Teatro romântico - o contexto
Tratado de 19 de
fevereiro de 1810
favorecia a importação
dos produtos britânicos
(15% de taxa), em
detrimento dos
portugueses (16%) e
dos de outras nações
(24%).
Teatro romântico - o contexto
Em 1831, uma lei proibe
o tráfico negreiro e
declara livres todos os
escravos que entrassem
no território brasileiro a
partir dessa data.
Lei para inglês ver...
Teatro romântico - o contexto
Em 1831, uma lei proibe
o tráfico negreiro e
declara livres todos os
escravos que entrassem
no território brasileiro a
partir dessa data.
Lei para inglês ver...
Bill Aberdeen, 1845
Eusébio de Queiróz, 1850
Comédia de costumes RJ
 análise superficial dos
comportamentos humanos
 violação de certas normas de
conduta
 preocupação: vida amorosa, o
dinheiro, desejo de ascensão
social, escravidão
 críticas quase realistas x teatro
romântico
 Contrastes campo X cidade
O Juiz de Paz da Roça
1. Influenciada pelo teatro picaresco espanhol
2.
possui, além da crítica social e do diálogo coloquial; piada de duplo
sentido e a utilização de danças e canções. (Gil Vicente)
3. a descrição e a crítica aos costumes do Rio de Janeiro de meados do
século XIX.
Espaço / Tempo
Rio de Janeiro - casa de Manuel João e casa do Juiz de
paz. A peça é de 1837.
O momento histórico da ação é o mesmo da Revolução
Farroupilha, acontecida no Rio Grande do Sul, em 1834:
convocação militar que José, noivo de Aninha, vem
fugindo. 0 casamento seria justificativa legal para seu
não recrutamento.
Coincidentemente, é Manuel João o encarregado de
conduzir o recruta ao serviço militar - o que não acaba
acontecendo.
Temática
Criticar as convenções sociais, o casamento, a família, o governo e
satirizar figuras como padres, juízes, políticos inescrupulosos e novos
ricos.
Estrutura da peça
Ato único com 23 cenas (incluindo a Cena Última)
Personagens
As personagens de Martins Pena são pessoas comuns em situações
do dia-a-dia, como casamentos, festas, envolvidas em pequenas
intrigas domésticas etc: juiz de Paz; escrivão do Juiz de Paz; Manuel
João; Maria Rosa; Aninha; José da Fonseca; lavradores.
Enredo
O enredo é simples: trata-se de uma sátira à aplicação da justiça nas
províncias remotas do Segundo Império, denunciando a corrupção e
o abuso das autoridades. Sem dúvida foi esse o motivo do
estrondoso sucesso da sua primeira encenação, em 1848. Faz
menção à Guerra dos Farroupilhas, ao contrabando de escravos e
outras mazelas sociais.
Assim como nas peças de Gil Vicente, somos jogados de chofre no meio
da história. Essa técnica recebe o nome de “in media res”.
Diálogo de mãe (Maria Rosa) e filha (Aninha) sobre a labuta do pai
(Manuel João), conhecimento sofrido universo de valores, costumes e
tarefas da roça, como a necessidade de mais mão-de-obra escrava,
atrapalhada por dificuldades econômicas.
É interessante como essas preocupações por demais pragmáticas são
apresentadas diante de um público romântico e com tendência à evasão
e à idealização.
Aninha, ciente da iminente chegada do pai, cansado do trabalho, lembra
a mãe que este iria gostar de jacuba (um tipo de refresco). A senhora sai
de cena, para a preparação da bebida.
Tratava-se de um expediente da menina para que ficasse sozinha e
recebesse seu namorado. Esses estratagemas são muito comuns no tipo
de teatro que Martins Pena estava inaugurando. Dão mais agilidade à
trama.
Aumentando a velocidade do texto, as cenas são curtas, tendo apenas a
extensão necessária para o desenrolar dos fatos. Tudo é essencial,
econômico, importante, inclusive as rubricas (marcações da cena), que
são precisas e significativas até no vestuário. O autor demonstra aqui a
consciência de que o teatro é encenação, é para ser visto principalmente.
Isso explica a importância de se lembrar que o namorado de Aninha,
José (note a simplicidade dos nomes) veste roupas brancas. Em plena
roça, esses trajes reforçariam uma tendência, disseminada em outros
momentos, da personagem a não enxergar que seu papel é trabalhar e
não pensar em prazeres da vida apenas, como se fosse um bon vivant.
