava formas diferentes para
1
Bon Vivant: Termo oriundo do idioma francês que em português significa “boa vida”
Monte Olimpo: Na mitologia grega, o Monte Olimpo é a morada dos Doze Deuses do Olimpo, os
principais deuses do panteão grego. Os gregos pensavam nisto como uma mansão de cristais que
estes deuses habitavam.
3
Zeus é o pai, o rei dos deuses e dos homens; reina no Olimpo.
4
Baco é o nome recebido ao deus Dionísio na adaptação feita pelos romanos.
2
visitar suas amantes humanas. Transformou-se em chuva de ouro para seus
encontros com Dânae, filha do rei de Argos [...]. O deus mantinha casos
amorosos tantos com homens quanto com mulheres. Quando Zeus se
apaixonou por Ganimedes, o belo filho de um rei lendário de Tróia
transformou-se numa águia e levou o jovem para o Monte Olimpo para se
tornar criado dos deuses (HALLAM, 2002, pp. 22 e 24).
O romance entre o deus e a mortal teria gerado o deus Dionísio. Durante a gestação
do futuro deus, Hera5, enciumada, teria se disfarçado como sua ama-seca,
convencendo a jovem de que o pai estava mentindo. Desta forma, Sêmele pediu
como prova de estar gerando um filho de Zeus, que este lhe concedesse um pedido.
Completamente enamorado pela bela jovem mortal, Zeus disse que poderia pedir o
que quisesse. Quando, inocentemente, Sêmele pediu para ver o senhor do Olimpo
em sua forma original, Zeus não teve alternativa senão apresentar-se em todo seu
esplendor. No entanto, a verdadeira aparência de uma divindade era algo forte
demais para um simples mortal suportar, com isso, Sêmele foi consumida por
chamas diante da visão do verdadeiro pai dos deuses.
Hermes foi ao socorro do pai, salvando a criança de um destino fatal. O bebê foi
extraído do ventre da mãe e alojado na coxa de Zeus. Foram dados pontos no
ferimento e, após três meses, nascia Dionísio.
Em outra versão sobre o nascimento de Dionísio, Zeus também aparece como pai,
mas dessa vez Perséfone é a mãe. Como já vimos anteriormente, era um hábito
comum do todo poderoso do Olimpo transformar-se em um animal para se acasalar
com uma mulher ou homem de sua escolha. Com Perséfone, Zeus escolheu a cobra
como forma, e, dessa união, uma criança com uma coroa de cobras e chifres teria
nascido, recebendo o nome de Zagreus.
Também como já vimos anteriormente, Hera descobriu esse ato adúltero de Zeus e,
imediatamente, começou sua perseguição ao filho ilegítimo. Tendo a criança em seu
poder, Hera o deixou a mercê dos Titãs 6. Sem perder tempo, os Titãs cortaram a
pobre criança em pedaços, cozinharam-na e a devoraram-na, com exceção do
5
Hera irmã e esposa de Zeus, deusa dos deuses, que rege o casamento.
Na mitologia grega, os Titãs – masculino – e Titânides – feminino - (em grego Τιτάν, plural Τιτᾶνες)
estão entre a série de deuses que enfrentaram Zeus e os deuses olímpicos na sua ascensão ao
poder.
6
coração, que foi recuperado por Atena 7 e entregue a Zeus. Nessa versão, Sêmele
aparece como aquela que recebe o coração das mãos de Zeus e, ao comê-lo,
engravidou. Quando a criança nasceu pela segunda vez, recebeu o nome de
Dionísio.
7
Atena deusa da sabedoria nasceu da cabeça de Zeus.
4
Não importando a versão como Dionísio nasceu, em ambas, a furiosa Hera estava
disposta a vingar-se. Sabendo das intenções da esposa, Zeus tomou algumas
precauções para proteger o filho, deixando a cargo do casal Ino (irmã de Sêmele) e
Atamas (rei da Tessália), a custódia da criança.
Durante algum tempo, os pais adotivos vestiram o menino com roupas de meninas,
o que foi logo descoberto. Como castigo ao casal, Hera fez com que ambos
ficassem loucos e depois matassem seus próprios filhos.
Zeus, habilmente, conseguiu iludi-la e salvar mais uma vez seu filho, transformandoo em cabrito, ordenando para que Hermes o levasse até Ninfas, na região do Monte
Nysa. Dests vez, a investida de Zeus funcionou e Dionísio cresceu seguro e feliz.
Contudo, Hera nunca esquecia o adultério do marido e, voltando a sua forma
normal, Dionísio foi encontrado e levado à loucura.
Durante sua loucura, Dionísio vagou por longos anos pela Terra. Um dia, suas
andanças o levaram até Frigia, onde foi recebido por Cibele, a deusa da terra.
