Revista da SBEnBio - Número 7 - Outubro de 2014
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EPISTEMOLOGIAS, NARRATIVAS E FORMAÇÃO DOCENTE
Eliane Gonçalves dos Santos (Universidade da Fronteira Sul - UFFS)
Fabiane de Andrade Leite (Universidade da Fronteira Sul - UFFS)
Resumo: Este relato de experiência se refere a um estudorealizado no decorrer das aulas
de Prática de Ensino em Ciências/Biologia I: Epistemologia e Ensino de Ciências, no
curso de Ciências Biológicas no ano de 2013 na UFFS 1. O trabalho se deu sob o
objetivo de analisar a compreensão dos licenciandos acerca da evolução epistemológica
do conhecimento científico e as implicações deste na sua constituição docente, sob a
perspectiva da investigação-ação emancipatória. No decorrer do texto apresentamos
ideias sobre a importância de um estudo epistemológico na formação inicial de
professores e a influência deste estudo na constituição docente, utilizando como
referenciais trabalhos de CARVALHO e GIL-PÉREZ (2009), IMBERNÓN (2011),
SCHÖN(2000), SCHNETZLER(1992).
Palavras-chave:
Epistemológica.
Ensino
de
Ciências.
Formação
de
Professores.
Reflexão
EPISTEMOLOGIA NA FORMAÇÃO INICIAL DE PROFESSORES
A reflexão acerca de como aprendemos e de qual o papel da escola nesse
processo é elemento central do trabalho na formação inicial de professores. E essas são
algumas questões que têm nos acompanhado ao longo de nossas pesquisas com
formação de professores, em especial na formação inicial de professores de Ciências
Biológicas, pois reconhecemos que é nesse período que o(a) licenciando(a) deverá
compreender de que forma se dá o conhecimento em sala de aula.
Partimos do entendimento que o conhecimento científico e o conhecimento
escolar apresentam características singulares e é no decorrer da formação inicial de
professores que se deve proporcionar a compreensãodestas diferenças, a fim de
contribuir na formação do pensamento do futuro professor.
Diante dessa perspectiva, pensamos ser de suma importância uma educação em
Ciências que propicie a problematização e compreensão da natureza e atividade
científica, a fim de romper com o pensamento de uma Ciência descontextualizada e
socialmente neutra. Para tanto, corroboramos como o pensamento de Schnetzler ao
afirmar que:
Não se trata de destruir as concepções prévias dos alunos, mas sim de se
desenvolver um processo de ensino que promova a evolução de suas ideias. Em
outros termos, a ruptura não significa necessariamente descarte. Assim, o
ensino não pode ser concebido como um processo simplesmente linear, onde
novos conceitos vão sendo sequencialmente introduzidos; mas sim como um
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processo em que o professor deve também planejar e desenvolver situações
frequentes onde conceitos já abordados sejam retomados e retrabalhados sob
novas formas, estabelecendo novos relacionamentos conceituais para propiciar
ao aluno condições de aplicação, ampliação e consolidação daquelas ideias, ou
seja, das ideias cientificamente aceitas("corretas")(1992, p.20)
A importância dessa abordagem permite um ensino e aprendizagem
comprometido com a mudança e (re)construção de ideias sobre a Ciência e a educação
para as Ciências. Propiciando ao licenciando reconhecer a Ciência como uma produção
humana, sujeita a mudanças, impregnada de valores e interesses sociais.
Atualmente há uma preocupação cada vez maior com relação à construção de
propostas curriculares para os cursos de licenciaturas que proporcionem a formação
profissional e científica dos licenciandos, no sentido de torná-los capazes de atuar,
identificar problemas e apresentar soluções de forma interdisciplinar, criando espaços
de participação, reflexão e construção da sua própria aprendizagem.Dessa forma, refletir
sobre as questões epistemológicas é fator central para a formação inicial do professor, a
fim de que o mesmo reconheça e compreenda suas concepções de conhecimento e de
Ciência, as quais determinam o fio condutor de seu trabalho.
As crenças e as convicções sobre o que é a Ciência e como se dá o conhecimento
científico marcam a ação pedagógica, dessa forma cabe ao professor ter clareza das suas
concepções para que o seu trabalho tenha um caminho bem estruturado e que contribua
para a evolução do conhecimento pelo aluno.
