UNIVERSIDADE DE BRASÍLIA
FACULDADE DE EDUCAÇÃO
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO
ÁREA DE CONFLUÊNCIA: TECNOLOGIAS NA EDUCAÇÃO
AMÍLCAR CABRAL E PAULO FREIRE NA
ERA DA TECNOLOGIA DIGITAL
Lino Vaz Moniz
Brasília – DF
Maio de 2004
AMÍLCAR CABRAL E PAULO FREIRE NA
ERA DA TECNOLOGIA DIGITAL
Dissertação de mestrado apresentada à
Faculdade
de
Educação
da
Universidade de Brasília como parte
das exigências para obtenção do título
de mestre em educação, na área de
confluência: Tecnologias na Educação,
sob a orientação da Professora Doutora
Raquel de Almeida Moraes.
Brasília – DF
Maio de 2004
BANCA EXAMINADORA
________________________________________________
Dra. Raquel de Almeida Moraes (FE/UnB)
(orientadora)
___________________________________________________
Dr. Marco Aurélio de Carvalho (IE-CIC-UnB)
(examinador externo)
_________________________________________________
Dr. Renato Hilário dos Reis (FE/UnB)
(membro da banca)
_________________________________________________
Dr. Cláudio Julio Tognolli (ECA/USP e UniFIAM/FAAM)
(suplente)
Agradecimentos
Bom, monsinhos N krê agradesi nhos tudo ki dxudan fazi kel trabadxu li ki é
simbulu de nha luta, mison ki nha herói Amílcar Cabral dexa pa nôs tudo.
N kre agradeci mama Ita ku papa Mário. Bem, sés nome kompleto é Elmina Vaz
Batalha e Mário Pereira Moniz. És parin, és amam. Também N tem ki lembra de tudo nhas
mano. Principalmente kês mas grande ki trabadxa e dxuda mama ku papa krian. N krê
lembra de nha armun Paulino, nha gêmio ki nu teve ki separa kanto N bem pa Brasil studa.
També N kre dá um abraso forte pa família Cassaro ki akolhem li na Brasil komo
um fidxu. Ta bai um beijo grande pa tudo família Cassaro através de mamãe Lurdez.
Quanto a pusores N da um destaque especial pa nha orientadora Raquel de
Almeida Moraes ki tempo tudo, nu trabadxa dxunto de forma dialógico e demokrático. N
debi agradeci pursora Laura Maria Coutinho ku pursor Renato Hilário ki kontan stória de
nha herói. História ki pursor Estevão ka termina de kontan. Sés dxuda foi fundamental na
nha projeto de pesquisa.
N tem ki dá distaqui també a cumunidade africano ki ta studa na UnB ki de serto
forma dxudan reflete. Principalmente nhas konterraneos.
N tem ki dá destaque a tudo alguém ki ta fazi parte de nha kirculo de relaciomento
principalemente Cacilda Correia ki nu tive envolvimento afetivo durante txeu tempo.
Tembém Beja Flor, mas konxedo pa Juliana Aires, um grande amiga ki incluive divide si
mama e si papa ku mi. També N tem ki papia de Rita de Cássia ki dxudan txeu na
inspirason. Ultimamente é dxudan txeu não só na companheirismo mas també na produson
de idéias.
Um abraso forte pa tudo mocinhos de UnB Virtual undi N fazi stágio. Um destaque
especial pa pursora Ângela Correia Dias ki foi diretora de UnB Virtual e também
Emiliano ki kordena equipa ki N trabadxaba.
Bem, també um abraso especial pa tudo mocinhos ki N ka fla li mas ki dxudan txeu
SUMÁRIO
RESUMO............................................................................................................................... 7
INTRODUÇÃO: UM PROJETO DE VIDA.................................................................. 17
CAPÍTULO I - AMÍLCAR CABRAL.............................................................................. 21
1.1 - INTRODUÇÃO.................................................................................................................21
1.2 HISTÓRIA DE VIDA......................................................................................................... 22
1.3 CENÁRIO INTERNACIONAL................................................................................................ 31
1.4 - ARMA DA TEORIA......................................................................................................... 37
1.5 – CONSIDERAÇÕES FINAIS..................................................................................................45
CAP II - PAULO FREIRE................................................................................................. 47
2.1 – INTRODUÇÃO............................................................................................................... 47
2.2 - HISTÓRIA DE VIDA ....................................................................................................... 48
2.3 - CENÁRIO INTERNACIONAL............................................................................................... 55
2.4 - PEDAGOGIA DA LIBERTAÇÃO........................................................................................... 60
2.5 – CONSIDERAÇÕES FINAIS..................................................................................................70
CAP III - A NOVA GERAÇÃO AMÍLCAR CABRAL E A TECNOLOGIA DIGITAL
...............................................................................................................................................72
3.1 - INTRODUÇÃO.................................................................................................................72
3.2 - HISTÓRIA DA TECNOLOGIA COMO INSTRUMENTO DE DOMINAÇÃO......................................... 73
3.3 - O CENÁRIO INTERNACIONAL ........................................................................................... 78
3.4 - PEDAGOGIA DA LIBERTAÇÃO E A TECNOLOGIA DIGITAL...................................................... 84
3.4.1 - Comunicação Dialógica....................................................................................85
3.4.2 - Potencialidade interativa da tecnologia digital................................................ 88
3.4.3 - Mediação pedagógica via tecnologia digital ................................................... 95
3.5 - CONSIDERAÇÕES FINAIS.................................................................................................. 97
CAP IV - DIALOGISMO FREIRIANO NA UNB VIRTUAL....................................... 99
4.1 – INTRODUÇÃO ............................................................................................................... 99
4.2 - EDUCAÇÃO A DISTÂNCIA NA UNIVERSIDADE DE BRASÍLIA................................................. 101
4.3 - PLATAFORMA DA UNB VIRTUAL................................................................................... 103
4.3.1- Página...............................................................................................................105
4.3.2 – Agenda............................................................................................................ 107
4.3.3 – Avisos.............................................................................................................. 108
4.3.4 - Avaliação ........................................................................................................108
4.3.5 - Participantes do curso.....................................................................................110
4.3.6 - Perfil................................................................................................................ 111
4.3.7 - Sala de Bate Papo .......................................................................................... 112
4.3.8 - Correio Eletrônico...........................................................................................114
4.3.9 - Lista de Discussão ..........................................................................................115
4.3.10 - Fórum .......................................................................................................... 116
4.3.11 – Colaborativo................................................................................................. 117
4.3.12 – Trabalho........................................................................................................119
4.3.13 – Link............................................................................................................... 120
4.3.14 - Módulo Administrativo. ...............................................................................121
4.4 - QUADRO DE PESQUISA................................................................................................. 122
4.5 - CRITÉRIOS METODOLÓGICOS DE ANÁLISE DE DADOS ........................................................ 128
4.6 - ANÁLISE DOS DADOS ................................................................................................... 132
4.6.1 - Componentes Administrativos e Comunicativos da Plataforma.................... 133
4.6.2 - Vantagens do Ambiente Virtual ......................................................................141
4.6.3 - Sugestões para melhorar a Plataforma...........................................................144
4.7 – CONSIDERAÇÕES FINAIS ..............................................................................................148
CONCLUSÃO .................................................................................................................. 150
BIBLIOGRAFIA...............................................................................................................153
ANEXO.............................................................................................................................. 156
QUESTIONÁRIO DE AVALIAÇÃO DA PLATAFORMA DA UNB VIRTUAL .......................................... 157
QUESTIONÁRIO DE AVALIAÇÃO DA DISCIPLINA.........................................................................161
Resumo
Amílcar Cabral lutou contra o colonialismo em Cabo Verde e Guiné Bissau, na
África. Esboçou um conjunto de estratégias que visam conquistar uma verdadeira
independência e não uma independência fictícia. Todas as estratégias foram pensadas
dentro da esfera cultural. A principal arma de sua luta foi a dimensão pedagógica. Esta
serviu para restituir a identidade do assimilado, aquele que sofre repressão cultural do
invasor. Amílcar Cabral morreu e a dominação colonial ganhou uma nova cara, o
neocolonialismo. Uma dominação indireta cuja opressão é invisível ao olho nu. A
tecnologia digital se tornou uma engrenagem poderosa nessa nova fase colonial. Sendo
assim, é necessário repensar a estratégias de luta de Amílcar Cabral.
Neste ângulo,
propõe-se usar a mesma tecnologia a serviço da libertação como um instrumento de
mediação pedagógica. A dimensão pedagógica é pensada dentro da proposta de Paulo
Freire. Através do estudo de caso da Plataforma da UnB Virtual, é examinada a
possibilidade do ambiente virtual de ensino e aprendizagem ser um espaço de mediação de
uma prática educativa com base no dialogismo de Paulo Freire. A razão desse estudo
consiste em auxiliar a geração de Amílcar Cabral a repensar as estratégias de luta no novo
cenário, a era da informação.
Palavras-chave: Amílcar Cabral, arma da teoria, colonialismo, neocolonialismo, luta pela
independência em Cabo Verde e Guiné Bissau, pedagogia da libertação, Paulo Freire,
dialogismo, tecnologia digital, Plataforma da UnB Virtual, ensino on-line, ambiente virtual
de ensino e aprendizagem.
Abstract
Amílcar Cabral fought against colonialism in Cabo Verde and Guiné Bissau, in
Africa. He displayed a series of strategies that aimed at conquering a real independence and
not a fictitious one. All these strategies were designed within the cultural area. The main
arm used in his struggle was the pedagogic dimension. That was useful due to the way in
which it recovered the identity of the assimilated, the one who suffers cultural repression
from the invaders. Amílcar Cabral died and the colonial domination acquired a new image,
the neocolonialism. An indirect domination whose oppression is invisible to the public eye.
The digital technology turned into a powerful wheel spinning within the new colonial era.
Being so, it is necessary to reconsider Amílcar Cabral’s struggle strategies. Under this
angle, we suggest the use of the same technology at the service of liberation as a means to
pedagogic mediation. The pedagogic dimension is thought of as within Paulo Freire’s
views. Through the UnB Virtual Platform case study, we examine the possibility in which
the teaching and learning virtual atmosphere could be a mediation space for an educational
practice based on Paulo Freire’s dialogism. The purpose of this study consists on
supporting Amílcar Cabral’s generation to reconsider the struggle strategies in the recent
scene, the information era.
Key words: Amilcar Cabral, Theory arm, colonialism, neocolonialism, independence
struggle in Cabo Verde and Guinea Bissau, liberation pedagogy, dialogism, Paulo Freire,
digital technology, UnB Virtual Platform, on-line education, virtual atmosphere for
teaching and learning.
UMA HISTÓRIA DE VIDA
Pessoas, num primeiro momento compartilho com vocês a história da minha vida.
Deste modo, vocês terão maiores elementos de análise para compreender porque escolhi
Amílcar Cabral e Paulo Freire no novo contexto tecnológico para a minha pesquisa de
mestrado na Faculdade de Educação da Universidade de Brasília.
Para começar essa história compartilho com vocês um artigo da minha autoria, na
qual descrevo como foi o meu primeiro contacto com Amílcar Cabral.
AMÍLCAR CABRAL É O MEU HERÓI
Em 1983, no meu primeiro ano escolar em São Jorge dos Órgãos, o professor Estevão me falou de
um homem chamado Amílcar Cabral. Me falou que ele é o herói do povo e é o melhor filho da pátria. O
professor falava com uma voz tremula de paixão e carregada de alegria. Apesar de falar para a turma, eu
encarava a mensagem como que se fosse um diálogo confidencial ou uma revelação. As palavras enfiavam
na minha alma a ponto de eu me sentir arrepiado endeusando Amílcar Cabral. Ele falava muita coisa. Falou
do nascimento e morte de Cabral, da fundação do PAIGC, da luta armada, dos colonizadores como inimigos
do povo e da luta e sonho de Cabral.
Estas mensagens ficaram tão cravadas na minha mente e perpetuadas na minha alma que ainda
hoje, 19 anos depois, lembro com precisão alguns poemas que ele ensinava para a turma tais como:
Amílcar Cabral
É herói do povo
Nasceu na Guiné
Estudou em Cabo Verde
Com mais camaradas
Fundou PAIGC
Seu nome é Cabral
Todo mundo conhece
Pense nele com mais amor
Porque ele bem merece
Bandera strela negra
Bandera strela negra
Ta subi riba la na céu
Ta gorgoleta na bento
Xintil na bu petu
É forsa de mocindade
Ki ta labanta...
Em 1984, passei para a segunda classe do Ensino Básico Elementar. Não tive a sorte de continuar
com o professor Estevão uma vez que a minha família mudou para capital, a cidade da Praia. De segunda a
quarta classe, não lembro de nenhum professor ter falado sobre Cabral. Em 1988, iniciei o primeiro ano do
Ensino Básico Complementar no Ciclo Preparatório da Calabaceira. Até terminar o segundo ano não
recordo de alguém ter mencionado sobre o herói, o Amílcar Cabral. Em 1989 iniciei o primeiro ano do
Curso Geral no Liceu Domingos Ramos. Estudei neste estabelecimento até sétimo ano (segundo ano do
Ensino Complementar). Também não lembro de ninguém ter mencionado sobre Cabral, mas lembro que
aprendi muito sobre a cantiga de amigo e de amor da literatura portuguesa e quase nada sobre morna,
coladeira e funaná, os que constituem o meu cotidiano. Em 1994 estudei Ano Zero na Escola Grande e pela
primeira vez aprendi um pouco sobre a história da África com a professora Dina Dupret. Mas sobre Amílcar
Cabral nada. Em 1996 iniciei o curso de Ciência Política na Universidade de Brasília. Também Cabral não
foi referido. Em junho deste ano iniciei o mestrado em Educação na mesma universidade. Aí alguém me
falou de um cientista e pedagogo chamado Amílcar Cabral.
Foi na aula de Mídia e Educação com a professora Laura Maria Coutinho. Foi numa segunda feira,
dia calmo coberto pelo sol, no laboratório de tecnologia da Faculdade de Educação. Ao iniciar a aula, a
professora falou que o tema da discussão era linguagem e manifestação cultural e logo frisou que teria como
suporte teórico o cientista Amílcar Cabral. Assim que ouvi esse nome, fiquei arrepiado, lembrei do professor
Estevão. A emoção tomou conta de mim. Eu não tinha dúvida que a professora Laura estava falando do meu
herói, o que o professor Estevão me tinha revelado. A confiança foi tanta que quando a professora
perguntou quem conhecia Cabral, visivelmente emocionado, eu quebrei o silêncio da turma e disse: ele é o
meu conterrâneo, é o meu herói. Logo a professora pediu que eu fosse para frente da turma dar uma aula
sobre Cabral. Aproveitei o momento para tirar o que estava cravado na minha memória e perpetuada na
minha alma, tudo que aprendi com o professor Estevão na minha infância, no primeiro ano escolar há 19
anos. Na frente da turma, recitei o poema que aprendi com Estevão, falei do nascimento e da morte de
Cabral, da fundação de PAIGC e da luta armada. Também falei sobre o pensamento marxista de Cabral
para o continente africano, o que aprendi com um conterrâneo e veterano do curso Ciência Política, Jorge
Matias Amado Dias (Djoy).
A turma ficou emocionada não só pela minha mensagem sobre Cabral mas também pelo amor e
compromisso que estavam visíveis na minha fala sobre aquele homem, Amílcar Cabral, o herói do povo
cabo-verdiano e guineense. No final da aula, ficou claro para a turma que Cabral não é apenas um herói
mas também, como colocou a professora Laura, é mestre do educador Paulo Freire, é um pensador marxista
e pedagogo revolucionário.
Hoje, como estudante de mestrado na Universidade de Brasília, retomo a reflexão histórica que
começou na minha infância, no primeiro ano escolar com o professor Estevão e que o sistema de ensino
escondeu. Retomo como um missionário e discípulo de Cabral para dar continuidade à causa que ele tanto
dedicou, deu a vida e derramou seu sangue. Esta causa é a independência e o progresso do nosso povo. Este
teve origem num processo de genocídio a serviço dos colonizadores portugueses que durante 513 anos
escravizaram, exploraram e maltrataram os nossos pais que foram retirados dos seus domicílios em diversas
localidades do continente africano e humilhados perante a humanidade como raça inferior.
O progresso e a independência começaram em 1975 e precisam ser continuadas. Pois, jovens caboverdianos, vamos nos unir a essa causa pelo amor e sentimento de filhos da pátria mãe. É uma tarefa difícil
já que no cenário internacional reina o colonialismo travestido no modelo neoliberal e no fantasma de
globalização. É um modelo que não permite lembrar, cultivar e vivenciar o passado dos povos oprimidos em
benefício dos produtores da globalização e dos donos do modelo neoliberal. Isso é tão verdade que o nosso
sistema de ensino não contou a minha história e nem do meu herói, porém foi suficiente o que professor
Estevão me ensinou para perceber esta realidade e dar continuidade à missão de Cabral.
Quando aceitamos que o colonialismo faz parte de coisa do passado, nem sequer enxergamos a sua
reciclagem que ajoelha os países africanos frente aos interesses dos países ocidentais. Os que no passado
recente escravizaram o continente africano até o limite das últimas conseqüências. Já que o presente é fruto
do passado, o mesmo se aplicando ao futuro em relação ao presente, como poderemos projetar um futuro
melhor se não temos consciência e memória do passado?
Jovens cabo-verdianos, nesta luta eu já estou. Convido você a entrar. Vamos fazer isso pelos nossos
pais que se ajoelharam frente do colonizador não pela covardia, mas pelo respeito à vida com uma arma de
fogo apontada na cabeça. Esta luta não deve se pautar pela vingança organizada, mas sim por uma lição à
humanidade de que é possível recuperar o atraso histórico roubado, construindo o nosso progresso a custa
do nosso suor e sangue e não do suor e sangue dos outros como fizeram aqueles que nos colonizaram e que
ainda continuam sob formas disfarçadas e invisíveis. Jovens, vamos lembrar do passado dramático dos
nossos pais e acumular adrenalina para construir um verdadeiro progresso da nossa nação! Este requer ter
a nossa própria língua, o nosso progresso tecnológico, uma expressão econômica e política no cenário
internacional, nossa própria universidade para prestigiar cientista como Amílcar Cabral.
Levante jovem, apóie-se no amor que tens pela pátria mãe e seja um soldado firme a serviço da
nação. Assim, deixaremos um legado para a próxima geração, a de 2040. Se assim procedermos, esta
geração terá professores como Estevão e aprenderá nas escolas quem foi o Amílcar Cabral. Deste modo, a
próxima geração será revolucionária e não passiva e apática como a de hoje.
Lino Vaz Moniz
Graduado em Ciência Política
Mestrando em Educação na Universidade de Brasília.
[email protected]
Jornal Horizonte,15 de Outubro de 2002
Por traz de toda essa história, há uma nação, um arquipélago de homens e mulheres
chamado Cabo Verde. Os filhos desse arquipélago lutam pela justiça. Amílcar Cabral já fez
a parte dele. A causa que o moveu inspira sonhos e luta de novas gerações. Para entender o
porquê dessa luta sem fim requer conhecer um pouco a origem da nação cabo-verdiana.
Cabo Verde é uma nação situada na costa ocidental da África no oceano atlântico.
É um arquipélago composto por 10 ilhas. Até 1460 essas ilhas não eram povoadas. O
advento da colonização portuguesa fez surgir a nação cabo-verdiana ao longo dos cinco
séculos da crueldade da exploração colonial e regime de escravidão. Nessa infinita história
de crueldade sobrou uma nação: um conjunto de homens e mulheres que foram arrancados
dos seus domicílios em diversas localidades do continente africano levados para o mundo
afora para prestarem serviço como escravo numa condição pior que animal de carga. Estes
homens e mulheres passavam para as ilhas de Cabo Verde onde eram domesticados num
modelo pedagógico que eleva a eficiência da máquina administrativa escravagista.
Após o processo pedagógico da domesticação, esses homens e mulheres seguiam
destino rumo ao Brasil e América do Norte. Parte deles ficava na ilhas. O comércio
triangular abastecia todas as frentes de trabalho com escravos que eram comercializados
como objetos.
Os homens e mulheres que ficavam nas ilhas começaram ao longo do tempo a
construir uma nova identidade: uma língua em comum, uma forma de pensar, amar e sentir
saudade. Uma nova identidade cultural uma vez que estes inicialmente foram separados
brutalmente das suas comunidades étnicas e culturais para o efeito da eficiência operacional
da administração colonial. A nova identidade cultural que surge nas ilhas de Cabo Verde é
a prova viva da resistência dos homens e mulheres escravizados à procura de justiça . Essa
identidade cultural cantada na morna, batuque e fananá fundam a nação cabo-verdiana.
Uma existência com raízes da nobreza humana: a fome da justiça e sede da liberdade. Uma
existência que reflete a denúncia histórica da crueldade do mundo ocidental para com o
continente africano. Uma nação que simboliza o sofrimento e resistência dos filhos da
mamãe África, a grande mãe negra.
Pessoas, eu sou filho dessa nação. Sou filho dos homens e mulheres domesticados
na pedagogia da escravidão e que resistiram à dominação. Sou fruto dessa resistência que
teve auge com a tomada da independência política protagonizada pelos homens e mulheres
corajosos que deram a vida pela pátria mãe. Entre esses homens é necessário ressaltar a
figura de Amílcar Cabral, o grande herói das nações Guineense e cabo-verdiana. O meu
grande herói.
Para continuar a luta do meu herói, primeiro eu tenho que conhecê-lo
profundamente. O sistema escolar não me deu essa oportunidade. Lembro apenas do
professor Estevão que me falou dele com alma de um africano, como alguém
comprometido com o que ensinava. Os demais professores podem até ter falado do meu
herói. Certamente falaram sem alma a ponto de parecer uma lenda e não ficar registrado na
minha memória e cravado no meu coração.
O espaço universitário está me trazendo de volta ao cenário de reflexão sobre o meu
herói que iniciou há 20 anos atrás com o professor Estevão. O primeiro cenário foi com a
professara Laura Maria Coutinho, o qual já descrevi anteriormente. Essa reflexão foi
enriquecida quando fiz uma disciplina Estágio Docente no primeiro semestre do ano 2003
com o professor Renato Hilário.
O professor Renato, assim como a professora Laura, conhece as obras de Amílcar
Cabral e a sua história de vida. Ao ter na turma um conterrâneo de Amílcar Cabral, abriu
espaço para diálogo e debate sobre o pensamento e luta de Cabral. Nesse espaço eu tive a
oportunidade de compartilhar com os colegas a minha história de vida; o amor á nação
cabo-verdiana; a paixão pela causa que moveu Amílcar Cabral.
Até então o meu projeto de pesquisa de mestrado sob a orientação da professora
Raquel de Almeida Moraes se restringia apenas ao estudo de Paulo Freire no novo contexto
tecnológico. O professor Renato, ao ter conhecimento disso, me problematizou:
“se o Amílcar Cabral está no seu sangue e na sua alma,
como não pode estar no seu projeto de pesquisa que
deve ser o seu projeto de vida?”
As colocações do professor Renato foram como chuva que cai num terreno seco
cuja plantação esteja morrendo. Deu ânimo e mais vida ao meu projeto de dissertação. Pela
primeira vez, depois de 20 anos de vida acadêmica, derramei lágrimas ao fazer um trabalho
acadêmico. Sempre choro quando escrevo algo relacionado a Amílcar Cabral e a minha
pátria amada. Por exemplo, chorei muito enquanto redigia o texto apresentado no início,
assim também chorei ao iniciar esse prefácio.
Passei a conhecer melhor o pensamento de Amílcar Cabral quando o professor
Renato me pediu que eu desse uma palestra numa turma de Estágio II para alunos de
graduação sobre Amílcar Cabral e Paulo Freire. Isso exigiu de mim uma longa preparação.
Pela primeira vez tive que ler os escritos de Cabral. Li A Arma da Teoria, Prática
Revolucionária e tantos outros que Professora Laura me passou.
O meu projeto de pesquisa ganhou uma nova dimensão. Passou a ser um estudo de
Amílcar Cabral, Paulo Freire e novas tecnologias. Não é estranho falar de Paulo Freire
quando se fala de Amílcar Cabral. Paulo Freire é um admirador de Amílcar Cabral e o
considera um dos seus mestres. Ele conheceu as obras e a luta de Cabral. Militou na causa
que Cabral deu a vida tanto que ele ajudou a organizar projetos pedagógicos na Guiné
Bissau, Cabo Verde e outros países africanos. Foi dar continuidade a sua luta. Militou na
mesma causa que Cabral.
Em 1985 Paulo Freire esteve na Faculdade de Educação da Universidade de Brasília
ministrando uma palestra sobre Amílcar Cabral como pedagogo da revolução. Isso foi
possível graças ao esforços dos mestrandos e mestrandas da época que não só efetuaram
convite ao Paulo Freire como também patrocinaram o evento. Entres entes devemos
destacar a figura de Laura Maria Coutinho, Renato Hilário, Maria Luiza Angelim, Erasto
Fortes Mendonça, entre outros.
Paulo Freire e Amílcar Cabral sempre estiveram na mesma freqüência, a luta contra
a opressão e a injustiça. Proponho estudá-los no novo contexto tecnológico com o objetivo
de articular as suas estratégias de luta no novo cenário dominado pela tecnologia digital.
Deste modo tenho que exaltar o papel da professora Raquel de Almeida Moraes que tem
uma larga experiência na pesquisa sobre as novas tecnologias dentro de uma perceptiva de
democracia, justiça e liberdade. Ela na condição de minha orientadora vem me auxiliando
numa compreensão de que a tecnologia é uma arena de luta. O espaço digital pode ser
perfeitamente um campo de batalha. Ganhei essas aprendizagens com ela ao longo do curso
nas disciplinas que já ministrou e que participei como aluno e tutor.
A professora Raquel foi aluna de Paulo Freire. Ela rende muita admiração ao
mestre. Nas suas pesquisas, o mestre ocupa um espaço consagrado. Fazer a leitura do
pensamento de Paulo Freire com o novo contexto tecnológico, e tê-la como orientadora é
uma combinação perfeita. Adicionar Amílcar Cabral nessa linha é perfeitamente cabível já
que Paulo Freire recebeu influência de Amílcar Cabral. Não quebra o ritmo da pesquisa,
apenas o enriquece.
Deste modo estruturei o meu projeto de pesquisa, que passou a se tornar
profundamente uma história de vida. Um reencontro com o professor Estevão. Reabilitação
de sentimento cravado na alma pela pátria mãe que precisa de filhos que lutem contra a
injustiça e opressão.
Pessoas, eu sou filho de uma nação esquartejada pelo colonialismo e massacrada
pelo modelo neocolonial. Uma nação pobre que anda nas esquinas do cenário internacional
como mendigo pedindo ajuda para o povo das ilhas. Uma nação que foi roubada a
oportunidade de crescer, de progredir e de fazer a sua própria história. Sou filho de uma
família de origem humilde do interior da Ilha de Santiago, pessoas da camada popular que
sofrem na pele a humilhação da colonização e neocolonização. A minha alma carrega toda
essa complexidade histórica de uma realidade que precisa ser mudada. Realidade que
homens como Amílcar Cabral, Patrice Lumumba, Kwame N’Krumah, Samora Machel,
Agostinho Neto, Nelson Mandela e tantos outros já tentaram mudar. É uma guerra que não
acaba. É uma missão que vai de geração para geração. Agora é a vez da minha geração. É a
vez de alguém assumir a missão.
Basta ouvir os gritos da mamãe África que chora de desespero de crianças que
passam fome; de hospital sem remédios; de escolas sem professores para que esta geração
se mova e fazer declaração à mamãe áfrica:
Mamãe não chore,
não desespere!
Enquanto eu estiver vivo,
hei de te defender!
Não descasarei nem um instante;
estarei sempre vigilante
para enfrentar até a morte os que fazem você chorar!
Mamãe não fique triste
porque a bravura do amor de seu filho
provocara uma revolução
para que você seja saciada da fome da justiça
e sede da liberdade!
Declaração de compromisso de luta para assumir a responsabilidade social de uma
geração para conquistar o progresso de nação.
Progresso que deve ser conquistado de todas as formas. A pesquisa sobre Amílcar
Cabral e Paulo Freire no novo contexto tecnológico consiste em fazer do espaço acadêmico
uma arena de luta. Um centro de logística e de serviços de inteligência voltado para os
compromissos históricos do continente africano travado na minha alma.
Pessoas, a minha história de vida se confunde com o meu projeto de vida. Ambas
refletem a minha complexidade histórica e cultural. Continuarei compartilhando com vocês
a minha história de vida na próxima etapa em que estarei falando do meu projeto de vida.
INTRODUÇÃO: UM PROJETO DE VIDA
O meu projeto de vida é incorporar a causa que o meu herói deu à sua vida: zelar
pelo progresso de uma nação a qual historicamente foi roubada a oportunidade de construir
a sua própria história. Neste sentido, a presente pesquisa de dissertação de mestrado se
constitui numa das diretrizes desta luta. É fazer do espaço acadêmico um centro logístico
comprometido com os homens e mulheres que padecem a fome da justiça e sede da
liberdade.
Para dar continuidade a luta iniciada por Amílcar Cabral e tantos outros
compatriotas é necessário repensar as estratégias e articulá-las ao o novo contexto. Um
novo cenário internacional em que o imperialismo se manifesta na forma do
neocolonialismo.
Os países africanos, ao tomarem a independência, caíram numa nova armadilha,
numa dominação invisível. Como sofreram séculos de exploração, a independência gerou
uma falência econômica total e absoluta. O esforço para conquistar a independência apenas
atingiu a dimensão política. Ouso afirmar que a fraqueza econômica abriu espaço para a
reciclagem do colonialismo na sua forma pós-colonial.
Penso que a dependência
econômica enfraquece os governos, tornando-os apenas executivos dos interesses alheios a
vontade do povo. Uma dominação cujo opressor não tem cara e nem domicílio, mas o seu
poder é visível através dos organismos financeiros internacionais.
Amílcar Cabral já previa essa situação. Entendia que essa fase é muito perigosa,
doravante a luta devia deve ser mais intensa. O perigo consiste em se acreditar que a
expulsão dos colonialistas e a formação de um governo nacional encerram a etapa colonial.
Essa crença conduz à desmobilização social, a qual é reforçada pela própria natureza
invisível da reciclagem do colonialismo que não se enxerga ao olho nu. É neste cenário que
a luta precisa ser reforçada, as estratégias precisam ser remontadas para desencadear uma
nova revolução para a desneocolonização.
Consciente de que este cenário perigoso ia chegar, Amílcar Cabral alertou aos
companheiros de luta que eles não ganhariam a guerra. Mas quem realmente a iria ganhar
seria a geração dos seus filhos. E estes, no futuro, travarão uma batalha mais difícil e não
usarão a arma de fogo, mas sim, a ciência e a matemática.
Na minha leitura, Amílcar Cabral estava consciente que a revolução armada era
apenas um começo de uma longa guerra. A independência política conquistada via
revolução armada iria simplesmente conduzir a relação de dominação para uma outra etapa
que exigiria uma nova estratégia revolucionária. Uma revolução que seria conduzida pelas
gerações dos seus filhos.
Eu faço parte dessa geração que o grande filho da pátria mãe atribuiu a missão de
dar continuidade à revolução. Quando Cabral disse que minha geração não vai usar a arma
de fogo mas sim a ciência, entendo que ele estava falando em usar a pedagogia e o
conhecimento científico e tecnológico para que homens e mulheres da nação enxerguem a
reciclagem do colonialismo e organizem uma nova revolução usando a tecnologia como
instrumento de luta.
É com essa leitura que delimitei o meu objeto de pesquisa de dissertação. O foco da
minha pesquisa consiste em fazer uma leitura da pedagogia de Paulo Freire no novo
contexto tecnológico. A concepção pedagógica freiriana é voltada para uma concepção
política em que o indivíduo se descobre como autor da sua própria história. Essa concepção
se constitui numa estratégia de luta no contexto neocolonial, possibilitando enxergar a
exploração invisível e como conseqüência, levar a uma mobilização social.
A revolução da tecnologia digital causou impacto na vida social como um todo, a
qual vem servindo para reforçar a dominação, tornando-a mais eficiente. As estratégias de
luta contra a opressão também devem ser recontextualizadas aproveitando ao máximo as
potencialidades tecnológicas. Deste modo proponho repensar a pedagogia freiriana dentro
do novo cenário em que impera a tecnologia digital no final do século XX e nesse início do
século XXI.
Paulo Freire também militou na causa que Amílcar Cabral deu a vida. Deste modo
ele foi para Cabo Verde e Guiné Bissau (após as suas independências) e outros países
africanos para ajudar a organizar a alfabetização. Isso foi num contexto político em que a
luta consistia em quebrar os laços da dominação colonial via currículo pedagógico.
Amílcar Cabral e Paulo Freire já nos deixaram, entretanto a causa que eles
dedicaram a vida toda ainda está presente. Eu, como filho da geração Amílcar Cabral,
estou incumbido da missão de repensar as estratégias de luta do meu herói e levar um novo
Paulo Freire para militar na causa que eles deixaram. É com esta preocupação que esta
pesquisa se propõe a articular a concepção pedagógica freiriana com a tecnologia digital
como forma de dar continuidade à revolução que Amílcar Cabral começou e não terminou.
Para apresentar essa pesquisa, num primeiro momento sintetizarei as teorias
revolucionárias de Amílcar Cabral; a luta que ele travou durante a sua vida; o contexto da
sua luta; a sua morte como um legado para a geração futura de um projeto incompleto que
precisa ser repensado e levado para frente.
Em seguida, sintetizarei as teorias pedagógicas de Paulo Freire; a sua missão pelo
mundo comprometido com homens e mulheres a procura da justiça e liberdade culminando
com a sua viagem para a África como um encontro com Amílcar Cabral.