Dionísio foi iniciado no culto religioso e curado de sua loucura, ficando com Cibele
para aprender seus rituais e práticas e criando, assim, seu próprio culto religioso.
Ao contrário de outros Deuses, que eram cultuados de longe, Dionísio não só era
reverenciado, como se juntava com os mortais que o homenageavam. Dionísio tinha
seus próprios ritos e seus rituais eram marcados por festivais caracterizados por
uma festa após outra. Dionísio adorava pessoas, além de dançar e beber vinho.
Diferentemente dos deuses do Olimpo, que tinham templos onde eram cultuados,
gostava de vagar pela terra e ter seus ritos celebrados em bosques.
Como Dionísio era o deus do vinho, seus seguidores eram conhecidos por cultuar
essa bebida. Acreditava-se que o vinho tinha o poder de causar “relaxamento e os
êxtases” (BOLTON, 2004, p. 190), necessários para integração nos cultos juntos
com Dionísio. Contudo, o excesso no consumo da bebida tinha como consequência
um estado de loucura e frenesi dos participantes.
5
Quando consumiam grande quantidade de vinho, os seguidores chegavam a um
estado de êxtase tal, que afirmavam poder sentir o poder dos deuses. Alguns
afirmavam que o êxtase religioso era aguçado pelo êxtase sexual. Bem, em noites
de tantos delírios, tudo era possível (BOLTON, 2004, pp. 190, 191).
Nem todos acreditavam e cultuavam o deus do vinho e do êxtase. Muitos até
suspeitavam que a divindade fosse falsa, o que despertava a ira daquele bon vivant.
Apesar de festivo e alegre, Dionísio era de um temperamento vulcânico e possuía
bastante criatividade no que diz respeito aos seus castigos. Estes eram,
normalmente, brutais e cruéis. Um de seus castigos favoritos era a loucura, talvez
por ele próprio ter vivenciado o poder da loucura.
Certa vez, durante uma viagem, acompanhado por suas Mênades, 8 quis o deus
fazer uma parada em Trácia. Ali foi perseguido pelo rei Licurgo, que tentou prendêlo, mas Dionísio conseguiu escapar. Entretanto, muitos de seus seguidores
acabaram sendo capturados. Indignado pelos maustratos, o deus voltou e puniu o
rei, deixando louco o rei da Trácia. Assim, sem Licurgo representar perigo, os
simpatizantes de Dionísio foram soltos.
Por mais de uma vez o deus do vinho e do êxtase se viu perseguido, em outra
ocasião, Dionísio, ao levar seu trabalho missionário até Tebas (onde foi muito bem
aceito pelas mulheres), subiu ao Monte Cithaeron e logo se iniciaram os ritos
frenéticos. No entanto, o rei de Tebas não reconhecia a autoridade da divindade e,
como consequência, mandou capturá-lo e prendê-lo em um calabouço. Logicamente
sua prisão não durou muito e, libertando-se, conseguiu convencer o rei de Tebas,
Penteus, a ver um espetáculo sem igual, uma espécie de orgia onde só participavam
mulheres.
Disfarçando-se o rei de mulher, como havia aconselhado Dionísio, subiu o rei ao
Monte Cithaeron, onde aconteciam os rituais, e se escondeu atrás de uma árvore
onde não teve toda a excitação que lhe fora prometido (BOLTON, 2004, p. 192).
8
Mênades – Mulheres em uma espécie de transe, estas ajudavam a incitar as pessoas para os
festivais de cidade em cidade.
6
As mulheres que ali estavam, perceberam sua presença e, em estado de
alucinação, acharam que o rei fosse um leão da montanha. Dentre elas estava à
própria mãe de Penteus, que, juntamente com as demais, foi ao seu encontro e o
esquartejou ali mesmo. Satisfeito, Dionísio vingou-se, assim, do infiel.
Apesar de suas atrocidades com seus desafetos, deve-se destacar que Dionísio
costumava ser bem generoso com seus preferidos. Como um Deus que era,
também era responsável por grandes atos de benevolência. Aqueles que recebiam o
deus de braços abertos em seus lares e em suas vidas, eram altamente
recompensados, pois seu lado bom era tão intenso quanto sua crueldade. Por
vezes, fazendo o bem, olhando a quem, Dionísio presenteava seus seguidores com
vinho ou com a arte de cultivar a uva e obter dela o vinho. Deve-se ressaltar, no
entanto, que um de seus presentes mais conhecidos foi dado ao rei de Frigia, Midas
(o toque de Midas).
Apesar de seu presente favorito ser o vinho, uma vez ou outra o deus permitia que o
felizardo escolhesse o que gostaria de ganhar. O mesmo aconteceu com o rei
Midas, que, em certa ocasião, ao se deparar diante de Sileno como prisioneiro e
reconhecê-lo como amigo e tutor de Dionísio, ordenou imediatamente sua libertação.