Constata-se que na atualidade ainda se fazem presentes no ensino de
Ciênciasvisões e entendimentos distorcidos da Ciência e do fazer científico, resultado
muitas vezes da falta de uma apresentação, estudos, reflexão profunda e sistemática
sobre os principais aspectos da Ciência. Torna-se importante para o ensino, como cita
Fleck(1986), haver uma compreensão dialética do conhecimento a partir da circulação
intercoletiva de ideias entre os círculos esotérico e exotérico, a fim de promover o
acesso às divulgações da cultura científica, sobre esse ponto Ostermann e Cavalcanti
discorrem que:
o cientista tem um compromisso social de divulgar a ciência e dialogar
com a sociedade, uma vez que a atividade científica deve fazer uso de uma
consciência crítica e postura filosófica, aspectos inerentes à investigação,
que seriam benéficas para toda a sociedade. Estimular o bom ensino de
ciências nas escolas também é vital, pois uma boa educação científica é
condição necessária para o pleno exercício da cidadania. É, portanto,
compromisso da comunidade científica dialogar com os leigos, e é
compromisso da educação em Ciências promover a enculturação científica
das pessoas (OSTERMANN; CAVALCANTI, sd, p. 50)
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Diante do que foi mencionado, é de suma importância trazer para o cenário
educacional, principalmente na formação inicial, discussões que apresentem e
problematizem a natureza do conhecimento científico, que possibilitem aos estudantes
uma nova interpretação e compreensão da Ciência, como um processo de produção de
conhecimentos, “um organismo vivo, que continuamente se autocorrige” conforme cita
Chalmers (1994).
A literatura aponta que uma das maiores preocupações dos pesquisadores da
área, é a multiplicidade de concepções epistemológicas incorporadas à prática
profissional dos professores de Ciências, que acabam, em muitos casos, provocando
barreiras e dificuldades para o aprendizado de Ciências, pois se mostram de forma
fechada, impenetráveis a questionamentos, passam a ter valor absoluto e não relativo ao
que trazem de contribuição para ampliar, acrescentar às outras formas de compreensão
do mundo (CHAVES, 2007, p.16).
Para que os futuros professores tenham uma visão adequada sobre a natureza do
conhecimento científico, e primem por um ensino que problematize a Ciência e o seu
sentido no mundo contemporâneo, torna-se necessário de acordo com Matthews,
humanizar os conteúdos; melhorar a sua compreensão; motivar; favorecer o
entendimento dos episódios revolucionários; mostrar a Ciência como algo mutável;
combater a ideologia cientificista e permitir um conhecimento melhor da natureza da
ciência (1995, p.172)
Corroboram com esse entendimento Silva e Schnetzler (2000), ao destacar
algumas das necessidades formativas para os programas de formação inicial e
continuada de professores como:
a) dominar os conteúdos científicos a serem ensinados em seus aspectos
epistemológicos e históricos, explorando suas relações com o contexto social,
econômico e político; b) questionar as visões simplistas do processo
pedagógico de ensino das Ciências usualmente centradas no modelo
transmissão-recepção e na concepção empirista-positivista de Ciência; c)
saber planejar, desenvolver e avaliar atividades de ensino que contemplem a
construção-reconstrução das ideias dos alunos em direção às noções
cientificamente aceitas através de procedimentos e posturas de mediação que
contemplem ajustes da prática pedagógica; d) conceber a prática pedagógica
cotidiana como objeto de investigação, como ponto de partida e de chegada
de reflexões e ações pautadas na articulação teoria-prática, promovendo a
transformação de um professor transmissor/reprodutor de informações para
um professor reflexivo e pesquisador de sua própria prática. (2000, p. 44).
A construção de um planejamento coletivo na escolacontribui para uma efetiva
constituição docente, baseada na formação de um professor prático-reflexivo e, para que
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isso ocorra, o processo de formação do professor deve estar fundamentado na
perspectiva da pesquisa-ação ou da investigação-ação, através da qual o professor não
apenas ensina a aprender, mas acima de tudo aprende a ensinar. Nesse contexto,
fundamentamos nosso trabalho em autores como Schön (2000) e Zeichner (1993), os
quais propõe análise da formação de professores que pesquisam a própria prática
docente.