Num terceiro momento, apresentarei o novo contexto social e político que sofreu o
impacto da tecnologia digital. Um contexto de dominação invisível em que a tecnologia
vem sendo usada para reforçar a opressão. Mas ciente da natureza contraditória dessa
tecnologia, procurarei ressaltar a sua importância na luta para superar as relações de
opressão social numa perspectiva democrática. Uma luta que usa a tecnologia como arma
tendo como base o dialogismo de Paulo Freire e arma da teoria de Amílcar Cabral.
A seguir, apresentarei uma pesquisa empírica na qual procuro fazer uma articulação
entre as potencialidades da tecnologia digital e a pedagogia freiriana. Essa pesquisa faz
uma avaliação da plataforma de ensino on line da UnB Virtual / CEAD, utilizada pela
Universidade de Brasília para a mediação da prática de ensino-aprendizagem de alguns de
seus cursos a distância. Essa avaliação
tem por foco analisar a possibilidade desta
plataforma em viabilizar uma prática de ensino na concepção pedagógica de Paulo Freire
enquanto espaço de mediação dialógica.
Por último, através das considerações finais, apresentarei um balanço do foco da
pesquisa e descreverei como este projeto de dissertação será útil na projeção logística de
uma luta que a minha geração deve assumir como projeto de vida.
Essa é a síntese da presente pesquisa do mestrado. É também um projeto de vida.
Como alertou o professor Renato Hilário, o projeto acadêmico deve ser um projeto de vida.
Sendo assim, o espaço acadêmico está voltado para a nobreza da causa que inunda os meus
sonhos, o compromisso com a justiça para com os homens e as mulheres da minha pátria
mãe.
Capítulo I - AMÍLCAR CABRAL
Amílcar Cabral
É herói do povo
Nasceu na Guiné
Estudou em Cabo Verde
Com mais camaradas
Fundou PAIGC
Seu nome é Cabral
Todo mundo conhece
Pense nele com mais amor
Porque ele bem merece.
1.1 - Introdução
Aprendi esse poema com o professor Estevão em 19831. Foi o primeiro contato que
eu tive com Amílcar Cabral. Um encontro marcado pela admiração da infância que guardou
na alma a memória de um homem que deu a vida para libertar a pátria mãe. A admiração da
infância foi tão profunda que resistiu até a fase dos estudos universitários, momento em que
se ganha maior capacidade de análise, o que possibilita maior compreensão da realidade. É
com esse olhar que procuro o verdadeiro sentido do poema que aprendi com o professor
Estevão. Para esta caminhada, é indispensável fazer uma leitura da história de vida de
Amílcar Cabral de forma contextualizada, sem perder de vista a época histórica em que ele
viveu.
Neste capítulo proponho a reflexão sobre Amílcar Cabral começando pela sua
história de vida. Em seguida vou apresentar o contexto político internacional marcado pela
guerra fria. Esse cenário político ajuda compreender as estratégias de luta de Cabral. Em
seguida vou enfocar a arma da teoria. Teorias revolucionárias por ele elaboradas para lhe
servir como arma de luta. Por fim farei uma leitura do poema que marcou meu primeiro
1
Em 1983 eu tinha apenas sete anos. Idade em que toda a criança começava a freqüentar a escola.
encontro com Amílcar Cabral através do professor Estevão, dando ênfase no papel do
pedagogo.
1.2 História de Vida
Juvenal Lopes Cabral nasceu de uma família abastada. Aos nove anos de idade, sua
tia o levou para Portugal colocando-o na escola. Ao terminar a escola primária, a tia decidiu
colocar o sobrinho no seminário para seguir a vida eclesiástica. Juvenal não chegou a entrar
no seminário e voltou para Cabo Vede em 1907 aos seus 18 anos de idade. Regressou
porque as prolongadas secas2 que atingiram o arquipélago arruinou a sua família, que não
podia mais financiar os seus estudos em Portugal.
Em 1911 mudou-se para Guiné Bissau3. Aí trabalhou como professor em diversas
regiões. Bafatá foi o último local em que ele trabalhou. Foi aí que conheceu Iva Pinhel
Évora. Uma jovem de origem cabo-verdiana com quem se casou. Dessa união nasceu o
primeiro filho no dia 12 de setembro de 1924, o qual foi dado nome de Amílcar Lopes
Cabral.
Juvenal Cabral regressou para Cabo Verde em 1933. A família ficou em Guiné
Bissau. Três anos depois, Amílcar Cabral foi ao encontro do pai e começou a estudar na
escola primária, na rua Serpa Pinto, cidade da Praia.4 Em 1938 ele concluiu o ensino
2
Cabo Verde é um arquipélago composto por 10 ilhas situado na costa ocidental da África. Sofreu muito com
a seca. A falta de chuva causava muito sofrimento na população. Ficou marcado na história do arquipélago a
catástrofe de fome dos anos 20 e 47. Foram os períodos mais castigados pela seca. Estima-se que mais 30 mil
habitantes morreram de fome na inicio da década de 40.
3
Guiné Bissau foi a colônia portuguesa mais perto do arquipélago de Cabo Verde. Os portugueses ocuparam
o arquipélago de Cabo Verde em 1460. Segundo os relatos históricos eram ilhas desabitadas. Foi povoada
pelos portugueses e pessoas de varias nações africanas levadas a força na condição de escravo. Tendo em
conta que Guiné Bissau foi a colônia mais próxima de Cabo Verde, grande parte da população de origem
africana levada para Cabo Verde foi tirada da Guiné Bissau. Isso fez com que os dois países colonizados
apresentem aproximações culturais. Deste modo havia muito fluxo de população de um lugar para outro. Esse
contexto explica porque que Juvenal Cabral foi trabalhar na Guiné Bissau.
4
Paria é capital de Cabo Verde. É uma cidade situada na ilha de São Tiago.
primário. Foi estudar o ensino secundário no liceu Gil Eanes em Mindelo.5 Em 1944
Cabral terminou o ensino secundário. Tirou nos exames finais 17 valores dos 18. Pontuação
nunca antes alcançada naquele estabelecimento de ensino.
Amílcar Cabral era um jovem atento ao mundo ao seu redor. Nos seus poemas
expressava a agitação do mundo abalado pela segunda guerra mundial. Também os seus
versos espremiam o cotidiano do povo das ilhas clamando pela liberdade. Revelava ter
muita admiração pela família. Nos seus versos comparava a sua mãe com a estrela da sua
infância. Ainda jovem mostrava preocupação em começar a trabalhar para ajudar sua mãe e
suas duas irmãzinhas: Armanda e Arminda.
Era um jovem de talento. Debatia muito com o seu pai a realidade política do
arquipélago e a opressão colonial. Para ilustrar isso, segui um trecho de diálogo entre
Amílcar Cabral e o seu pai Juvenal Cabral:
[...] – Dá licença, pai. Não te incomodo? – Um jovem de uns dezoito anos entrou na
habitação. De estrutura média, esbelto, infundia simpatia logo à primeira vista. Quando falava, ao
seu rosto aflorava um sorriso leve e agradável. Por trás dos cílios cerrado viam-se os seus olhos
negros.
De forma alguma, Amílcar. Acabo de escrever uma carta e queria pedir-te que a levasse à
cidade da Praia.
- Mas os correios devem estar fechados nesta altura. Amanhã de manhã virá o carteiro e poderá
leva-la. Escreveste à mãe pra Bafatá?
- Não, escrevi ao Senhor Ministro, pedindo-lhe uma audiência. Pois tu sabes o senhor Francisco
Vieira Machado está agora na Praia. Por isso decidi informá-lo sobre o meu plano de salvação do
povo cabo-verdiano, sobre o qual já te falei.
- Achas que o ministro te vai receber? Ainda no ano passado o governador nem te respondeu.
O governador não é tão competente; ele simplesmente não queria impor-se a responsabilidade
de considerar um projecto importante relacionado com o futuro do nosso arquipélago. O ministro é
que tem a plenitude de poderes e o nosso futuro depende só dele e do governo em Lisboa.
- Oh, pai, não estou a entender porque é que em Lisboa devem decidir por nós o que há-de ser
feito para salvar o nosso povo da fome e da seca.
- Já to expliquei tantas vezes, Amílcar – replicou Juvenal com ar de cansaço. – É que nós temos
pouca gente instruída e não temos especialistas, bons peritos, e por isso toda a nossa esperança é a
metrópole. Somos afinal uma colônia deles e eles devem preocupar-se conosco. Mas eles, também,
necessitam de médicos, professores, agrônomos e quase não os têm. Então, é um círculo vicioso e
ninguém é capaz de rompê-lo.
- Então para que escreveste um memorando ao ministro, se ele não pode fazer nada?
5
Mindelo é a capital da Ilha de São Vicente. Uma das ilhas do arquipélago de Cabo Verde.
É porque sempre tenho a esperança de que, cedo ou tarde, as coisas melhorarão, e então as
pessoas recordarão do meu projeto de salvação do arquipélago que tu, hoje, levarás à Praia e
deixarás na residência do ministro. Talvez ele me receba.
Está bem, pai. Vou em seguida. Do Tarrafal até à cidade sempre há carros que me darão
boleia.( HRHATBEB: 1984, pp 5 - 6).
[...] Mas, pai – replicou Amílcar-, as autoridades portuguesas não se importam com os nossos
problemas. Tu sabe-lo perfeitamente pela tua própria experiência. Lembras-te, de há três anos,
quando eu vim cá de Mindelo para passar as férias de Natal, teres escrito uma carta, pedindo
audiência ao ministro das colônias? Nem sequer respondeu à tua solicitação, embora não sejas um
africano qualquer, mas um homem de muito respeito entre os habitantes da ilha. Quando nos
tornarmos livres, seremos nós próprios os senhores da nossa vida e não vamos pedir favores ao
ministro que vêm cá de caminho. Tenho certeza de que chegarão os tempos em que teremos o
direito de falar de igual para igual com qualquer funcionário que esteja aqui de passagem. É o
direito do povo que vive na sua terra.
- Oh, filho, não compartilho as tuas opiniões radicais. Com estas idéias vais acabar mal. Eu sou
partidário dum processo moderado. Agora obtivestes a possibilidade de estudar em Lisboa e espero
que chegas a ser um engenheiro agrónomo. Para nós os tempos mudam para o melhor. O teu
exemplo é bem elucidativo.
- Mas, pai, uma evolução que vai tão lentamente, não trará nada para o nosso povo. Em
quinhentos anos, quase quinhentos anos de colonização, se eu terminar felizmente os estudos, serei
apenas um dos doze africanos de Cabo Verde e da Guiné Portuguesa que receberam instrução
superior. Será possível aceitar essa “evolução”?
Pelo que vejo, é impossível persuadir-te. Por acaso ainda é cedo [...](HRHATBEB: 1984, pp
15).
Amílcar Cabral foi um jovem de espírito revolucionário. Dotado de uma
consciência política lúcida a ponto de resistir a qualquer persuasão como reconheceu seu o
próprio pai. Um sentimento de revolta que se transformou em sonho. A conquista da
liberdade constituiu o horizonte principal do sonho que se tornou um projeto de vida.
Projeto que ganhou mais força quando foi contemplado com uma bolsa de estudo num dos
centros de ensino superior na metrópole.
Amílcar Cabral foi um dos primeiros jovens, naturais das colônias, a serem
contemplados com bolsa de estudo. As autoridades portuguesas, durante cinco séculos de
colonização não admitiam que os naturais das colônias freqüentassem ensino superior em
Portugal. Após a primeira e segunda guerra mundial o contexto político internacional
mudou. Havia uma grande campanha sobre a autodeterminação dos povos asiáticos e
africanos que eram colonizados. Em função disso, as autoridades portuguesas tiveram que
relaxar as regras devido a pressão do novo cenário político. Foi assim que a administração
colonial passou a conceder bolsas para naturais das colônias que tiveram maior
desempenho escolar para freqüentarem ensino superior em Portugal.
Ao ser contemplado com a bolsa, Cabral escolheu o Instituto Superior de
Agronomia. Fez essa escolha na certeza de que como engenheiro agrônomo ajudaria o povo
das ilhas que passaria fome por causa da seca.
Iniciou seu estudo universitário em 1945 e logo destacou-se como melhor aluno do
seu curso. Também se destacou entre os colegas africanos naturais das outras colônias.
Entre estes, podemos assinalar: Marcelino dos Santos e Luís Henrique naturais de
Moçambique; Agostinho Neto6 de Angola; Vasco Cabral de Cabo Verde. Juntos formaram
um verdadeiro núcleo de estudo. Criaram espaços de reflexão e troca de poesias. Refletiam
sobre a realidade colonial dos seus países. Estudavam e debatiam sobre a história e cultura
africana, o que era proibido ser ensinado. Foi aí que nasceu o primeiro núcleo de
intelectuais nacionalistas dos países africanos colonizados por Portugal. Um verdadeiro
serviço de inteligência voltado para o horizonte da conquista da liberdade do povo
oprimido.
Em 1952 Amílcar Cabral concluiu o curso de Agronomia. No mesmo ano, casou-se
com Maria Helena7 e foi para Guiné Bissau trabalhar como engenheiro agrônomo. Foi
nomeado chefe de estação em Pessubé. Ao assumir seu primeiro cargo, começou a preparar
uma longa caminhada com rumo ao horizonte do seu sonho. Enquanto chefe da Estação
6
Agostinho neto estudava medicina. Ao regressar para Angola foi um grande líder assim como Amílcar
Cabral ao voltar para Guiné e Cabo Verde. Mantiveram articulados durante todo o processo de luta pela
independência. Como homenagem a esse angolano, o maior complexo hospitalar em Cabo Verde hoje chama
Hospital Agostinho Neto.
7
Maria Helena é uma jovem portuguesa. Foi colega de universidade de Amílcar Cabral. Estudavam na mesma
universidade. Tiveram uma filha. Divorciaram no auge da luta armada liderada por Cabral dado ao
desentendimento de natureza política. Após o divorcio, Cabral casou-se uma cabo-verdiana. O PAIGC,
partido liderado por Cabral é que efetuou o matrimonio, efetuado o registro civil dando a validade jurídica.
atuou como um revolucionário comprometido com homens e mulheres que padecem da
fome da justiça e sede da liberdade. O trecho a seguir demonstra isso.
[...] Quando Amílcar e Maria Helena apareceram na entrada da casinha do senhor Ilário
Lopes – assim se chamava o chefe do posto – ele, sabendo da chegada do engenheiro agrônomo,
ficou muito admirado e até perplexo de ver à sua frente um “nativo”. De inicio ainda tentou
esboçar um sorriso e depois começou a proferir frases quase ininteligíveis:
- Tenha a bondade. Muito prazer... Sou chefe do posto, Ilário Lopes. Fui informado da sua
chegada... Terei todo o prazer em ser-lhe útil... Não querem descansar um pouco da viagem, comer
alguma coisa?
Maria Helena queria dizer alguma coisa, mas Amílcar antecipou-se-lhe.
[...] - Agradecemos muito, senhor Lopes, mas nós só queríamos ver as terras que o senhor
governador propõe para os nossos ensaios e regressaremos em seguida. Marquei para as seis
horas da tarde em Pessubé uma reunião do pessoal da estação e não gostaria de chegar tarde.
[...] - Senhor engenheiro – dirigiu-se Lopes a Amílcar - uma vez que o senhor volta para
Bissau ainda hoje, antes de terminar o dia de trabalho, talvez pudesse fazer-me um favor. Aconteceu
qualquer coisa no nosso receptor. Recebemos ontem o último despacho em que nos informavam
sobre a sua chegada, mas agora não funciona. Não sei se descarregaram as pilhas ou se
queimaram algumas válvulas. Se o seu motorista o levasse à oficina do porto de Bissau, amanhã eu
recebe-lo-ia de volta por um barco que viesse de passagem.
- Claro que sim, ora essa. Peça que o tragam para o barco e eu pedirei ao João que o leve
para consertar em Bissau.
- Muito obrigado, senhor engenheiro. Tenha a bondade, sente-se aqui à sombra. Vou já dar
ordens para que carreguem o receptor para o vosso barco. Ela já vem – apontou Lopes com a mão
para uma casinha que tinha debaixo da escada um caixote negro. – Fátima, Fátima! – gritou Lopes,
inclinando a cabeça de lado e ficando à escuta.
- Fátima! – chamou Lopes de novo, com irritação.
Por detrás de uma árvore apareceu a cabecinha crespa de um rapazinho com uns nove
anos.
- A tia Fátima foi lavar roupa, senhor chefe – disse ele com uma vozinha fina.
Vai a correr atrás dela e diz que a mandei vir aqui já.
O menino desapareceu. Lopes tirou do bolso um grande lenço axadrezado e assoou
ruidosamente o nariz.
- É uma desgraça lidar com estes... começou ele. Olhou para Amílcar, calou-se e procurou
uma palavra adequada - ...habitantes locais. São todos preguiçosos como o diabo. Não têm
qualquer respeito pelas autoridades. Decerto o senhor engenheiro também tem muita dificuldade
com eles...
Amílcar encolheu os ombros:
- Porquê? É Verdade que comecei a trabalhar há pouco tempo, mas por ora não tenho
encontrado dificuldades. Não sei como vai ser depois.
Nesse momento chegou o rapaz a correr.
- A tia Fátima já vem. Eu disse-lhe.
Amílcar chamou o pequeno com o dedo.
- Como te chamas?
- Mané - respondeu o menino.
- Quer dizer, Manuel. E o que tu fazes, Manuel?
- Eu? Nada. Mas meu irmão sabe escrever – disse o garoto com orgulho.
- Isso é formidável. E tu não sabes?
Mané ia responder, mas nesse momento ouviu-se um grito de Lopes. Caminhando com
passo lento e pesado, aproximou-se de uma choça junto da qual estava parada uma mulher idosa
sustentando à cabeça uma bacia esmaltada cheia de roupa molhada e torcida. Cabral notou que a
mão direita de Lopes, escondia atrás das costas, segurava o cabo grosso de um chicote de couro.
Lopes aproximou-se da mulher, ergueu o braço e desferiu uma chicotada. A bacia caiu e a roupa
enterrou-se na poeira vermelha do caminho. A mulher soltou um gemido baixinho e pôs-se de
cócoras.
- Eu não te disse, bruxa velha, que não saísse de casa? Por que não levaste o rádio para o
ancoradouro? – berrou o chefe de posto ao mesmo tempo que, após cada frase, ia dando novas
pancadas sobre o corpo encolhido na terra.
Amílcar levantou-se do banco, de um salto.
- Pare, ordeno-lhe!
Lopes voltou-se:
- Que é isso. Com que direito é que o senhor me dá ordens?
-Com o direito de seu superior, que me é conferido pelo governador e por Lisboa.
Lopes baixou o braço que estava erguido para mais uma chicotada. Os seus olhos
refletiam ódio de mistura com perplexidade.
- Quer dizer então que não posso castigar estes preguiçosos?
- Proíbo-o de aplicar castigos corporais. E se da próxima vez que aqui vier, algum dos
habitantes se queixar de que o senhor os trata mal, será imediatamente demitido do seu cargo e
castigado. – Amílcar virou-se para Maria Helena que, pálida, assistia a esta cena com os olhos
arregalados. – Vamos, querida, são horas.
No regresso, o barco não se desviou mais da rota, e Amílcar passou todo o tempo sentado
numa cadeira, à popa, sem dizer uma palavra. Só quando entrou em casa é que desabafou.
- Pois é, Helena. Vê como são aqui os costumes! Tinhas toda razão, lá em Lisboa, ao
dizeres que eu devia voltar para junto do meu povo o mais rapidamente possível.
- Sabes, Amílcar, o que mais me admirou foi que a mulher nem tentasse defender-se.
Porquê? Será que ela tem o medo assim tão metido no fundo da alma? Nem tentou arrancar o
chicote das mãos daquele canalha ou sequer fugir dele.
- Fugir para onde? Tudo está cercado de água, pois é uma ilha. Além disso, é ali que tem
a sua casa a sua família. E, em última instância, o infame daquele Lopes tem a liberdade de fazer
deles o que bem entender.
- E não viste os olhinhos do garoto, do Mané, Manuel, quando te levantaste e ordenaste ao
Lopes que parasse de humilhar a mulher?
- Como podia eu notar, se estava de costa para ele?
- Pois eu notei. Parecia que o que mais o assustou e admirou foi ver alguém que pudesse
dar ordens a um português. E nem era bem isso, ele não ficou admirado, ele olhava para ti cheio de
júbilo.
- Mas compreendeste, querida, ele nunca viu um habitante local, um nativo – e para ele eu
sou um nativo – dar ordens a um português. Foi isso que o admirou. É nas crianças como esta,
talvez um pouco mais velha, mais adultas, que se deve depositar esperança. É preciso educa-las,
ensina-las a pensar na necessidade da luta pela dignidade própria.
Amílcar Cabral é um nativo da Guiné Bissau e Cabo Verde. Mané viu nele um
irmão de sangue que realmente pode dizer um basta à injustiça. Mesmo criança, a
admiração o fez abrir bem grande os olhos e ficar coberto de emoção. O sentimento dessa
criança é a prova bem viva do valor da justiça. É isso que moveu Cabral desde a sua
juventude. Momentos que o seu pai, através de debates, o considerava radical e lhe fazia
apelo por uma postura mais moderada. A força da justiça cravada na sua alma o fez sonhar
com horizonte. Sonho que crianças como Mané sejam esperanças de um futuro em que
homens e mulheres não padeçam fome da justiça e nem cede da liberdade.
Esse sentimento conduziu o seu trabalho enquanto agrônomo. Tanto que em 1953
foi encarregado de fazer recenseamento agrícola em todo o território da Guiné Bissau.
Aproveitou essa missão para conhecer todos os cantos da sua terra. Não se restringiu
apenas em catalogar o tipo de solo e cultivo nele efetuado. Fez um levantamento de
natureza sociológica e antropológica de cada comunidade. Um verdadeiro trabalho de
campo que lhe permitiu conhecer a manifestação cultural de cada grupo étnico e o
mecanismo de dominação usado pelo colonizador.
Em 1954 terminou o recenseamento agrícola. O mais importante desse trabalho é
que Cabral esteve em todas as tabancas8 do seu país. Momento em que conheceu centenas
de pessoas e fez muitas amizades. Conheceu de perto os problemas que preocupavam cada
tribo e o que os diferenciavam. Passou a conhecer Guiné Bissau melhor de que qualquer
dos seus administradores. Além disso, já tinha contactos e correligionários em qualquer
região.
Amílcar Cabral, durante o recenseamento, não foi apenas um agrônomo, foi
pesquisar no campo da sociologia e da antropologia. Reuniu todos os elementos e passou a
estuda-los profundamente. Começou a descobrir na prática a riqueza cultural do seu povo.
Foi a partir daí que começou a elaborar teorias que lhe permitissem compreender a
realidade do seu povo participando do drama do cotidiano. Criou um outro olhar da ciência
ao perceber que seu povo tem história.
Na condição de um revolucionário, Amílcar Cabral criou uma nova ciência a
serviço do seu sonho. Com a visão de um cientista e astúcia de um político, fundou um
8
Tabanca é o nome dado a cada aldeia na Guiné Bissau.
partido (PAIGC - Partido Africano de Independência de Guiné e Cabo Verde) em 19 de
setembro de 1956. Além de Cabral participaram da fundação, Luís Cabral9, Fernando
Fortes, Júlio de Almeida, Aristides Pereira10 e Elize Turpan.
PAIGC foi concebido dentro da concepção leninista do partido de vanguarda. Lênin
desenvolveu a teoria do partido de vanguarda numa perspectiva revolucionária no quadro
da estratégia marxista. A preocupação principal de Lênin é definir um modelo de um
partido composto por revolucionários profissionais, de intelectuais e de semi-intelectuais,
operários ou não. Este modelo serviu de inspiração para os dirigentes dos movimentos
nacionais nas colônias que são na sua maioria intelectuais. (CANÊDO: 1991, pp 37).
Amílcar Cabral, enquanto intelectual, pensou PAIGC
como uma instituição
cultural, um fato e fator cultural. O partido é a expressão da manifestação cultural do povo
cuja espontaneidade se constitui uma resistência a dominação estrangeira. Isso reflete o fato
cultural. Por outro lado, a instituição partidária é um fator cultural uma vez que interfere
nos valores culturais, através de um trabalho pedagógico, para aumentar a resistência contra
o colonizador.
PAIGC, sob a liderança de Cabral tinha uma missão bem definida: conduzir Guiné
Bissau e Cabo Verde à independência. Foi um instrumento de luta que atuou em várias
frentes. No campo pedagógico fazendo campanha junto a população e interferindo nos
valores culturais; no campo diplomático denunciando ao mundo a opressão que o povo da
Guiné e Cabo verde estavam sofrendo nas mãos dos colonialista portugueses; no campo da
ciência através dos estudos e teorias que resgatam a personalidade histórica do homem
9
Luis Cabral é irmão de Amílcar Cabral apenas pelo lado do pai. Ele foi o primeiro presidente da Guiné
Bissau após independência.
10
Aristides Pereira foi o mais próximo colaborador de Amílcar Cabral. Ele assumiu a liderança do partido
após a morte de Cabral. Foi presidente de Cabo Verde após a independência. Ficou no poder durante 15 anos
sob regime de partido único. Perdeu a posse em 1990 com a mudança política para sistema democrático.
Perdeu eleição por António Mascarenhas Monteiro.
africano, contrariando a ciência ao serviço do opressor; no campo militar enfrentando o
exército do colonizador. PAIGC atuou com garra em todas as frentes até que Guiné Bissau
e Cabo Verde conquistaram independência em 24 de setembro de 1973 e 5 de julho de 1975
respectivamente.
Amílcar Cabral não pode comemorar o resultado do seu sonho uma vez que foi
assassinado no dia 20 de janeiro de 1973, oito meses antes da independência da Guiné
Bissau. O sonho que carregou da juventude que se expressa nos diálogos com o seu pai.
Um horizonte a ser alcançado que foi consolidado numa longa preparação nos espaços
universitários através de profundas reflexões e debates com seus conterrâneos africanos
colegas de universidade. Daí ganhou força e começou a atuar no terreno na sua terra natal e
conquistou o coração de Mané que ficou de pé com olhos bem abertos observando com
orgulho a valentia de um justiceiro que é irmão de sangue. Através da sua brilhante
inteligência, tornou esse sonho real na concepção de um partido como expressão da
resistência cultural.
Todas essas etapas mostram que Cabral deu sua própria vida para alcançar o
horizonte do seu sonho. Ele certamente não morreu preocupado porque sabia que a
caminhada para o horizonte do seu sonho é uma luta continua e sem fim. Foi por isso que
depositou toda a esperança no Mané e pensou o partido numa dimensão cultural e
pedagógica para que o seu sonho atravesse geração a geração.
Cabral não morreu porque a geração de Mané ficou com sua imagem cravada nos
olhos bem abertos e cheios de orgulho. Uma admiração profunda tanto que meu professor
Estevão, que representa a geração de Mané, na sua prática pedagógica, me proporcionou
um encontro com Cabral através de poemas e histórias de heroísmo. Um encontro marcado
pelo orgulho. Uma força subjetiva semelhante à que encantou Mané, tomou conta de mim.
Algo que até ainda permanece na minha alma que me faz caminhar para o horizonte do seu
sonho, do meu sonho, do nosso sonho.
1.3 Cenário Internacional
As estratégias de luta adotadas por Amílcar Cabral para alcançar o horizonte do seu
sonho só podem ser compreendidas através de uma leitura contextualizada da história. Essa
leitura deve ter como foco a ambição dos impérios em dominar o mundo.
Os registros da história demonstram que sempre os grandes impérios é que
dominaram o mundo. Assim foi na Idade Antiga com o Império Romano e na Idade Média
com a Igreja Católica. Na Idade Moderna as grandes potências como Inglaterra, França,
Espanha e Portugal ganharam dimensão de império através da colonização dos outros
povos.
No séc. XV Portugal lançou-se ao mar a procura de novas terras. Navegou pelo
litoral do continente africano e submeteu ao seu domínio as Ilhas de Cabo Verde, Guiné
Bissau, São Tomé e Príncipe, Angola e Moçambique. Expandiu para o continente
americano e asiático. Tornou Brasil e parte da Índia (Goa) suas colônias. Por ser pioneiro
na expansão marítima, ganhou destaque como o grande império da Europa. A hegemonia
era tanta que a Espanha, ao iniciar sua expansão, teve que enfrentá-lo. A disputa foi
resolvida no Tratado de Tordesilhas mediado pelo Papa, o maior autoridade imperial da
época. No tratado, os dois países ibéricos estabeleceram um acordo sobre as terras
descobertas ou a serem descobertas. (PEDRO: 1985, pp 25).
No séc. XVI, Holanda, Inglaterra e a França lançaram-se na expansão marítima. Já
no séc. XVII a Inglaterra ascendeu e superou a hegemonia portuguesa e espanhola.
(PEDRO: 1985, pp 27). A corrida imperial avançou de forma significativa no séc. XIX.
Neste período as potências européias dominaram o continente asiático e africano
submetendo-os ao domínio colonial. A superioridade militar européia foi determinante para
essas conquistas. Em 1877 a rainha Vitória, soberana inglesa, foi consagrada imperatriz da
Índia. Em 1842 a China foi derrotada na Guerra do Ópio contra os ingleses. O seu território
foi dividido em áreas de influência da Inglaterra, Alemanha, França, Estados Unidos, Japão
e Itália. (PEDRO: 1985, pp 291).
O domínio das colônias no continente africano, até esta época, se limitava no
litoral. Este continente vinha servindo como fornecedor de escravos através do comércio
triangular que abastecia as frentes de trabalho no Brasil e Estados Unidos. Até 1870, apenas
10,8% do seu território estavam sob o domínio das potências imperialistas européias. Já em
1900 90,4% já tinha sido ocupado. (MELLO: 1993, pp 207). A entrada no interior do
continente levou a uma grande disputa entre os imperialistas. Para disciplinar o processo,
Bismarck convocou 12 países com interesse na África para uma conferência em 1884.
Nesta conferência, o continente africano foi fatiado e divido entre as potências. Portugal
que fora um grande Império mostrou-se totalmente enfraquecido. Tanto que no acordo
firmado na conferência conseguiu apenas manter as colônias no litoral (as Ilhas de Cabo
Verde e Guiné Bissau, São Tomé e Príncipe, Angola e Moçambique). Isso se deve a
proteção da Inglaterra que tinha interesse nessas colônias.
No início do séc. XX o mundo estava totalmente dominado. As potências européias
se tornaram donas do mundo. A Inglaterra se destacava como o maior império. Mais de 50
países distribuídos em todos os continentes estavam sob seu domínio. Em seguida vinha a
França com um domínio colonial vinte vezes superior a sua dimensão territorial. A
liderança era seguida pela Holanda e Alemanha.
Quanto maior for a área de influência de uma potência, mais forte esta se torna em
relação aos demais. Foi esta a ambição que moveu as potências da Idade Modernas. Tanto
que o mundo inteiro não foi suficiente para elas. Como conseqüência, submeteram-se em
duas grandes guerras conhecidas como a primeira e a segunda guerra mundial. Não foi uma
guerra dos povos dominados contra os imperialistas, mas sim entre os próprios
imperialistas. O desejo de apoderar das colônias alheias foi a principal causa do conflito.
A Idade Contemporânea foi marcada por essas guerras que enfraqueceram os
impérios da Idade Moderna. Daí surgiram duas novas potências: Estados Unidos da
América (EUA) e União das Repúblicas Socialistas Soviéticas (URSS).
Uma potência para atingir a dimensão de um império precisa alargar sua influência
sobre os outros povos. Neste sentido, EUA e URSS encontravam dificuldades já que os
espaços onde poderiam exercer influência ainda eram colônias dos impérios da Idade
Moderna que se encontrava em fase de falência. Neste caso, no meu entender, as novas
potências precisavam montar uma operação para neutralizar os impérios falidos e transferir
as suas colônias para base dos seus domínios.
EUA e URSS, não conseguiram disciplinar suas ambições como fez Bismarck em
1884 com as potências européias através da Conferência de Berlim. Lançaram-se numa
disputa violenta. O objetivo era o mesmo. A razão só podia ser numérica, ou seja, quem ia
conquistar mais áreas de influência aproveitando a falência das potências européias. Para
isso criaram um mecanismo ideológico, financeiro e militar de sedução.
Os Estados
Unidos da América levantaram a bandeira do capitalismo. Criaram um bloco a sua volta
com um pacote de proteção financeiro e militar para seduzir os países para sua zona de
influência. A União das Repúblicas Socialistas Soviéticas não perderam a oportunidade.
Adotaram as mesmas estratégias sobre o lema socialista.
Em agosto de 1945, no final de segunda guerra mundial, o Japão apesar de já estar
dominado pela forças norte-americanas, teve duas bombas atômicas lançadas contra o seu
território. Isso serviu de aviso para URSS e o resto do mundo sobre a sua força militar.
Intimidando o inimigo, os EUA ganhariam mais força para alargar a sua influência. Em
1949, quatro anos após, a URSS responderam a intimidação anunciando o domínio da
tecnologia de armas nucleares. Com armas de destruição em massa, as duas potências se
tornaram vulneráveis uma em relação à outra. Isso criou um equilíbrio de força. Esse
equilíbrio criou o cenário perfeito para essas potências alargarem suas influências. Eric
Hobsbawm (1995) analisa esse equilíbrio como o jogo do rato e do gato, porque o mundo
inteiro ficou em pânico sob a ameaça dos seus poderios militares. Neste clima, a segurança
só poderia ser garantida filiando-se a um dos blocos. Diante disso, o mundo ficou
bipolarizado, dividido em duas áreas de influência: capitalismo e socialismo.
