Revista da SBEnBio - Número 7 - Outubro de 2014
V Enebio e II Erebio Regional 1
SOBRE A NATUREZA DO CONHECIMENTO CIENTÍFICO
Anete Charnet Gonçalves da Silva (UESB – Pesquisa FAPESB)
Ana Maria dos Santos Rocha (UESB – Pesquisa FAPESB)
Renato Pereira de Figueiredo (UESB – Pesquisa FAPESB)
Márcia de Oliveira Menezes (UESB – Pesquisa FAPESB)
Resumo
A pesquisa objetiva caracterizar concepções sobre a natureza da ciência construídas
por estudantes do último ano do curso de Licenciatura em Ciências Biológicas da UESB,
campus de Vitória da Conquista. As respostas dos alunos foram classificadas de acordo com
as categorias propostas por Abell e Smith (1994). Os resultados revelaram que a maioria dos
alunos considera ciência como um produto, um conjunto de conhecimentos ou ideias a serem
estudadas. Em função das características da investigação, pode-se contribuir, principalmente,
com o incremento nas pesquisas, reflexões e debates a respeito das questões culturais e da
natureza do conhecimento científico e suas implicações nos cursos de formação de
professores, em especial, aqui, o curso de Licenciatura em Ciências Biológicas.
Palavras-chave: Formação de professores. Ludwik Fleck. Natureza da ciência.
Introdução
A ideia de que a aprendizagem implica na transmissão de conhecimentos prontos de
uma geração para a outra está profundamente enraizada na teoria e na prática educacional. De
acordo com essa concepção, o ensino é entendido como uma transmissão/transferência de
conhecimentos acadêmicos. Ainda muito presente, esta visão positivista de ensino,
fundamentalmente empirista-lógico, compreende que a produção do conhecimento científico
ocorre a partir de procedimentos metodológicos únicos (método científico), eminentemente
indutivos e experimentais. Fundado na crença de uma realidade preexistente que precisa ser
descoberta, o conhecimento derivado da metodologia científica consiste na coleta de dados
por meio de cuidadosa observação e experimentação e da subsequente derivação de leis e
teorias a partir desses dados por algum tipo de procedimento lógico – o que Alan F. Chalmers
(1993) descreveu como indutivismo ingênuo. É considerado verdadeiro do ponto de vista
lógico, pois independe do contexto, impondo uma racionalidade técnica que torna o professor
responsável pela detenção de verdades descobertas, inquestionáveis.
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Neste caso, o conhecimento científico seria objetivo, permanente, produzido através
de um método científico supostamente neutro, sendo central o papel da observação realizada
mediante a separação entre um “sujeito soberano e um objeto inerte, mas pronto para falar, tão
logo seja tocado pelo sujeito. Tudo se passa como se o sujeito fosse um mero tradutor do que
está fora de si”. Essas são características de uma fazer científico que a professora Conceição
Almeida (2012) identifica como sendo de uma ciência da assepsia:
Se libertar dos aspectos subjetivos durante a pesquisa; produzir análises que
se restrinjam a enunciar os fenômenos como eles ‘realmente são’; e construir
interpretações desprovidas dos valores e visões de mundo do observador, são
alguns dos princípios referendados pelos ideários de uma ciência da assepsia,
destituída de sujeito, purificada dos afetos, iras, marcas inconscientes,
ideologias e valores éticos dos quais se nutrem – queiramos ou não –
estudantes, professores e pesquisadores de todos os tempos e lugares (p. 13).
A coerência intelectual que sustenta a escolha desses métodos considerados válidos, a
definição do que é ou não pertinente aparecer no processo de coleta de dados, e a
interpretação dos resultados das investigações científicas deriva de uma concepção de ciência
que pouco mudou nesses últimos trezentos anos: a crença na existência de uma realidade já
dada, a ser descoberta, manipulada, analisada e, por fim, conhecida pela ciência e pelo método
científico.
Tradicionalmente, o ensino das ciências (Física, Biologia e Química) praticado em
grande parte de nossas escolas caracterizou-se por focalizar somente o produto final da
atividade científica e não o processo através do qual os cientistas produziram esses
conhecimentos. A visão da ciência como um conjunto hierarquizado de informações, repleto
de regras, classificações, fórmulas, tabelas e gráficos pouco contextualizados em relação aos
fenômenos apresentados, permeia também quase todos os currículos de nossas universidades.