No processo de ensino de Ciências, o desafio do professor reflexivo é ampliar as
bases científicas da prática, lutando contra a ilusão cientificista, sem abandoná-la, mas
sim utilizando-a para desenvolver formações que articulem racionalidade científica e
prática reflexiva (PERRENOUD, 2002).
A aprendizagem é algo complexo, interno ao ser humano, social-cultural que
necessita de concepções profundas do conhecimento científico tendo como base o senso
comum e, para tanto, o professor é o principal responsável pela mediação desse trabalho
em sala de aula, oportunizando momentos de ação e reflexão sobre o que se sabe e o que
se deve saber sobre os fenômenos naturais.
A fim de promovermos essa construção ao longo da formação inicial de
professores de Ciências na Universidade Federal da Fronteira Sul – Campus Cerro
Largo/RS, é que nos desafiamos, enquanto professoras do componente curricular
Prática de Ensino em Ciências/Biologia I: Epistemologia e Ensino de Ciências, a
apresentar aos licenciandos, os paradigmas que orientam a produção de conhecimento
na área das Ciências Naturais, as concepções epistemológicas de Ciências, de ensino de
Ciências, bem como as especificidades e diferenças da produção de conhecimentos da
área básica de Ciências Biológicas e da área de educação em Ciências.
Ao longo das aulas também são apresentadas contribuições da história e filosofia
da Ciência, assim como oportunizamos a análise de concepções de Ciência em contexto,
ou seja, a verificação e o estudo de como se apresentam estes dados em sala de aula.
Esse componente curricular apresenta como objetivo geral permitir adiscussão
das concepções de Ciência e docência, articulados a processos de ensino, bem como aos
modelos de produção da Ciência/Biologia e sua historicidade para contextualizar
paradigmas que orientam a produção do conhecimento na área das Ciências Biológicas
e do ensino de Biologia bem como sua gênese e desenvolvimento favorecendo a crítica
do professor aos processos de ensino.
1. NARRATIVAS E REFLEXÕES EPISTEMOLÓGICAS
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Este trabalho surge tendo como base as reflexões realizadas no decorrer da
construção e planejamento das aulas de Epistemologia das Ciências, bem como nas
discussões que permearam nossa convivência acadêmica enquanto docentes oriundas da
mesma
área
de
pesquisa.
A
importância
destas
reflexões
se
justifica
pelocompartilhamento da ideia de que o conhecimento evolui intracoletivamente, ou
seja, no interior do próprio coletivo de pensamento, conforme nos traz Fleck (1986).
Reconhecemos que nosso papel enquanto docentes do componente curricular, o
qual trata de demonstrar como se dá o conhecimento científico nos alunos, é promover
um conhecimento crítico, sem expor nossas preferências epistemológicas, mas
contribuindo para o desenvolvimento de um conhecimento construído a partir de
rupturas acerca da compreensão de como se dá a natureza do conhecimento científicoem
sala de aula e do quanto o professor de Ciências é responsável por esse trabalho, nesse
sentido Maldaner cita que:
Não se trata mais de aprender sempre os mesmos conteúdos e repeti-los em
determinadas situações (provas, provões, concursos), mas de saber como a
ciência criou as condições atuais da humanidade e como ela permitirá as
novas condições que façam o homem sentir-se integrado na mesma natureza
una e única, da qual a prática científica atual ainda teima em separá-lo (2000,
p. 64).
Desse modo, as aulas ocorreram em dezoito encontros presenciais em cada
semestre com turmas de alunos diferentes. Partimos da ideia que os alunos possuem um
estilo de pensamento (FLECK, 1986) o que fazcom que constituam coletivos de
pensamento e, nesse contexto, tivemos a preocupação de criar momentos que
permitissem uma efetiva evolução das ideias pré-existentes quanto a natureza do
conhecimento científico demonstrando, de forma inicial, as diferenças do que é
considerado senso comum e o que é conhecimento científico.
De maneira a contribuir com uma formação voltada às próprias reflexões,
solicitamos aos alunos a escrita em um diário de bordo, de acordo com as ideias de
Porlán e Martín (2000), além da participação efetiva na realização das atividades e
discussões de modo que esses fossem expondo seus entendimentos e crenças acerca da
Ciência, momento ímpar para a problematização e (des)construção dos saberes e valores
que ultrapassam o espaço da sala de aula.