Nessa disputa, a Organização das Nações Unidas serviu como salão de teatro. Uma
instituição de caráter neutro a serviço das duas novas potências. A aparente neutralidade
dava mais seriedade e confiança aos países alvos da sedução já que esta instituição defendia
a carta universal dos Direitos Humanos. Tal carta exigia que todos os povos colonizados
fossem libertados. Como grande parte dos países no mundo ainda estava sob domínio
colonial dos impérios europeus falidos, a presença da ONU foi recebida com muito
entusiasmo e simpatia. Assim, a ONU enquanto instituição a serviço dos interesses dos
novos impérios ganhou prestígio.
Deste modo o cenário se tornou propício para a descolonização. Os movimentos
nacionalistas nos países sob domínio colonial ganharam a visibilidade. Como o mundo
estava bipolarizado, estes podiam recorrer ao apoio do bloco capitalista ou socialista. Nesse
cenário fechado, o controle das duas potências era total e absoluto. Tanto que a luta da
libertação nos países colonizados ou era dirigido por um partido liberal com apoio do bloco
capitalista ou socialista apoiado pelo bloco oposto. A disputa foi tão violenta que nos países
em que houve mais de um partido político apoiado por blocos diferentes, de modo geral, a
guerra continuou mesmo após a conquista da independência.
Mas os países que sofreram a colonização estavam esgotados economicamente e
quando se tornaram independentes, estavam próximos a uma situação de falência. Nessa
circunstância, quando a independência era conquistada com o financiamento de uma
potência que tinha ambição imperial, no mínimo se caia na armadilha da recolonização, o
neocolonialismo. Uma forma indireta da colonização em que as potências exercem
influência sobre a liderança dos governos nacionais de cada país.
A operação transferência de colônia foi um sucesso. Todos os países colonizados
conquistaram a independência controlada pelo seu financiador. Podemos tomar como
exemplo a maioria dos países africanos que alcançaram independência na década de 60,
período auge da Guerra Fria, quando essa operação de transferência de colônia ocorreu.
Finalmente, as duas novas potências ganharam dimensão de império e os que estavam em
fase de falência foram praticamente neutralizadas.
Amílcar Cabral chegou a Lisboa em 1945 para estudar no Instituto Superior de
Agronomia. Época em que a operação transferência de colônia estava em fase de
montagem. Tanto que o mundo começou a ser agitado com princípios humanistas expressos
na carta universal dos direitos humanos defendida pela ONU. Em função dessas pressões,
Portugal teve que relaxar suas regras racistas e conceder bolsa de estudo para os filhos das
colônias. Isso porque fazia parte da operação preparar uma elite intelectual nativa de cada
colônia para conduzir o processo de independência. Foi nesse esquema que Amílcar Cabral
chegou a Lisboa com uma bolsa de estudo concedido pelas autoridades coloniais.
Amílcar Cabral já carregava dentro de si um sonho bem sólido: conquistar a
independência do seu povo. Isso está expresso no diálogo que travava com o seu pai. Tinha
sólida convicção que seria incapaz de sofrer qualquer persuasão como reconhecia seu
próprio pai. Fez do espaço universitário, o momento de uma longa preparação, não se
deixando alienar pela burocracia acadêmica universitária que estabelece fronteiras entre as
áreas de conhecimento. Para superar isso, estudou tudo o que nunca lhe fora ensinado.
Estudou a história, sociologia, ciência política e várias outras áreas que lhe permitiram
construir um conhecimento sólido e substancial. Junto com colegas como Marcelino dos
Santos, Agostinho Neto, entre outros, criaram um núcleo de estudos através do qual
construíram profundas e valiosas reflexões sobre o futuro dos seus países que ainda se
encontravam sob domínio colonial.
Essa sólida preparação acadêmica fez Amílcar Cabal perceber o cenário político que
estava ao seu redor. Entendeu com profundeza a operação de transferência da colônia
montada pelas duas novas potências. Como líder do povo da Guiné Bissau e Cabo Verde,
povos explorados e sem expressão, não podia fazer muita coisa se não fingir aceitar as
regras do jogo. Tanto que simpatizou mais com o bloco socialista. Aproveitou-se do
cenário para conquistar uma independência sem cair na armadilha montada. A principal
estratégia para escapar dessa armadilha consistia na esperança de educar crianças como
Mané que iriam lutar pela dignidade própria. Foi com essa visão que elaborou um conjunto
de teorias voltado para a resistência cultural, a as utilizou como arma de luta.
1.4 - Arma da Teoria
“[...] se é verdade que uma revolução pode falhar, mesmo que seja nutrida por
teorias perfeitamente concebidas, ainda ninguém praticou vitoriosamente uma Revolução
sem teoria revolucionária.” (CABRAL: 1978, pp 202).
Para alcançar o horizonte do seu sonho, Amílcar Cabral teve que conceber teorias
revolucionárias para se esquivar das armadilhas do imperialismo. No entender dele, o
imperialismo se manifesta de duas formas: colonialismo e neocolonialismo. O primeiro é
uma dominação direta. O povo dominado é governado diretamente por um governo
estrangeiro. Já o segundo, é uma dominação indireta. Esta se efetiva através de um governo
nacional que é controlado pelos imperialistas.
“ A essência do neocolonialismo é de que o Estado que a ele está sujeito é, teoricamente,
independente e tem todos os adornos exteriores da soberania internacional. Na realidade, seu
sistema econômico e portanto seu sistema político é dirigido do exterior ”. (N’KRUMAH: 1967, pp
i).
A definição de Kwame N’Krumah sobre o neocolonialismo é uma análise da
realidade enfrentada pelos países africanos após a conquista da independência. Isso
demonstra, de certa forma, que a independência conquistada é falsa, ou seja, os países
africanos caíram na armadilha da operação transferência de colônia montada pelo cenário
da guerra fria.
Kwame N’Krumah é o primeiro líder nacionalista a conduzir o movimento de
independência no continente africano na época da guerra fria. Lutou contra o colonialismo
britânico na Costa de Ouro. Em 1957 seu país tomou independência e mudou seu nome
para Gana. Seguindo a este, até 1964, cerca 24 países africanos conquistaram suas
independências.
Os países africanos sob domínio colonial português foram os últimos a
conquistarem independência. Amílcar Cabral, ao lutar contra o colonialismo português em
Cabo Verde e Guiné Bissau pôde presenciar a realidade neocolonial descrito por Kwame
N’Krumah uma vez que enquanto traçava as estratégias de luta, praticamente todos os
países africanos já tinham conquistado a independência.
Ao presenciar essa realidade, tornava-se um desafio conquistar uma verdadeira
independência para não cair na armadilha do neocolonialismo. Deste modo começou a
examinar as manifestações do imperialismo com o intuito de elaborar uma teoria que lhe
servisse como meio de conduta para guiar uma revolução.
Dado a esta preocupação, Amílcar Cabral percebeu que a substância do poder de um
povo se resume na sua manifestação cultural. Considerando que a base do poder de
qualquer povo é a sua cultura, esta constitui a maior resistência a um governo estrangeiro
invasor. Isso significa que o invasor nunca conseguirá estabilizar seu domínio enquanto o
povo dominado estiver culturalmente vivo. Deste modo, o invasor tem duas alternativas de
ação no entender de Cabral. A primeira consiste em liquidar a população, reduzindo-a a
um número insignificante, paralisando a sua vida cultural. Já a segunda concentra na
repressão da manifestação cultural, criando assim espaço para penetração. Quanto à
primeira alternativa, há uma garantia do domínio total e absoluto, já que o foco da
resistência será neutralizado. Entretanto, isso contraria o objeto da dominação que é o povo
em questão. Já na segunda alternativa, a estabilidade do poder nunca é garantida uma vez
que o foco da resistência permanecerá vivo.
Face a esse dilema, a saída encontrada pelo invasor (o colonizador), no entender de
Cabral, é manter uma constante repressão cultural para tentar sobreviver, suportando
conflito constante. Tal repressão consiste em alienar certa parcela da população dominada,
assimilando-a com os valores culturais do invasor, tendo por base uma filosofia racista.
(CABRAL: 1978, pp 223)
Tal filosofia consiste em levar a civilização para os povos cuja cultura se julga
atrasada e inferior. Civilizar os povos na cultura do invasor é um ato missionário de
caridade. Foi com esse pensamento que as potências européias se expandiram pelo mundo
na Idade Moderna, colonizando os povos africanos e asiáticos. (CANÊDO: 1991, pp 9).
Com base nesses princípios, as elites dos povos dominados foram seduzidos e
cooptados a assimilar os valores culturais do invasor, abrindo mão da sua cultura original.
Essa repressão cultural forma uma camada de assimilados que dão sustentação ao aparelho
da máquina administrativa colonial, permitindo assim a entrada e permanência do invasor.
O poder do invasor, ao sustentar em cima do assimilado, não entra em choque diretamente
com a camada popular que continua conservando seus valores culturais.
O assimilado, por mais que cultive os valores culturais do invasor, nunca se sente
satisfeito já que ele é sempre visto como inferior e tratado como assimilado. Como este se
encontra em contacto direto com o invasor, sofre na pele a descriminação racial de forma
mais expressiva que as camadas populares. Isso gera um sentimento de vazio cultural e
falta de identidade uma vez que abriram mão dos seus valores culturais de origem e não se
satisfazem enquanto assimilados. Esse sentimento lhe move no sentido de procurar uma
identidade, o que pode ser resgatada com o retorno às origens. Esse retorno fragiliza a
estrutura do poder colonial. Isso evidencia que por mais forte que seja o invasor, ele nunca
é suficientemente poderoso para manter domínio permanente sobre um povo.
A prova disso é a resistência cultural que o colonialismo português sofreu nos cinco
países do continente africano, apesar de cinco séculos de dominação colonial. Esse fato
fundamenta a leitura de Amílcar Cabral de que o poder de um povo é a sua manifestação
cultural.
[... ] pegar em armas para dominar um povo é, acima de tudo, pegar em armas para
destruir ou, pelo menos, para neutralizar e paralisar a sua vida cultural. É que enquanto existir uma
parte desse povo que possa ter uma vida cultural, o domínio estrangeiro não poderá estar seguro da
sua perpetuação.” (CABRAL: 1978, pp 222).
Pelas próprias palavras de Cabral podemos concluir que o verdadeiro poder não está
na força das armas de um exército fortemente armado, mas sim na força cultural de um
povo. Daí é que surge o dilema do colonialismo: liquidar ou assimilar?
Ao perceber esse dilema, Amílcar Cabral passou a estudar os mecanismos da
dominação do colonialismo. Usou como base de suporte a teoria marxista como ponto de
partida. Teve muita influência do pensamento de Marx, Lénine e Trotsky. (CHICOTE:
1983, pp. 153). Ele usou muito o conceito de luta de classe, forças produtivas e modo de
produção. Fez uma nova leitura desses conceitos, articulando-os com a realidade africana
tendo como base a cultura.
Primeiro vamos ver o que Amílcar Cabral entende por cultura.
“[..] em cada momento da vida de uma sociedade (aberta ou fechada), a cultura é
resultante mais ou menos conscientizada das atividades econômicas e políticas, a expressão mais ou
menos dinâmica do tipo de relações que prevalecem no seio dessa sociedade, por um lado, entre os
homens, (considerado individual ou coletivamente) e a natureza, por outro, entre os indivíduos, os
grupos de indivíduos, as camadas sociais ou as classes. (CABRAL: 1978, pp 223).
Ao interagir com a teoria marxista, Amílcar Cabral entende que as bases materiais
da cultura são as forças produtivas e o modo de produção. A primeira reflete a relação entre
o homem e a natureza. A segunda, a relação entre os homens ou as categorias de homens no
seio da sociedade. (CABRAL: 1978, pp 240).
Quanto à questão da luta de classe, Cabral entende que se a definirmos como o
motor da história, estaremos colocando fora da história todo o período da vida do
agrupamento humano que não tinha divisão de classe. Também os países africanos e
asiáticos ficariam sem história a partir do momento em que estes sofreram a dominação
colonial. Nesse âmbito, ele defende que o motor da história é o nível das forças produtivas.
(CABRAL: 1978, pp 203).
Deste modo, uma das primeiras leituras que fez nesta ótica, é que o esquema da
repressão cultural sobre a camada do assimilado paralisa as forças produtivas, o que
conseqüentemente neutraliza a luta de classes. Uma vez que as forças produtivas são o
motor da história, o progresso e a história do povo dominado ficam estagnados. Ao
contrário acontece no país do invasor em que as forças produtivas ficam livres para agirem,
gerando assim a história e o progresso.
Neste olhar, Cabral percebeu que a conquista da independência consiste em libertar
as forças produtivas, deixando-as livres para atuarem, gerando assim a dinâmica e o
progresso histórico.
Essa compreensão requer uma visão global do mundo e um
entendimento afinado do processo da dominação. As camadas populares, por viverem
confinadas nas suas aldeias, não conseguem enxergar essa dimensão. Conseqüentemente,
estes podem lutar contra o invasor, o imperialismo, sem necessariamente estar lutando para
a independência nacional. A camada dos assimilados, sobre a qual recai a repressão cultural
dado ao seu grau intelectual e sua compreensão global do mundo, consegue diferenciar a
verdadeira independência da fictícia. Deste modo, esta deve assumir a vanguarda do povo
e liderar o processo de luta.
Para tal efeito esta camada, no entender de Cabral, tem que se suicidar enquanto
classe para retornar às fontes, cultivando os valores culturais de origem para se identificar
com o povo. Nesse processo de identificação, esta classe surge como intelectual orgânico,
na visão de Gramsci.
Antonio Gramsci entende que todo homem é intelectual. Dado ao sacrifício da luta
no dia a dia, as camadas populares não desenvolvem o mesmo nível de intelectualidade do
que um intelectual especialista. Neste âmbito, ele defende a existência do intelectual
especialista que surge dentro das camadas populares. Este intelectual, que Gramsci
classifica como orgânico, é responsável para desenvolver reflexões voltadas aos interesses
da sua origem.
A preocupação de Amílcar Cabral para que a pequena burguesia assimilada retorne
às fontes, reafricanizando seus espíritos, é para que esta se torne um intelectual orgânico e
que conquiste a verdadeira independência. Caso contrário, se continuar assimilando os
valores do colonizador, a luta para a independência terá apenas o efeito de expulsar o
colonizador. A pequena burguesia assimilada, a única que tem condições de manusear a
máquina administrativa do Estado após a independência, por não cultivar os mesmos
valores culturais que o povo, acaba mantendo a paralisação das forças produtivas, uma vez
que esta fica controlada pela burguesia imperialista estrangeira. Aí que vem o perigo do
neocolonialismo. Neste caso a operação de transferência de colônia montada pelas
potências da guerra fria ganha mais força tornando os países independentes suas áreas de
influência.
Foi neste cenário que o PAIGC surgiu como um serviço de inteligência projetado
por intelectuais orgânicos cuja missão foi conquistar a independência. Surgiu como fato e
fator cultural. Como fato cultural representa a manifestação cultural do povo que em si é
uma resistência ao colonialismo. Como fator cultural atua sobra a mesma cultura com vista
a torná-la mais forte enquanto estratégia de resistência. Amílcar Cabral como líder, um
conhecedor profundo da cultura do povo de Cabo Verde e Guiné Bissau, montou uma
estratégia de ação do partido atuando em várias frentes: militar, político, diplomático etc. A
essência do trabalho do partido centrava na questão pedagógica atuando sobre a dimensão
cultural.
Através deste trabalho, o partido faz campanha de mobilização junto à população
tentando mudar os hábitos culturais que se revelam elementos negativos enquanto
estratégias de luta contra o invasor. Nesse âmbito, a ação se debruça sobre certas crença,
tabus e ritos religiosos com objetivo de revestir a cultura de um caráter mais científico.
Além disso, trabalhou os elementos da diversidade cultural para a formação de uma cultura
nacional.
A outra atuação recaiu sobre a pequena burguesia assimilada. Aproveitando do
dilema da identidade cultural que esta enfrenta, apelando-o a retornar às fontes,
reafricanizando seu espírito, como o único caminho de resolver o conflito de identidade.
Para ilustrar a atuação pedagógica do partido, vamos recuperar um trecho da
palestra de Paulo Freire sobre Amílcar Cabral em 1985 na Universidade de Brasília. Neste
trecho Paulo Freire fala da conversa que teve com um combatente da independência na
Guiné Bissau que lutou junto com Amílcar Cabral.
“[...] Ele conversando comigo eu lhe perguntei: O que foi que mais te impressionou, na
tua passagem por Amílcar? e ele disse: Camarada Paulo Freire, o que mais me impressionou no
camarada Cabral, era a capacidade que ele tinha de conhecer o que ainda não estava aqui. O
que será isso? Perguntei; Ele disse: [...]Uma vez nós estávamos na frente de batalha, numa certa
zona de luta, depois de uma semana de castigo forte de aviação da tuga, o camarada Cabral chegou
para uma visita de inspeção e de estudos. Amílcar Cabral, conversava, avaliava o processo de
luta, e em certo momento disse: Eu preciso retirar duzentos de vocês da frente de luta, para
mandar para Conacri, para o Instituto de Capacitação, para capacitar os duzentos e depois trazêlos para o interior do país para as zonas libertadas, no sentido de trabalhar como professores. E aí
o jovem então olha para mim e diz[...] Como é que eu que estava com fuzil na mão, vendo o meu
companheiro cair morto junto de mim, os tugas matando a gente, como é que eu podia naquela
hora pensar que pudesse haver a possibilidade de duzentos de nós, saírem de luta pra ir estudar.
Então a minha reação foi a seguinte: Mas camarada Amílcar, esse negócio de educação, fica para
depois. [...] fica para quando a gente botar os tugas para fora, aí a gente pensa na educação, aí a
gente se forma, se capacita. Eu pensava que o camarada Cabral, ia trazer duzentos pra cá, mais
duzentos guerrilheiros, e não tirar duzentos de cá. E Cabral vai e disse a ele: E porque você acha
que não está certo isso? O moço diz: Por que a gente não pode perder a guerra. Cabral então diz:
Mas é exatamente para não perder a guerra que eu preciso de duzentos de vocês.” (FREIRE: 1985).
Esse trecho da palestra de Paulo Freire demonstra a importância do intelectual
orgânico e demonstra a inteligência de Amílcar Cabral enquanto líder do PAIGC
conduzindo a luta em todas as frentes com objetivo de não apenas expulsar o colonizador
via luta armada mas também libertar as forças produtivas via processo pedagógico. Daí
podemos entender o compromisso de Cabral para com as crianças como Mané, o qual ele
deposita toda a esperança de conscientizar, o que significa a independência para lutar pela
dignidade própria.
Toda essa estratégia de luta montada por Amílcar Cabral reflete o seu compromisso
com o sonho de conquistar o horizonte da liberdade do seu povo. Sonho que ganhou força
nos diálogos com o pai na juventude. A força do compromisso o fez não cair na armadilha
montada pelos donos do mundo no processo da conquista da independência.
O interesse das novas potências da guerra fria em financiar a luta pela
independência é uma estratégia de ampliar a área de influência estabelecendo relação
neocolonial, como descreve Kwame N’krumah. Amílcar Cabral se destacou como um
grande intelectual formulando sua própria teoria para conquistar uma verdadeira
independência, e não a fictícia para cair no jogo neocolonial do imperialismo. O destaque
do seu pensamento e ação no cenário internacional certamente incomodou as potências com
ambição imperial.
Neste sentido podemos entender porque Amílcar Cabral foi
barbaramente assassinado em 20 de janeiro de 1973.
O meu grande herói morreu com sensação do dever cumprido. Isso porque a
independência que ele sonhou conquistar não poderia ser comemorada numa data
específica uma vez que é uma luta contínua. O sentimento de dever comprido consiste em
compartilhar com jovens como Mané a luta pela independência.
1.5 – Considerações finais
Cabo Verde e Guiné Bissau tomaram independência após a morte de Amílcar
Cabral. Foi na mesma época que os demais países africanos que eram colônias de Portugal.
Com exceção de Namíbia, foram os últimos países a conquistar a independência.
Hoje o continente africano é composto por 53 países. Todos praticamente tomaram
independência na década de 60, momento auge da operação transferência de colônia, a
Guerra Fria. Apenas as colônias portuguesas conquistaram a independência na metade da
década de 70. Todos os países africanos hoje convivem com uma realidade neocolonial.
Isso demonstra o sucesso da operação montada pelas potências hegemônicas após a
segunda guerra mundial. Por outro lado, as potências colônias da Idade Moderna
conseguiram conservar seus laços de tradição colonial. Isso é visível através das
instituições que agrupam as ex-colônias como o caso da Comunidade Britânica, Aliança
Francesa e CPLP. Estas intuições garantem presença do ex-colonizador, reforçando o
quadro da exploração neocolonial juntamente com as potências emergentes da segunda
guerra mundial.
Amílcar Cabral sonhou com uma realidade diferente do que acontece hoje com os
países africanos. Criou uma teoria da revolução a qual deixou como legado. Ganhou
adeptos no mundo inteiro. Paulo Freire foi um deles. Tanto que ele foi para Cabo Verde e
Guiné Bissau e outros países africanos após a independência ajudando a organizar
programa de alfabetização. Para continuar a luta de Cabral é necessário seguir em frente
para alcançar o horizonte da verdadeira independência nacional que sonhou alcançar.
Para trilhar nesse caminho temos que apostar na mesma arma que ele apostou: a
educação de crianças como Mané para lutar pela sua própria dignidade. Só através desse
meio podemos avaliar as teorias de luta por ele elaborado e repensá-las no novo contexto
que o mundo vem atravessando. Um contexto em que o poder se manifesta através da
dimensão tecnológica. Para isso é necessário que cada vez mais tenhamos na sala de aula
professores como Estevão que valorizem o herói nacional através de poemas e reflexões
para que a luta possa ser continuada.
Cap II - PAULO FREIRE
2.1 – Introdução
Os registros da história apontam que o mundo sempre foi dominado pelos impérios.
Para combater essa dominação é necessário que se construa uma outra hegemonia que
advenha da camada dos oprimidos no sentido da emancipação dessa opressão.
Foi com esta visão que Gramsci teorizou a existência de intelectuais orgânicos.
Esses são os responsáveis em organizar o serviço de inteligência comprometido com o
interesse da camada oprimida para quebrar o cenário de opressão.
Amílcar Cabral e Paulo Freire são personalidades históricas que se destacaram na
época contemporânea por terem lutado contra a hegemonia dos grandes impérios. Estes
ganharam status de intelectuais orgânicos a serviço de uma inteligência que visa quebrar o
cenário de opressão, tornando a camada dos oprimidos protagonistas de suas próprias
histórias.
Amílcar Cabral criou uma teoria da revolução e a utilizou como ponto de apoio
para conquistar a independência do povo de Guiné Bissau e Cabo Verde do colonialismo
português. Paulo Freire projetou uma nova filosofia no campo pedagógico que visa o
sujeito da aprendizagem conquistar sua própria liberdade. Compartilhou seu pensamento
como o mundo inteiro, procurando quebrar a lógica da dominação, libertando o oprimido.
Ambos atuaram no cenário político internacional em que as duas potências
procuravam alargar suas influências através da operação transferência de colônia,
reforçando assim, a hegemonia mundial numa competição desenfreada.
O objetivo deste capítulo consiste em apresentar o pensamento de Paulo Freire.
Primeiro apresentarei a sua história de vida. Em seguida o cenário político internacional
em que ele atuou. Por último, a pedagogia da libertação, a que constitui seu pensamento
filosófico.
2.2 - História de Vida
Paulo Freire nasceu três anos antes de Amílcar Cabral. O livro de bebê escrito por
sua mãe, Edeltrudes Neves Freire, registra que ele veio ao mundo numa segunda feira do
dia 19 de setembro de 1921. Esse dia foi marcado pela aflição da doença do seu pai
Joaquim Temístocles Freire. A sua infância e adolescência foram marcadas pelo cotidiano
do Jaboatão. Uma cidadezinha situada a 18 quilômetros de Recife. Aos dez anos de idade, a
sua família teve que deixar Recife para morar em Jaboatão. Essa mudança se deve a crise
de 29 que atingiu o Brasil. Três anos depois, Paulo Freire sofreu muito com a morte do seu
pai. A perda do pai deixou uma lembrança de um grande homem com o qual descobriu a
beleza do diálogo democrático. Passou a enfrentar dificuldades econômicas já que sua mãe
tinha que cuidar sozinha dos quatro filhos. (FREIRE: 1996, pp 27-33).
O cotidiano de Jaboatão foi fundamental na formação da personalidade de Paulo
Freire. Foi aí que ele descobriu a beleza do diálogo na roda dos amigos; jogando futebol;
cantando e assobiando. Foi nesse espaço que ele despertou interesse pela sexualidade
contemplando a beleza do corpo feminino nu banhando-se no rio do Jaboatão. Também foi
nesse espaço que sofreu junto com a sua mãe, uma linda jovem viúva, a opressão da
sociedade machista. Apesar de ter nascido numa sociedade fora do domínio colonial,
conviveu com a opressão. De forma diferente, a mesma realidade marcou a infância de
Amílcar Cabral, a opressão de uma sociedade colonial.
Paulo Freire foi um aluno muito dedicado aos estudos. Aprendeu a ler e escrever
em casa com os pais antes de ir para escola. Tem uma lembrança marcante da sua primeira
professora. Foi um encontro marcado pelo profundo afeto com a jovem professora Eunice
Vasconcelos. Uma relação tão doce que ele a chamava carinhosamente de professorinha.
Com bolsa de estudo freqüentou o Colégio Oswaldo Cruz. De tão dedicado que era aos
estudos ele se tornou professor de Língua Portuguesa no mesmo Colégio. Dedicação aos
estudos é um dos pontos em comum que marca a adolescência de Paulo Freire a de Amílcar
Cabral. Aos 22 anos Paulo Freire ingressou na Faculdade de Direito de Recife, iniciando
seus estudos universitários dois anos antes de Amílcar Cabral. Diferente de Cabral que
cursou Agronomia, Freire fez opção pelo mundo jurídico porque em Pernambuco Direito
era o único curso superior que existia no ramo das ciências humanas. Antes de terminar a
faculdade, casou-se em 1944 com Elza Maria Costa Oliveira, uma professora primária.
Desta união resultou cinco filhos. (FREIRE: 1996, pp 27-33).
Inicialmente seguiu a carreira profissional de advocacia. Abandonou a carreira no
seu primeiro caso e ingressou no mundo da Pedagogia.
"Todo jovem tem sua turma, seus colegas mais próximos. Dois ou três de nós
nos reunimos, alugamos um escritório e começamos a tentar trabalhar. Estudávamos,
líamos, e claro que passamos todo um 5º ano sem ter nenhum cliente. Depois nos
formamos, nos diplomamos e, um dia, apareceu um cliente para mim. A pessoa que me
procurou era um credor. Era o secretário do dono de uma loja que tinha vendido um
equipamento para o consultório de jovem dentista. O cara comprou e não pagou e cabia
a mim então chamá-lo para discutir as possibilidades de pagamento e acioná-lo. Eu fiz
uma cartinha e uma tarde um rapaz, que era da minha idade, chegou ao escritório,
tímido, nervoso, e disse: "Realmente eu devo e não posso pagar. Sou recém-casado e
tenho os meus móveis. O senhor pode acionar os móveis etc. O senhor não pode tomar
nem os instrumentos de trabalho nem minha filhinha de um ano e pouco". Era
exatamente a idade da minha filha mais velha. Eu olhei para o moço e disse: "Olha
você e sua mulher vão ter no máximo um mês de paz, porque daqui uns quinze dias eu
vou devolver essa causa ao dono da loja que está lhe acionando. Ele vai passar mais
quinze dias para achar um outro jovem como eu, porque isso não é causa para um
advogado de renome. O sujeito lhe escreve e são mais oito dias. É uma pausa que você
vai ter para a família". Voltei para casa e Elza, minha primeira mulher, perguntou:
"Como foi hoje no escritório?". Essa é uma pergunta que, de modo geral, se burocratiza
nas relações marido e mulher. A Elza não perguntava burocraticamente. Ela estava
mesmo interessada em saber o que ocorria no escritório. Contei a ela a história, e que
tinha encerrado a minha carreira de Advocacia. Ela riu, me beijou e disse: "Eu sabia
que um dia isso ocorreria. O que você tem que fazer é Educação." (CORTELLA: 1992).
Esse relato de Paulo Freire numa entrevista concedida à revista Teoria & Debate
em 1992 nos faz perceber que mais uma vez que ele se deparou com um cenário de
opressão montado em que imperam as regras do sistema capitalista. Deste modo resolveu
lutar do lado dos humildes indefesos, os que constituíam uma ampla parcela da população
brasileira que eram excluídos da riqueza e conviviam com a miséria na região nordestina.
Foi a partir daí que, assim como Amílcar Cabral, assumiu o sonho de lutar contra o cenário
de opressão, escolhendo a educação como campo de batalha. A sua esposa Elza, teve um
papel fundamental nessa nova caminhada.
Na sua nova carreira profissional, Paulo Freire foi trabalhar no setor de Educação e
Cultura do SESI - Serviço Social da Indústria, um órgão da Confederação Nacional da
Indústria. Nesse espaço, teve contato com a educação de adultos e trabalhadores. Daí
percebeu profundamente a necessidade da alfabetização. Foi nesse espaço que começou
aprender a dialogar como pedagogo entrando no mundo do sujeito de aprendizagem.
"Eu me lembro, por exemplo, de um período em que precisei trabalhar com pescadores.
O Sesi também tinha um centro social na área pesqueira de Pernambuco e eu observei
que nos meus primeiros encontros com os pescadores, nem os entendia bem. Então eu
aproveitei um tempo livre, consegui uma casinha na praia e fui para lá com a minha
família. Nessa época eu tinha apenas três filhas, a Madalena, a Cristina e a Fátima, que
era a menorzinha. Ficamos lá um mês e eu com uma cadernetinha, repetindo, sem
saber, o Guimarães Rosa, tomando nota das frases, das palavras que os pescadores
usavam. Eu ouvia largas histórias dos pescadores e perguntava: o que quer dizer isso?
Faz mal que registre? E explicava por que precisava registrar. Os pescadores não se
sentiam ofendidos por minha curiosidade; eles se sentiam valorizados. Muitas vezes eu
explicava que aquilo que eles diziam com tal palavra eu dizia de outra forma. Foi aí que
se colocaram diante de mim, concretamente, certos problemas de linguagem; o
problema da sintaxe, o da semântica, a estrutura do pensamento diferente e a
significação das palavras dentro do contexto do discurso. Eu aprendi muito durante um
mês de convivência com os pescadores. Houve uma coisa extraordinária. Antes eu
"falava para" os pescadores, depois esse falar virou "falar com" os pescadores, porque
eu usava todas as metáforas que tinha aprendido na praia com eles. A comunicação se
fazia facilmente e eu podia colocar para eles, como desafio, questões muito sérias."
(CORTELLA: 1992).
A caminhada de Paulo Freire como pedagogo nos traz a lembrança Amílcar Cabral
como revolucionário. Preocupado em projetar uma teoria da revolução que não seja
importada mas sim que advenha das circunstâncias concretas da realidade cultural, Cabral
aproveitou o trabalho do recenseamento agrícola para conhecer cada agrupamento étnico e
cultural do seu país Guiné Bissau. A caminhada de Paulo Freire como pedagogo se
assemelha a de Cabral quando sai à procura do educando, do pescador para conhecê-lo e até
falar a sua própria língua.
Foi desse jeito que surgiu o método Paulo Freire. Uma nova filosofia de ensino que
valoriza a realidade do educando com base no diálogo voltado para o processo de
conscientização através da leitura do mundo. Essa filosofia de ensino expressa a
personalidade de Paulo Freire que se constituiu na vivência do cotidiano em Jaboatão. Uma
fase marcada pelo despertar da sexualidade e beleza do diálogo na roda de amigos.
O seu método se tornou muito conhecido em Pernambuco principalmente nos
Movimentos de Cultura Popular e também na Universidade de Recife na qual lecionou. As
primeiras experiências começaram na cidade de Angicos em 1963. Foram alfabetizados 300
trabalhadores em 45 dias. Ganhou tanto destaque que foi convidado pelo Presidente João
Goulart e pelo Ministro da Educação Paulo de Tarso C. Santos para levar a experiência a
nível nacional. Já previam em 1964 a instalação de 20 mil círculos de cultura para
alfabetizar 2 milhões de analfabetos. (GADOTTI: 1996, pp 72). O projeto foi interrompido
em 1964 pelo golpe militar, fechando todos os canais democráticos de participação popular.
Para entender esse fato, vou me reportar ao contexto da época.
No início da década de 60, no Nordeste brasileiro, metade dos 30 milhões de
habitantes eram analfabetos. O método de Paulo Freire constituía uma ameaça para a
mudança do status quo uma vez que possibilitava ao educando construir uma aprendizagem
libertadora através da conscientização. Como conseqüência, foi preso sob acusação de
subversão e ignorância. Passou 75 dias na prisão. Teve que deixar o seu próprio país e
procurar asilo. (GADOTTI: 1996, pp 72).
Em 1963, Amílcar Cabral no comando de PAIGC, deu início à luta armada
enfrentando o exército do colonialista português nos matos da Guiné Bissau. Iniciou a luta
armada após anos de campanha de mobilização popular. Enquanto Amílcar Cabral tentava
expulsar o invasor que oprimia o seu povo, Paulo Freire era expulso da sua própria pátria
por ter escolhido o caminho de ajudar aqueles que sofrem com a opressão.
Exilou-se na Bolívia. Pouco tempo após a sua chegada, a Bolívia sofreu um golpe
de Estado e teve que deixar aquele país. Partiu para o Chile onde viveu de 1964 a 1969. O
governo democrata-cristão sob comando de Eduardo Frei ia implementar importantes
reformas. Neste âmbito precisava de novos profissionais para conduzir o processo de
mudança no setor agrário e Paulo Freire foi convidado para trabalhar como assessor do
Instituto de Dasarollo Agropecuário e do Ministério da Educação. Além disso, foi
consultor do UNESCO junto ao Instituto de Capacitación e Investigación en Reforma
Agrária do Chile. Paulo Freire encontrou um espaço que lhe permitia continuar o projeto
iniciado no Brasil. (FREIRE: 1996, pp 42).