Este processo geralmente exclui a reflexão pessoal sobre o material de estudo, as
possibilidades de criação pessoal e o uso de uma escrita com autoria. No entanto, inúmeros
pesquisadores apontam a importância do entendimento adequado da natureza da ciência para
a formação dos alunos, em todos os níveis de ensino. A fim de proporcionar o conhecimento
científico e tecnológico à maioria da população escolarizada em nosso país, esses
pesquisadores questionam o distanciamento do uso dos modelos e teorias para a compreensão
dos fenômenos naturais e a ausência de dinamismo no ensino das ciências – um trabalho
didático-pedagógico que favorece a indesejável “ciência morta”. Neste sentido, Delizoicov,
Angotti e Pernambuco (2011) propõem aos docentes de ciências, dos três níveis de
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escolaridade, incorporar a ciência no universo das representações sociais para que ela se
constitua como cultura.
Em oposição consciente à prática da ciência morta, a ação docente buscará
construir o entendimento de que o processo de produção do conhecimento
que caracteriza a ciência e a tecnologia constitui uma atividade humana,
sócio-historicamente determinada, submetida a pressões internas e externas,
com processos e resultados ainda pouco acessíveis à maioria das pessoas
escolarizadas, e por isso passíveis de uso e compreensão acríticos ou
ingênuos; ou seja, é um processo de produção que precisa, por essa maioria,
ser apropriado e entendido (p. 34).
Cientes de que é necessário mostrar que as ciências não podem ser concebidas como
um mero sistema de pensamento, mas, sobretudo, como um complexo fenômeno cultural, de
caráter coletivo e composto por instituições, ações e eventos, optamos pela visão
epistemológica de Ludwik Fleck (1896-1961) para nortear esta pesquisa. O fato de Fleck
pertencer ao campo da medicina, suas ideias relativas ao “estilo de pensamento” e “coletivo
de pensamento”, possibilita a utilização de sua epistemologia como fundamento para pesquisa
no ensino na área da saúde. Este autor, além de atuar na área médica como clínico e
pesquisador, manteve uma importante produção no campo da epistemologia. Em suas
considerações a respeito das compreensões e práticas estabelecidas pela ciência médica, Fleck
introduz os conceitos de “estilo de pensamento” e “coletivo de pensamento”, afirmando que
“o ato de conhecer é uma atividade que está ligada aos condicionantes sociais e culturais do
sujeito pertencente a um coletivo de pensamento” (SCHEID; FERRARI; DELIZOICOV,
2011).
No livro Gênese e desenvolvimento de um fato científico, publicado em 1935, Fleck
(2010) descreve a progressão do conceito de sífilis e o desenvolvimento da reação de
Wassermann, utilizada para o diagnóstico sorológico dessa enfermidade, como meio de
conduzir o leitor à compreensão de suas principais categorias: estilo de pensamento, coletivo
de pensamento, círculo esotérico e exotérico e formação de pré-ideias ou proto-ideias. O
prólogo do livro apresenta uma crítica à visão do fato como algo fixo, permanente e
independente da opinião subjetiva do cientista. Já então, Fleck (2010) acentua que a ciência
deveria ser entendida como uma atividade historicamente elaborada por coletivos, afirmando
que o conhecimento teria origem sócio-histórica.
Ao abordar o conhecimento científico Ludwik Fleck opõe-se claramente ao modelo
empirista-indutivista, atribuindo ao sujeito um papel ativo. Segundo o autor, a maneira como
o sujeito encara o objeto está permeada de questões culturais e sociais que introduz ao
conhecimento uma visão de realidade socialmente transmitida, ou seja, "a escolha do
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problema determina a maneira de enxergá-lo na observação do objeto. A ‘verdade’ detectada,
portanto, é relativa ao objetivo tencionado do saber” (FLECK, 2010, p. 14).
Ter conhecimento científico não se restringe em saber fatos científicos (como a
distância da Terra ao Sol, a idade da Terra, as diferenças entre mamíferos e répteis, etc.).
Significa entender a natureza da ciência. Para Harres, um dos principais objetivos do ensino
de ciências é o de propiciar ao estudante uma visão adequada sobre a natureza da ciência.
Afirma o físico: “Um ensino que se preocupe com a natureza da ciência também estará
possivelmente, favorecendo que os estudantes construam uma visão mais humana da ciência
[...]” (HARRES, 2008, p. 37).