Inicialmente, utilizando o texto “Por que Ensinar Ciências Para as Novas
Gerações? Uma Questão Central para a Formação Docente” de Sílvia Nogueira Chaves
(2007)discutimos questões referentes ao por que e para que ensinar Ciências. A partir
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desta atividade,surgiram reflexões importantes acerca da alfabetização científica,
principalmente no que diz respeito ao uso da linguagem utilizada para o ensino de
Ciências em sala de aula, o quê conforme os alunos, demonstra o quão (in)útil é o
ensino, corroborando com as ideias de Chassot, 1995.
Assim, nesse movimento buscamos incentivar um processo no qual os
acadêmicos devessem refletir sobre a Ciência e a maneira como acontece à construção
do conhecimento científico, buscando entender a dinâmica da Ciência ao longo da sua
trajetória, os erros e os acertos, os sujeitos envolvidos, as condições sócio, histórico e
cultural durante o qual os trabalhos de pesquisas foram sendo desenvolvidos, tentando
obter um novo olhar sob a natureza da Ciência.
Nos primeiros encontros percebemos as dificuldades que acadêmicos da 4ª e 5ª
fase do curso externavam quanto a compreender a Ciência como uma atividade
dinâmica, humana em constante transformação. Ao analisar as narrativas dos
acadêmicos, constatamos que a grande maioria desses jovens acreditava que a Ciência
caracterizava-se como um corpo organizado de conhecimentos, com finalidades
culturais e utilitarista, em que a visão de ciência e cientista não diferiam da descrita na
literatura da área. Um dado preocupantefoi à ausência dereferências a nomes de
mulheres que fazem pesquisas tanto no Brasil quanto no exterior, assim como da
importante contribuição das mulheres para o desenvolvimento da Ciência e da
tecnologia no mundoe ainda a visão de neutralidade da Ciência, fato que nos põe em
alerta, pois na era da informação esses jovens ainda apresentam um entendimento bem
distante do esperado.
Todavia, ao pensarmos esse componente na perspectiva da investigaçãoação,novas abordagens foram sendo propostas aos licenciandos a fim de que esses se
sentissem motivados a pensar, questionar, pesquisar e discutir acerca das questões
epistemológicas da Ciência, pois de acordo com Maldaner(2000, p.79)deve-se ter
clareza que “a reflexão epistemológica é um dos passos necessáriospara a recriação de
um conhecimento novo que poderá redirecionar a educação”.
Dando ênfase ao processo de discussão, reflexão individual e coletiva, tínhamos
a intenção de favorecer a elaboração de novas concepções, mesmo reconhecendo que
isso não é tarefa fácil e, dessa forma, uma das atividades mais impactantes aos alunos
foi a realização de uma entrevista com professores da educação básica. As questões
realizadas serviram para investigarmos a realidade da escola no que diz respeito
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asconcepções de Ciências dos professores participantes de um projeto de extensão 2
realizado pelo grupo de Pesquisa GEPECIEM 3 – UFFS/Cerro Largo.
As questões foram encaminhadas aos professores e, entre elas, relatamos
algumas respostas que mais chamaram a atenção do grupo, como por exemplo,a questão
que solicitava ao professor a diferença entre conhecimento científico, conhecimento
escolar e conhecimento cotidiano. A partir das respostas percebemos que há uma forte
tendência dos professores em demonstrar que o que é científico é verdadeiro e absoluto.
Não houve uma definição certa a respeito do conhecimento escolar, muitas vezes este
aparecia como científico e, nos surpreendemos com a colocação de alguns professores
que definiram conhecimento cotidiano como algo errado e incompleto.
Estas questões suscitaram inúmeras discussões e promoveram falas interessantes
em sala de aula, falas que contribuíram para romper com as ideias iniciais de Ciência
que os licenciandos possuíam. Essas ideias iniciais foram se constituindo ao longo de
toda a formação na educação básica dos alunos, os quais são oriundos de uma docência
simplista e conteudista.