Foi dessa experiência que consolidou e
sistematizou seu pensamento político-pedagógico e escreveu uma das suas mais famosas
obra, A Pedagogia do Oprimido.
Em 1970 Paulo Freire aceitou o convite do Conselho Mundial das Igrejas em
Genebra pra trabalhar como principal consultor no Departamento de Educação. Também
aceitou convite para lecionar nos Estados Unidos. Antes de partir para Genebra morou em
Cambridge e Massachusetts dando aulas sobre suas próprias reflexões na Universidade de
Harvard. (FREIRE: 1996, pp 42).
Depois de passar quase um ano no Estados Unidos, foi para Genebra, na Suíça, onde
completou 16 anos de exílio. Foi daí que se expandiu pelo mundo seu pensamento e prática
pedagógica chegando até ao continente africano. Ali Freire estava lutando contra o
colonialismo. Ajudou a organizar um projeto de alfabetização nos países africanos que
conquistaram a independência e enfrentavam uma nova luta contra o imperialismo no
campo pedagógico. Sua participação foi importante na Tanzânia, Guiné Bissau, Cabo
Verde, São Tomé e Príncipe, Angola e Moçambique. Ele esteve em todos os países
africanos que lutaram contra o colonialismo português. Foi através do contacto direto Com
Cabo Verde e Guiné Bissau que ele conheceu melhor o meu grande herói, Amílcar Cabral.
Paulo Freire documentou a sua experiência que teve na Guiné Bissau na sua obra Cartas à
Guiné Bissau. Ele se posicionou como um militante da causa da libertação e não como um
técnico consultor. Esse ponto marca o encontro histórico de Amílcar Cabral e Paulo Freire,
dois intelectuais orgânicos, a serviço da construção de uma outra hegemonia combatendo as
potências imperiais da Idade Contemporânea.
O encontro com a causa de luta de Amílcar Cabral foi expressivo a ponto de Paulo
Freire, ao retornar para o Brasil com a anistia política e fim do regime militar, aceitou o
convite da professora Laura Maria Coutinho junto com outros colegas, quando eram alunos
de mestrado, para dar uma palestra sobre Amílcar Cabral na Universidade de Brasília em
1985. O tema da palestra foi Amílcar Cabral o Pedagogo da Revolução. Paulo Freire falou
do seu contacto com o povo de Amílcar Cabral e reconhece ter aprendido muito com ele,
considerando-o como um dos seus mestres. Nesta palestra, além da professora Laura
Coutinho esteve presente o professor Renato Hilário, Maria Luiza Angelim, Erasto Fortes
Mendonça, entre outros.
Eu fui aluno da professora Laura e do professor Renato. Eles compartilharam
comigo o que Paulo Freire havia compartilhado com eles sobre a vida e obra do meu grande
herói. A partir daí, Amílcar Cabral, junto com Paulo Freire, tornou-se o objeto de pesquisa
da minha dissertação. Essa experiência foi gratificante para a minha orientadora, professora
Raquel de Almeida Moraes, que não conhecia Amílcar Cabral apesar de conhecer o
pensamento freireano desde 1979 na Escola Normal e ter estudado pessoalmente com
Paulo Freire no curso de Pedagogia da Unicamp em 1984.
Paulo Freire retornou ao Brasil em 1979. Trouxe uma grande experiência que
ganhou em vários países do mundo. Suas obras já eram conhecidas mundialmente e
editadas em vários idiomas, já sendo reconhecido internacionalmente. Voltou para sua
pátria e continuou lutando pela mesma causa que lhe levou a ser expulso. Passou a lecionar
e andar por todos os cantos do seu país ministrando palestras e escrevendo novas obras.
Foi professor da Universidade de Campinas
- UNICAMP de 1980 a 1990. Para
isso, os alunos e professores tiveram que fazer manifestação pressionando a Reitoria da
Universidade, incluindo minha orientadora, para que a Reitoria assinasse seu contrato uma
vez que a Reitoria estava com receio da repressão do regime militar. Enquanto estudante
daquela universidade, Raquel de Almeida Moraes teve um encontro com Paulo Freire na
condição de aluna e hoje, como minha orientadora, compartilha comigo a aprendizagem
que ela teve com o grande mestre Paulo Freire.
Em 1989, Freire deu uma importante contribuição como secretário de Educação à
Prefeitura de São Paulo sob comando da prefeita Luiza Erundina. Foi uma gestão
democrática. Dois anos após deixou o comando da Secretaria de Prefeitura e continuou sua
luta escrevendo novas obras, proferindo palestras, orientando dissertações e teses. Entre as
suas novas obras se destaca A Pedagogia da Esperança: Um Encontro com a Pedagogia do
Oprimido. Ele retoma a reflexão da obra Pedagogia do Oprimido, um dos livros que ganhou
mais destaque, acrescentando as experiências e vivências que acumulou após ter andado
por vários países do mundo.
A longa caminhada de Paulo Freire foi encerrada no dia 2 de maio de 1996. Esse dia
foi marcado pela aflição uma vez que o mundo inteiro lamentou a morte de um dos maiores
pedagogos do séc XX. Ele faleceu aos 75 anos, de uma morte natural após ter abraçado a
causa dos oprimidos. Já Amílcar Cabral não teve essa sorte. A sua morte foi planejada e
executada quando ele tinha apenas 49 anos. Os opressores colonialistas queriam banir todos
aqueles que defendiam (e defendem) os oprimidos. Foi por isso que Cabral morreu tão
cedo.
Contudo, a morte desses dois grandes homens não paralisa a marcha por eles
iniciada. Cabral e Freire deixaram um legado histórico para ser seguido por aqueles que
amam a liberdade. A professora Laura Maria Coutinho, Renato Hilário e Raquel de
Almeida Moraes cumprem essa missão uma vez que compartilharam comigo os momentos
que viveram juntos a esses heróis me fazendo, assim, abrir novos caminhos para reflexão
desses intelectuais e revolucionários através dessa pesquisa de dissertação.
2.3 - Cenário Internacional
Amílcar Cabral, ao se posicionar ao lado dos que sofrem a opressão teve que pagar
com a própria vida o custo de sonhar com o horizonte da liberdade do seu povo. Paulo
Freire, ao seguir o mesmo caminho, também pagou um alto preço. Teve que abandonar sua
própria nação, ficando distante do povo que amou.
Os mesmos opressores, que certamente assassinaram Amílcar Cabral, estiveram por
trás da perseguição de Paulo Freire. Para compreender melhor esse fato, é necessário
analisar o processo da colonização e recolonização da América Latina.
A América Latina foi colonizada pelos impérios da Idade Moderna. No Tratado de
Tordesilhas, Portugal ao demarcar seu espaço de exploração exigiu que a linha
demarcatória no decreto papal fosse alterada de 100 para 370 léguas para o ocidente tendo
como ponto de referência as ilhas do arquipélago de Cabo Verde. (LOPES: 1986, pp 20).
Com isso teve a garantia de manter sob seu domínio o território brasileiro. Os demais
espaços ficaram sob domínio da exploração espanhola. Deste modo, os territórios que vão
do México à Argentina, de modo geral, foram colonizados pela Espanha. Todos esses
espaços conquistados pela Espanha e Portugal compõem uma região geográfica do
continente americano que hoje é denominado de América Latina.
Os países da América Latina conquistaram a independência na segunda década do
séc. XIX. O clima foi criado a partir da revolução francesa e as guerras napoleônicas.
Quando o exército de Napoleão penetrou na península Ibérica, a família real portuguesa
fugiu para a Brasil. A vinda do rei para a colônia foi o primeiro passo que levou à
independência do Brasil em 1822. As colônias espanholas na América também se
aproveitaram da vulnerabilidade da Espanha, que estava sofrendo a invasão do exército
napoleônico, para desencadearem revoltas com o objetivo de conquistar a independência.
(PEDRO: 1985, pp 194). Ao se livrar da invasão francesa com a derrota de Napoleão em
1815, a Espanha voltou sua atenção para as revoltas nas colônias. Daí surgiu a segunda
fase da luta pela independência, que foi de 1817 a 1824. As lutas das colônias ganharam
apoio de Inglaterra que tinha interesse em alargar a sua influência sobre as áreas de
exploração espanhola. O processo da independência ganhou mais impulso em 1823 quando
os Estados Unidos da América proclamaram a Doutrina Monroe. (LOPES: 1986, pp 78).
Foi um ato de solidariedade para com os demais países da região uma vez que se opunha a
qualquer intervenção militar imperialista no continente. Essa política já demonstra o
interesse dos EUA em estender sua área de influência na região.
Em 1824 o exército espanhol sofreu derrota e todos as suas colônias da América
praticamente proclamaram a independência. A partir desta fase surgiu uma nova
preocupação. A necessidade da união para evitar a influência imperialista. Em função disso,
Simão Bolívar convocou os representantes dos países recém-independentes para
participarem de uma conferência no Panamá. O objetivo era criar uma confederação panamericana. Kwame N'krumah teve a mesma preocupação 130 anos após com a
independência dos países africanos. O projeto pan-africanismo também consistia em unir
os países africanos recém-independentes. Ambos os projetos fracassaram. A ação dos
imperialistas foi fatal. A política por eles adotada: dividir para dominar, serviu para
neutralizar qualquer tentativa sólida de união das ex-colônias.
A grande semelhança no processo da descolonização da América Latina e da África
é que foi um processo rápido e quase simultâneo, ou seja, de 1817 a 1824 praticamente
todos os países da América Latina conquistaram as suas independências. O mesmo
aconteceu com os países do continente africano no período que vai de 1955 a 1964. A razão
disso pode ser percebida pelo clima que motivou a conquista da independência. Em ambos
os casos foram o desentendimento entre as potências imperiais a ponto de entrarem em
conflito.
O conflito das potências contemporâneas que levou a independência dos países
africanos e asiáticos como estratégia de recolonização, também colocou no mapa os países
da América Latina que já tinham conquistado a independência praticamente 50 anos antes
do continente africano sofrer uma colonização em massa. Isso tornou visível quando os
EUA reforçaram a Doutrina Monroe, declarando "América para os americanos". A razão
disso consistiu em consolidar sua influência na América Latina, fechando espaço de
manobra do adversário na região. A revolução cubana em 1959, sob a influência socialista,
tornou a disputa mais acirrada uma vez que a URSS começou a ganhar força na região.
Para fechar o cerco da influência socialista,
os EUA começaram a apoiar regimes
autoritários. Neste contexto surgiu uma onda de golpes de Estados na região levando
militares ao poder. A exemplo disso temos o golpe de 1964 no Brasil que depois foi
seguindo pela Bolívia, Chile alastrando-se pela região inteira.
Os sucessivos golpes de Estado na América Latina substituíram sistemas
democráticos por regimes autoritários. Os EUA deram apoio aos novos regimes reforçando
a opressão sobre o povo garantindo assim a sua influência na região. Foi nesse contexto que
Paulo Freire ficou sem espaço de atuação e se viu obrigado a se exilar na Bolívia, em
seguida no Chile e por último, foi para a Genebra, na Suíça. O contexto político da
América Latina não tinha espaço para conviver com um educador que fazia do processo
educativo a prática da liberdade.
O Brasil é um país que conservou a herança da colonização. A sua independência
em 1822 foi negociada. Não resultou de uma revolta popular das camadas oprimidas. Tanto
que a independência não trouxe nenhuma mudança de organização política e manteve o
regime de escravidão. Mais tarde a escravidão foi abolida. Não foi acompanhada de
nenhuma política de integração social. Conseqüentemente,
serviu para conservar o
privilégio de uma minoria. A revolução de 1930 marcou uma nova época. Foi o momento
em que o Brasil começou a ingressar no processo de industrialização deixando de ser
apenas um país agrário. Contudo, esta nova fase não alterou o quadro social de exclusão.
Todas as transições que o Brasil sofreu, seja no campo político que mudou de monarquia
para república, seja no campo econômico, conservou a distribuição desigual da riqueza.
Uma das provas disso é que até hoje o Brasil é o segundo lugar no ranking mundial dos
países no que diz respeito à má distribuição de renda.
A situação dos países da América Latina não é muito diferente. A independência foi
conquistada pelos crioulos. Estes são filhos dos colonizadores que nasceram nas colônias e
que ganharam uma nova identidade. A ambição econômica desta camada motivou a
conquista da independência para assumir o poder. O rompimento da ligação com a
metrópole não trouxe significativas mudanças para o povo que continua sendo dominado e
explorado. A condição social deste se resume na exclusão, sustentando a riqueza de uma
minoria.
Neste quadro de exclusão social das camadas populares, a proposta pedagógica de
Paulo Freire se constitui numa alternativa para que as massas populares conquistem sua
personalidade política ressurgindo como protagonista da sua história. Deste modo, sua
campanha de alfabetização ganhou a antipatia da elite dominante, o que conseqüentemente,
fez com que ele deixasse sua própria pátria.
A coligação das elites dos países da América Latina com uma potência que têm
ambição imperial criou um cenário de recolonização da América Latina como previa a
armadilha montada no esquema da guerra fria. Paulo Freire se opôs a essa política no
contexto da América Latina e Amílcar Cabral no continente africano. A luta deles trouxe
uma certeza para a humanidade: a de que ainda há esperança (a mesma que Amílcar Cabral
depositou no Mané).
Amílcar Cabral morreu primeiro, e apesar de ser três anos mais novo que Paulo
Freire, sua morte não significou o término da caminhada rumo ao horizonte da liberdade
que ele tanto sonhou. Paulo Freire fez uma peregrinação ao mundo já que foi proibido de
abraçar o seu povo. Nessa caminha, foi para o continente africano. Esteve em Guiné Bissau
e Cabo Verde, pátrias amadas por Amílcar Cabral. Teve a oportunidade de dar sua
colaboração na luta que Cabral iniciou, compartilhando sua experiência com a geração de
Mané.
2.4 - Pedagogia da Libertação
Paulo Freire e Amílcar Cabral sonharam com horizontes da liberdade e justiça.
Enquanto Amílcar Cabral lutava para libertar seu povo da dominação estrangeira, Paulo
Freire lutava para libertar o seu povo da exclusão social. Assim como Amílcar Cabral,
Paulo Freire elaborou uma teoria que lhe servisse de guia. Ele desejava combater o cenário
de opressão sustentada por uma minoria oligárquica às custas da miséria e ignorância do
povo.
O sonho em desmontar o esquema da dominação levou Paulo Freire a procurar
entender como funciona cada engrenagem da sustentação do poder. Ao exercer sua
profissão de advocacia, descobriu no mundo das leis uma estrutura bem montada que dá
sustentação ao sistema capitalista de dominação. Não resistiu, abandonou a profissão no seu
primeiro caso. Caiu no mundo da Pedagogia. Como professor começou a perceber a célula
vital do poder. Um esquema de controle silencioso que atua na mente do ser humano
através da prática educativa.
Paulo Freire abraçou de vez esse mundo. Concentrou-se num esforço mental para
entender cada engrenagem desse esquema com o intuito de desmontá-la e construir uma
contra-hegemonia que contemplasse a vocação ontológica do ser humano, que é a justiça e
a liberdade.
Nesse esforço mental, categorizou a sociedade em dois blocos. De um lado, uma
minoria dominante que está por trás da montagem do esquema de dominação. Por outro
lado, uma ampla maioria excluída sob o domínio da minoria. O primeiro ele classificou de
opressor e o segundo de oprimido. Essa categorização veio da influência do pensamento
marxista que Martin Carnoy resume no trecho a seguir.
"Podemos resumir os fundamentos de Marx (e Engels) sobre a teoria do Estado de seguinte
forma:
Em primeiro lugar, como já vimos, Marx considerava as condições materiais de uma
sociedade como a base de sua estrutura social e da consciência humana. A forma de Estado,
entretanto emerge das relações de produção, e não do desenvolvimento geral da mente humana, e
nem tampouco do conjunto das vontades dos homens. O Estado capitalista é a expressão política da
estrutura de classe inerente à produção. Desde que a burguesia, na produção capitalista, tem um
controle particular da mão-de-obra no processo de produção, ela também estende sua relação de
poder ao Estado e a outras instituições sociais.
Em segundo lugar, Marx (diferentemente de Hegel) argumentava que o Estado, emergindo
das relações de produção, não representa o bem comum, mas é a expressão política da classe
dominante. O Estado capitalista é a resposta à necessidade de mediar o conflito de classe e manter
a "ordem", uma ordem que reproduz o domínio econômico a burguesia [...]
Em terceiro lugar, Marx e Engels enfatizaram o Estado como um aparelho repressivo da
burguesia: um aparelho para legitimar o poder, para reprimir, para forçar a reprodução da
estrutura de classe e das relações de classe. Mesmo o sistema jurídico é um instrumento de
repressão e controle, desde que estabelece as regras de comportamento e as impõe, de acordo com
os valores e normas da burguesia”. (CARNOY: 1987, pp 20-22)
Ao categorizar a sociedade em dois pólos, o Estado acaba sendo um aparelho de
dominação do opressor que se materializa num sistema jurídico como um instrumento de
repressão e de controle sobre o oprimido. Ao procurar a questão central do poder, Paulo
Freire percebeu que o aparato jurídico é uma conseqüência, isto é, o foco central está no
aparato pedagógico que cria as condições para a legitimação do sistema jurídico enquanto
instrumento de controle e de repressão.
Isso marca um ponto em comum entre Amílcar Cabral e Paulo Freire. Ambos,
primeiro diagnosticaram o cenário de dominação e em seguida foram atrás da verdadeira
causa. Descobriram as mesmas causas. Amílcar Cabral apontou a repressão cultural como o
ponto central. Paulo Freire foi mais específico, apontou o aparato pedagógico usado como
instrumento de repressão.
Paulo Freire avançou no diagnóstico da causa. Ao tentar desmontar toda a
engrenagem para perceber como funciona, de novo categorizou os atores envolvidos no
processo. Identificou dois atores: educador e educando. Analisou-os sob ponto de vista de
dois critérios: a dimensão da comunicação e a relação entre eles.
No que tange à comunicação, o educador tem um papel de emissor e o educando de
receptor na sociedade capitalista. Uma comunicação vertical em que o ato de ensinar se
torna como uma operação bancária em que o educador deposita o conhecimento no
educando através dos discursos e narrações. Através disso, o significado do mundo é dado.
O educando não tem espaço para pronunciar a sua própria palavra e muito menos fazer a
leitura do mundo. Para garantir a eficiência do processo, a submissão do educando à
autoridade do educador é fundamental. Assim, não há espaço para diálogo e muito menos
para compromisso e confiança. Paulo Freire classificou essa prática educativa de educação
bancária. O seu resultado final, é uma aprendizagem cujo significado do mundo reflete o
interesse do opressor que é depositado na mente do oprimido. Este aloja assim a
consciência do opressor, conseqüentemente legitima todo o esquema de dominação
materializado no aparato jurídico.
Ao diagnosticar a causa, Paulo Freire e Amílcar Cabral focaram o mesmo ponto: a
alienação do oprimido ao alojar na sua mente a ideologia do opressor. Paulo Freire vai mais
em nível de detalhe ao explicar como isso acontece no campo educacional. Isso nos auxilia
melhor na compreensão da estrutura do poder colonial em produzir assimilados através do
aparato educativo que pode ser classificado em pedagogia da escravidão. As escolas nos
países colonizados não tratavam da realidade local, mas sim da metrópole. Todo o conteúdo
era voltado para a valorização da cultura da metrópole fomentando assim, um complexo de
inferioridade das culturas locais. Esta prática pedagógica se sustenta nos princípios
ideológicos da colonização como um processo de caridade, uma missão de civilização de
povos inferiores. A repressão cultural referida por Amílcar Cabral é o resultado de uma
educação bancária cujo objetivo é escravizar os homens.
Terminando o diagnóstico da causa, Paulo Freire percebeu de forma substancial
como se manifesta o poder sobre oprimidos: os homens e mulheres que padecem fome da
justiça e sede da liberdade. Comprometido com a causa dessas pessoas humanas, começou
a esboçar uma estratégia que quebrasse a lógica da dominação, montando assim um poder
contra-hegemônico. Para isso, repensou a prática de ensino propondo como alternativa a
pedagogia da libertação. Uma prática educativa cujo objetivo é libertar os homens ao invés
de dominá-los.
Nesta nova prática educativa, a comunicação entre o educador e educando
centraliza-se no diálogo e não no comunicado. O educando ganha um papel ativo e passa a
ter direito à palavra para pronunciar o seu mundo. O educador deixa de ser o transmissor de
conhecimento e passa a ser o problematizador, orientando o educando a construir uma
aprendizagem sobre a sua vivência, refletindo o seu cotidiano. O dialogo abaixo entre
Paulo Freire e os camponeses ilustra isso.
"Depois de alguns momentos de bom debate como um grupo de camponeses o silêncio caiu
sobre nós e nos envolveu a todos. O discurso de um deles foi o mesmo. A tradução exata do
discurso do camponês chileno que ouvira naquele fim da tarde.
- Muito bem - disse eu a eles. - Eu sei. Vocês não sabem. Mas por que eu sei e
vocês não sabem?
Aceitando o seu discurso, preparei o terreno para minha intervenção. A
vivacidade brilhava em todos. De repente a curiosidade se acendeu. A resposta não tardou.
O senhor sabe porque é doutor. Nós, não.
Exato, eu sou doutor. Vocês não. Mas, por que eu sou doutor e vocês não?
Porque foi à escola?
Porque seu pai pôde mandar o senhor à escola. O nosso, não.
E por que os pais de vocês não puderam mandar vocês à escola?
Porque era camponês?
É não ter educação, posses, trabalhar de sol a sol sem direitos, sem esperança de
um dia melhor.
E porque ao camponês falta tudo isso?
Porque Deus quer.
E quem é Deus?
É o Pai de nós todos.
E quem é pai aqui nesta reunião?
Quase todos de mão para cima, disseram que o eram.
Olhando o grupo todo em silêncio, fixei num deles e lhe perguntei: Quantos filhos você
tem?
Três.
Você seria capaz de sacrificar dois deles, submetendo os a sofrimento para que o
terceiro estudasse, com vida boa no Recife? Você seria capaz de amar assim?
Não.
Se você - disse eu - , homem de carne e osso, não é capaz de fazer uma injustiça
dessa, como é possível entender que Deus o faça? Será mesmo que Deus é o fazedor dessa coisa?
Um silêncio diferente, completamente diferente do anterior, um silêncio no qual algo
começava a ser partejado. Em seguida:
- Não. Não é Deus o fazedor de tudo. É o patrão! (FREIRE: 2001, pp 49-50)
Paulo Freire problematizou os camponeses através do exercício do diálogo. Eles
passaram a fazer uma nova leitura do mundo através das suas próprias palavras, enxergando
assim todo o esquema de dominação imposto a eles e legitimado com discurso religioso. A
partir desta leitura, eles ganham a personalidade política na medida em que descobrem que
podem lutar para alterar aquela realidade que não é dádiva de Deus mas sim, da vontade
dos homens. A educação bancária não despertaria esse olhar na medida em que o
significado do mundo é dado e não construído pelo sujeito da aprendizagem. Esse diálogo
deve ser mantido dentro de um clima de afeto. O sentimento de confiança, amizade, amor e
compromisso entre educador e educando. Essas relações afetivas é que abrem espaço para
um diálogo aberto e franco.
Mudando a natureza do diálogo e relação entre educador e educando, a
aprendizagem ganha uma nova face. Passa a ser a leitura do mundo feito pelo educando
através da sua própria palavra. Deste modo ele deixa de hospedar na sua mente a
consciência opressora e passa a construir sua própria consciência do mundo. Substitui a
consciência ingênua pela consciência libertadora. Essa transformação que a prática do
ensino libertador causa pode ser percebida na declaração de um operário favelado:
"Recentemente, ouvi de jovem operário num debate sobre a vida na favela que já se fora
o tempo em que ele tinha vergonha de ser favelado. 'Agora', dizia, 'me orgulho de nós
todos, companheiros e companheiras, do que temos feito através de nossa luta, de nossa
organização. Não é o favelado que deve ter vergonha da condição de favelado mas
quem, vivendo bem e fácil, nada faz para mudar a realidade que causa a favela.
Aprendi isso com a luta.' [...] No fundo, o discurso do jovem operário era a nova
leitura que fazia da sua experiência social de favelado. Se ontem se culpava, agora se
tornava capaz de perceber que não era apenas responsabilidade sua de se achar
naquela condição. Mas, sobretudo, se tornava capaz de perceber que a situação de
favelado não é irreversível. (FREIRE, 2002: pp 91)"
Ao procurar alternativa que quebre a engrenagem da dominação sobre os oprimidos,
Paulo Freire criou uma nova teoria pedagógica. O mesmo resultado teve o Amílcar Cabral
ao defender o suicídio da pequena burguesia como solução da libertação das forças
produtivas, o que conseqüentemente leva a conquista de independência nacional. O suicídio
da pequena burguesia é o retorno às fontes, ou seja, o assimilado recuperará sua identidade
cultural deixando de hospedar a cultura do colonizador. Esse retorno se efetiva através de
um processo pedagógico. Neste aspecto, Paulo Freire aprofunda o pensamento de Amílcar
Cabral na dimensão pedagógica ao propor a pedagogia da libertação. Neste âmbito, a
prática de ensino se centraliza na realidade cultural do educando e não na cultura opressora
do colonizador.
Através desta nova filosofia educativa, Paulo Freire desenvolveu um método de
alfabetização que em 45 dias tornava uma pessoa alfabetizada. Esse método atribui ênfase
na leitura do mundo. O alfabetizado construiria a compreensão básica de leitura escrita
fazendo leitura do mundo, ganhando assim uma consciência política da realidade que o
cerca. Isso fez Paulo Freire ganhar destaque nos círculos de cultura popular em
Pernambuco e foi convidado a levar experiência a nível nacional. A conseqüência direta
disso é que milhões de brasileiros que viviam excluídos ganhariam a visibilidade. Primeiro
construiriam um novo olhar do mundo como o operário favelado. Além disso, ao saber ler e
escrever, passariam a ter direito ao voto que na época era vedado aos analfabetos.
O povo excluído ganharia a personalidade política e quebraria a lógica da
dominação. As elites brasileiras perceberam o perigo e agiram rápido. Com o golpe militar
Paulo Freire foi preso e teve que deixar sua própria pátria. As potências com ambição
imperial certamente perceberam que Paulo Freire constituiria um perigo. Poderia atrapalhar
a operação recolonização da América Latina uma vez que o sucesso da operação está na
alienação do povo.
Semelhante a Paulo Freire, Amílcar Cabral também sofreu perseguição. Teve que
pagar com a própria vida. Ao criar uma teoria de luta que conduzisse a uma verdadeira
independência, colocaria em risco a operação transferência de colônia montada pelas
potências uma vez que difundia suas idéias para o mundo inteiro. Isso evidencia que quem
tentar lutar ao lado dos que sofrem opressão paga um alto preço.
A concepção pedagógica de Paulo Freire é marca da sua personalidade construída
no cotidiano do Jaboatão. A descoberta da sexualidade lhe trouxe a compreensão dos
desejos humanos. O diálogo com o seu pai e na roda de amigos lhe fez ganhar uma
dimensão democrática do ato de comunicar. O sofrimento que teve ao lado da sua mãe
viúva em função do comportamento de uma sociedade machista lhe deu a sensibilidade
pela injustiça. Todas essas qualidades pessoais foram fundamentais para a construção de
um olhar humanista. Deste modo,
essa vivência foi essencial para a concepção da
pedagogia da libertação que assenta numa prática educativa revestida de valores que
elevam a grandeza humana.
Análoga a Paulo Freire, a personalidade de Amílcar Cabral contribuiu no exercício
da sua luta. Uma personalidade forte que seu próprio pai reconhecia ser difícil de sofrer
persuasão. Carregou um sonho político que solidificou nos diálogos com seu pai e revestido
de coragem como sua marca pessoal. Isso foi fundamental para desenvolver uma teoria de
luta e liderar um exército de homens num cenário sangrento da dominação colonial.
O falar manso e o gesto carinhoso de Paulo Freire lhe fez aprender muito ao andar
pelo mundo. Teve contato com várias culturas diferentes. Dialogou com educadores do
mundo inteiro. Tudo isso lhe trouxe uma nova compreensão do mundo. Essa nova
experiência ficou registrada nas suas obras mais recentes. Uma das referências é A
Pedagogia da Esperança: Um reencontro com a Pedagogia do oprimido. Nesta obra não
se percebe uma classificação mecanicista de opressor e oprimido e muito menos a questão
da conscientização como um processo direto da libertação. As personagens, opressor e
oprimido, ganharam uma identidade mais difusa. O opressor não necessariamente é uma
minoria dominante. Esta autoria se configura na relação social. Podemos tomar como
exemplo disso quando Paulo Freire trata questão do gênero em que percebeu a relação de
opressão na própria linguagem sexista por ele empregada.
"[...] me lembro como se fosse agora que eu estivesse lendo as duas ou três primeiras
cartas que recebi, de como, condicionado pela ideologia autoritária, machista reagi... ao ler as
primeiras críticas que me chegavam. Ainda me disse ou me repeti o ensinado na minha meninice:
'ora, quando falo homem, a mulher necessariamente está incluída'. Em certo momento da minha
tentativa puramente ideológicas, de justificar a mim mesmo a linguagem machista que usava,
percebi a mentira ou a ocultação da verdade que havia na afirmação: 'quando falo homem, a
mulher já está incluída'. E por que os homens não se acham incluídos quando dizemos: 'as mulheres
estão decididas em mudar o mundo'? Nenhum homem se acharia incluído no discurso de nenhum
orador ou no texto de nenhum autor que escrevesse: 'as mulheres estão decididas em mudar o
mundo'. Da mesma forma como se espantam (os homens) quando a um auditório totalmente
feminino, com dois ou três homens apenas, digo: 'todos vocês deveriam' etc. Para os homens
presentes ou eu não conheço a sintaxe da língua portuguesa ou estou procurando 'brincar' com
eles. O impossível é que se pensam incluídos no meu discurso. Como explicar, a não ser
ideologicamente, a regra segundo a qual, se há duzentas mulheres numa sala e só um homem, devo
dizer: 'eles todos são trabalhadores dedicados?' Isto não é, na verdade, um problema gramatical
mas ideológico. " (FREIRE, 2002: pp 67)
Sobre a conscientização, ele deixou de usar o termo já que ganhou uma conotação
idealista, mas sem rejeitar seu “real significado”. Segue abaixo as palavras de Paulo Freire
a respeito disso.
"Num certo momento do uso, análise e interpretação dessa palavra achamos que ela tinha
uma conotação muito idealista, como se a libertação se restringisse à consciência, em outras
palavras, como se a consciência pudesse, por si só, mudar a história, sem luta. Mas não foi isso que
propus nos meus livros. Encontrei essa espécie de idealização entre cristãos, por causa da sua velha
compreensão idealista do mundo. Contudo não quero dizer que todos os cristãos são idealistas. A
teologia da libertação, por exemplo, não é idealista. Para mim, desde o início, a conscientização era
concebida como um processo que se transformava em ação. É verdade, ao reler meus primeiros
textos descobri algumas obscuridade e ingenuidade que procurei esclarecer nos textos posteriores.
E também, comecei a evitar o termo conscientização sem rejeitar o seu real significado.
(GADOTTI: 1992, pp 441)"
No lugar da conscientização, o termo que ganhou destaque é a esperança. Essa nova
visão faz apelo à continuidade da luta. O ato de se conscientizar é um passo fundamental
para a luta. Entretanto a luta não termina aí, sendo necessário ter esperança para superar
situações limites do cenário da opressão em que se encontra. Neste caso a esperança é a
energia constante para manter aceso o horizonte a ser conquistado que é vocação ontológica
do homem: a liberdade e a justiça. O diálogo de Paulo Freire com chefes de famílias sobre a
relação família-escola e relação pais e filhos baseada no castigo reflete a necessidade de ter
a esperança.
"[...] - Doutor nunca fui à sua casa, mas vou dizer ao senhor como ela é. Quantos filhos
tem? É tudo menino?
- Cinco - disse eu - mais afundado ainda na cadeira. Três meninas e dois meninos.
- Pois bem, doutor, sua casa deve ser uma casa solta no terreno, que a gente chama casa
de "oitão livre". Deve de ter um quarto só para o senhor e sua mulher. Outro quarto grande, é pras
três meninas. Tem outro tipo de doutor que tem um quarto para cada filho e filha. Mas o senhor não
é desse tipo não. Tem outro quarto para os dois meninos. Banheiro com água quente. Cozinha com
a "linha Arno" [...].
O senhor deve ter ainda um quarto onde bota os livros - sua livraria de estudo. Tá se
vendo, por sua fala, que o senhor é homem de muitas leituras e de boa memória.
Não havia nada a acrescentar nem a retirar. Aquela era a minha casa. Um mundo
diferente, espaçoso, confortável.
- Agora veja, doutor, a diferença. O senhor chega em casa cansado. A cabeça até que pode
doer no trabalho que o senhor faz. Pensar, escrever, ler, falar esses tipos de fala que o senhor fez
agora. Isso tudo cansa também. Mas - continuou - uma coisa é chegarem casa, mesmo cansado, e
encontrar as crianças tomadas banho, vestidinhas, limpas, bem comidas, sem fome, e a outra é
encontrar os meninos sujos, com fome, gritando, fazendo barulho. E a gente tendo que acordar às
quatro da manhã do outro dia para começar tudo de novo, na dor, na tristeza, na falta de
esperança. Se a gente bate nos filhos e até sai dos limites não é porque a gente não ame eles não. É
porque a dureza da vida não deixa muito para escolher” (FREIRE, 2001,pp. 26-27).