Na busca da construção de um conhecimento escolar adequado às necessidades
educativas de hoje, consideramos imprescindível levar em consideração as concepções
científicas dos Licenciandos do curso de ciências Biológicas uma vez que estas constituem
uma autêntica epistemologia sobre o conhecimento escolar que poderá influir em suas futuras
escolhas pedagógicas – como, por exemplo, a escolha do livro didático pelo professor.
Compreender como interesses de ordem social, política e econômica influenciam
dinâmicas de construção do conhecimento e de pesquisa, como preconiza Fleck (2010),
poderá contribuir para uma visão menos dogmática sobre o que é a ciência, como e por quem
ela é feita. De acordo com os estudos desse autor, possibilitará ligar a produção dos
conhecimentos com a conformação dos sistemas sociais nos quais estes conhecimentos são
avaliados e utilizados. Este conhecimento deve, pois, ser introduzido em todas as disciplinas –
biologia, epistemologia, física, matemática, sociologia, antropologia, e assim por diante.
Mesmo que seja impossível estabelecer uma correspondência entre as concepções
científicas dos licenciandos e sua conduta em sala de aula ao estudar a concepção sobre
ciência do aluno de licenciatura, essa pesquisa colabora com os estudos realizados em torno
de sua formação profissional que indicam a necessidade de discussões epistemológicas que
poderiam contribuir para a compreensão da complexidade na construção dos fatos científicos,
reforçando a ideia de se fazer uma reformulação não apenas na concepção de ciência dos
livros didáticos, mas, especialmente, na concepção de ciência dos cursos de formação inicial e
continuada de professores (SCHEID; FERRARI; DELIZOICOV, 2011).
Assim, a partir da perspectiva abordada, esta pesquisa teve por objetivo caracterizar
concepções sobre natureza da ciência construídas por estudantes do último ano (2012) do
curso de Licenciatura em ciências Biológicas da Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia
(UESB), campus de Vitória da Conquista.
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Aspectos metodológicos da pesquisa
O interesse nas concepções sobre a natureza da ciência, de estudantes do último ano
do curso de Licenciatura em ciências Biológicas, é justificado pelo fato de que em breve estes
serão professores que atuarão, com crianças, adolescentes e adultos, nas escolas da Educação
Básica, fundamentando, provavelmente, suas práticas cotidianas nessas concepções. Uma vez
que, de acordo com outros estudos, os pontos de vista sobre a natureza da ciência dos
professores que ensinam ciências podem afetar a maneira como a ciência é ensinada
(SCHEID; FERRARI; DELIZOICOV, 2011).
Os dados da pesquisa foram obtidos no período regular de aulas, no decorrer das
disciplinas Metodologia e Prática das Ciências Naturais e Metodologia e Prática do Ensino de
Biologia, envolvendo, a partir de consentimento prévio, um grupo de 34 estudantes
matriculados.
As informações foram coletadas a partir das respostas escritas dos alunos à questão “O
que você entende por ciência?”.
Para a sistematização e posterior análise das respostas foi utilizada a classificação
proposta por Abell e Smith (1994), em estudo similar. A partir das respostas dadas à pergunta
“O que você entende pelo termo ciência?” (p. 476), as autoras estabeleceram as categorias
abaixo que indicam cinco concepções ou definições diferentes para o entendimento sobre a
natureza da ciência:
1. A ciência como um processo de descoberta ou exploração (Descoberta);
2. A ciência como um produto, um conjunto de conhecimentos ou ideias a serem
estudadas (Conhecimento);
3. A ciência como processo de pesquisa, apontando-se suas etapas (Processo);
4. A ciência como um conjunto de explicações que se relacionam com os “Comos” e os
“Por quês” do mundo (Explicações);
5. A ciência como um processo educativo, ou seja, voltado para a educação em ciência
(Educação) 1.
Em um primeiro momento, cada pesquisador/a fez a leitura do conjunto das respostas
dos alunos e procedeu as classificações nas categorias, a partir das características pertinentes a
cada uma delas, de acordo com a pesquisa de Abell e Smith (1994).
Na sequência, essas classificações foram socializadas, com o propósito de unificar os
resultados obtidos de forma individual. Com esse procedimento, foi identificada uma grande
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A concepção de educação considerada trata da perspectiva do ensino dos professores e do aprendizado de
ciências dos alunos em sala de aula e não do fazer ciência dos cientistas.