Nesse contexto, reconhecemos que trazer as questões de cunho epistemológico
para a sala de aula não é uma tarefa fácil, pois, na tentativa de inseri-la na aprendizagem
dos estudantes, podem ocorrer simplificações e distorções das informações. Conforme
Silva et al. (2008, p.500) “as imagens que temos da ciência são forjadas desde muito
cedo, nos primeiros anos escolares”. Dessa maneira, os estudantes já têm uma imagem
positivista da ciência como produto acabado e não como um processo que envolve
pessoas comuns, contextos concretos e debates. Assim, um correto entendimento da
estrutura e dinâmica científica é essencial no ensino de Ciências, pois contextualiza o
ensino historicamente, permitindo ao aluno a compreensão da dinâmica da ciência e da
produção do conhecimento científico, já que o desenvolvimento “da ciência dá-se tanto
por fatores internos à própria ciência quanto por fatores externos, ou extra científicos”
(SILVA, et al., 2008, p.498).
Outra atividade realizada que trouxe resultados significativos ao processo foi
uma sugestão retirada do livro “Filosofia e História da Ciência no contexto da Educação
em Ciências: Vivências e Teorias” organizado por Regina Maria Rabello Borges (2007),
retirado da página 150. Seguindo as orientações do livro, propomos aos alunos a
construção de um esquema (fluxograma) utilizando todas ou algumas palavras que se
2
3
O referido Projeto de Extensão é denominado “Ciclos Formativos no Ensino de Ciências e Matemática”.
GEPECIEM – Grupo de Pesquisa no Ensino de Ciências e Matemática.
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referem a etapas de uma investigação científica, sendo elas: dados, problema, teorias,
métodos,
hipóteses,
variáveis,
observação,
técnicas,
bibliografia,
conclusões,
paradigmas ou outras. Esta atividade foi solicitada logo nos primeiro encontros e
repetida no último encontro do componente curricular a fim de analisarmos a evolução
do processo de aprendizagem nos alunos.
O objetivo desta atividade foi proporcionar aos alunos uma primeira autoavaliação a cerca das suas concepções a respeito do processo de formação do
conhecimento científico. O retorno inicial da atividade demonstrou que todos os alunos
apresentaram uma interpretação linear baseada em concepções empirista-indutivista ou
racionalista da formação do conhecimento científico. Na sequência, íamos apresentando
ao grande grupo todos os esquemas criados e, na oportunidade, fazíamos
questionamentos a fim de esclarecer qual a compreensão dos alunos sobre as palavras
utilizadas.
Ainda na discussão, a qual se destacou entre tantas outras atividades em sala de
aula, não tínhamos a intenção de julgar, o que deixamos claro desde o início, portanto
não haveria uma avaliação quanto a organização do esquema, considerando correto ou
errado, mas sim nos preparamos para construir um espaço de debate e desconstrução de
conceitos que fragmentados e equivocados a respeito da formação do conhecimento
científico.
Foram várias ações realizadas ao longo dos demais encontros, desde a
proposição de estudo e leitura até a explanação, através de seminários, a respeito das
principais ideias, que ao longo dos anos, contribuíram para a evolução das concepções
sobre a natureza do conhecimento científico. Os alunos foram apresentados a vários
pesquisadores como: Popper, Kuhn, Feyerabend, Lakatos, Toulmin, Bachelard, Fleck,
entre outros e, cada novo estudo proposto, surgiam conflitos de ideias que tornavam as
aulas um ambiente de intensa discussão.
Ao longo do processo de ensino, os alunos trouxeram colocações realizadas em
outros componentes pelos demais professores o que significa que estavam se
apropriando dos conhecimentos e levando as discussões deste componente curricular
para além do momento e do espaço da sala de aula. Isso demonstra o quanto
significativo estavam sendo nossas intervenções.
Ao longo do trabalho percebemos uma superação das visões anteriores por
grande parte dos alunos, demonstrando a importância do nosso papel enquanto
mediadoras do conhecimento em sala de aula.A realização do trabalho demonstrou que
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o interesse dos alunos crescia a cada encontro evidenciado também pela constante
motivação pela pesquisa que tornava nossas aulas cada vez mais instigantes e
desafiadoras.