Esse trecho do diálogo faz perceber que o simples fato do sujeito que sofre opressão
ter consciência da sua situação e conhecer os mecanismos de libertação não é suficiente. A
situação limite em que se encontra só pode ser superada pela esperança.
A esperança é o que caracteriza a trajetória de luta de Amílcar Cabral. O seu pai,
Juvenal Cabral, teve consciência plena do cenário da opressão. Entretanto vivia numa
situação limite sem margem de manobra efetiva. Apenas lhe sobrava escrever cartas na
esperança de que um dia fosse lidas por alguém que pudesse fazer alguma coisa. Essa
esperança fez seu jovem filho, Amílcar Cabral, participar do seu sofrimento a ponto de lhe
questionar:
- Então para que escreveste um memorando ao ministro, se ele não pode fazer nada?
É porque sempre tenho a esperança de que, cedo ou tarde, as coisas melhorarão, e
então as pessoas recordarão o meu projeto de salvação do arquipélago que tu, hoje, levarás à
Praia e deixarás na residência do ministro. Talvez ele me receba. ( HRHATBEB, 1984: pp 5 - 6).
A esperança de Juvenal Cabral introjetou uma revolta no filho que por sua vez, na
fase adulta, deu continuidade à luta do pai. Percebeu que ele não teria força suficiente para
realizar o sonho do pai. Assim como seu pai, adotou a esperança e compartilhou com a
juventude, a nova geração, o seu sonho. Podemos perceber isso quando delegou essa
missão ao Mané que ainda era criança.
"[...] É nas crianças como esta, talvez um pouco mais velha, mais adultas, que se deve
depositar esperança. É preciso educá-las, ensiná-las a pensar na necessidade da luta pela dignidade
própria."
Através desta esperança, o legado chegou até mim. A reflexão levantada neste
trabalho contempla a minha subjetividade que reconhece Amílcar Cabral como um herói
nacional cuja luta precisa ser continuada.
Paulo Freire e Amílcar Cabral são homens valentes. Sonharam com o mundo da
liberdade e justiça. Elaboraram teorias científicas em prol desta causa. Tiveram que
enfrentar exércitos comandados por aqueles que beneficiam da injustiça e do sofrimento
alheio. Não intimidaram porque sabiam que as suas armas são mais poderosas. Estas se
resumem no poder cultural dos homens e a esperança de transformar o mundo, passando o
legado de geração para geração para que a luta seja constante. Estes dois homens morreram
entretanto continuam vivos no seio da humanidade.
2.5 – Considerações finais
Hoje a humanidade inteira reconhece a luta de Paulo Freire. Ele morreu mais
deixou uma legião de seguidores espalhados no mundo inteiro. Estes darão continuidade à
luta e deixarão o legado para a próxima geração. Paulo Freire é um grande herói. Assim
como Amílcar Cabral, soube enfrentar os poderosos desarticulando-os no ponto vital,
apontando o caminho para desconstruir o poder das elites e dos impérios. Desmontar a
mesma engrenagem sob o qual se sustenta o poder. Essa engrenagem é a cultura. A chave
para a sua desconstrução é a pedagogia.
As estratégias de Amílcar Cabral de atuar na dimensão pedagógica como arma da
libertação nacional é melhor compreendida a partir da concepção pedagógica de Paulo
Freire. A dimensão cultural foi a arma que os dois grandes heróis da humanidade usaram
para enfrentar os impérios, tentando neutralizar o operação recolonização montada pelas
potências da Idade Contemporânea.
O projeto de recolonização ainda está na agenda do grande império, os EUA. Esta,
com a falência da Rússia, vem solidificando seu espaço de atuação fazendo oposição as
potências da Idade Moderna que estão ressurgindo através da União Européia. O cenário de
luta está esta sendo montado.
Frente a essa nova ameaça, o mundo precisa de novos homens como Amílcar Cabral
e Paulo Freire. A minha geração precisa seguir o legado por eles deixado, ficando ciente da
dimensão tecnológica que está sendo usada como uma das engrenagens do esquema da
dominação. Deste modo precisamos repensar a arma da teoria de Amílcar Cabral e a
pedagogia da libertação de Paulo Freire neste novo cenário.
Cap III - A NOVA GERAÇÃO AMÍLCAR CABRAL E A TECNOLOGIA DIGITAL
3.1 - Introdução
Os registros da história relatam que os países que atingem posição de império
estendem seus poderes sobre a humanidade. Os que conquistam essa dimensão são aqueles
que detém o domínio da tecnologia sob a qual montam todo o aparato de dominação.
As potências com ambição imperial na Idade Contemporânea travaram uma guerra
silenciosa sob ameaça de armas atômicas com objetivo de colocar o resto do mundo em
pânico, criando assim um cenário favorável para alargar suas influências. Esse conflito se
centralizou no progresso tecnológico. Cada potência exibia ao mundo o seu avanço
tecnológico. O mundo inteiro ficou fascinado com a ida do homem à lua e com temor do
poder de explosão da bomba atômica. Tecnologias exclusivas de EUA e URSS que se
tornaram os donos do mundo.
A internet, uma poderosa rede de comunicação, surgiu nesse espaço de disputa
imperial. O poder de comunicação desta tecnologia revolucionou o mundo. A humanidade
conheceu uma nova era, a era digital. Com o fim da guerra fria, esta tecnologia começou a
ganhar uma dimensão expressiva. Trouxe grande impacto no processo de organização
social. Passou a ser um dos instrumentos vitais para a manipulação dos valores culturais,
movendo com maior dinâmica a engrenagem vital da dominação.
As potências imperiais encontraram um novo mecanismo para reforçar a
engrenagem da dominação tornando o exercício do poder altamente sintonizado com o
progresso tecnológico. Deste modo se percebe que o poder imperial vem se atualizando,
reduzindo cada vez mais os horizontes de sonho de Amílcar Cabral.
Neste novo cenário, a juventude de hoje que segue o legado do grande herói precisa
dar continuidade à luta. A geração filha do Mané representa a juventude de hoje em que
Amílcar Cabral depositou a esperança para continuar a sua luta. Uma luta contextualizada
com o novo cenário em que a dominação ganhou um suporte na tecnologia digital. A arma
da teoria de Amílcar Cabral complementada com a pedagogia de libertação de Paulo Freire
precisa ser repensada neste novo cenário de forma articulada com a tecnologia digital,
fazendo com que esta seja um instrumento para conquistar o horizonte de liberdade e
justiça sonhado por Amílcar Cabral.
O objetivo deste capítulo consiste em refletir sobre a missão da nova geração
Amílcar Cabral para dar continuidade à luta no cenário atual em que a tecnologia digital é
um dos instrumentos vitais da dominação.
Para isso, num primeiro momento será
apresentado um histórico da tecnologia como instrumento de dominação. Em seguida será
apresentado o contexto internacional de hoje tendo como destaque a dimensão tecnológica.
Por último será feita uma reflexão sobre a possibilidade desta tecnologia ser um
instrumento de mediação a serviço do horizonte sonhado por Amílcar Cabral.
3.2 - História da Tecnologia como Instrumento de Dominação
O desenvolvimento tecnológico é o vetor central para o progresso de qualquer
nação. Todas as potências que sonharam conquistar a dimensão imperial tiveram como
suporte o desenvolvimento tecnológico.
As potências da Idade Moderna, ao atingirem determinado nível de progresso
tecnológico, revolucionaram o setor industrial e sentiram a necessidade de expandir para
conquistar os novos mercados.
"Uma vez que, na nova era industrial, nenhuma nação poderia esperar, a longo prazo, ser autosuficiente, era necessário - de acordo com os argumentos neomercantilistas - para cada país
industrial, desenvolver um império colonial dependente de si mesmo, formando uma grande unidade
auto-abastecida, protegida, se necessário, por tarifas alfandegárias, da concorrência externa, e na
qual o país metropolitano fornecia os produtos manufaturados em troca de produtos alimentares e
matérias-primas. (BARRACLOUGH: 1976, pp 59)"
Com base nessa motivação, as potências européias iniciaram o processo de
colonização. Para se expandirem tiveram como suporte a tecnologia naval e bélica. Foi
através da superioridade técnica no setor militar (arma de fogo) que a Espanha penetrou na
América dominando os Incas e Astecas; o continente africano foi fatiado como um bolo; a
China, um grande império, se curvou frente à Inglaterra na guerra do ópio.
Os países
dominados eram transformados em colônias que deviam fornecer matéria-prima e mão de
obra barata para a metrópole e recebiam em troca produtos industrializados em larga escala,
conseqüência direta do progresso tecnológico.
Com isso podemos perceber o poderio tecnológico define a dimensão de um
império. Deste modo, a Inglaterra se destacou como maior império colonial por ser pioneira
em revolucionar a sua indústria com a introdução de novas tecnologias no setor. Todas as
potências também queriam ampliar seu poder conquistando novas colônias. Não havendo
mais espaço para conquistar, entraram em conflito entre si com objetivo de conquistar
colônias alheias. Foi daí que o mundo conheceu a primeira e a segunda guerra mundial.
Guerras sangrentas em que todo o progresso tecnológico foi colocado a serviço do
imperialismo. Um show da tecnologia militar jamais vista pela humanidade.
Os EUA se aproveitaram dessa guerra para emergir no campo da tecnologia e da
indústria, financiando a destruição dos impérios da Idade Moderna e fornecendo-lhes
tecnologia militar para se destruírem. Ao financiarem a falência da Europa, criaram espaço
para a sua atuação como império, tendo que enfrentar um inimigo que aspirava o mesmo
sonho, a URSS.
Daí começou um novo ciclo de disputa. Não mais entre as potências européias, mas
entre as duas novas potências que marcaram a era contemporânea. A missão era ampliar
suas áreas de influência sobre os impérios falidos e transferir as suas colônias para suas
bases de domínio.
Essa disputa foi visível no final da segunda guerra mundial porque o Japão, mesmo
estando dominado pelas forças Norte Americanas, foi lançado duas bombas atômicas. A
demonstração de força gerou pânico no mundo inteiro. A Rússia respondeu aos EUA sete
anos depois ao criar sua primeira bomba atômica. Apenas essas duas potências dominavam
a tecnologia de armas atômicas. Ameaçavam um ao outro gerando um clima de pânico e de
submissão ao resto de mundo que não possuía tal tecnologia. Para impor aos países a busca
de proteção numa dessas potências, os EUA criaram a OTAN, um bloco militar sob sua
liderança. Sentia-se seguro o país que se filiasse nesse bloco. A outra alternativa era o
Pacto de Versóvia, o bloco militar liderado pela URSS. Os demais países, ao caírem nessa
armadilha, se tornavam um espaço de influência.
Em 1961, Yuri Gagarin, um astronauta Russo, fez uma viagem espacial. O mundo
inteiro ficou fascinado pelo show do avanço tecnológico russo. Foi uma grande
demonstração de poder. Se um país poderia enviar satélite para espaço, certamente poderia
enviar uma bomba para qualquer canto do planeta. Para não ficarem atrás, em 20 de julho
de 1969, os EUA pisaram o solo lunar através do astronauta Neil Armstrong . A tecnologia
espacial desempenhou um papel fundamental ao serviço de inteligência e espionagem.
"A estratégia de ampliação preside a adaptação do sistema de inteligência para satélite, segundo os
imperativos da guerra comercial. A rede Echolon, por exemplo, posta em operação sob maior sigilo
em 1948 pelo Estados Unidos e seus quatros sócios (Canadá, Grã-Bretanha, Austrália e Nova
Zelândia), a fim de recolher o máximo de informações sobre a União Soviética e seus aliados, foi
reconvertida em um sistema de inteligência econômica. Esse sistema selvagem de escuta tem como
instância máxima o National Security Agency (NSA), ligado ao Pentágno, que intercepta, na maior
impunidade, utilizando para suas transmissões os satélites civis InsteIsat, os chamados telefônicos,
fax e correio eletrônicos das empresas estrangeiras. (MATTELART: 2001, pp 147)"
Além da tecnologia espacial, também foi desenvolvida a Internet, uma poderosa
rede de comunicação. Esta teve origem na revolução informática em que a tecnologia
eletrônica foi exaustivamente explorada para garantir eficiência da guerra.
"A criação e o desenvolvimento da internet nas três últimas décadas do século XX foram
conseqüência de uma fusão singular de estratégia militar, grande cooperação científica, iniciativa
tecnológica e inovação contracultural. A internet teve origem no trabalho de uma das mais
inovadoras instituições de pesquisas do mundo: a Agência de Projetos de Pesquisa Avançada
(ARPA) do departamento de defesa dos EUA. Quando o lançamento do primeiro Sputnik, em fins da
década de 1950, assustou os centros de alta tecnologia estadunidenses, a ARPA empreendeu
inúmeras iniciativas ousadas, algumas das quais mudaram a história da tecnologia e anunciaram a
chegada da Era da Informação em grande escala. Uma dessas estratégias, que desenvolvia o
conceito criado por Paul Baran na Rand Corporation em 1960-4, foi criar um sistema de
comunicação invulnerável a ataques nucleares. Com base na tecnologia de comunicação da troca
de pacotes, o sistema tornava a rede independente de centros de comando e controle, para que a
mensagem procurasse suas próprias rotas ao longo da rede, sendo remontada para voltar a ter
sentido coerente em qualquer ponto da rede. (CASTELLS: 2002, pp 82) "
Todo esse show tecnológico cumpria o mesmo ritual que moveu as potências da
Idade Moderna: aumentar o espaço de influência dominando outros povos. EUA e URSS
tinham claro interesse de fazer isso recolonizando o mundo que estava sob domínio
colonial das potências falidas da Idade Moderna. Por isso ambas transferiam a tecnologia
militar para os povos dominados conquistarem as suas independências. Uma independência
conquistada com base em tecnologia alheia, é uma armadilha, ou seja, é cair num novo
ciclo da dependência.
Esse ciclo de dependência se explica pela natureza da transferência tecnológica que
se baseia no produto final e não na engenharia da produção. Esta continua sendo segredo da
potência que exporta. Essa transferência coloca as colônias na posição de consumidoras dos
produtos resultantes do progresso tecnológico como fora durante todo o processo colonial
em que simplesmente consumiam produtos industrializados em troca de matéria prima.
Amílcar Cabral percebeu a estratégia montada na operação transferência de colônia.
Para não cair na armadilha elaborou um plano de ação para conquistar a independência de
Cabo Verde e Guiné Bissau com suporte em teorias cientificas. Percebeu que com o
simples fato de receber tecnologia militar e desencadear uma revolução armada para
expulsar os colonialistas, não necessariamente estaria conquistando a independência. Isso
porque ficaria refém de quem financiou a conquista. Ele recebeu a tecnologia militar russa
e desencadeou a luta com missão de libertar as forças produtivas. A razão disso é que
durante todo o período colonial as potências colonizadoras conquistaram progresso
tecnológico e desenvolvimento porque as suas forças produtivas estavam livres para agirem
e conflitaram, o que gera a dinâmica do progresso. O contrário aconteceu nas colônias.
Estas tiveram suas forças produtivas bloqueadas, estagnando assim toda e qualquer
possibilidade de desenvolver tecnologias e conquistar o progresso. Ao invés de
desenvolverem a tecnologia serviam de provedor da riqueza da metrópole. Tinham acesso
aos produtos industrializados mas não à logística tecnológica da sua produção. Nessas
condições, conquistar a verdadeira independência significa libertar as forças produtivas.
Estas, estando livres, entrarão em contradição e geram o progresso e conquista seus
próprios desenvolvimentos tecnológicos, quebrando o ciclo de dependência.
Amílcar Cabral lutou pela independência não exclusivamente com a tecnologia
bélica oferecida pela URSS. Usou principalmente uma tecnologia invisível que atua na
mente do homem: a pedagogia. Com base nisso, definiu a luta armada como fato e fator
cultural, centralizando a ênfase na problematização da pequena burguesia, apelando-a a se
suicidar como estratégia de recuperar a sua cultura original para fechar cerco ao invasor.
Paulo Freire também teve uma reação similar ao de Amílcar Cabral na América
Latina lutando contra o avanço de sistemas militares como conseqüência direta da operação
recolonização montada pelas potências da guerra fria. Definiu uma nova prática pedagógica
em que o campo de batalha se desloca do setor militar para o escolar através de uma prática
educativa libertadora.
Hoje vivemos num novo contexto internacional. As potencias com ambição imperial
sofreram um processo de renovação. Alguns faliram e deram espaço para outros que se
restauraram. Em paralelo, o avanço tecnológico reforçou as estratégias de dominação.
Neste caso, a missão de lutar para conquistar o horizonte de sonho de Amílcar Cabral cabe
aos jovens de hoje que ainda cultivam a esperança depositada em Mané. Estes devem
repensar o legado do herói com o novo cenário para que a luta seja uma tocha de fogo que
vai de geração para geração, fechando todo o cerco às potências com ambição imperial.
3.3 - O cenário internacional
Os jovens filhos da geração do Mané vivem em sistema de neocolonização. Uma
situação política em que os governos nacionais são controlados pelos interesses das grandes
potências. Esta situação é resultado da operação recolonização montada no cenário da
guerra fria. Os países africanos na época viviam em regime de colonização. Ao receberam
apoio militar e financeiro, conquistaram uma independência controlada.
"O continente africano é considerado um continente economicamente atrasado. O seu PIB
representa 1% do total mundial. Essa é a realidade econômica de um continente que sofreu séculos
de colonização. Durante a colonização, os países deste continente não tiveram a oportunidade de
explorar e desenvolver suas próprias economias. Essa oportunidade esteve nas mãos dos
colonizadores que exploravam toda a riqueza para abastecer a metrópole. Segundo Edmond J.
Keller, os Estados africanos, enquanto eram colônias dos países capitalistas, tinham pouca ou
nenhuma base industrial. Com a independência, eles herdaram da colonização um enorme atraso
econômico." (MONIZ: 2001, p 6)
O atraso econômico herdado da colonização deixou os países africanos numa
situação vulnerável, uma situação perfeita para restaurar os laços colônias. Estados Unidos
e URSS aproveitaram dessa situação para alargaram suas áreas de influência para
conquistar a dimensão de império. As potências européias falidas também não perderam a
oportunidade para manter os laços coloniais. Criaram instituições que agrupam as excolônias como estratégia de manter vivas os seus sonhos imperiais em que EUA e URSS
vêm tomando espaço.
"A ruptura dos laços coloniais no continente africano, que desembocou no processo de
descolonização, não se traduz numa separação radical entre as colônias e as metrópoles, ou seja,
não cessou o domínio econômico e cultural das ex-potências coloniais sobre as ex-colônias. Após a
descolonização, as ex-colônias, lideradas por ex-metrópoles, formaram comunidades de múltiplos
objetivos como forma de preservar a herança cultural e influência econômica. Atualmente temos a
Comunidade Britânica formada por ex-colônias britânicas, a Aliança francesa formada por excolônias francesas e a Comunidade dos Países de Língua Portuguesa formada por ex-colônias
portuguesas.
O estudo de caso sobre a Comunidade Britânica e CPLP evidenciou que Inglaterra e
Portugal ainda mantêm influências expressivas sobre as suas ex-colônias no continente africano. A
relação deixou de ser dominação total de metrópole sobre as colônias e passou a ser de influência
econômica e cultural de países ricos sobre pobres. Tiber Mende sustenta que a desigualdade entre
países industrializados e países pobres é uma vasta empresa de recolonização, ou seja, o renascer
do colonialismo sob formas discretas. Essa influência econômica que Inglaterra e Portugal exercem
sobre países africanos anglófonos e lusófonos, na visão de Tiber Mende e Kwame N'krumah , é
definido de neocolonialismo." (MONIZ: 2001, pp 38-39)
Isso evidencia que enquanto que EUA e URSS
montavam a operação
recolonização, as potências falidas da Idade Moderna montaram um serviço de inteligência
para recuperar seus espaços de influência. A Comunidade Britânica, Aliança Francesa e
CPLP representam essa estratégia. Deste modo se percebe que os países africanos ficaram
cercados por todos os lados. Não havia muita alternativa, daí se entende como Amílcar
Cabral foi um gênio ao perceber prematuramente este cenário e tentou fazer uma revolução
na dimensão cultural como estratégia para reverter o quadro.
Esse quadro é cada vez mais difícil de ser revertido hoje. Isso porque não há mais o
cenário de guerra fria e nem a dominação em forma do colonialismo clássico, a dominação
direta. Em 1989, a queda do muro de Berlim pôs fim ao império da URSS. Os EUA
ganharam a disputa. Ficou reconhecido como o único soberano no mundo. Entretanto, vem
sofrendo a disputa com as potências da Idade Moderna que estão ressurgindo na dimensão
de um novo império mundial. Estes, ao perderem espaço após a primeira e segunda guerra
mundial, montaram um serviço de inteligência para reconquistar o poder imperial em longo
prazo. Em função disso, formaram blocos como espaço de coligação. Desse modo, surgiu a
Comunidade Econômica Européia que hoje se tornou União Européia. Um bloco forte
formado principalmente pelas potências da Idade Moderna cujo poder é tão expressivo a
ponto de começar a concorrer com os EUA, procurando alargar sua influência pelo mundo.
Nesse novo cenário de disputa, os instrumentos de recolonização européias
(Comunidade Britânica, Aliança Francesa e CPLP) ganharam mais força. Estes atuam na
dominação cultural uma vez que centralizam seus esforços na cooperação de natureza
cultural voltada para a conservação da língua e dos costumes do colonizador, uma herança
histórica da repressão cultural efetuada durante o período de colonização.
Neste sentido, a Internet é uma tecnologia de comunicação digital que vem servindo
como um grande instrumento a serviço dessa nova estratégia de valorização da cultura
ocidental herdada nas ex-colônias. Por ser uma rede sem um centro de controle e formado
por vários nós, facilitou a comunicação, ligando o mundo inteiro numa rede, marcou uma
nova fase da revolução nos meios de comunicação. Essa rede vem servindo como principal
canal de propaganda do mundo globalizado e sem fronteira. Uma retórica que desafia as
culturas nacionais e as condenam ao desaparecimento cuja alternativa é fundir-se numa
outra, a cultura global. A cultura dita global é a cultura das potências que hoje procuram se
expandir pelo mundo. Procuram alargar suas influências aplicando uma nova estratégia de
repressão cultural.
"Em minha opinião, a sociedade informática escreverá uma nova página da história da
humanidade, pois dará um grande passo no sentido de materialização do velho ideal dos grandes
humanistas, a saber, o do homem universal, e universal em dois sentidos: no da sua formação
global, que lhe permitirá fugir do estreito caminho da especialização unilateral, que é hoje a norma,
no de se libertar do enclausuramento numa cultura nacional, para converter-se em cidadão do
mundo no melhor sentido do termo.( SCHAFF: 1995, pp 71) "
Nas palavras de Adam Schaff percebemos que a tecnologia digital é um canal de
mediação para produção do cidadão do mundo, ou seja, assimilar a cultura ocidental. O
sucesso dessa estratégia está no controle de produção e acesso a esta tecnologia. Mas é
uma tecnologia que ainda se concentra nas mãos dos países ocidentais que procuram
alargar suas influências sobre o mundo. O quadro abaixo ilustra a distribuição do acesso à
Internet no mundo.
Quantidade de pessoas com acesso a internet
Oriente Médio 5,12 milhões
África
6,31 milhões
América Latina 32,99 milhões
Ásia/Pacífico 167,86 milhões
Canadá & EUA 182,67 milhões
Europa
185,83 milhões
Mundo( Total) 580,78 milhões
Fonte: NUA http://www.nua.com/
%
0,88%
1,09%
5,68%
28,90%
31,45%
32,00%
100,00%
O que podemos notar na tabela é que os países que historicamente tiveram suas
forças produtivas livres para atuarem e que desenvolveram a engenharia da tecnologia
lideram em relação ao número de internautas, ou seja, são produtores da cultura dita
universal. Os países que foram vítimas do colonialismo, as do Oriente Médio, América
Latina e da África entram numa escala de classificação de excluídos digitais, aqueles que
estão ausentes da cultura global.
"No ano 2000, a Unesco organizou várias reuniões regionais sobre os desafios étnicos,
legais e societários postos pelo ciberespaço na África, na Ásia e no Pacífico, na América Latina e
no Caribe e na Europa/América do Norte (nessa época, os Estados Unidos ainda não tinham
voltado a participar, diferentemente do Reino Unido, do organismo internacional que tinham
deixado em 1985). Em 2001, ano oficialmente proclamado pelos Nações como ano do 'Diálogo
entre as Civilizações', por sugestão do presidente Khatami, do Irã, a Conferência Geral da Unesco
situou a luta contra a fratura digital no quadro de uma 'INFOética' e propôs aos Estados-membros
um conjunto de recomendações 'sobre o uso multilinguismo e o acesso universal ao ciberespaço',
sem os quais, dizia-se claramente, 'o processo da globalização econômica seria culturalmente
empobrecedor, desigual e injusto'. Essa estratégia foi até mesmo batizada: Iniciativa B@bel. A
Unesco também lembrou que a educação de base e a alfabetização são 'pré-requisitos para o acesso
universal ao ciberespaço'. O diagnóstico da desigualdade no acesso às novas tecnologias levou a
organizar, em conjunto com a International Union of Telecommunications (IUT), uma Cúpula
Mundial sobre a Sociedade de Informação, em 2003, em Genebra, para ali discutir a necessidade
de 'regulação global'. A idéia é considerar os campos do conhecimento e da informação como um
'bem público global', visto que se trata de uma parte constitutiva da esfera pública. Opõe-se à
doutrina ultraliberal do 'free flow of information', encerrada em uma visão mercantil do mundo,
uma definição cidadã da liberdade de informação e da liberdade de acesso à informação.
" (MATTELART: 2001, pp162-163)
O ciberespaço reflete um novo esquema de colonização do mundo análogo à
estratégia ideológica adotada pelas potências da Idade Moderna que justificavam a
colonização como uma missão de caridade em que leva civilização aos povos cuja cultura é
atrasada e inferior. Hoje a retórica da cultura global cumpre o mesmo papel ideológico para
legitimar a repressão cultural sem necessidade do uso da força militar, criando assim uma
camada de assimilados que aderem à cultura global.
A ausência da força militar nesse esquema de dominação no quadro de
neocolonialismo foi substituída pelas instituições como Comunidade Britânica, Aliança
Francesa e CPLP que usam a falsa retórica de serem vocacionadas para cuidar do bem-estar
do povo das ex-colônias. Junto a estes também se encontram os organismos financeiros
internacionais e agências diplomáticas da ONU que se apresentam como instituições
neutras para promover o bem-estar mundial. Todas essas instituições estão a serviço do
poder das grandes potências assim como a ONU foi utilizada pelas potências da época da
guerra fria. A Internet, sendo um poderoso canal de comunicação vem servindo para
reforçar toda essa retórica tornando-a "verdadeira" a todos os cidadãos que caem na
armadilha de globalização no sentido cidadão do mundo.
Toda essa estratégia montada cria um quadro de dominação invisível. Uma situação
de opressão que se torna impossível enxergar ao olho nu. Deste modo, torna-se muito
difícil a mobilização para desencadear a luta. Isso significa que a etapa da luta no cenário
neocolonial é mais árdua. Amílcar Cabral estava ciente disso tanto que em plena luta
armada compartilhou o seguinte com os companheiros de luta:
"Meus amigos, meus camaradas, esta guerra vai ser ganha por alguns da
minha geração, que escaparão, vai ser ganha por alguns da geração de vocês que
escaparão, mas sim vai ser ganha pela geração que está chegando aí [..] .E o que
acontece, é que, daqui a cinco ano por aí, seis, quando essa geração que está aí
jovenzinha, vai chegar ao momento de luta definitiva, vai precisar de usar
instrumentos de guerra, que não são o que vocês estão usando, mas sim
instrumentos de guerra que vão exigir um conhecimento matemático que vocês não
tiveram e nem têm, são conhecimentos científicos, de que a geração outra vai
precisar." (FREIRE: 1985)
As palavras de Cabral deixam bem claro que independência não é apenas ganhar a
luta armada e instalar um governo nacional. Após essa etapa, viria o cenário de dominação
invisível cuja arma de luta deve deslocar para o campo da ciência e da matemática. Esta
mensagem é para os jovens de hoje, filhos da geração Mané em que o grande herói
depositou a confiança. O recado deixado pelo mestre é usar a ciência para fazer com que a
dominação invisível seja enxergada. E a matemática para reforçar a estratégia de luta.
Os jovens precisam refletir sobre o legado que receberam do filho ilustre da pátria
mãe. No campo da ciência, a arma da teoria do mestre precisa ser repensada. Precisa ser
complementado com a pedagogia de libertação de Paulo Freire para que a dominação
invisível seja enxergada, possibilitando assim a mobilização necessária para a luta. O uso
da matemática reflete a dimensão da tecnologia digital, uma engenharia que tem como base
a linguagem matemática. Esta precisa ser usada como espaço de mediação articulada com a
pedagogia da libertação para reforçar e atualizar a arma da teoria, tornando a tecnologia um
espaço de luta para libertação.
Esta é a missão da geração de Amílcar Cabral. Uma tarefa difícil, mas que precisa
ser cumprida. Trata-se de salvar as nações que ainda hoje servem de espaço de exploração
para fomentar a riqueza dos impérios. Enquanto isso estiver acontecendo, a luta não deve
parar. Amílcar Cabral permanecerá vivo na coragem e bravura da legião de jovens que
seguirão o seu ideal.
3.4 - Pedagogia da Libertação e a Tecnologia Digital
A missão de luta da geração Amílcar Cabral se dá no contexto de neocolonização
num cenário cuja prática da opressão é invisível. A pedagogia de Libertação de Paulo
Freire se constitui uma estratégia para enxergar o novo cenário. Deste modo, a geração de
Amílcar Cabral precisa refletir sobre esta concepção pedagógica, articulando-a com os
novos desafios da luta pela emancipação.
Tal reflexão pode ser feita sob diversos ângulos. O que aqui se propõe a estudar
restringe-se ao campo da tecnologia digital, pois trata-se de uma revolução no campo da
tecnologia de comunicação. Uma inovação que veio reciclando as engrenagens de
dominação. O objetivo desse estudo consiste em repensar o uso desta tecnologia numa
lógica contra-hegemônica. Mais especificamente, refletir o seu uso como instrumento de
mediação numa prática educativa concebida dentro da visão da pedagogia de libertação de
Paulo Freire. Essa reflexão servirá de apoio para a geração Amílcar Cabral elaborar as
estratégias de luta para desencadear o movimento revolucionário de desneocolonização.
Venício Lima, ao debater sobre a atualidade do conceito de comunicação em Paulo
Freire, faz uma ligação entre tecnologia digital e concepção pedagógica freiriana.
"No momento em que as potencialidades das tecnologias interativas acenam para a quebra da
unidirecionalidade e da centralização das comunicações, o conceito de comunicação dialógica,
relacional e transformadora de Freire oferece uma referência normativa revitalizada, criativa e
desafiadora para todos aqueles que acreditam na prevalência de um modelo social comunicativo
humano e libertador." (LIMA: 2001, pp 69)
Dessa apreciação feita por Venício Lima, podemos extrair dois conceitos que
servem como indicadores ou categorias de análise sobre a possibilidade do uso da
tecnologia digital como espaço de mediação pedagógica numa concepção freiriana. O
primeiro conceito é a comunicação dialógica e o segundo é a potencialidade interativa da
tecnologia.
Para avançar nessa reflexão, num primeiro momento será definida a comunicação
dialógica de Paulo Freire. Em seguida, definiremos a potencialidade interativa da
tecnologia digital. Tendo esses dois conceitos, por último será feita uma análise sobre a
possibilidade de articular a tecnologia digital enquanto espaço de mediação com a
pedagogia de libertação de Paulo Freire.
3.4.1 - Comunicação Dialógica
Paulo Freire trabalha o conceito de comunicação tendo como categorias de análises
a dimensão política e cultural. Isso está expresso no seu ensaio intitulado Extensão ou
Comunicação?, onde ele aborda o problema de comunicação entre os técnicos e
camponeses nos seus últimos anos de experiência no Chile.
Nesse estudo ele faz uma diferenciação entre extensão e comunicação tendo como
critério a dimensão cultural e política. Ele entende a extensão como um ato de invasão
cultural.
"Tal é o dilema do agrônomo extensionista, em face do qual precisa manter-se lúcido e
crítico. Se transforma os seus conhecimentos especializados, suas técnicas, em algo estático,
materializados e os estende mecanicamente aos camponeses, invadindo indiscutivelmente sua
cultura, sua visão do mundo, concordará com o conceito de extensão e estará negando o homem
como um ser da decisão. Se, ao contrário, afirma-o através do trabalho dialógico, não invade, não
manipula, não conquista; nega então a compreensão do termo extensão." (FREIRE: 1983, pp 44)
Ao se debruçar sobre o estudo da relação entre os agrônomos e camponeses, Paulo
Freire classifica de extensão a postura dos agrônomos de transferirem seus conhecimentos
para os camponeses, ignorando as suas realidades e tornando-os agentes passivos. Isso
constitui não só a invasão cultural sobre os camponeses como também a negação deles
como atores políticos de transformação social.
Essa relação é de extensão e não de comunicação. A relação de comunicação se dá a
partir do momento em que os agrônomos adotarem uma postura de diálogo com os
camponeses. Um diálogo horizontal e amoroso. Isso significa que quando os agrônomos e
camponeses estiverem em pé de igualdade movidos pelo sentimento de amor, confiança e
compromisso haverá espaço para a comunicação, ou seja, para o diálogo.
Paulo Freire desenvolve o conceito do conhecimento a partir desta problemática:
extensão ou comunicação.