Nesta segunda cena ocorre o encontro amoroso entre José e Aninha.
Nela se manifesta uma característica comum do autor, que é a utilização
do exagero caricaturesco, percebido no instante em que Aninha recusa o
abraço de seu amado. Só depois do casamento é que pode! E ainda
alfineta dizendo que esse “abuso” fora causado pelos maus costumes
adquiridos na Corte.
Há também nesta cena, por meio do diálogo dos namorados, um
elemento que é crucial na obra do autor: o contraste entre a roça e a
Corte.
O rapaz, após a estranha explicação de que não sobrara vintém do
bananal que recebera de herança – revelador, no mínimo, da
imaturidade da personagem –, diz como pretende se arranjar com sua
amada: vão-se casar às escondidas e se mudarão para a Corte. Para
seduzir Aninha, faz uma descrição completamente distorcida da Capital,
apegado apenas ao aspecto exótico, como se a vida lá fosse prazer,
diversão. Isso é percebido no diálogo abaixo transcrito:
Fica subentendida uma crítica de Martins Pena à mania desse grupo em
tentar se equiparar à Europa, não se tocando de que é tão provinciana –
trata-se de uma nação recente – quanto a roça. A maneira como Aninha
imagina a Corte (em que acaba até comicamente misturando tudo o que
José descreveu) deve ser a mesma maneira como enxergávamos e
ainda enxergamos o Primeiro Mundo.
Enfim, o encontro é abreviado por causa da iminência da chegada de
Manuel João. Assim, combinam o casamento para o dia seguinte, de
manhã.
A chegada do pai serve para que mais uma vez entremos no cotidiano
simples da classe baixa rural. Ficamos sabendo das lamentações por uma
vida trabalhosa, das tarefas feitas e a serem realizadas e até da janta
(carne seca, feijão e laranjas). Não se poupa nem mesmo a menção ao
fato de já ter acabado carne seca. Lembra o esforço, muitas vezes
fracassado, que algumas novelas globais tentam de retratar o dia-a-dia.
Ao bater da porta, mais uma vez o ridículo será utilizado, dessa vez por
aspectos visuais (um procedimento também comum em Martins Pena, que
remonta à tradição circense e que deu origem ao pastelão): Manuel João
trata de esconder a comida e ainda – beiramos o grotesco – lambe os
dedos. É pobreza extrema misturada a mesquinharia e sovinice.
Quem entra em cena é o Escrivão, que traz uma
intimação do Juiz de Paz: Manuel João tem de levar até
a cidade um prisioneiro como recruta para a revolta
que estava havendo no Rio Grande do Sul. João não
entende por que justo ele tem de realizar tal tarefa, o
que representaria a perda de um dia de trabalho. As
preocupações imediatas, ligadas à sobrevivência,
entram mais uma vez em foco.
O Escrivão informa que ninguém a aceitava. João mais
uma vez protesta, dizendo que ele não tinha culpa
nenhuma dos problemas arranjados pelo governo.
Nem mesmo dá atenção ao argumento ligado a
patriotismo. No entanto, cede, diante da ameaça de
prisão.
Observe-se que há críticas fortes aqui que chegam a se chocar com o conjunto
de valores burgueses. Seu efeito só não é de imediato fulminante porque tudo
se dilui em meio ao humor e principalmente por estar na boca de uma
personagem que age de forma tão estabanada.
A partida de Manuel João é feita em meio a inúmeras recomendações sobre as
tarefas a serem feitas de ambos os lados, tanto para os que ficam, quanto para
o que vai. Mais uma vez o cotidiano simples retratado de forma viva, natural e
colorida. Destaque seja feito ao pedido que Aninha faz ao pai: já que vai à
cidade, que lhe trouxesse sapatos franceses. Outra crítica que se dirige não à
roça, mas à Corte e ao seu apego à ostentação das superficialidades do
universo europeu.
A próxima cena é já na casa do Juiz de Paz, funcionário que tem a função de
conciliador dos conflitos de sua jurisdição. É provavelmente o melhor momento
da obra, por causa principalmente dos jogos de palavra que se estabelecem.
Em primeiro, ficamos sabendo de um presente recebido pela autoridade:
“Tomo a liberdade de mandar a V. Sª um caicho de bananas maçãs para V.
Sª comer com a sua boca e dar também a comer à V. Sª Juíza e aos Srs.
