Diálogos
Notas ao programa
Luciano Berio nasceu em Oneglia (Itália) a 24 de Outubro de 1925 e faleceu
em Roma a 26 de Maio de 2003. Estudou composição no Conservatório Verdi em
Milão, mas a personalidade que mais o influênciou terá sido Dellapiccola, durante os
cursos de verão de Tanglewood.
A partir da década de 1950 tornou-se uma das figuras dominantes no campo da
composição. Entre muitos outros feitos de destaque, fundou o estúdio de Fonologia da
Rádio Italiana juntamente com Bruno Maderna, que viria a ser pioneiro em muitas
descobertas musicais da electroacústica, e deu particular atenção à recuperação de
certos gêneros musicais negligeenciados pela música contemporânea do pós-guerra.
Um dos conjutos de obras mais significativos do seu riquíssimo catálogo é
composto por uma série de peças a solo para diversos instrumentos, escritas entre
1958 e 1995, e que dão pelo nome de sequenza. Exploram o conceito de virtuosismo
dentro dos moldes gramaticais da música do século XX, mas tendo em conta a
história do repertório e da técnica de cada instrumento. Quer individualmente, quer no
seu conjunto, são um marco do repertório solista.
A Sequeza IXb é dedicada ao saxofone alto e resulta de uma adaptação da
Sequenza IXa para clarinete solo, composta em 1980. A peça explora a voz
extremamente melódica do instrumento bem como a sua capacidade para a velocidade
de andamento extrema. Como em qualquer sequenza, Berio dá particular realce à
relação física entre instrumentista e instrumento, priveligiando o aspecto teatral da
interpretação. A versão para clarinete foi criada em 1981 no Teatro d’Orsay, em Paris,
por Michel Arrignon.
Qi Xi, ou a sétima noite, é uma lenda milenar da China que remonta, na sua
primeira versão escrita, à dinastia de Han (c. 200 a.C.). Apesar de existirem diferentes
versões da lenda, ela ronda à volta de dois jovens apaixonados que se podem ver uma
vez por ano, na sétima noite do calendário Chines. Eles pertencem a dimensões
diferentes. O homen é humano e a jovem é filha do imperador do céu. Os dois são
associados às estrelas de Altair e Vega e a lenda é alvo de recorrentes interpretações
no teatro e outras manifestações culturais na China desde tempos imemoriais.
Neste recital de Gilberto Bernardes, a lenda de Qi Xi serve de inspiração a
uma improvisação teatro-musical. Como se poderá verificar, esta escolha é de maior
pertinência enquanto preâmbulo à interpretação de Dialogue de l’Ombre Double, de
Pierre Boulez, obra igualmente inspirada num amor impossível.
Pierre Boulez nasceu a 26 de Março de 1925 em Montbrison (França). Depois
de realizar estudos superiores em matemática, Boulez dedicou-se à música a partir de
1942, sendo admitido na classe de composição de Olivier Messian, no Conservatório
de Paris. Paralelamente à actividade de composição que começa a desenvolver
profissionalmente, ainda na decada de 1940, torna-se um divulgador importante no
domínio da música contemporânea enquanto maestro. Fundador do ensemble InterContemporaine, autor de inúmeras obras capitais da segunda metade do século XX,
Pierre Boulez é mundialmente aclamado como o mais influente compositor e maestro
da actualidade no domínio da música contemporânea.
Dialogue de l’Ombre Double, foi escrita em homenagem a Luciano Berio por
ocasião do sexagésimo aniversário do compoitor italiano, em 1985. Na sua versão
original foi escrita para clarinete e fita magnética e estreada em Florença por Alain
Damiens. Em 1995 foi alvo de uma versão para fagote e aqui será executada em
saxofone.
O seu nome é retirado da peça teatral Le Soulier de Satin, da autoria de Paul
Claudel, e que foi adaptada para a sétima arte pelo realizador português Manuel de
Oliveira em 1985. O drama situa-se na Renascença e desenrola-se por um período de
dez anos, sendo inspirada na lenda chinesa de Qi Xi. Conta com a história de um
amor impossível entre Dona Prouhèze e o capitão Don Rodrigue. Tem o mundo
renascentista da época dos descobrimentos como cenário da acção e retoma o diálogo
entre personagens terrestes e celestiais.
Ao fazer uso de um músico em palco e da música electrónica projectada por
altifalantes, Pierre Boulez cria a metáfora entre essas duas dimensões diferentes,
estabelecendo um diálogo, à partida, impossível. Mais do que a sobreposição dessas
duas realidades, que daria lugar a uma polifonia entre opostos, Boulez procura criar
um diálogo efectivo entre as partes numa linearidade sucessiva.
Dialogue de l’Ombre Double está organizada de acordo entre a alternância
entre estrofoes tocadas ao vivo pelo músico e transições gravadas préviamente em
estúdio e difundidas pelos altifalantes.
Alejandro Castaños nasceu no México a 19 de Janeiro de 1978. Após realizar
estudos formais com Alejandro Velasco, Juan d Trigos e Ignacio Baca-Lobera,
frequentou diversos cursos com Franco Donatoni, ainda no México, e em Darmstadt e
Appeldorn, já na Europa. Prosseguiu estudos com Jillius van Bergijk, Martijn Padding
e Didrick H. Wagenaar no Conservatório de Haia. As suas obras têm sido
regularmente apresentadas por diversos ensembles de música contemporânea no
continente Americano e na Europa, sendo que uma grande parte do seu espólio
compositivo se enquadre no domínio da electroacústica.
+O~, para saxofone alto e electronica foi composta em 2005 no âmbito de um
curso de composição promovido pelo IRCAM. Foi estreado por Pierre StephaneMeugé a 14 de Outubro desse mesmo ano.
A estranha numenclatura da obra resulta de uma representação simbólica da
estrutura formal da peça. Em +O~, Alejandro Castaños procurou desenvolver
princípios composicionais no domínio da electrónica, adquiridos ao longo de um ano
no IRCAM e conseguir um equilíbiro de forças entre a parte instrumental e a
electrónica.
Rui Pereira
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