"A educação é comunicação, é diálogo, na medida em que não é a transferência de saber, mas um
encontro de sujeitos interlocutores que buscam a significação dos significados." (FREIRE: 1983, pp
69)
"Não há diálogo, porém, se não há um profundo amor ao mundo e aos homens. Não é
possível a pronúncia do mundo, que é um ato de criação e recriação, se não há amor que a inunda.
[...]
Se não amo o mundo, se não amo a vida, se não amo os homens, não me é possível o
diálogo[...]
Como posso dialogar, se me alieno a ignorância, isto é, se a vejo sempre no outro, nunca
em mim?
Como posso dialogar, se me sinto como um homem deferente, virtuoso por herança, diante
dos outros, meros 'isto', em quem não reconheço outros eu?
Como posso dialogar, se sinto participante de um gueto de homens puros, donos da
verdade e do saber, para quem todos os que estão fora são 'essa gente', ou são 'nativos inferiores'?
Como posso dialogar, se parto de que a pronúncia do mundo é tarefa de homens seletos e que a
presença das massas na história é sinal da sua deterioração que devo evitar?[...]
Ao fundar no amor, na humildade, na fé nos homens, o diálogo se faz uma relação
horizontal, em que a confiança de um pólo no outro é conseqüência óbvia. Seria uma contradição
se amoroso, humilde e cheio de fé, o diálogo não provocasse este clima de confiança entre seus
sujeitos." (FREIRE: 1970, pp 79-81)
A comunicação é o diálogo que leva os interlocutores a construírem e reconstruírem
o mundo. É todo o ato de transformação do mundo por parte dos interlocutores a partir do
seu pronunciamento do mundo com as suas próprias palavras. Não há diálogo se há
manipulação cultural e domesticação dos homens.
Um outro atributo importante do diálogo que Paulo Freire levanta é sua natureza
social. Não é relação exclusivamente do eu e tu, mas sim do nós.
"[...] O diálogo é este encontro dos homens, mediatizados pelo mundo, para pronunciá-lo, não se
esgotando, portanto na relação eu-tu." (FREIRE: 1970, pp 78)
Não há, realmente pensamento isolado, na medida que não há homem isolado[..]
Todo o ato de pensar exige um sujeito que pensa, um objeto pensado, que mediatiza o primeiro
sujeito do segundo, e a comunicação entre ambos, que se dá através de signos lingüísticos[..]
Deste modo, além do sujeito pensante, do objeto pensado, haveria, como exigência (tão
necessária como a do primeiro sujeito e a do objeto), a presença de outro sujeito pensante,
representado na expressão de companhia. Seria um verbo 'co-subjetivo-objetivo', cuja ação incide
no objeto seria, por isto mesmo, co-participada.
O sujeito pensante não pode pensar sozinho; não pode pensar sem a co-participação de
outros sujeitos no ato de pensar sobre o objeto. Não há um 'penso', mas sim um 'pensamos'. É o
'pensamos' que estabelece o 'penso' e não o contrário.
Esta co-participação dos sujeitos no ato de pensar se dá na comunicação. O objeto, por
isso mesmo, não é a incidência terminativa do pensamento de um sujeito, mas o mediatizador da
comunicação." (FREIRE: 1983, pp 66)
A dimensão social do diálogo concebe o interlocutor dentro do seu universo sóciocultural. O diálogo acaba sendo uma relação do sujeito com a sua realidade uma vez que ao
pronunciar sua própria palavra faz uma nova leitura do seu mundo e o transforma. Isso
ocorre no encontro entre os homens. Por exemplo, o encontro entre os agrônomos e os
camponeses faz com que ambos reconstruam e recriem o significado do mundo a partir uma
relação dialógica.
Através da natureza cultural e política da comunicação, Paulo Freire classifica dois
tipos de educação: bancária e libertadora.
A concepção bancária da educação se constitui num instrumento da opressão na
medida em que não há diálogo. Há extensão do conhecimento do educador para o
educando. Uma transferência de saber com objetivo de alojar na mente do educando a
consciência de uma realidade que não faz parte do seu cotidiano. Deste modo, se efetua
uma invasão cultural, prescrevendo a leitura do mundo segundo os interesses alheios. Nesta
prática educativa, a relação entre educador e educando é vertical e não se fundamenta na fé
e amor entre os homens. Sendo assim, o sujeito de aprendizagem não faz leitura do seu
mundo para o transformar, pois se torna um sujeito passivo.
Como alternativa, Paulo Freire propõe uma nova prática educativa comprometida
com a libertação dos homens. Esta deve fundamentar na comunicação e não na extensão. A
educação libertadora seria uma educação dialógica na medida em que a relação entre o
educador e educando ocorre dentro dos horizontes da igualdade pautada pela fé e amor.
Assim, se cria um clima favorável ao diálogo, o que leva o educando a construir uma
aprendizagem do seu mundo, pronunciando sua própria palavra. Esta aprendizagem
possibilita o educando se tornar um sujeito político para transformar a sua realidade.
Em suma, comunicação para Paulo Freire pressupõe o ato político de transformar a
realidade e não a manipulação ou invasão cultural. Esse conceito de comunicação é uma
leitura mais aprofundada da arma da teoria de Amílcar Cabral. Uma estratégia pedagógica
sobre a dimensão cultural cujo objetivo é transformar a realidade do quadro colonial.
3.4.2 - Potencialidade interativa da tecnologia digital
A tecnologia digital aqui se refere a rede mundial de computadores, a Internet. A
rede que Manuel Castells descreve tem sua origem dentro do setor militar. É nosso
propósito efetuar uma análise sobre a sua potencialidade, enquanto canal de comunicação,
no que diz respeito à interatividade.
Para efetuar essa análise, é necessário primeiro fazer uma apresentação conceitual
da Internet na sua dimensão técnica. Em seguida, debruçar sobre a sua dimensão
comunicativa, tendo como indicador de análise a interatividade. Porém, antes de falar da
Internet é necessário falar do computador. Considero que assim é a melhor forma de
entender o universo da engenharia.
É senso comum definir-se uma máquina pela sua função. Por exemplo: microonda
serve para aquecer alimentos; do mesmo modo, o carro serve para transporte. Já o
computador é uma máquina que não tem uma finalidade específica. A sua finalidade é
definida por um conjunto de instruções lógicas escritas em linguagem matemática, o código
binário. Essas instruções lógicas são denominadas de software, ou seja, programas, fazendo
com que o computador tenha uma função bem definida: interpretar instruções escritas em
código binário. Essa é a sua função técnica, assim como o microondas que tecnicamente
tem a função de elevar a temperatura aquecendo os alimentos como eletrodoméstico na
cozinha. Por essa perspectiva, pode-se entender porque que o computador tem diversas
funcionalidades. É usado para a contabilidade bancária. Também serve como máquina de
escrever. Serve como piloto automático e até para simular o efeito da explosão de uma
bomba atômica. Todas essas funcionalidades são definidas pelos programas nele colocados
e não tem nada de inteligente. É igual ao volante de um carro, segue as instruções do
motorista; no caso segue as instruções do programador que desenvolveu o software.
Entretanto, existem pesquisas que refutam essas colocações. A comunidade da
inteligência artificial não entende que o computador seja como uma máquina qualquer.
Com suas pesquisas sustentam que é possível o computador desempenhar funções
inteligentes, o que o aproximaria da capacidade humana. Inúmeros filmes de ficção
científica já abordam essa possibilidade, como o caso 2001 uma Odisséia no Espaço,
Matrix, e outros. Não é nosso propósito, nesta pesquisa, aprofundar essa questão, mas
queremos deixar registrado a existência dessa polêmica ontológica acerca do computador.
Um computador pode executar instruções de vários programas. O mesmo
computador que se usa para escrever uma carta, também pode ser usado para fazer
operações contábeis. As duas atividades podem ser feitas simultaneamente. Para entender
isso, é necessário explicar o conceito do sistema operacional. Geralmente todo computador
usa um sistema operacional. Os mais conhecidos popularmente são o Windows,
da
empresa Microsoft e o Linux, de uma comunidade que desenvolve sistemas livres (Free
Software). Além destes, existem vários outros.
Sistema operacional é um programa que serve como plataforma de gerenciamento
dos outros programas. Por exemplo: Word é um programa que serve para processamento de
texto; já o Excel serve para gerenciar planilhas e efetuar cálculos estatísticos e contábeis.
Ambos são executados dentro do programa maior, a plataforma que constitui o sistema
operacional. No sistema operacional podem ser adicionados quantos programas forem
necessários, em função da capacidade do computador. Assim, o computador acaba tendo
múltiplas funções, diferenciando-se de uma máquina como microondas ou carro.
Bem, agora que já ficou claro o que é computador, vamos falar da Internet. Como a
função do computador é definida pelo programa, este serve também como canal de
comunicação. Isso foi possível através de programas que permitem troca de dados entre
computadores. Daí surgiu a rede de computadores. Um conjunto de computadores ligados
uns aos outros. A internet é a maior rede de computadores do mundo. A sua abreviatura é
www que significa wide world web.
Como vimos, a Internet teve sua origem nos Estados Unidos. Considerada uma
espécie de filha da Guerra Fria, nasceu para atender as necessidades militares de defesa do
país no caso de ataque nuclear pela União Soviética, por razões estratégicas, a rede não tem
um centro, um diretor, nem pertence a nenhuma empresa.
Mattelart (2002:63) relata que em 1958, o Pentágono criou a Darpa (Defense
Advanced Research Projects Agency), uma agência de coordenação de contratos de
pesquisa federais. Dez anos mais tarde, esta agência inaugurou a rede Arpanet, ancestral da
Internet, para facilitar os contatos entre as várias equipes contratantes. A rede começou a
funcionar em 1969, conectando a ela quatro universidades americanas. A seguir, surgiriam
os diferentes protocolos e, em 1981, a Bitnet, anterior à Internet, originada da expressão
“Because It´s Time to NETwork / “porque já é hora de a rede funcionar”, com grupos de
discussão, correio eletrônico e transferência de arquivos entre universidades americanas.
Já dá para entender porque essa rede surgiu no ambiente militar. Tendo em conta
que a sua arquitetura é distribuída e descentralizada, mesmo que uma bomba acerte um
computador ou grupo de computadores da rede, não é suficiente para destruir as
informações que estão descentralizadas pela rede inteira.
Agora vamos entender como funciona a comunicação pela Internet. Imaginem que
uma pessoa envia uma mensagem pelo correio eletrônico para uma outra pessoa que pode
estar em qualquer canto do planeta. Primeiro passo, o remetente escreve o texto da
mensagem num programa de correio eletrônico. Ao terminar, dá instrução ao programa
para enviar a mensagem. O programa do correio eletrônico traduz o texto para linguagem
binária. Por exemplo, a letra A corresponde ao número 65. No código binário 65 equivale á
1000001. Desse modo, o texto inteiro é traduzido. Todo código binário é transportado até o
destino. O programa de correio eletrônico do computador destino faz a tradução inversa.
Traduz o código binário em texto original, ou seja, o código 1000001 é traduzido para A
assim como os demais textos. O destinatário terá acesso ao texto original enviado. Este, por
sua vez pode se transformar em remetente, enviando uma resposta. O processo de
codificação e decodificação do texto em linguagem binária se dá de novo. O remetente
anterior se torna destinatário e assim sucessivamente.
Neste sentido, a internet enquanto canal de comunicação se constitui num exemplo
perfeito do modelo formal de Shannon. Ele propõe um modelo de comunicação que
consiste em reproduzir em um ponto de maneira exata a mensagem dada em outro ponto.
Esse modelo pressupõe uma linha de entrada e uma linha de saída. O emissor codificador
emite a mensagem que é recuperada sem falhas e distorções pelo receptor decodificador
(MATTELART: 2000, pp 57-61).
Seguindo o modelo de Shannon, a comunicação é linear e exata entre o emissor e
receptor enquanto suporte do canal, ou seja, o programa do correio eletrônico remetente
que codifica a mensagem em código binário e o programa de correio eletrônico destino,
que decodifica o código binário em mensagem original.
Ao tomar essa explicação, fica claro que o computador apenas possibilita uma
comunicação linear. Tendo em conta isso, onde entra então a dimensão interativa da
comunicação pela tecnologia digital?
Para refletir sobre essa questão, requer definir o conceito da interatividade. Vamos
trabalhar essa definição dentro da proposta de Marco Silva (2001) e Alex Fernando
Teixeira Primo (1998).
Marco Silva desenvolve reflexão sobre a comunicação através do conceito de
interatividade. Ele aponta três características de uma comunicação interativa: participação e
intervenção, bidirecionalidade-hibridadação e permutabilidade-potencialidade. A primeira é
a participação e intervenção na mensagem. Num processo de comunicação, nenhum dos
pólos deve restringir suas ações em apenas dizer sim ou não, ou então escolher entre um
conjunto de opções dados. Isso não caracteriza nenhuma participação e muito menos uma
intervenção, o que se efetiva ao desempenhar um papel ativo para modificar o conteúdo e o
processo de comunicação. A intervenção não deve restringir apenas a um dos pólos. Tem
que ser bidirecional. Isso garante que a mensagem construída no processo seja o resultado
de co-autoria de todos os pólos. A permutabilidade-potencialidade se refere a liberdade de
manipulação de cada pólo no sentido mudar e recriar, fazendo combinação de várias
possibilidades numa dinâmica aleatória e não seqüencial.
A comunicação interativa, no entender de Marco Silva, não é sinônimo da
tecnologia digital. É uma postura do comunicador. Entretanto, ele reconhece que a Internet
trouxe maior possibilidade da comunicação interativa, principalmente no que diz respeito a
permutabilidade-potencialidade.
O conceito de Marco Silva sobre interatividade não diz respeito ao canal de
comunicação do modelo de Shannon, mas sim aos sujeitos humanos que usam o canal. A
interação enquanto intervenção, bidirecionalidade e permutabilidade são atributos dos
sujeitos humanos, ou melhor, dos usuários do programa de correio eletrônico que trocam a
mensagem.
Podemos levantar dois tipos de relação nesse processo de comunicação. Numa
primeira ótica temos uma relação entre o sujeito humano e a máquina, ou seja, o usuário do
correio eletrônico e o computador. Numa segunda óptica, temos sujeito humano e sujeito
humano, tendo a máquina como intermediário. No caso, os usuários que trocam mensagem
via correio eletrônico. Para diferenciar a natureza da interação nas duas ópticas de relação,
vamos usar o conceito de interatividade de Alex Fernando.
Alex Fernando, ao desenvolver estudo sobre comunicação mediado pelo
computador, define dois tipos de interação: reativa e mútua. A interação reativa se
caracteriza pela linearidade e ocorre em ambientes fechados. Todas as possibilidades são
previamente definidas. Nenhuma situação pode ocorrer se não for prevista. Não há
possibilidade para efetuar a criatividade ou simular novas situações. Esse tipo de interação
é da natureza ação/reação ou estimulo/resposta do modelo behaviorista.
Tal interação ocorre principalmente na relação sujeito humano ↔ máquina ou
também na relação máquina ↔ máquina. Na primeira relação, o usuário do computador
interage com um ambiente fechado. Ele emite comando e o computador emite resposta. Se
for emitido algum comando não previsto na lógica do programa, escrita em código binário,
não haverá reação, ou seja, a resposta. A liberdade comunicativa do usuário é condicionada
pelas possibilidades previstas no programa.
A mesma interação se dá entre dois
computadores ou dois programas de computadores. Por exemplo, o computador remetente
envia mensagem de texto codificado para o computador destinatário. O programa do
computador destinatário só reage aos comandos previamente definidos. O mesmo se aplica
ao computador remetente. Qualquer comando não previsto pode resultar em erro.
A interação mútua, entretanto, se dá num ambiente aberto em que novas situações
podem ser criadas mesmo não sendo previstas. Nada é pré-determinado. Tudo é criando em
função da dinâmica do ambiente. Esse tipo de interatividade contempla os três vetores da
comunicação interativa definida por Marco Silva: intervenção, bidirecionalidade,
permutabilidade. Esse tipo de interação ocorre principalmente na ótica da relação sujeito
humano ↔ sujeito humano mediado pelo computador. A liberdade de criar, de modificar,
de intervir e de gerar situações de imprevisibilidade são atributos dos sujeitos humanos
enquanto comunicadores. Daí entendemos porque que Marco Silva concebe interatividade
como postura do comunicador. Ele enfatiza que o computador potencializa a comunicação
interativa entre os sujeitos humanos na medida em que os usuários do correio eletrônico
podem trocar mensagens de forma livre de modo que cada usuário assume o duplo papel e
de emissor e receptor, podendo intervir no processo de comunicação.
Não há possibilidade da interação mútua ocorrer na óptica da relação sujeito
humano ↔ máquina ou máquina ↔ máquina. Isso porque a máquina só funciona dentro da
engrenagem ação/reação, situações previamente definidas. Entretanto, há possibilidade do
contrário, ou seja, a interação reativa pode ocorrer numa relação sujeito humano ↔ sujeito
humano mediado ou não por máquina. Isso já depende da postura dos comunicadores,
como coloca Marco Silva.
A Internet é uma tecnologia digital que pontencializa uma comunicação interativa
mútua entre as pessoas humanas enquanto sujeitos comunicativos. Essa interatividade não
ocorre na tecnologia enquanto canal, uma vez que partimos do pressuposto que considera
que o computador é uma máquina que apenas processa instruções matemáticas.
3.4.3 - Mediação pedagógica via tecnologia digital
A interação mútua é uma relação de diálogo na medida em que cada sujeito que
compõe o pólo de comunicação tem a possibilidade de intervir, criar e modificar. O
dialógismo de Paulo Freire ocorre numa interação mútua deste que a postura dos
comunicadores seja de compromisso, fé e amor. Uma relação de igualdade para que cada
pólo, enquanto sujeito possa pronunciar e recriar o seu mundo pelas suas próprias palavras.
Esse tipo de diálogo pode ser possível numa comunicação mediada pela tecnologia
digital uma vez que esta potencializa uma relação interativa mútua entre os sujeitos
comunicadores. Como o diálogo resulta do encontro entre os homens para pronunciarem
suas próprias palavras e transformarem o mundo, esse encontro pode ser mediatizado pela
tecnologia digital que possibilita uma comunicação interativa mútua entre os interlocutores.
Como já vimos, a interação mútua depende da postura dos sujeitos comunicantes.
Do mesmo modo, o diálogo em Paulo Freire depende do estado de espírito dos
interlocutores. Se o interesse é dominar, não há diálogo, mas sim extensão. Se o interesse é
compartilhar e aprender, há diálogo pautado pelo amor e compromisso.
O uso da tecnologia digital, enquanto canal de comunicação interativa, não
necessariamente possibilita o dialogismo freiriano. A relação de compromisso e amor entre
os interlocutores mediados ou não pela tecnologia digital possibilita o ato político de
transformar o mundo. Então a tecnologia digital possibilita a mediação do dialogismo
freiriano desde que os interlocutores tenham uma relação de confiança e amor.
Isso nos faz ter como conclusão e pressuposto que o foco central não está na
tecnologia, mas sim na postura e espírito dos interlocutores. A tecnologia, ao possibilitar
tanto uma interação reativa quanto mútua, acaba servindo como canal de extensão ou
comunicação para mediar uma prática educativa bancária ou libertadora, dependendo do
interesse em questão, o se que define pela postura dos interlocutores.
Como canal de extensão, a tecnologia mediatiza uma interação reativa cuja relação
entre os interlocutores é vertical e autoritária. Isso significa o que educador bancário pode
reproduzir seu método nesse espaço de mediação. Neste caso a potencialidade da
tecnologia de estabelecer uma comunicação descentralizada e bidirecional não é
aproveitada. O educador será o pólo emissor e os educandos pólos receptores. Deste modo,
a tecnologia serve como uma engrenagem de invasão e manipulação cultural. É neste
sentido que a internet vem sendo usada principalmente pelas potências imperiais para
invadir as outras culturas e produzir o "cidadão globalizado".
Como canal de comunicação, a tecnologia mediatiza uma interação mútua cuja
relação entre os interlocutores é de igualdade fé e compromisso. Deste modo, o educador
dialógico encontra espaço via tecnologia para veicular uma prática educativa libertadora.
Neste sentido, a potencialidade tecnológica para uma comunicação bidirecional e
descentralizada é aproveitada ao máximo. Cada interlocutor desempenha um duplo papel de
emissor e receptor. A descentralização possibilita a natureza social do diálogo na medida
em que não esgota na relação do eu e tu, mas sim do nós. Nesta perspectiva, a tecnologia
não será usada como uma engrenagem de invasão cultural e sim, como um instrumento
voltado para a libertação em que os homens se tornam sujeitos da sua própria história,
assumindo a ato político de transformar a sua realidade.
Tendo em conta que a tecnologia digital pode servir tanto para oprimir como para
libertar, cabe aqui desenvolver uma reflexão sobre a maximização do seu uso dentro da
lógica de libertação. Essa reflexão será ampliada no próximo capítulo que debruça sobre
um estudo de caso.
3.5 - Considerações finais
Quando Venício Lima debate a atualidade da comunicação de Paulo Freire em
função da potencialidade interativa da tecnologia, estava abrindo a reflexão sobre a
contextualização de Paulo Freire na nova era. Um Paulo Freire atualizado que sobrevive a
qualquer avanço da modernidade.
Esse exercício de reflexão cabe à geração Amílcar Cabral que tem a missão de
repensar a pedagogia Freiriana de forma articulada e contextualizada com a nova era, a era
digital. Uma nova fase da história em que o colonialismo se reciclou, tornando a dominação
indireta e invisível. A tecnologia digital vem sendo usada como um canal de extensão
voltado para manipulação cultural com objetivo de produzir assimilados que agora é
chamado de "cidadão universal ou globalizado". Tudo isso vem acontecendo num cenário
em que as ex-potências se modernizaram, criando comunidades que agrupam ex-colônias
cuja vocação é cultivar a cultura da ex-metrópole. Estes ainda somam ao poder de
exploração da potência que emergiu na era contemporânea, os EUA.
Amílcar Cabral já havia alertado a geração de hoje, a geração filha do Mané que a
luta passa pelo uso da ciência e da matemática. Seguindo a recomendação do mestre, as
estratégias de luta precisam ser renovadas. Deve incorporar a tecnologia dentro de uma
estratégia pedagógica voltado para o movimento revolucionário rumo a desneocolonização.
A mobilização deve ser estimulada através da prática pedagógica que faz enxergar a
dominação que é invisível.
Essa reflexão sobre o uso da tecnologia como instrumento de luta será abordada no
próximo capítulo. Através de um estudo de caso, examinaremos a possibilidade do uso da
tecnologia como instrumento de luta dentro da concepção pedagógica de Paulo Freire,
servindo como estudo de referência para a geração Amílcar Cabral repensar suas estratégias
de luta.
Cap IV - DIALOGISMO FREIRIANO NA UNB VIRTUAL
4.1 – Introdução
Como vimos, a inovação tecnológica sempre esteve a serviço do interesse dos
grandes impérios. Através da tecnologia da arma de fogo, as potências européias
colonizaram a África, a Ásia a América. O domínio da tecnologia nuclear que levou a
produção de bomba atômica fez a ex-URSS e os EUA dominarem o mundo no período da
guerra fria. Hoje o poder imperial que exerce influência sobre o mundo advém das
potências que têm domínio da tecnologia digital.
As potências sempre procuram estabilizar seus poderes através do processo de
repressão cultural. As estratégias de dominação são sempre recicladas. Acompanham o
progresso das conquistas no campo da tecnologia. Deste modo, a tecnologia digital vem
servindo como uma engrenagem de dominação no campo cultural e o seu uso no campo
pedagógico é muito expressivo.
Essa tecnologia potencializa uma comunicação interativa. Partimos do pressuposto
que podemos utilizá-la como canal de mediação pedagógica dentro de uma lógica contrahegemônica, a serviço do horizonte sonhado por Amílcar Cabral e Paulo Freire. Mas ao
contrário disso, o seu uso vem contribuindo para engrossar a camada dos excluídos,
fortalecendo as potências e classes dominantes.
Neste sentido, Raquel Moraes (2002) revela a dupla face da tecnologia digital, ao
teorizar que esta pode ser usada tanto ao serviço da opressão quanto da libertação.
"Como a maioria das tecnologias, estas podem ser usadas como instrumentos de domínio
ou de emancipação, podem fortalecer os trabalhadores ou podem ser usadas pelo capital como
poderosos instrumentos de dominação" (MORAES: 2002, 91).
Tendo em conta isso, se Amílcar Cabral e Paulo Freire estivessem vivos hoje,
certamente renovariam suas estratégias, incorporando a tecnologia digital como arma de
luta a serviço da libertação de homens e mulheres que sofrem da opressão. Como esses dois
grandes heróis já morreram, esta missão cabe a geração de jovens que seguem os seus
legados. Principalmente a geração Amílcar Cabral que tem a tarefa de conquistar a
verdadeira independência via libertação das forças produtivas. E esta, ao lutar no campo
pedagógico, deve complementar a arma da teoria de Amílcar Cabral com a pedagogia de
libertação de Paulo Freire. Isso marca o encontro da geração Amílcar Cabral e Paulo Freire
em torno da preocupação de repensar a pedagogia da libertação articulada com a tecnologia
digital enquanto espaço de mediação no campo educativo.
O Dialogismo Freiriano na UnB Virtual é um estudo de caso que contempla essa
preocupação e visa apresentar o uso da tecnologia digital desenvolvido pela Universidade
de Brasília na prática educativa nos cursos de graduação e pós-graduação. A finalidade
consiste em examinar a possibilidade da tecnologia digital servir como espaço de mediação
numa prática pedagógica concebida dentro da perspectiva dialógica de Paulo Freire.
O resultado servirá de ponto de apoio para a reflexão da geração Amílcar Cabral e
Paulo Freire que tem a nobre missão de recontextualizar a pedagogia da libertação com o
novo momento histórico, a era digital.
Este capítulo está estruturado em cinco partes. A primeira, aborda o panorama da
educação a distância na Universidade de Brasília. A segunda, apresenta a plataforma de
ensino on-line da UnB Virtual. É feita uma análise conceitual da plataforma com base nos
conceitos da interação e do dialogismo freiriano. A terceira parte, define os critérios de
análise para o estudo de caso. A quarta parte, apresenta os mecanismos de coleta de dados.
A quinta centraliza o foco nos dados coletados e os analisa à luz dos critérios de análises
estipulados.
4.2 - Educação a Distância na Universidade de Brasília
A Universidade de Brasília (UnB) é o espaço escolhido para desenvolver a pesquisa
sobre a articulação da pedagogia freiriana com a tecnologia digital enquanto espaço de
mediação. A efetivação desse estudo deve ser contextualizada dentro da política de
educação a distância da Universidade.
A Universidade de Brasília foi inaugurada em 21 de abril de 1962. A cerimônia
ocorreu no auditório Dois Candangos, na Faculdade da Educação. O projeto da
universidade começou pela faculdade que hoje me acolhe como estudante de mestrado em
Educação, na área de Tecnologias na Educação. Foi concebido por Darcy Ribeiro e Anísio
Teixeira, que projetava uma universidade que tinha como pano de fundo um projeto de
nação através de construção de saber de homens livres. Esse projeto foi frustrado com o
golpe militar de 1964.
" Queríamos trabalhar para a Nação, ser capazes de pensar e elaborar o saber brasileiro e
contribuir para a formulação do nosso projeto de Nação. Mas para isso seria preciso haver
liberdade de assumirmos riscos, cometermos erros na busca de nosso caminho. A UnB tinha que ser
uma universidade de homens livres, e, a partir do momento em que não houve mais liberdade no
Brasil, aquele sonho foi abaixo, e a UnB foi transformada em seu oposto, uma velha universidade,
que reproduz os privilégios e as classes dirigentes de um país colonizado e dependente, existindo
para outros povos que não o seu próprio. (RIBEIRO: 1978)".
A UnB conquistou suas primeiras experiências na área de educação a distância na
época que sofria de repressão militar. Na década de 70, inspirou-se no sucesso da Open
University - iniciativa
britânica da educação a distância, a UnB pretendia ser a
Universidade Aberta do Brasil, seguindo o modelo britânico. Em função disso, adquiriu
todos os direitos de tradução e publicação dos materiais da Open University. Começou a
lançar o curso de Ciência Política.
A UnB se destacou como a primeira universidade brasileira na modalidade de
Educação a Distância. O projeto não teve sucesso dado ao contexto da repressão política.
Os discursos de uma educação inovadora não acompanhavam a prática. Essa realidade
mudou a partir de 1985 em que a universidade foi democratizada. O projeto de Educação a
Distância foi retomando numa nova concepção voltada para a universalização do saber e o
pluralismo das idéias. Nesta nova concepção, a UnB criou no final dos anos oitenta, um
órgão específico com o objetivo de desenvolver a modalidade de educação a distância. Daí
surgiu o CEAD (Centro de Educação a Distância) com o objetivo de desenvolver a
modalidade de educação a distância cuja administração é, atualmente, vinculada à Reitoria.
O CEAD se destaca com grande sucesso ao desempenhar sua atividade. Tem
oferecido os seguintes cursos: Introdução Crítica ao Direito; Introdução Crítica ao Direito
do Trabalho; Política de Ciência e Tecnologia para a Década de 90; Freud, Pensamento e
Ação; Jean-Jacques Rousseau; O Pensamento Inquieto; A Redação como Libertação;
Educação, Município e Cidadania; Prevenção ao Uso Indevido de Drogas.
Tem utilizado como suporte tecnológico material impresso, CD-ROM e Internet.
O esforço de CEAD é visível pelos dados estatísticos. Até 1996, aproximadamente
mais de 10.000 pessoas foram beneficiadas pela sua modalidade de ensino.
Em 1998, a UnB modernizou a sua modalidade de Educação a Distância,
incorporando no seu seio a tecnologia digital. Em função disso, foi criada a Universidade
Virtual (UnB Virtual) com o propósito de ampliar o projeto, dando suporte, via tecnologia
digital, tanto aos cursos de graduação e pós-graduação como também aos de extensão que
o CEAD vem promovendo.
A UnB Virtual vem desempenhando seu trabalho em dois focos. No primeiro
desenvolveu uma plataforma de Educação a Distância voltada para a tecnologia da Web.
Um espaço virtual de mediação que pode ser usado tanto na modalidade de educação a
distância como presencial. O segundo foco se centraliza no suporte pedagógico sobre o uso
dessa ferramenta dentro de uma concepção inovadora do ensino.
A partir de 2002, a UnB Virtual foi integrada à instituição do CEAD. Em seguida,
detalhamos a análise da tecnologia desenvolvida.
4.3 - Plataforma da UnB Virtual
A Plataforma da UnB Virtual é um conjunto de componentes que visam criar um
espaço virtual de comunicação entre os sujeitos da prática educativa. Cada componente se
caracteriza como um programa (software) cuja finalidade é definida em função de um
determinado objetivo. Deste modo, entendemos por Plataforma um ambiente integrado de
vários componentes com objetivo intermediar o processo de ensino e aprendizagem no
plano virtual. Como todos os componentes são desenvolvidos seguindo o padrão técnico da
Internet, a Plataforma potencializa uma comunicação bidirecional e descentralizada
criando, assim, um ambiente virtual para o encontro dos sujeitos na prática educativa.
O objetivo aqui consiste em analisar cada componente da Plataforma à luz dos
conceitos teóricos da interatividade e dialogismo freiriano. Esta análise tem por finalidade
fazer uma avaliação teórica sobre a possibilidade da Plataforma servir como espaço de
mediação pedagógica para uma prática educativa concebida dentro da concepção de Paulo
Freire.
Para efeito de análise, os componentes da Plataforma serão classificados em dois
tipos: administrativos e comunicativos. Os componentes administrativos são aqueles que
potencializam apenas uma interação reativa, ou seja, os dois pólos de comunicação não têm
plena liberdade de intervir, criar e modificar. Essa possibilidade se concentra em apenas
um dos pólos comunicativos. Já os componentes comunicativos são aqueles que
potencializam uma interação mútua. Isso significa que todos os pólos envolvidos no
processo comunicativos podem interferir, criar e modificar. Cada pólo pode exercer a dupla
função de emissor e receptor.
O usuário, para ter acesso à Plataforma da UnB Virtual, precisa entrar no espaço
virtual do CEAD: www.unb.cead.br. Nesse espaço há um local de identificação através de
senha. Isso funciona como passaporte de acesso ao ambiente. Apenas os usuários
credenciados têm acesso a esse ambiente de aprendizagem.
Ao se identificar pela senha correta, entra-se no ambiente. A interface é totalmente
personalizada. Essa personalização se deve a uma base de dados que contém os registros de
cada usuário sobre as disciplinas e turmas nos quais está matriculado. Ao visualizar o
ambiente, todos os componentes ficam visíveis através dos ícones expostos numa barra de
navegação. Essa barra é personalizada. Os usuários cadastrados com perfil aluno não têm
acesso ao componente Modo Administrativo. Isso é exclusivo para usuários com perfil
tutor ou professor.
Para ilustrar as interfaces da Plataforma, tomaremos como referência, a disciplina
Organização da Educação Brasileira - OEB, ministrada pela professora Raquel de Almeida
Moraes, que usa a Plataforma da UnB Virtual como espaço de mediação pedagógica desde
1999, tendo inclusive ajudado a desenvolvê-la.
4.3.1- Página
Vamos começar a apresentação pela Página (Home Page). Este é primeiro
componente a ser apresentado logo na entrada, no caso de não existir nenhum aviso
cadastrado. Se houver alguma mensagem, o primeiro componente a ser exibido é o Aviso.
Página é um espaço que serve para disponibilizar algum conteúdo. Na Plataforma da
UnB Virtual, geralmente é usado para colocar o conteúdo da disciplina, cronograma das
atividades e textos.