2. EPISTEMOLOGIA E CONSTITUIÇÃO DOCENTE
Observando a dinâmica do processo de formação de professores, considera-se a
formação inicial como constitutiva do sujeito, a qual, ao longo dos encontros
proporcionadosfoi sofrendo mutações, mudanças essas proporcionadas pela relação
entre os círculos exotéricos e esotéricos. Nesse sentido, identificamos a importância
dessa relação ser estabelecida já na formação inicial do professor, tendo em vista que
uma das maiores dificuldades encontradas na formação continuada de professores é a
resistência aos diálogos formativos, pois permanece muito presente um forte
preconceito de que os formadores (professores da Universidade) não apresentam
conhecimento da prática docente, pois não possuem experiência na educação básica e,
dessa forma, não conhecem os problemas reais presentes na escola e, consequentemente
não têm como contribuir.
Nesse sentido, destacamos a importância de se dar voz aos licenciandos, de
retirá-los da cômoda situação de apenas receberem informações e colocá-los como
protagonistas da sua própria formação. A formação do professor deve ser vista como
uma profunda “mudança didática” (CARVALHO; GIL-PÉREZ, 2009, p. 38), através da
qual o professor deve estar preparado para uma tarefa de pesquisa e inovação
permanentes.
O diálogo é o princípio básico da relação pedagógica, e os espaços de formação
são essenciais para a construção e desconstrução de conceitos criados em torno dos
processos pedagógicos desenvolvidos na escola, pois, conforme Maldaner (2003,p.15),
“tornar-se reflexivo/pesquisador requer explicitar, desconstruir e reconstruir concepções
e isso demanda tempo e condições”.
Acreditamos que permanecem atrelados aos conhecimentos e saberes
provenientes da experiência, e alicerçados pelo senso comum pedagógico os professores
que têm dificuldade para estabelecer processos de diálogo e reflexão em torno de suas
práticas, estes acabam possuindo estilos de pensamento que comprometem o trabalho
em sala de aula.
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Na escola, temos observado a presença de professores despreparados, sem
conhecer com profundidade a disciplina que ministram, sem analisar ou interpretar as
concepções dos alunos e sem saber orientar o processo de ensino e de aprendizagem.
Essa realidade, segundo Carvalho e Gil-Pérez (2009, p.14) faz-nos chegar a “conclusão
de que nós, professores de Ciências, não só carecemos de uma formação adequada, mas
não somos sequer conscientes das nossas insuficiências”, o que contribui ainda mais
para uma crise no ensino de Ciências.
Já Imbernón (2011, p.31) coloca que o conhecimento profissional docente
“compreende diferentes âmbitos: o sistema, os problemas que dão origem à construção
dos conhecimentos, o pedagógico geral, o metodológico-curricular, o contextual e o dos
próprios sujeitos da educação.” Nesse sentido, o autor traz reflexões da presença de um
conhecimento pedagógico comum e um conhecimento pedagógico especializado,
referindo-se ao primeiro como presente na estrutura social do professor, o qual integra o
patrimônio cultural da sociedade e se transfere para as concepções dos professores. Esta
leitura nos aproxima ainda mais da compreensão da constituição dos círculos exotéricos
e esotéricos presentes no processo.
Através do estudo da epistemologia histórica, Bachelard, segundo Lopes (2007,
p.31) traz contribuições importantes no avanço da Ciência, permitindo “o
questionamento da possibilidade de se definir definitiva e universalmente o que é
ciência”. Questionar a Ciência determina a formação do verdadeiro espírito científico,
pois, segundo Bachelard (1996, p.18), “para o espírito científico, todo o conhecimento é
resposta a uma pergunta. Se não há pergunta não pode haver conhecimento científico”.
Ainda na epistemologia bachelardiana encontra-se o estudo sobre os obstáculos
epistemológicos, os quais consideramos importante estarem presentes na formação
inicial do professor, pois é determinante no processo de constituição do conhecimento
do que é Ciência. Todavia, não é único, pois temos as experiências que o professor traz
consigo, das suas primeiras aprendizagens em Ciências, bem como os saberes
curriculares e profissionais que muito influenciam a formação de suas concepções, o
que para Tardif (2012) formam o “saber docente”. Sendo assim, essa formação perpassa
um processo de evolução, pois “o conhecimento evolui de um estilo de pensamento ao
outro” (CONDÉ, 2005, p.141).
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