Juizinhos. V. Sª há de reparar na insignificância do presente; porém, Ilmo
Sr., as reformas da Constituição permitem a cada um fazer o que quiser, e
mesmo fazer presentes; ora, mandando assim as ditas reformas, V. Sª fará
o favor de aceitar as ditas bananas, que diz minha Teresa Ova serem muito
boas.”
O autor enfoca a simplicidade do povo, por meio, primeiro, de pleonasmos
(“comer com a boca”) e por expressões inadequadas, mas cômicas (“V. Sª
Juíza”, no lugar de “esposa do Juiz”, e “Srs. Juizinhos”, no lugar de “filhos
do Juiz”).
Há também a confusão que se faz entre o tom cerimonioso, adequado à
situação, e o familiar, íntimo, inadequado. Mas há ainda uma crítica à
corrupção do magistrado, pois Manuel André, a personagem que presenteia
o juiz, participará, como se verá, de uma ação litigiosa.
O primeiro caso a ser resolvido envolve Gregório, Inácio José e sua
esposa Josefa Joaquina. A transcrição de um trecho apresenta elementos
suficientes para análise:
JUIZ – É verdade, Sr. Gregório, que o senhor deu uma embigada na
senhora?
GREGÓRIO – É mentira, Sr. Juiz de paz, eu não dou embigadas em
bruxas.
JOSEFA JOAQUINA – Bruxa é a marafona de tua mulher, malcriado! Já
não se lembra que me deu uma embigada, e que me deixou uma marca
roxa na barriga? Se o senhor quer ver, posso mostrar.
JUIZ – Nada, nada, não é preciso; eu o creio. Martins Pena manipula com
eficiência e colorido os elementos dramáticos, reproduzindo com fidelidade
não só a linguagem coloquial, mas também a psicologia das personagens.
Prova disso é que Gregório e Joaquina desviam-se da resolução de sua
contenda em meio a ofensas. Fica nítido, por exemplo, que o aspecto
infantil do raciocínio de Joaquina, que, ao invés de apresentar argumentos
na discussão, devolve ofensa, atacando a mãe do oponente.
O mais incrível é a decisão do Juiz, que, além de paternalista, é
contraditória. Se por um lado dispensa Inácio e Joaquina, sob a alegação
de que umbigada não constitui crime em nenhuma lei, por outro ameaça
Gregório de aplicar a lei “às costas” se este continuar a praticar
umbigadas. E arbitrariamente encerra o caso com um “Estão conciliados”,
o seu bordão.
Em seguida é lido um outro requerimento de Manuel André. E mais uma
vez o suborno: na introdução do requerimento, antes de anunciado o
assunto, avisa-se, meio que en passant, que um cacho de bananas será
enviado ao Juiz. E novamente a mistura cômica do tom familiar com o
solene.
Tratava-se de uma questão de divisa de terra. O Juiz delega ao suplente a
decisão. O problema é que ambos estavam atarefados com seus próprios
roçados. Note-se que o suborno não foi eficiente. Note-se também o
descaso e incompetência no exercício das funções jurídicas.
Manuel André protesta. O Juiz ameaça com cadeia. O pleiteante faz
lembrar a Constituição, fortemente desprezada pelo magistrado. Confusão
é formada – mais um elemento de gosto popular no corpo da peça – e
Manuel André acaba fugindo.
O outro caso é entre João de Sampaio e Tomás. O primeiro é dono de um
leitão, que invadiu as terras do segundo. Estabelece-se uma briga até
física – mais uma cena à pastelão, com os dois reclamos puxando, um de
cada lado, o objeto de disputa. O problema é resolvido com a
determinação do Juiz – um tanto egoísta – de ficar com o bicho. Ainda
manda que seja trazida ervilha para a complementação de um prato que
imaginara. E, pior, folgadamente determina que um dos contendores
coloque o suíno no chiqueiro. Exibe-se a aplicação torta da lei, apenas
para atingir interesses pessoais. No fim, o bordão: “estão conciliados”.
Como um adendo, Sampaio quer que tudo seja citado na Assembléia
Provincial. O Juiz não autoriza, achando o assunto irrelevante. Tomás
convence-o do contrário, lembrando os votos que o magistrado havia-lhe
pedido para os integrantes da tal instituição legislativa. Corrupção, troca de
favores, compra de votos... Problemas de longa data!