Durante dez dias e dez noites, Midas manteve Sileno entretido, indo além dos limites
da hospitalidade, levando depois o hóspede escoltado até a presença de Dionísio.
Não se contendo de felicidade com o retorno do amigo, Dionísio fez uma visita ao rei
Midas, deixando a sua escolha o presente que iria ofertar. Ambicioso e sem perder
tempo, Midas disse-lhe que gostaria de transformar em ouro tudo que por ele fosse
tocado. Dionísio tentou alertar o rei, porém concedeu o pedido. De inicio, pode
parecer uma ótima ideia e o rei aproveitou o quanto pode seu novo poder: tudo que
via e em que tocava, surpreendia-se a cada transformação.
Mais tarde, cansado por tanta excitação, o rei decidiu repousar e se alimentar. No
entanto, tudo em que tocava via se transformar em ouro, até mesmo a bebida se
solidificava em metal, antes de tocar os lábios do rei.
7
Desesperado, Midas entendeu a extensão de seu pedido e concluiu que morreria se
uma medida não fosse tomada. Chamando Dionísio, o rei implorou para que o
“presente” fosse embora. Dionísio afirmou que não possuía tal poder, mas
aconselhou ao rei lavar-se nas águas do rio Pactolo. Seguindo o conselho, Midas
conseguiu livrar-se da maldição. Desde então, as areias do rio ficaram repletas de
pó de ouro.
A despeito do amor de Dionísio pela terra e seus habitantes, o deus ocupou seu
espaço no rol das doze divindades do Monte Olimpo e como última tarefa antes de
deixar o planeta, quis o deus reaver sua mãe.
Deve-se lembrar que Sêmele, mãe de Dionísio, morreu antes de dar a luz, deixando
o deus com a fixação de querer encontrá-la. O encontro tornava-se praticamente
impossível, pois sua mãe encontrava-se no mundo inferior. Firmemente decidido
encontrá-la, consultou um guia que lhe disse que deveria usar a entrada do lago
Alcyonian, um caminho muito mais rápido que pela terra. Em troca, o guia pediu a
Dionísio favores sexuais, mas o deus, em sua pressa, nada fez, mas prometeu-lhe o
que quisesse depois de seu retorno.
Chegando ao seu destino, teve o deus de barganhar com o deus Hades 9 para
recuperar sua mãe. Acabou dando para Hades umas de suas plantas preferidas: a
murta. Uma vez trazendo-a de volta à vida, Dionísio levou-a consigo até a morada
dos deuses, no Monte Olimpo, e lá lhe proporcionou uma vida de luxo e riquezas.
Após reconciliar-se com Hera, Dionísio teve um final feliz, ocupando seu lugar como
um dos deuses do Olimpo.
Conclusão
A mitologia grega, embora ampla e complexa, é um modo bastante divertido e
inusitado de aprender mais sobre a história, a cultura e as crenças desses povos,
que se desenvolveram por muitos séculos.
9
Hades é o deus do submundo e das riquezas dos mortos.
8
Notam-se as características dessas divindades tão “humanas” (e que deus seria
mais humano que Dionísio?), suas origens e lendas surgidas como histórias
mágicas e alegóricas, vindas dos antigos e, de certa forma, inventadas, para na falta
de uma ciência, ter algumas das respostas que os circundavam.
REFERÊNCIAS
GUIMARÃES, Ruth. DICIONARIO DA MITOLOGIA GREGA. 1° edição. São Paulo:
Cultrix, 1999.
BOLTON, Lesley. O LIVRO COMPLETO DA MITOLOGIA CLASSICA, Deuses,
Deusas, Heróis e Monstros gregos e romanos de Ares a Zeus. 1° Edição. São Paulo:
Madras Editora, 2004.
FRANCHINI, A. S. AS 100 MELHORES HISTÓRIAS DA MITOLOGIA: Deuses,
Heróis, Monstros e Guerras da tradição greco-romanas. 9 ed. Porto Alegre: L&PM,
2007.DETIENNE, Marcel.
A INVENÇÃO DA MITOLOGIA. Tradução André Telles, Gilza Martins Saldanha da
Gama; Revisão Junito Brandão, Roberto Lacerda. 2 ed. Rio de Janeiro: Editora UnB,
1998.
HALLAM, Elizabeth. O LIVRO DOS DEUSES E DEUSAS. Tradução Vânia de
Castro. São Paulo: Ediouro, 2002.
BRANDÃO, Junito de Souza. MITOLOGIA GREGA. 11 ed. Petrópolis: Editora
Vozes, 2000.
9
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