Na interface da Página OEB, há informações sobre avaliação, plano de curso,
seminários e atividades. Os alunos apenas acessam as informações. Quem coloca o
conteúdo na página, geralmente é o professor ou o tutor. Há casos em que a equipe técnica
do CEAD dá suporte. Neste caso, os pólos no processo comunicativo que criam, modificam
e manipulam o conteúdo são apenas os usuários com perfil tutor ou professor. Os demais
pólos, os que constituem usuários com perfil aluno, desempenham apenas o papel receptor.
Não modificam e nem manipulam o conteúdo.
Há tecnologia que possibilita produção de Página de forma dinâmica para que todos
os pólos possam manipular o conteúdo. Isso não é o caso da UnB Virtual. Deste modo, o
componente Página é usado pelo professor/tutor como uma ferramenta da administração do
curso. Por isso a classificamos como um componente administrativo já que a forma como
vem sendo produzida, possibilita apenas uma interação reativa e não mútua.
4.3.2 – Agenda
Agenda é um componente que possibilita apresentar um cronograma de atividades.
Serve como que se fosse um calendário. A sua interface lista a seqüência de atividades ou
eventos pela ordem da data.
Os usuários com perfil aluno têm acesso apenas a leitura do calendário. Já a
interface apresentada para usuários professor/tutor possibilita, além de fazer leitura,
cadastrar/apagar/alterar os dados. Esse componente foi projetado exclusivamente para a
atividade administrativa do professor/tutor.
Como os usuários com perfil aluno constituem apenas um pólo de recepção, esse
componente, assim como a Página, quanto à
classificação, enquadra-se na dimensão
administrativa.
4.3.3 – Avisos
Avisos é similar à agenda. A diferença é que os anúncios são exibidos e organizados
pela data de cadastro. Assim como agenda, é muito usado pelos professores e tutores para
planejarem por escrito as atividades.
A sua interface é similar a da agenda. Apenas professor e tutor podem cadastrar,
editar e apagar avisos. Os alunos se limitam apenas a sua leitura. Deste modo, este
componente recebe a mesma classificação que agenda, ou seja, é uma ferramenta
administrativa.
4.3.4 - Avaliação
A avaliação é um componente que tem a funcionalidade de uma planilha. Serve para
lançar notas e efetuar cálculos da média em função do peso de cada avaliação. A sua
interface é totalmente diferenciada entre alunos e professor/tutor.
O professor/tutor tem a possibilidade de criar novas avaliações e lançar as notas dos
alunos. Essa possibilidade é ampla, isto é, abrange alterar/apagar uma nota ou mesmo uma
avaliação.
Os alunos apenas podem consultar a nota e a menção dada pelo professor/tutor.
Mesmo que a metodologia de ensino adotada abra espaço para auto-avaliação, a interface
não possibilita ao aluno lançar sua própria nota.
Esse componente foi desenvolvido para o professor/tutor gerenciar a planilha de
nota. Em nenhum momento foi pensado na possibilidade do aluno intervir. Assim,
enquadra-se na classificação de um componente administrativo.
A interface da Avaliação incorpora atalho (link) para Questionário de Avaliação. No
Questionário, os alunos apenas têm a possibilidade de responder livremente nas questões de
formato texto em que eles redigem as respostas. Já os outros tipos de formatos das questões
tais como única escolha, múltipla escolha e verdadeira ou falsa, são opções de resposta às
questões formuladas. Cabe ao usuário escolher a resposta numa lista pré-definida. Isso
caracteriza situação de interação reativa. O contrário acontece quando se trata de questão de
formato texto, apesar dos alunos não poderem elaborar novas questões.
4.3.5 - Participantes do curso
Este componente exibe uma lista de todos os participantes da turma. A lista
apresenta os seguintes dados: perfil (categoria), nome e correio eletrônico de cada
participante. Se o participante tiver sua própria Página, este é exibido em forma de atalho
no nome.
A interface desse componente não apresenta nenhum mecanismo de alteração dos
dados nem para professor/tutor e nem para os alunos.
Apenas a equipe técnica do CEAD pode cadastrar/apagar usuário. A interface que
possibilita isso é um componente usado apenas pela administração interna do CEAD.
Tanto o professor/tutor quanto os alunos podem alterar apenas os seus respectivos
dados do correio eletrônico e endereço de Página via um outro componente, o perfil.
Essa interface, por disponibilizar o endereço do correio eletrônico de cada
participante, possibilita a troca de mensagem individual, usando a interface do Correio
Eletrônico do Sistema Operacional instalado no computador do usuário.
O poder de manipulação aqui é muito restrito, pois esse componente se enquadra na
classificação administrativa, salvo a exceção da possibilidade de troca de informações via
correio eletrônico, o que leva esse componente à abertura para uma interação mútua,
classificando-se como do tipo comunicacional.
4.3.6 - Perfil
Perfil é uma interface personalizada para cada usuário. Possibilita alterar a senha de
acesso e cadastrar/alterar endereços de correio eletrônico e da página. A senha de todo
usuário, ao ser matriculado na Plataforma, é o número de matrícula. Apenas o componente
Perfil possibilita o usuário alterá-la.
A interface desse componente é personalizada, ou seja, é um mecanismo restrito
para que cada usuário administre, individualmente, seus dados pessoais.
As opções, contudo, são limitadas. A possibilidade de manipulação recai sobre as
opções dadas, assim, a interação é reativa. Deste modo, o Perfil entra na classificação de
um componente administrativo.
4.3.7 - Sala de Bate Papo
Sala de Bate Papo é um componente que possibilita uma conversa entre os usuários
da mesma turma. Uma conversa síncrona, ou seja, todos os usuários devem estar
conectados no mesmo espaço de tempo, entretanto não necessariamente no mesmo espaço
físico. O espaço físico, nesse caso, é o ambiente virtual da Plataforma.
Isso possibilita aos alunos, tutores e professores desencadearem uma conversa. Uma
das grandes vantagens é a possibilidade do anonimato. A sua interface possibilita ao
usuário mudar o seu nome de identificação para personagens desconhecidas. Isso garante o
anonimato quanto à autoria das idéias.
Esse recurso possibilita encontros virtuais com horas marcadas para trabalho de
grupo, debate e tira dúvidas. A interface para o professor/tutor e alunos é a mesma.
Diferente de todos os outros componentes, este possibilita a todos os interlocutores,
enquanto pólos de comunicação, uma liberdade total para pronunciarem suas palavras e
interferirem de forma plena. Cada usuário pode assumir o duplo papel de emissor e
receptor. A interação é mútua. A ótica da relação é sujeito humano ↔ sujeito humano,
mediatizado via computador. A nosso ver, constitui-se um espaço perfeito para que cada
interlocutor pronuncie sua própria palavra fazendo sua leitura do mundo a partir do
encontro com outros interlocutores, como sustenta a visão dialógica de Paulo Freire.
Esse componente se enquadra na classificação de componente comunicativo dado a
sua potencialidade para o processo bidirecional e descentralizado entre os pólos
comunicativos.
4.3.8 - Correio Eletrônico
Correio eletrônico é um endereço virtual. Pode ser comparado ao endereço de uma
residência. Enviar uma mensagem para um correio eletrônico é o mesmo que enviar uma
correspondência. Possibilita uma comunicação individual, ou seja, terá acesso ao conteúdo
da mensagem apenas o remitente especificado.
Esse componente, na Plataforma, possibilita ao aluno trocar mensagem apenas com
o professor/tutor, pois a sua interface é disponível apenas para os alunos.
Essa interface usa o serviço do correio eletrônico interno da Plataforma. Para usá-la,
o remetente, no caso o aluno, não precisa ter um endereço eletrônico. Os que têm endereço
eletrônico podem usar o serviço de correio dos sues próprios endereços, o que geralmente
são servidores comercias tais como hotmail, ig, zipmail etc.
Esse recurso possibilita uma comunicação aberta no sentido de que cada interlocutor
elabora o seu discurso, expressa suas idéias e interfere na idéia dos outros no sentido de
refutar ou corroborar.
A comunicação se dá em dupla face, ou seja, o emissor também assume o papel de
receptor. Esse componente enquadra na classificação de ferramenta comunicativa.
4.3.9 - Lista de Discussão
A lista de discussão é um endereço de correio eletrônico. Equivale ao endereço de
uma aldeia. Enviar uma mensagem para uma lista é como se estivesse enviando uma
mensagem para cada morador da aldeia. O endereço da lista, ao receber uma mensagem,
distribui uma cópia da mesma para cada endereço nela cadastrada.
Esse recurso é utilizado para estimular debates e reflexões. Serve muito para troca
de arquivos. É um mecanismo viável para tirar dúvidas. Um aluno pode enviar uma dúvida
ou questão para a lista. Um outro aluno ou mesmo o professor/tutor pode solucionar sua
dúvida e todos os demais terão acesso ao fluxo do diálogo. Esse tipo de comunicação
acontece na esfera do nós, não se restringindo ao eu e tu, como é o caso do Correio
Eletrônico. Isso contempla a natureza social do diálogo freiriano.
Diferente da Sala de Bate Papo, a Lista de Discussão possibilita a cada interlocutor
veicular um discurso e elaborar idéias em nível de detalhe. Isso não é muito possível na
Sala de Bate Papo em que ocorrem conversas através de frases curtas.
Em nível de debate, cada usuário tem plena liberdade de construir seu discurso,
intervir no discurso do outro, refutando ou corroborando. Na ótica da relação sujeito
humano ↔ sujeito humano, todos os usuários têm plena liberdade de intervir e modificar,
assumindo dupla função de emissor e receptor.
No que tange a administração da lista, a óptica da relação sujeito humano ↔
máquina, apenas o professor/tutor tem possibilidade de adicionar/remover usuário. Sua
interface fica no componente Modo Administrativo, que é visível apenas ao professor/tutor.
Assim como a Sala de Bate Papo e o Correio Eletrônico, a interação mútua faz esse
componente se encaixar na classificação de um recurso comunicativo.
4.3.10 - Fórum
O fórum é um espaço de debate semelhante à Lista de Discussão. A
diferença é que todos os discursos construídos ficam registrados na interface da Plataforma.
A Lista de Discussão não tem uma interface centralizada na Plataforma como o fórum. A
sua interface é independente da Plataforma, ou seja, é o programa do Correio Eletrônico de
cada usuário.
A interface do Fórum é como que se fosse um mural de avisos. Um usuário coloca
uma questão. Um outro pode responder. Um terceiro pode responder a questão ou também
comentar a resposta do segundo. Deste modo, acaba formando uma cadeia de comunicação
síncrona ou assíncrona.
A organização do Fórum pelo tema, torna esse componente um recurso importante
para organizar debates e reflexões entre grupos de estudo. A interface do Módulo
Administrativo possibilita ao professor/tutor criar temas para Fórum. Isso possibilita a
organização de debate por assunto ou área de interesse. Essa possibilidade é vedada ao
aluno.
Ao entrar no Fórum, primeiro são apresentados todos os temas do Fórum mediante
uma interface. O usuário seleciona o tema em que deseja participar.
O Fórum é um componente comunicativo na medida em que possibilita uma
interação mútua entre os usuários. Cada interlocutor tem plena liberdade de interferir,
elaborando seu discurso, pronunciando seu pensamento. Neste caso, se os interlocutores
adotarem uma relação horizontal pautado pelo sentimento de fé e amor, esse espaço
viabiliza um diálogo na ótica de Paulo Freire.
A possibilidade do usuário é limitada no que tange ao poder de apagar/alterar um
texto da sua autoria. Isso é atribuído apenas ao professor/tutor.
4.3.11 – Colaborativo
Colaborativo é um componente semelhante ao Fórum. É o espaço mais apropriado
para troca de arquivos. A sua semelhança com Fórum está na interface, ou seja, todo o
conteúdo colocado se concentra numa só interface dentro da Plataforma. A Lista de
Discussão também é apropriada para troca de arquivos, entretanto a sua interface é
descentralizada pelo programa de Correio Eletrônico,
que é individualizado. A
desvantagem de interface descentralizada é que não há possibilidade do fluxo de
comunicação ficar registrado numa base de dados integrado à Plataforma.
O Fórum e o Colaborativo já possibilitam o registro do fluxo, o que viabiliza a
atividade de pesquisa. A sua relevância, na dimensão acadêmica, está no processo de
avaliação e acompanhamento. Por exemplo, para efetuar essa pesquisa, os componentes
Fórum e Colaborativo se constituíram excelentes fontes de pesquisa.
O Colaborativo é muito usado para compartilhar textos produzidos. Por exemplo, no
final do curso, os trabalhos são ali colocados para o acesso global. Semelhante ao Fórum,
possibilita cada usuário intervir no processo de comunicação de forma livre e aberta. O
Colaborativo possibilita a natureza social do diálogo na visão freiriana.
O professor/tutor tem acesso a uma interface que possibilita apagar os textos. Isso
não é disponibilizado pelos alunos. No que tange ao processo de comunicação, este recurso
possibilita uma interação mútua, pois se constitui num componente comunicativo.
4.3.12 – Trabalho
O componente Trabalho tem todas as características de um Colaborativo. A
diferença está na natureza social do Colaborativo que possibilita acesso a todos os usuários.
Já Trabalho, é uma troca a nível eu e tu. Esse componente foi projetado para que cada
aluno dialogue com o professor/tutor, respeitando-se suas individualidades.
É usado como um espaço em que os alunos colocam trabalhos para serem corrigidos
pelo professor/tutor. Cada aluno tem acesso personalizado. A interface apenas possibilita o
aluno visualizar o texto da sua autoria. O professor/tutor já tem uma interface que lhe
permite visualizar todos os alunos e os seus respectivos arquivos. Essa interface permite ao
professor/tutor compartilhar um arquivo para com um determinado aluno sem que os
demais tenham acesso.
Este componente possibilita uma interação mútua, porém não socializada. Pode ser
classificado como um componente comunicativo individualizado.
4.3.13 – Link
Tratas-se de um espaço para compartilhar endereços virtuais. A internet é a maior
biblioteca do mundo. Cada usuário, ao navegar na rede, pode encontrar textos, artigos ou
publicações que julga ser importante compartilhar. Pois, pode usar desse espaço para criar
um atalho, ou seja, um link.
A interface desse componente permite organizar os links, criando blocos de
classificação que podem ser por assunto, área de interesse ou por qualquer outro critério.
Ela possibilita uma interação mútua uma vez que todos os usuários podem efetuar troca de
link de forma livre. Pois, trata-se de
um componente comunicativo. Entretanto, há uma
restrição, ou seja, apenas a interface do professor/tutor possibilita remover um atalho (link).
4.3.14 - Módulo Administrativo.
Trata-se de um componente de gerenciamento da Plataforma. É uma interface
exclusiva para professor/tutor. Permite adicionar/remover usuário à Lista de Discussão;
criar novos temas para Fórum; pesquisar a participação dos usuários no Fórum e também
gerenciar o Questionário de Avaliação.
Questionário de Avaliação é um componente que gera dinamicamente um
formulário com quatro tipos de questões: única escolha, múltipla escolha, verdadeira ou
falsa e tipo texto. Os professores usam esse recurso para aplicar questionário de avaliação
sobre o curso e também provas.
Há vários outros componentes administrativos que são de acesso exclusivos da
equipe administrativa do CEAD. São componentes para cadastro de disciplina, turmas,
usuários.
Todos esses componentes foram projetados para o processo de gerenciamento da
Plataforma. Tais processos não permitem que todos os usuários tenham pleno acesso. Pois,
não se trata de componentes comunicativos, mas sim administrativos cuja interação é
reativa e não mútua.
Todos os componentes da plataforma que possibilitam uma interação mútua,
potencialmente servem de espaço de mediação para uma prática pedagógica concebida
dentro da visão dialógica de Paulo Freire. Desse modo, podemos destacar entre os
componentes, aqueles que viabilizam a natureza social do diálogo tais como: Sala de Bate
Papo, Lista de Discussão, Fórum, Colaborativos e Links.
Apesar desses componentes potencializarem uma comunicação dialógica na ótica
freiriana, a sua viabilização prática vai depender da postura dos interlocutores. Essa postura
se define pela relação de confiança, amizade, fé e amor entre alunos, tutores e professores
na utilização da Plataforma. Essa possibilidade prática será explorada nos próximos subcapítulos que analisarão um estudo de caso.
Todos os componentes da Plataforma que não possibilitaram uma interação mútua
são recursos administrativos e gerenciais. Potencializam uma interação reativa entre os
usuários no ambiente da Plataforma. Nesta dimensão a relação se restringe à ótica do
sujeito humano ↔ máquina, ou melhor, não há uma troca bidirecional e descentralizada
entre os usuários.
Desses componentes podemos destacar: Página, Agenda, Avisos,
Participantes do Curso, Perfil e Módulo Administrativo.
Os recursos administrativos se constituem nos espaços de mediação sobre o
processo de gestão acadêmica. Na plataforma da UnB Virtual, esses recursos se centralizam
na mão do professor/tutor e equipe administrativa do CEAD. Na concepção dialógica de
Paulo Freire, esses recursos não potencializam uma gestão administrativa descentralizada e
participativa uma vez que não possibilita uma comunicação bidirecional. Uma
comunicação em que os dois pólos têm a plena liberdade de troca.
4.4 - Quadro de Pesquisa
Em 1999, a UnB Virtual precisava contratar novos quadros para reforçar a sua
equipe técnica. Nessa época eu estava no terceiro ano do curso Ciência Política na
Faculdade de Ciências Sociais Aplicadas. Apesar de ser aluno de Ciência Política, eu
estudava profundamente a informática. Todo mundo estranhava o fato de eu estar sempre
ligado na antena da modernidade digital. Alegavam que eu estava no curso errado, ou seja,
que eu devia mudar para Ciência de Computação. Como todos os meus colegas sabiam da
minha paixão pela computação, me mantinham informado sobre qualquer novidade da área.
Deste modo, um dia fui informado por um colega que havia um cartaz anunciando a
contratação de Web Designer pela UnB Virtual. Eu me interessei e fui concorrer para a
vaga.
O meu primeiro contacto com a UnB Virtual foi através da entrevista para pleitear a
vaga de Web Designer. Fui recebido pela professora Ângela Correia Dias, então diretora da
UnB Virtual. Fui classificado em segundo lugar. Acabei ocupando a vaga em Agosto de
2000. Incorporei a equipe técnica sob a coordenação de Emiliano Farias. Minha tarefa
inicial consistia em atualizar a Página da instituição e aos poucos fui conhecendo sua
Plataforma. Junto com a equipe técnica aprimorei os meus conhecimentos e passei a atuar
não só como Web Designer mas também como programador.
A partir daí passei a
desenvolver, junto com a equipe, instruções lógicas para a Plataforma.
Havia muito debate com a equipe pedagógica. Esta atendia diretamente os
professores. Cuidava dos desafios pedagógicos sobre a tecnologia. Desenvolvia um
trabalho junto com professores e alunos sobre as questões do uso da tecnologia na prática
educativa. Dava suporte à demanda dos professores que sentiam a necessidade de repensar
suas práticas no ambiente online. Isso abrangia a produção de material de didático, as
vantagens do uso de cada componente da Plataforma e também a nova concepção
metodológica do ensino que a tecnologia potencializa.
A equipe tecnológica participava desse debate. Articulava com a equipe pedagógica
e também com os professores. Em função disso, desenvolvia novos componentes e
trabalhava no aperfeiçoamento dos já existentes.
Nos debates entre as duas equipes havia choque de interdisciplinaridade. Uma não
entendia a linguagem da outra. De um lado a linguagem era extremamente pedagógica. De
outro lado, era extremamente técnica. Eu ficava perdido nos debates. Não entendia das
questões pedagógicas. Minha contribuição era mais técnica. Sabia dar instruções lógicas
para o computador e criar componentes que professor e aluno usam na prática educativa.
Entretanto, não conseguia pensar aqueles componentes na dimensão comunicativa,
filosófica, política e pedagógica que permeia a prática educativa. A equipe pedagógica era
sensível e esses tipos de olhar. O mesmo não se pode dizer em relação à equipe técnica.
Esta, por sua vez, tem uma olhar mais afinado sobre o sistema computacional
desconhecido, contudo, pela equipe pedagógica.
Ao terminar o curso de Ciência Política, comecei a ganhar uma nova visão da
tecnologia dentro do campo político. Isso foi possível, na medida em que, durante o curso,
a minha capacidade de análise política foi aumentando. Ganhei maior sensibilidade sobre a
dimensão pedagógica. A partir daí comecei a perceber que a tecnologia pode ser uma
aliada, enquanto canal de comunicação, para uma luta política. Isso foi uma das razões que
me levou a concorrer a uma vaga no mestrado na Faculdade de Educação na área de
Tecnologias na Educação.
Em 2002, iniciei o mestrado sob a orientação da professora doutora Raquel de
Almeida Moraes. Ela tem uma larga experiência no uso da tecnologia digital da UnB
Virtual na sua prática pedagógica. Sua experiência começou em caráter experimental em
1999 no Departamento de Planejamento e Administração. A iniciativa surgiu através do
excesso de demanda de uma disciplina obrigatória para a licenciatura: Organização da
Educação Brasileira. A alternativa encontrada para solucionar o excesso de demanda foi
ofertá-la parte presencial e parte online, ou seja, via internet. A iniciativa foi muito ousada
porque poucos professores tinham experiência nessa modalidade de ensino. Como
conseqüência, a partir do ano seguinte, apenas a professora Raquel Moraes continuou a
experiência.
Dessa experiência, a professora escreveu um artigo intitulado Aula Virtual e
Democracia, que foi apresentado no I Seminário de Novas Tecnologias no Ensino de
Graduação da UnB. No artigo, ela desconstruiu três mitos que pairam sobre a modalidade
de ensino virtual e a distância. O primeiro mito diz respeito ao ensino virtual como ensino
de massa. A experiência demonstrou o contrário, uma vez que a tendência da evasão é
maior nas turmas grandes. O segundo refuta a idéia de que o ensino a distância é mais fácil.
Os próprios alunos desmentiram isso já que muitos entenderem que ensino online exige
múltiplas habilidades para manusear a tecnologia e conseqüentemente, dá mais trabalho que
a modalidade de ensino presencial. Isso ficou claro na experiência em que mais da metade
da turma abandonou a disciplina nas duas primeiras experiências. Por último, do relato dos
alunos ficou o apelo sobre a necessidade de ter maior contacto presencial entre professor e
alunos e entre os alunos. Esse relato desconstroi o mito de que o aluno de graduação não
quer aula e nem contacto presencial. (MORAES: 2003, p. 129).
Essa pesquisa da professora Raquel Moraes me serviu como relatório sobre o
panorama do universo de pesquisa que comecei a fazer parte como aluno de mestrado. A
experiência prática se efetivou na atividade de monitoria. Eu acompanhava aulas em
algumas turmas de graduação e pós-graduação como monitor (tutor) sob sua orientação
pedagógica. Também cursei algumas disciplinas de mestrado que ela lecionava. Das
disciplinas de graduação acompanhei: Organização da Educação Brasileira (OEB) - Tuma
K de 1/2002; Tópicos Especiais em Política Educacional - Turma A de 2/2002; Avaliação
Educacional - Turma A e B de 1/2003. Das disciplinas de mestrado, atuei como monitor
em Educação a Distância no 1/2003. Como aluno de mestrado, cursei Tópicos Especiais
em Informática na Educação - Filosofia da Tecnologia no 1/2002 e Tópicos Especiais Em
Educação a Distância no 2/2002. Em todas essas disciplinas, a Plataforma da UnB Virtual
foi utilizada como espaço de mediação.
A metodologia empregada pela Professora Raquel Moraes possibilitou uma
convivência entre a modalidade presencial e a online. Num primeiro momento, as aulas
são presenciais. Uma parte da aula é direcionada à leitura dos textos e outra parte, ao debate
em forma de plenário. Isso possibilita a convivência real entre a turma. Após isso, passa-se
para o espaço virtual através do uso da Plataforma. Nesse ambiente, o debate continua
através dos componentes comunicativos como fórum e lista de discussão. Após 3 ou 4
semanas de aula virtual, volta-se à modalidade presencial. É o momento em que cada grupo
de trabalho apresenta seminários e "mata saudades" dos colegas cuja convivência tinha
sido, até então, apenas virtual.
A Professora Raquel Moraes desenvolve pesquisa sobre a tecnologia dentro de uma
concepção político-filosófica de democratização. Entende que o progresso tecnológico deve
contribuir para superar a desigualdade e contradições entre as classes e não servir como
instrumento para reforçar a opressão vigente na sociedade. Meu projeto de pesquisa que
inicialmente procurava refletir sobre o uso da tecnologia na perspectiva do dialogismo
freiriano, agora se ampliou para incluir a dimensão de luta de Amílcar Cabral,
enquadrando-se nas diretrizes filosóficas da linha de pesquisa que a Professora Raquel
Moraes vem desenvolvendo.
A oportunidade que eu tive de participar diretamente do cotidiano educativo
projetado nessa linha filosófica na sala de aula como aluno e monitor me ajudou a ganhar
uma sensibilidade ampliada da dimensão filosófica, política e pedagógica do uso da
tecnologia na prática de ensino. Deste modo, passei a entender a linguagem da equipe
pedagógica da UnB Virtual e percebi que os conflitos entre as duas equipes podem ser
solucionados se ambos passarem a entender o outro lado da questão. Enquanto
programador da Plataforma, o meu raciocínio já não se restringia simplesmente em escrever
instruções lógicas para o computador, mas também abrangia reflexão sobre a finalidade
última do que eu fazia dentro de universo comunicativo entre os atores na prática educativa
sobre as dimensões de natureza política e filosófica.
A dimensão técnica foi muito importante no meu trabalho como monitor e aluno.
Permitiu que eu percebesse que muitas limitações de natureza tecnológica podiam ser
aperfeiçoadas e/ou superadas para atender as situações pedagógicas. A partir daí, tentei
fazer uma ponte entre a minha experiência pedagógica com a equipe tecnológica sobre os
desafios postos pela equipe de docentes da UnB Virtual.
A partir dessas experiências passei a aplicar questionários de avaliação nas turmas
que atuei como monitor e aluno. Os questionários fazem parte do instrumento de análise
final das disciplinas, e se constitui num questionário montado na própria Plataforma através
do componente Questionário de Avaliação. Nesse questionário há 3 tipos de questões: de
única escolha, múltipla escolha e texto. Os dois primeiros formatos de questão serviram
para elaborar perguntas sobre a freqüência do uso dos componentes da Plataforma. As
questões do formato texto são perguntas abertas, ou seja, as respostas não são padronizadas,
o aluno responde o que ele achar conveniente. Isso serviu para elaborar questões sabre o
processo de diálogo, relação entre alunos, professora e tutor.
Esse questionário serviu para fazer um levantamento do panorama geral sobre o uso
da tecnologia da UnB Virtual apenas nas turmas que atuei como aluno ou monitor. Para
alargar a pesquisa sobre o uso da Plataforma ao nível da Universidade, não me restringindo
apenas às disciplinas em que participei, apliquei um outro questionário. Este novo foi
direcionado a todos os usuários (aluno/tutor/professor). As questões formuladas são
voltadas para a avaliação da Plataforma como um todo. Além de levantar dados sobre as
disciplinas cursadas via Plataforma e modalidade utilizada (presencial ou online); também
faz levantamento sobre os componentes administrativos e comunicativos. Sobre esses
componentes, as questões incidem sobe a possibilidade da Plataforma proporcionar uma
relação de autonomia, de diálogo e de afeto.
Toda essa história descreve o contexto da minha pesquisa. Julgo importante
compartilhar isso uma vez que pode auxiliar para uma maior compreensão no processo de
análise dos dados sobre o estudo de caso. Principalmente no próximo sub-capítulo que se
debruça sobre os critérios de análise dos dados.
4.5 - Critérios metodológicos de Análise de Dados
A tecnologia digital da Plataforma da UnB Virtual, já foi analisada numa dimensão
teórica à luz dos conceitos da interação e dialogismo. Para isso, a Plataforma foi
classificada em dois tipos de componentes: comunicativo e administrativo. Desta análise
conceitual elaboramos a hipótese de que os componentes comunicativos potencializam o
dialogismo freiriano.
Todos os conceitos utilizados na análise conceitual também serão utilizados na
análise prática. O que há de inovador na análise prática são os dados coletados dos usuários
da Plataforma na sua vivência educativa. A recolha se deu através da pesquisa de campo e
aplicação de formulário. O primeiro trata de pesquisa participante, ou seja, da minha
atuação como aluno e monitor nas disciplinas lecionadas pela professora Raquel Moraes. O
segundo diz respeito ao formulário de avaliação da disciplina e formulário de avaliação da
Plataforma da UnB Virtual como um todo.
Os dados recolhidos são predominantemente de natureza subjetiva. Os obtidos como
observador participante dizem respeito ao cenário que se cria nos debates online, dados que
não são possíveis de quantificar. Esses dados são anotações sobre a leitura do ambiente
feitas em determinados momentos e também análises dos discursos nos canais
comunicativos da Plataforma.
Os dados recolhidos através dos formulários também são dados subjetivos. Todas as
questões praticamente não têm respostas padronizadas. Os entrevistados atribuíram
respostas através de textos, redigindo a sua opinião em função da interpretação que fizeram
da questão. Esses dados também não são passíveis de serem quantificadas. Os únicos dados
que podem ser quantificados são aqueles cujo formato são: única escolha e múltipla
escolha, e cujas respostas são padronizadas.
Os dados não quantificáveis foram tratados dentro da abordagem qualitativa que se
concentra sobre a análise dos discursos e interpretação de situações subjetivas. Esse tipo de
análise foi predominante, uma vez que a natureza da pesquisa incide sobre a interatividade
enquanto postura do comunicador e dialogismo enquanto comunicação com base no
sentimento de amor, fé e compromisso. Essas questões dizem respeito à dimensão
psicológica da pessoa humana.
A abordagem qualitativa sobre o tratamento dos dados enquadra-se dentro dos
fundamentos teóricos da fenomenologia. Trata-se de uma filosofia que atribui ênfase sobre
a existência do homem. O seu campo de investigação recai sobre o "mundo vivo", ou seja,
o mundo dos homens. O mundo das idéias, consciência e intenção dos homens.
"A idéia fundamental, básica, da fenomenologia, é a noção de intencionalidade. Essa
intencionalidade é da consciência que sempre está dirigida a um objeto. Isso tende a reconhecer o
princípio que não existe objeto sem sujeito." (TRIVIÑOS: 1987, pp 43)
Ao partir de princípio que a existência do objeto é a consciência do sujeito sobre o
mesmo, o sujeito cognoscente é o centro das atenções e não o objeto cognoscível. Assim,
no campo da pesquisa procura-se compreender o significado dos acontecimentos de cada
situação particular. A compreensão dos significados recai sobre o comportamento subjetivo
dos sujeitos humanos.
Dentro dessa concepção filosófica se justifica a recolha de dados através de pesquisa
de campo como observador participante, ou seja, o acompanhamento dos cursos que usam
o ambiente virtual de aprendizagem na condição de monitor e aluno. Esse tipo de atuação
possibilita
atribuir
significados
e
interpretação
sobre
a
convivência
entre
aluno/tutor/professor na prática educativa sobre as dimensões subjetivas no que tange ao
sentimento de amor, fé e compromisso.
A coleta de dados através dos questionários com questões abertas para que os
entrevistados redigirem suas visões e ponto de vista também enquadra dentro de uma
preocupação fenomenológica de captar a percepção dos atores.
"A fenomenologia exalta a interpretação do mundo que surge intencionalmente à nossa consciência.
Por isso, na pesquisa, eleva o ator, com suas percepções dos fenômenos, sobre o observador
positivista." (TRIVIÑOS: 1987, pp 47)
Uma pesquisa que segue as diretrizes da filosofia positivista, a ênfase recai sobre o
objeto cognoscível e não sobre sujeito cognoscente. Sendo assim, o pesquisador se
distancia de todos as dimensões subjetivas dos sujeitos humanos e se concentra no objeto.
Deste modo, são captados apenas os dados passíveis de serem computados numa dimensão
estatística e matemática. Essa filosofia tem suas raízes no empirismo de Bacon e Hume.
Augusto Comte, o pai da corrente filosófica positivista, propõe o uso do modelo empirista
nas ciências sociais. Acredita que a dimensão subjetiva do mundo dos homens é passível de
ser submetida às
leis universais de forma análoga as ciências exatas. Dado a essa
preocupação, o pesquisador positivista deve concentrar-se apenas no que é observável,
mensurável e testável.
No estudo que se propõe, a concepção positivista não é uma abordagem adequada já
que esta não possibilita mapear situações de subjetividade como relação de amor, fé e
compromisso. Essa realidade só pode percebida pela interpretação subjetiva do pesquisador
que atribui significado à fala e a vivência dos sujeitos. Daí se entende o porquê da coleta de
dados através de pesquisador participantes e aplicação de questionários com perguntas
abertas.
Nos questionários aplicados, há algumas questões que não contemplam a dimensão
subjetiva dos sujeitos e recaem sobre aspetos quantificáveis. São questões fechadas, ou
seja, as alternativas das respostas já são dadas. Cabe ao entrevistados selecionar a sua
resposta num conjunto de opções. Esses tipos de dados, são passíveis de serem tratados no
ângulo estatístico e matemático como propõe a corrente positivista. Deste modo, foram
recolhidos dados estatísticos tais como os componentes mais utilizados do ambiente virtual,
quantidade de participantes e tempo de duração do processo de ensino e aprendizagem.
Esses dados quantificáveis receberam um tratamento quantitativo. Tais dados
servirão de auxilio para análise fenomenológica da dimensão subjetiva da relação entre os
sujeitos. O foco principal da análise de dados se debruça sobre a interpretação e atribuição
dos significados da fala dos entrevistados e da convivência como observador participante.
Nesse processo, tanto a abordagem qualitativa quanto a quantitativa foram utilizados.
Entretanto predomina a visão fenomenológica da abordagem qualitativa.