O próximo caso é de Francisco Antônio, Rosa de Jesus e José da Silva. A
transcrição abaixo do requerimento dá mais detalhes:
“Diz Francisco Antônio, natural de Portugal, porém brasileiro, que tendo ele
casado com Rosa de Jesus, trouxe esta por dote uma égua. ‘Ora,
acontecendo ter a égua de minha mulher um filho, o meu vizinho José da
Silva diz que é dele, só porque o dito filho da égua de minha mulher saiu
malhado como o seu cavalo. Ora, como os filhos pertencem às mães, e a
prova disto é que a minha escrava tem um filho que é meu, peço a V. Sª
mande o dito meu vizinho entregar-me o filho da égua que é de minha
mulher’”. Observe-se como a manipulação da linguagem abre no texto uma
ambigüidade saborosa, apesar de rasteira.
A decisão do Juiz seguiu o caminho que parecia mais lógico: em favor de
Francisco e Rosa de Jesus. José da Silva protesta, diz que vai recorrer, mas o
magistrado faz pouco caso – tem procedimentos jurídicos para invalidar os
questionamentos. Há mais reclamações, sufocados quando o magistrado
manda prender José da Silva e fazê-lo recruta. Diante do pior, o protestante
abre mão das queixas.
Nesse momento, chega Manuel João para receber o preso. E, preocupado
com coisas imediatas, obtém autorização para deixar em sua casa o
prisioneiro, pois que já estava chegando a noite.
Na chegada à casa de Manuel João ocorre outro expediente típico da
dramaturgia popular: a surpresa causada pela descoberta da identidade de
uma personagem. Causa curiosidade o espanto de Aninha ao se deparar com
o prisioneiro. Depois que pai e mãe saem, a filha solta o recruta e fica-se
sabendo tratar-se de seu namorado, José. Havia sido preso, alega, de forma
extremamente arbitrária: “Assim que botei os pés fora desta porta, encontrei
com o juiz, que me mandou agarrar.” Há um potencial de crítica aqui, que,
diluído, não é aproveitado.
O casal foge para se casar. Quando os pais descobrem o que ocorreu,
surge alvoroço, revolta e decepção, mas engraçadamente há espaço para
um certo alívio de Manuel João, que estava livre da tarefa de levar o
prisioneiro no dia seguinte.
No fim, toda a culpa recai, comicamente, sobre a guerra que se
processava no Rio Grande do Sul. A culpa é do Governo (como dizia uma
antiga personagem humorística da televisão). Talvez por isso Manuel
João resolva dar parte ao Juiz. No entanto, é interrompido com a chegada
do casal fugitivo, já casado. Tudo acaba em abraços. É essa explosão de
felicidade (estamos indo na direção do desfecho da obra) que retira da
obra um fôlego mais forte para se dedicar a uma ferrenha crítica social, no
estilo do Realismo.
Resolvem, então, dar outra parte ao Juiz, agora de tom mais positivo.
A próxima cena é na casa do magistrado, que comunica ao escrivão a
necessidade de consultar um letrado – deixa claro que não entende muito
de leis. Antigamente, toda vez que surgia um problema cuja solução não
conhecia, simplesmente usava um “Não tem lugar.” e o empurrava.
Deixou de utilizar esse expediente porque uma vez quase tinha sido
suspenso. Esses são mais ingredientes para que possamos denegrir a
imagem desse funcionário. O escrivão até pergunta se tudo isso não era
motivo de vergonha. Resposta:
“Envergonhar-me de quê? O senhor ainda está muito de cor. Aqui para
nós, que ninguém nos ouve, quantos juízes há por estas comarcas que
não sabem aonde têm sua mão direita, quanto mais juízes de paz...” Suas
reflexões são interrompidas com a chegada de Manuel João, Maria Rosa,
Aninha e José, que lhe comunicam o casamento. Dessa forma, livra-se a
personagem da obrigatoriedade de se tornar recruta.
A primeira reação do Juiz é desmoralizar José, chamando-o de biltre. Mas
depois pede para perdoar a ofensa. O magistrado é de fato uma
personagem rica em suas contradições, tornando-se extremamente
humana, tanto que decide comemorar o matrimônio em sua casa, caindo
todos na dança e na cantoria, conforme atesta o trecho final abaixo
transcrito:
TOCADOR, cantando – Em cima daquele morro
Há um pé de ananás;
Não há homem neste mundo
Como o nosso juiz de paz.
TODOS – Se me dás que comê,
Se me dás que bebê,
Se me pagas as casas,
Vou morar com você.
JUIZ – Aferventa, aferventa!... Tudo termina bem, em festança, em
folguedo, afugentando todo e qualquer elemento (e os há na obra em
grande quantidade) que pudesse desagradar os padrões do público
burguês romântico.
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