Como o foco de estudo não se enquadra na dimensão do positivismo que tem como
preocupação elaborar leis gerais, o resultado de estudo sobre o dialogismo freiriano na UnB
Virtual (ambiente virtual de aprendizagem) não deve ser tomado como lei universal. Deve
ser encarado como estudo de um caso particular que descreve um processo de ensino e
aprendizagem ocorrido na Universidade de Brasília dentro de um projeto de educação a
distância via tecnologia digital.
4.6 - Análise dos dados
Nosso objetivo consiste em analisar de forma prática a possibilidade da Plataforma
da UnB Virtual servir como espaço de mediação dentro da concepção dialógica de Paulo
Freire. A análise recai sobre os dados recolhidos através de três fontes de pesquisa junto aos
usuários da Plataforma na Universidade de Brasília. Os critérios de análise são os conceitos
de interação e dialogismo freiriano. O tratamento dos dados serão feitos dentro da
abordagem qualitativa e quantitativa de pesquisa.
As fontes de obtenção dos dados foram: pesquisa de campo como observador
participante, avaliação das disciplinas e avaliação da Plataforma. A primeira ocorreu
através da minha participação como monitor e aluno nas disciplinas que usaram a
Plataforma como espaço de mediação pedagógica. Acompanhei 4 turmas na condição de
monitor e 2 na condição de aluno entre o primeiro semestre de 2002 e primeiro semestre de
2003. A média dos alunos por turma é 34, o que corresponde a um total de 205 alunos. A
segunda fonte de dados é o questionário de avaliação da disciplina aplicado às turmas que
acompanhei, o qual foi aplicado a um universo de 160 alunos, dos quais apenas 70% deram
retorno.
A avaliação da Plataforma foi feita também em forma de questionário. Foi aplicado
a um universo de 500 usuários (aluno/tutor/professor) da Plataforma selecionados
aleatoriamente independentemente dos cursos, ou sejam, abrangendo toda a Universidade.
O retorno foi de apenas 6%. Os usuários que deram retorno cursaram disciplinas de várias
áreas de conhecimento. No total foram catalogadas 17 disciplinas de diferentes cursos tais
como Ciência da Computação, Ciências da Saúde, Educação, Estatística e Administração,
entre outros. Em média, as turmas foram compostas por 37 alunos.
Tendo em conta que os dados colhidos pelo questionário de avaliação da Plataforma
são mais abrangentes, estes servirão como foco central de análise. Os demais dados obtidos
através da avaliação das disciplinas e pesquisa de campo servirão de reforço no processo de
análise.
As questões aplicadas no formulário de avaliação da Plataforma podem ser
estruturadas em quatros partes. A primeira, trata sobre os componentes administrativos da
Plataforma. A segunda, recai sobre os componentes comunicativos. A terceira, faz
levantamento das vantagens do uso da Plataforma. Já a última parte é sobre sugestões para
melhorar o ambiente da Plataforma.
4.6.1 - Componentes Administrativos e Comunicativos da Plataforma
Os componentes comunicativos e administrativos já foram definidos na análise
conceitual da Plataforma. Para relembrar esses conceitos, é necessário realçar que os
componentes administrativos são aqueles cuja interface possibilitam apenas uma interação
reativa. Já os componentes comunicativos possibilitam uma interação mútua.
A análise prática sobre o uso do ambiente virtual tem por objetivo saber se as
interfaces do ambiente possibilitam uma interação mútua entre os seus usuários e um
diálogo amoroso.
Deste modo, as perguntas colocadas no questionário sobre os
componentes são direcionadas neste sentido. Tais perguntas podem ser classificadas em
dois blocos.
Bloco I:
1. Os componentes administrativos da Plataforma possibilitaram o aluno interferir no
processo administrativo do curso? Por exemplo: o aluno pode sugerir ou criar um
tema no fórum; cadastrar ou sugerir agendas e avisos; lançar a nota da sua autoavaliação na ferramenta avaliação?
2. Os componentes comunicativos da Plataforma possibilitaram o aluno interferir no
processo de comunicação? Por exemplo: ter a liberdade de expressar o seu
pensamento e interferir no dos colegas e do professor no sentido de corroborar,
refutar possibilitando uma rede de comunicação em que o emissor desempenha o
papel de receptor e vice-versa?
Bloco II:
Os componentes administrativos/comunicativos da Plataforma possibilitaram uma
relação horizontal de diálogo e afeto entre professor e aluno? Ou seja, uma relação
de confiança, compromisso e de sentimento amoroso e amigável?
No primeiro bloco de questões, procura-se mapear o tipo de interação entre
aluno/tutor/professor mediado através das interfaces do ambiente virtual. As respostas
atribuídas a essas questões serão analisadas com base nos conceitos da interação reativa e
mútua de Alex Fernando Primo.
O segundo bloco de questões faz levantamento sobre a natureza do relacionamento
entre aluno e professor numa relação pedagógica mediada pela interface do ambiente
virtual. As respostas obtidas destas questões serão examinadas à luz da concepção dialógica
de Paulo Freire.
4.6.1.1 Análise do Bloco I
As respostas da primeira pergunta do Bloco I podem ser classificadas em dois grupos:
Grupo I
Este grupo inclui os usuários que consideram que os Componentes Administrativos
da Plataforma não possibilitaram o aluno interferir no processo administrativo do curso.
Isso porque apenas os professores e tutores podem lançar novos temas no Fórum;
manipular Avisos e Agenda; Lançar nota do aluno. Uma das respostas que serve como
modelo entre as respostas que classificam esse grupo é:
“Somente os tutores e professores é quem podiam mexer nessas ferramentas. Nós alunos somente
seguíamos as instruções que estes colocavam...”
Grupo II
Aqui estão incluídos usuários que consideram que os componentes administrativos
da Plataforma possibilitaram o aluno interferir no processo administrativo do curso.
Reconhecem
que
as
interfaces
desses
componentes
que
permite
intervir
(cadastrar/editar/apagar) só podem ser manipuladas pelos professores ou tutores, entretanto,
os alunos podem sugerir ao monitor ou professor a colocar um aviso ou um novo tema para
o Fórum. A resposta dada por uma tutora ilustra isso.
“Sugerir pode, mas não é capaz de criá-lo. Da mesma forma que um aviso no quadro de
avisos ele pode pedir que coloquemos um aviso no ar...”
Os dois grupos de respostas em média são equivalentes, ou seja, ocorrem em mesmo
número de freqüência. Isso significa que praticamente a metade (uma maioria simples) dos
usuários que responderam o questionário se enquadra no Grupo I, e a outra metade no
Grupo II. O Gráfico I faz uma ilustração disso.
Gráfico I
Componentes Administrativos
Grupo II
Grupo I
No primeiro grupo de resposta ocorre apenas uma interação reativa. O aluno apenas
tem a função de leitura. Atua apenas como pólo receptor. Já no segundo grupo de resposta
há uma interação mútua. O aluno atua nos dois pólos comunicativos. Desempenha o papel
de emissor e receptor. A interface apenas o possibilita exercer o papel de receptor.
Entretanto, como há espaço para emitir opinião, o professor/tutor usa suas interfaces que
possibilitam desempenhar o papel de emissor para colocar sugestão dos alunos.
As respostas da segunda pergunta do Bloco I também podem ser classificadas em
dois grupos:
Grupo I
Este grupo inclui os usuários que consideram que os componentes comunicativos da
Plataforma possibilitaram o aluno interferir no processo de comunicação.
Entretanto,
reconhecem que tal possibilidade não foi explorada.
Grupo II
Este grupo inclui os usuários que consideram que os componentes comunicativos da
Plataforma possibilitaram não só o aluno interferir no processo de comunicação como
também foi explorada tal possibilidade.
Uma maioria expressiva das respostas pertence ao Grupo II. As respostas do Grupo
I ocorrem com menor freqüência como ilustra o gráfico II.
Gráfico II
Componentes Comunicativos
Grupo I
Grupo II
As interfaces do componente comunicativo possibilitam uma interação dupla. O
aluno pode atuar nos dois pólos comunicativos, ou seja, pode desempenhar o papel de
emissor e receptor. A interatividade como define Marco Silva, é uma postura dos
comunicadores. Assim, nota-se que no Gráfico II a interação mútua não ocorreu no Grupo
I. Isso já não se deve a mediação feita pela interface do ambiente virtual, mas sim sobre a
metodologia adotada no curso. Como exemplo, podemos examinar a resposta de um aluno
que se enquadra no Grupo I:
“O aluno nunca interferiu em nada, apenas respondia oficina na data certa...”
Em suma, para o aluno interferir no processo comunicativo ou administrativo numa
prática pedagógica mediada pelo ambiente virtual, o fator determinante não se restringe na
possibilidade da interface viabilizar uma interação mútua ou reativa. Depende mais da
metodologia usada que privilegie uma relação de troca entre os interlocutores na prática
pedagógica. Já no que se refere à interface, esta realmente influencia quando possibilita
uma interação mútua. Ao comparar o Gráfico I e Gráfico II, nota-se que o Grupo II tem
maior espaço de troca (entre os interlocutores) nas interfaces que possibilitam uma reação
mútua, isto é, nos componentes comunicativos.
4.6.1.2 - Análise do Bloco II
No que diz respeito ao processo afetivo, (relação de confiança, sentimento amoroso
e amigável) não há como se classificar as respostas em grupos. Isso porque que o
sentimento amoroso e amigável são questões extremamente subjetivas. As respostas mais
comuns a essa questão foram:
“Sim. Não creio que seja tão amoroso e amigável, mas foi legal.”
“A relação foi boa, mas não chamaria de amorosa ou de confiança”
A maioria das respostas sustenta que houve um relacionamento afetivo, entretanto
não ao nível de se considerar amigável ou amistoso. De modo geral, o relacionamento foi
considerado como boa, ótima e legal, mas não amigável ou amoroso.
As perguntas elaboradas no questionário não especificavam nenhum parâmetro que
desse uma orientação do que seria uma relação amigável e amorosa. No Dicionário Aurélio
de língua portuguesa, o termo amigável é definido como uma relação própria entre os
amigos. Já a definição do amoroso pressupõe uma relação meiga e carinhosa. Tais
definições fazem parte da percepção convencional. Assim, pode se entender que uma
relação boa e ótima, como foi classificado, é uma relação não necessariamente amigável e
nem amorosa.
Nos dados coletados através do acompanhamento das disciplinas mediadas pelo
ambiente virtual, deu para notar que a relação entre professor/tutor/aluno aproximou-se da
dimensão afetiva, ou seja, envolveu uma certa intimidade e carinho nas turmas que tinham
poucos alunos. Isso ocorreu principalmente nas disciplinas de mestrado em que o número
de aluno na sala de aula é menor do que a da graduação. Geralmente não ultrapassa 15
alunos.
Percebe-se, também, que aconteceu esse tipo de relacionamento afetivo nos debates
no Fórum. As conversas não se restringiam ao tema do debate. Entrava às vezes em
questões pessoais. Por exemplo, um aluno usava o espaço do fórum para relatar um
problema de dimensão pessoal que lhe impossibilitava comparecer nas aulas. Já nas turmas
que tinham acima de 30 alunos e que eu acompanhei como monitor, deu para perceber que
o clima de debate no Fórum se restringiu mais ao conteúdo do tema. E por serem muitos
alunos, a possibilidade de todos se conhecerem é bem menor, assim, os debates acabam
sendo menos afetivos.
Também, deu para perceber que nas turmas de mestrado nas quais a maioria dos
alunos foi colega no semestre anterior, o clima de diálogo era mais afetivo. Isso se deve a
uma maior convivência entre os alunos e professores ao longo do tempo. Nas turmas de
mestrado que participei ocorreu um pouco dessa situação. Aí a relação era mais do que boa
ou ótima, isto é, aproximava-se muito do amistoso e amoroso.
Em função disso, podemos entender que os dados levantados sobre a avaliação da
Plataforma não apontaram para uma relação afetiva porque os usuários que responderam os
questionários cursaram disciplinas cuja duração é de apenas um semestre. Por outro lado,
nessas disciplinas havia em média 37 alunos por turma. Um número muito elevado, o que
não facilita construir relações afetivas no período de um semestre.
Em suma, podemos concluir que um relacionamento de natureza afetiva, como
propõe Paulo Freire, pode ocorrer num espaço de mediação virtual desde que os
participantes não sejam extremamente numerosos a ponto de dificultar que todos se
conheçam. Além disso, esse encontro pedagógico deve ter um período de tempo necessário
para que a convivência seja construída a nível afetivo. Contudo, com isso não se pode cair
no determinismo de julgar que os fatores quantidade de participantes e tempo de
convivência sejam suficientes para que exista uma relação amorosa. A nosso ver, o fator
fundamental, senão determinante, é a atitude política, o interesse dos participantes em
optar por esse tipo de relacionamento, o que conseqüentemente, leva ao diálogo amoroso.
Essa leitura reforça a tese da Professora Raquel Moraes de que o ensino virtual
emancipador não é um ensino de massa. Pensando isso dentro da concepção do dialogismo
freiriano, o entrosamento amoroso dificilmente pode ser construído num espaço pedagógico
virtual massificante, em que se realiza a educação bancária.
Em resumo, o dialogismo de Paulo Freire pode ocorrer num ambiente virtual cuja
interface viabiliza uma interação reativa ou mútua. O diálogo amoroso vai depender das
posturas dos interlocutores, não importando muito a dimensão da tecnologia que os
mediatiza. Contudo, ao se tratar da tecnologia digital que dispõe de uma interface que
possibilita uma interação mútua, o diálogo ganha uma nova dinâmica. Isso constitui a
vantagem do ambiente virtual que será examinado a seguir.
4.6.2 - Vantagens do Ambiente Virtual
Na avaliação da Plataforma, os usuários deram muita ênfase nas vantagens do uso
do ambiente virtual. Uma das ênfases recai sobre a liberdade de auto-gestão do tempo e do
espaço. Nos questionários da avaliação das disciplinas os alunos também atribuíram
bastante ênfase sobre a dimensão espacial e temporal.
Segue abaixo a transcrição das respostas que expressam essa opinião:
“As discussões virtuais permitem a participação de todos, respeitando os diversos horários.”
“As discussões podem ser feitas a qualquer momento do dia, o que possibilita maior autonomia no
processo de comunicação”
Esses discursos caracterizam praticamente o consenso geral sobre a vantagem do
uso do ambiente virtual. Os componentes comunicativos foram citados como espaços que
mediaram os debates e que possibilitaram a liberdade de expressão. A freqüência do uso
desses componentes foi mapeada de forma mais rigorosa através do formulário de avaliação
das disciplinas. Neste havia uma questão de formato múltipla escolha direcionada sobre
isso. O gráfico III mostra o resultado.
Gráfico III
Componentes comunicativos mais usados
Sala de Bate
Papo
Links
Lista de
Discussão
Colaborativo
Fórum
Os componentes mais utilizados foram: Fórum, Lista de Discussão e Colaborativo.
Ao analisar os dados recolhidos no formulário da avaliação da Plataforma, nota-se que
esses componentes foram os mais utilizados para debater. Isso leva a concluir que a
freqüência do uso desses componentes seja semelhante ao dos usuários que responderam
questionário de avaliação da disciplina.
Esses componentes, como já foi mencionado na análise teórica da Plataforma, têm
uma interface que possibilita uma interação mútua. Isso potencializa uma comunicação
bilateral descentralizada. Por outro lado, possibilitam uma troca não apenas ao nível do eu e
tu, mas sim do nós.
Tais características possibilitam o encontro entre os alunos/tutores/professores para
debateram no ambiente virtual da Plataforma. O encontro nesse ambiente se efetiva numa
outra dimensão espacial e temporal, diferente a da aula presencial. Na aula presencial todos
os participantes (alunos/professores/tutores) devem compartilhar o mesmo espaço físico e
do mesmo período de tempo. Já no ambiente virtual, cada um pode escolher seu próprio
espaço e tempo para participar do debate. Há liberdade para cada um auto-gerir o seu tempo
e espaço. O participante pode entrar no Fórum de madrugada em sua casa ou também num
final de semana curtindo férias numa praia.
A opinião de uma aluna, ao avaliar a
disciplina, destaca a vantagem da auto-gestão do tempo:
A maior vantagem foi a distância, pois me possibilitou cumprir com todas minhas tarefas, num
tempo elaborado por mim.
A outra vantagem citada, diz respeito à produtividade do debate em função do
tempo que dispõe para elaborar idéias.
“A liberdade de se expressar aumenta quando ocorre desta forma e o tempo para elaborar idéias a
respeito do tema discutido é maior o que torna as discussões mais produtivas e relevantes.”
Na sala de aula presencial o debate sofre limitação do tempo. Enquanto uma pessoa
estiver falando, as demais devem se posicionar na condição de ouvintes para a escutar. Se
duas pessoas falarem ao mesmo tempo, haverá ruído na comunicação. Já não é o que
acontece quando o debate for no Fórum, Lista de Discussão ou Sala de Bate Papo. Todos
podem interferir a qualquer momento no discurso do outro. O tempo para produzir as idéias
é bem maior principalmente nos componentes assíncronos como Lista de Discussão, Fórum
e Colaborativo. Um aluno pode ler o discurso do outro no Fórum e levar dias para refletir
sobre o assunto. Ao elaborar a idéia, volta para o Fórum e coloca seu discurso, expressando
a idéia que levou tempo para produzir. Isso porque no Fórum e Colaborativo, o fluxo do
diálogo é registrado, o que possibilita a qualquer participante retomar o debate a partir de
um determinado ponto.
A dimensão virtual do espaço e tempo dá uma outra dinâmica do encontro entre os
interlocutores sob mediação da tecnologia digital. Maria Luiza Belloni concebe a Educação
a Distância numa dimensão espacial descontinua e temporal, não linear.
Tendo em conta as potencialidades do ambiente virtual, a Universidade de Brasília
deu uma nova dinâmica no seu projeto de Educação a Distância ao criar a UnB Virtual.
Essa iniciativa trouxe maior flexibilidade ao professores e alunos que optaram por essa
modalidade. Segundo Belloni, tal modalidade estimula uma aprendizagem autônoma no
sentido de que o estudante possa se tornar auto-gestor do seu processo de aprendizagem,
gerenciado seu tempo e espaço.
Ao pensar as vantagens do ambiente virtual numa prática pedagógica concebida
dentro da visão dialógica de Paulo Freire, tudo indica que o processo do diálogo ganha uma
maior dinâmica dado a superação do limites do tempo e espaço.
O encontro entre os
sujeito educativos mediatizados pelas interfaces do Fórum, Lista de Discussão e
Colaborativo, possibilita que cada um pronuncie e recrie seu mundo através dos debates
contínua na dimensão espacial e não linear na dimensão temporal.
4.6.3 - Sugestões para melhorar a Plataforma
Nosso objetivo aqui consiste em apresentar sugestões dos usuários para melhorar a
Plataforma da UnB Virtual. Essas sugestões foram recolhidas através do formulário da
avaliação da Plataforma. As sugestões dadas podem ser classificadas em dois grupos.
Grupo I
Inclui os usuários que sugerem nos componentes já existentes da Plataforma.
Grupo II
Agrupa os usuários que sugerem ampliar os recurso da Plataforma através da
incorporação de novos recursos.
A sugestão da maioria dos usuários se enquadra no Grupo I, ou seja, uma maioria
expressiva partilha da opinião de que é necessário melhorar a performance dos
componentes da Plataforma já existente. Ao passo que uma minoria entende que é
necessário ampliar a performance da Plataforma, incorporando novos recursos. O Gráfico
IV ilustra isso.
Gráfico IV
Sugestões para melhorar a Plataformas
Grupo II
Grupo I
Isso leva concluir que, de modo geral, os componentes da Plataforma atenderam a
necessidade dos professores e alunos. A situação ideal seria melhorá-las. As sugestões para
melhorias incidem sobre vários componentes.
4.6.3.1 - Sugestões para melhorar a Plataforma
•
A interface do Aviso deve possibilitar que o aluno cadastre avisos.
•
A interface do Fórum deve possibilitar o aluno a cadastrar novos temas de debate.
Também deve possibilitá-los apagar ou modificar mensagens. As mensagens
deviam ser encadeadas, ou seja, a mensagem resposta da resposta deve ter
encadeamento, ser listada uma abaixo da outra.
•
O componente Sala de Bate Papo raramente funciona, quando funciona não suporta
muitas conexões. Sua interface deveria apresentar uma opção para gravar o fluxo da
conversa num arquivo para servir como histórico.
•
O componente Lista de Discussão não atualiza automaticamente quando o aluno
inclui seu endereço eletrônico no componente Perfil. Esses dois componentes
deveriam ser interligados para que a atualização seja automática. Além disso, a
interface da Lista deve possibilitar ao aluno decidir que prefere ou não receber
mensagens da Lista.
•
A UnB Virtual deve estimular mais o uso da Plataforma criando documentação que
sirva de ajuda para os usuários. Cada componente deve ter um de recurso ajuda para
que os usuários explorem mais o ambiente
•
A interface do colaborativo deve possibilitar a organização dos arquivos por pastas
como é feito na organização dos links na interface Links.
4.6.3.2 - Sugestões para adicionar novos recursos na Plataforma
•
Usar suporte multimeio. Recursos de áudio, vídeo, filme e animação 3D.
•
Criar um componente que possibilite ao usuário saber quem está conectado no
ambiente.
•
Deve haver um recurso de busca no ambiente que facilita a localização dos dados.
•
Dever haver na Plataforma um componente que possibilite ao professor gerenciar sua
disciplina.
Essas sugestões servirão para a equipe técnica e pedagógica do CEAD repensarem a
Plataforma e procurarem melhorá-la, atendendo a necessidade dos usuários. Neste sentido,
essa pesquisa servirá como um aponte de debate entre os usuários do ambiente virtual a
equipe do CEAD que dá suporte a Plataforma.
4.7 – Considerações finais
A análise da Plataforma da UnB Virtual dentro da concepção do dialogismo
freiriano nos faz concluir que o ambiente virtual possibilita um ensino dialógico. Para que
haja dialogismo, a potencialidade interativa da tecnologia não é uma condição suficiente. O
dialogismo advém da postura dos sujeitos envolvidos na prática educativa em estabelecer
uma relação de confiança e de amor. A partir disso, o espaço virtual reforça a possibilidade
do diálogo através da sua potencialidade interativa que possibilita a comunicação numa
outra dimensão do tempo e espaço.
A descentralização e a bidirecionalidade do processo de comunicação no espaço
virtual se constitui numa engrenagem poderosa que pode ser utilizada tanto a serviço da
repressão quanto a serviço da libertação. As potências neocolonizadoras já se apoderaram
desta engrenagem para vender a imagem do cidadão globalizado dentro de uma lógica de
extensão das suas culturas.
A nosso ver, a geração Amílcar Cabral deve se apropriar dessa engrenagem para
montar uma estratégia de luta continuando os planos traçados por Amílcar Cabral na arma
da teoria, que concebia a luta no plano cultural fazendo com que o assimilados retornassem
às fontes. Isso nos dias de hoje significa o retorno às fontes dos cidadãos globalizados, os
que foram seduzidos pelas potências neocolonialistas. Uma das estratégias para tal é usar a
pedagogia da libertação de Paulo Freire articulado com as potencialidades da tecnologia
digital para travar uma luta na dimensão pedagógica. Desta forma, será possível
desconstruir os alicerces do modelo neocolonial cuja base é a repressão cultural.
Nesta missão, como vimos nesse estudo de caso, a articulação entre a tecnologia
digital e a pedagogia de libertação deve servir como ponto de partida para refletir uma nova
estratégia de luta. Uma luta que deve atuar no campo cultural com vistas a criar uma
mobilização revolucionária para combater a opressão neocolonial.
Essa luta deve
incorporar no seu seio as potencialidades interativas da tecnologia digital. A pedagogia da
libertação de Paulo Freire deve ser incorporada na engrenagem tecnológica para cumprir a
missão do grande herói, a libertação da forças produtivas.
O desafio já está lançado. Cabe a geração filha do Mané continuar a luta. Levantar e
dar continuidade à esperança que Juvenal Cabral depositou no seu filho Amílcar Cabral. E
este, por sua vez, passou a missão ao Mané.
CONCLUSÃO
A nação cabo-verdiana surgiu de grito da resistência de homens escravisados no
meio do oceano atlântica. Um grito que resistiu 513 anos. Nem o exército e nem a
pedagogia da escravidão usada pelos colonialistas portugueses foi suficiente para silenciar
esse grito.
A manifestação cultural fez esse grito ganhar eco na alma dos homens e das
mulheres escravizados. O grito de sede da liberdade e fome da justiça se traduziu em
esperança que passou de geração para geração.
As cartas de Juvenal Cabral para as autoridades colonialistas registraram esse grito.
Grito que tomou conta da alma do seu filho, o gênio chamado Amílcar Cabral. Ele carregou
a esperança de meio milênio. Uma esperança que resistiu a opressão do exército e da
pedagogia da escravidão. Para reforçar essa esperança criou teorias cientificais dentro de
um serviço de inteligência cuja missão é por fim a opressão milenar sobre o seu povo. Toda
a estratégia de luta consistiu em reforçar a grito de resistência através da blindagem
cultural. Tal blindagem seria construída através de uma outra dimensão pedagógica voltada
para a libertação, reafricanização dos espíritos ou invés da escravização.
Os imperialistas fecharam cerco ao homem que sonhou com o horizonte da
liberdade. Ciente disso, Amílcar Cabral passou a sua missão para os seus filhos. Estes
devem continuar a luta, manter acesa a chama da esperança que ele recebeu do seu pai
Juvenal Cabral. Mané recebeu essa missão das mãos de Amílcar Cabral no encontro que
tiveram na estação Passaubé. Um encontro marcado pelo arrepio e admiração.
A geração Mané chorou a morte de Amílcar Cabral, e o coroou como o grande herói
e patrono da nação. O herói deu a vida para conquistar a liberdade política. Ficou a missão
de conquistar a liberdade cultural econômica. Esta missão ficou para a geração Mané.
A geração Mané tive um grande aliado, o educador Paulo Freire. Um pedagogo
comprometido com a causa dos que sofrem opressão. Esse compromisso fez Paulo Freire ir
para a pátria de Amílcar Cabral ajudar erguer a chama da esperança atuando no campo
pedagogia, a pedagogia da libertação.
Nessa dimensão pedagógica, eu tive o encontro com o professor Estevão. Ele me
falou com amor o grito da esperança que resistiu meio milênio das garras do exército e da
opressão pedagógica que rouba nossa identidade. Foi em 1983. Eu era ainda uma criança.
Entretanto nunca esqueci das palavras do professor Estevão, apesar da escola as
esconderem de mim por 20 anos. A chama da esperança ganhou força ao fazer mestrado no
Departamento de Educação da Universidade de Brasília onde eu encontrei homens e
mulheres que conhecem a história do meu herói. História que professor Estevão começou a
me contar.
A professora Laura Maria Coutinho e Renato Hilário continuaram a me contar essa
história. Eles tiveram contacto direto com Paulo Freire, o homem que abraçou a causa do
meu herói. Nesse novo espaço, o meu projeto de pesquisa se tornou um espaço de luta para
fomentar o grito da esperança. Procuro repensar a estratégia do grande herói e dar
continuidade a luta através da engrenagem tecnológica enquanto espaço de mediação da
pedagogia da libertação de Paulo Freire. Neste caminhada, a Professora Raquel de Almeida
Moraes vem sabiamente me orientando. Ela foi aluna de Paulo Freire. Nas suas linhas de
pesquisa procura combater a opressão, dando continuidade de luta do grande mestre Paulo
Freire.
O meu objetivo é continuar a luta do meu herói. Deste modo, a pesquisa que
desenvolvi me faz concluir que renovar as estratégias de luta propostos por Amílcar Cabral
no cenário atual, passa pela dimensão da tecnologia digital articulada com a pedagogia de
Paulo Freire. Isso para poder enfrentar a reciclagem dos impérios que estão reforçando a
repressão cultural via tecnologia digital.
Face a isso, proponho a geração Amílcar Cabral de hoje a refletir essa dimensão de
luta, atualizando o serviço de inteligência voltado para o horizonte do sonho de conquistar a
liberdade no novo contexto da colonização, o neocolonialismo.
Compartilho essa reflexão com todos os jovens africanos. Isso como forma de
retomarmos a agende de debate pensando numa nova revolução. Uma revolução para
quebrar a engrenagem opressora do mundo ocidental sobre o Continente Africano. Procurar
os mecanismo de quebrar as heranças colônias ainda sustentadas por instituições como
CPLP, Comunidade Britânica e Francofonia. Elaborar uma nova agenda de debate para
projetar estratégias para libertar as forças produtivas, desconstruíndo toda a dimensão da
repressão cultural que recai sobre os países africanos materializados na retórica da
globalização e do cidadão universal.
Jovens, levantem-se, vamos para luta! Amílcar Cabral morreu mas nos deixou com
uma missão. Lutar para desneocolonizar cada nação africana. Essa é a missão. É uma
revolução que deve ser feita de norte a sul. A tecnologia digital e pedagogia de Paulo Freire
devem ser a nova arma de luta. Cabe a nós efetuar essa luta e compartilhar esperança para
com os nossos filhos. É uma guerra sem fim. Vamos fazer isso por amor à pátria.
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TRIVIÑOS, Augusto N. S. Introdução à Pesquisa em Ciências Sociais. A Pesquisa
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ANEXO
Questionário de Avaliação da Plataforma da UnB Virtual
Este questionário tem por objetivo coletar dados sobre opinião dos
alunos/tutores/professores que usaram a plataforma da UnB Virtual como espaço de
mediação de cursos/disciplinas. Neste sentido, a sua colaboração é de extrema importância
para o estudo que está sendo realizado e agradecemos, de antemão, sua valiosa
contribuição.
1) Nome Completo ----------------------------------------------------------------------------2) Disciplina/Curso que fez usando a plataforma. Coloque o nome e semestre do ano
letivo
a)-----------------------------------------------------b)------------------------------------------------------c)-----------------------------------------------------d)-----------------------------------------------------e)------------------------------------------------------N.B se tiver mais coloque numa folha em anexo
3) Em média quanto alunos fizeram a Disciplina/ Curso
4) Qual era a modalidade do curso.
Totalmente on-line
Parte presidencial e parte on-line
Totalmente presencial com suporte on-line
Outros Descreva: -------------------------------------------------------------5) Ferramentas administrativas da plataforma: Agenda, Avisos, Avaliação,
Participantes.
5.1) Essas ferramentas possibilitaram uma autonomia do professor no processo de
administração do curso?
---------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------
------------------------------------------------------------------------------------------------------------------5.2) Essas ferramentas possibilitaram o aluno interferir no processo administrativo do
curso? Por exemplo: o aluno pode sugerir ou criar um tema no fórum; cadastrar ou
sugerir agendas e avisos; lançar a nota da sua auto-avaliação na ferramenta avaliação?
--------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------5.3) Essas ferramentas possibilitaram uma relação horizontal de diálogo e afeto entre
professor e aluno? Ou seja, uma relação de confiança, compromisso e de sentimento
amoroso e amigável?
--------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------5.4) Que avaliação você faz das ferramentas administrativas no processo de
aprendizagem?
---------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------
------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------6) As ferramentas comunicativas da plataforma: Home Page, Sala de Bate Papo,
Fórum, Lista de Discussão, Colaborativo, Trabalhos,Correio Eletrônico e Perfil.
6.1) Essas ferramentas possibilitaram uma autonomia no processo de comunicação?
--------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------6.2) Essas ferramentas possibilitaram o aluno interferir no processo de comunicação?
Por exemplo: ter a liberdade de expressar o seu pensamento e interferir no dos colegas e
do professor no sentido de corroborar, refutar possibilitando uma rede de comunicação
em que o emissor desempenha o papel de receptor e vice-versa ?
--------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------6.3) Essas ferramentas possibilitaram uma relação horizontal de diálogo e afeto entre
professor e aluno? Ou seja, uma relação de confiança, compromisso e de sentimento
amoroso e amigável?
-----------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------
----------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------6.4)
Que avaliação você faz das ferramentas comunicativas no processo de
aprendizagem?
--------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------7 - A partir de sua experiência, que outras ferramentas você gostaria de sugerir?
---------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------
Questionário de Avaliação da Disciplina
Faixa etária
41 a 45 anos
de 46 a 50 anos
de 36 a 40 anos
de 31 a 35 anos
de 26 a 30 anos
de 18 a 25 anos
menos de 18 anos
mais de 50 anos
Sexo
feminino
masculino
Como você classifica a metodologia utilizada no curso?
Ruim
Regular
Muito bom
Bom
Justifica em poucas palavras a escolha da classificação da metodologia
Voce considera que a metodologia usada no curso permitiu dialógo entre
alunos e professor na turma?
Sim
Não
Como a metodologia do curso contribui para a sua aprendizagem?
Uma parte do curso foi presencial e uma outra parte a distância (online)
através da plataforma da Universidade Virtual. Descreva quais da duas
modalidades (presencial ou distância) apresentaram maior vantagem para
a sua aprendizagem.
Quais dos componentes da plataforma da UnB Virtual você mais usou?
Links
colaborativo
Fórum
lista de discussão
Chat
Quais dos componentes da plataforma da UnB Virtual contribuiu mais
para a sua aprendizagem?
lista de discussão
Chat
Links
colaborativo
Fórum
Você considera que as discussões no fórum serviu como um canal de
diálogo?
Não
Sim
O diálogo no fórum contribui para a formação de uma consciência crítica?
Como você classifica a relação entre colegas, professor e tutor no fórum
de discussão?
Como você avalia a atuação da professora e do tutor da disciplina?
De modo geral como você avalia o curso em relação a sua aprendizagem?
Faça sua auto-avaliação (participação, esforço,
consciência crítica, assuidade e pontualidade)
responsabilidade,
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amílcar cabral e paulo freire na era da tecnologia digital