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quantidade de congruências. As discordâncias foram analisadas objetivando o consenso entre
os pesquisadores.
Ao final desta etapa, foram identificadas as respostas classificadas em uma única
categoria, as respostas classificadas em duas categorias (combinadas) e as respostas não
classificadas em quaisquer das cinco categorias.
Os achados da pesquisa
As sistematizações dos dados obtidos foram realizadas tomando como referência o
trabalho de Abell e Smith (1994). Nesta perspectiva, observamos pontos de aproximação nos
resultados obtidos nas duas pesquisas, como por exemplo, a maioria das respostas foi
classificada em uma única categoria; um menor percentual de respostas em categorias
combinadas; um reduzido percentual de respostas sem classificação; nas duas pesquisas, de
um modo geral, a ciência é vista como um empreendimento individual, na medida em que os
alunos “falham ao perceber os aspectos sociais da ciência” (ABELL; SMITH, 1994).
Por outro lado, identificamos pontos não coincidentes nos resultados obtidos. As
categorias que ocorreram tanto com maior quanto com menor frequência foram diferenciadas
nas duas pesquisas. Além disso, nesta pesquisa não foram identificadas respostas na categoria
Educação.
Respostas em uma única categoria
O maior percentual obtido em uma única categoria foi CONHECIMENTO (cerca de
40%), ao passo que na pesquisa de referência foi DESCOBERTA. Nessa categoria
CONHECIMENTO os alunos consideraram a ciência como produto, como um conjunto de
ideias a serem estudadas.
ciências para mim se refere à gênese do conhecimento. Todas as áreas de
conhecimento sejam elas humanas, exatas, agrárias, da saúde, naturais e
demais permeiam o campo da ciência, logo com a presença (existência) da
mesma as demais não se constituiriam.
A segunda resposta e categoria mais frequente foi PROCESSO com aproximadamente
15%, ao passo que na pesquisa de referência foi CONHECIMENTO. Nessa categoria
PROCESSO os participantes falam da ciência como observação, experimentação,
questionamentos e hipóteses. Usam frequentemente o termo experimentação, muitas vezes
associado com exploração.
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ciência é a produção do conhecimento em prol da compreensão do meio em
que vivemos e melhoria de vida. É o estudo da vida e a correlação desta com
a realidade para capacitar a intervenção de cidadãos em situações do dia-adia de forma a (sic) participativa e construtiva. É a construção de saberes e
reconstrução destes a partir das observações e questionamentos que levam a
uma tentativa de explicação.
Quase 12% dos nossos alunos entendem ciência como EXPLICAÇÃO, ou seja, em
suas respostas prevalece a visão dos “comos” e “porques” do mundo. Muito embora a
EXPLICAÇÃO seja aqui apresentada como categoria única, em alguns momentos,
encontramos dificuldades para a sua distinção em relação à categoria DESCOBERTA. À
semelhança do que aconteceu na pesquisa de Abell e Smith (1994), muitas respostas que
discutem EXPLICAÇÃO indicam que os alunos pensam que as explicações existem no
mundo, e o trabalho dos cientistas é descobri-las.
ciência é o estudo de algo que lhe interesse, o cientista é uma pessoa curiosa
que tenta desvendar os mistérios que o cerca e a ciência seria o meio pelo
qual ele faz isso. A ciência não está restrita as paredes dos centros
acadêmicos, qualquer pessoa que tenha curiosidade para saber algo, ou que
não se contente com os saberes que lhe são fornecidos pode fazer ciência,
pode pesquisar e chegar ou as mesmas conclusões ou descobrir novos
saberes.
ciência, ao meu ver, é ter sabedoria independente da área, ser acadêmico ou
não. ciências é estudar, é descobrir como e porque ocorre e como isto afeta
outros objetos.
Apenas um aluno (2,9%) apresentou resposta na categoria DESCOBERTA.
ciência é um conhecimento que temos sobre o mundo e é através dela que
passamos a descobrir novos ambientes, novos animais. Sendo muito
importante para nosso desenvolvimento.
Finalmente, a ausência de respostas na categoria EDUCAÇÃO constituiu-se em ponto
diferencial em relação à pesquisa de Abell e Smith (1994), uma vez que nessa foi encontrado
o percentual de 3% de respostas.
Respostas combinadas
Um total de 26,5% das definições dos nossos alunos apresentaram mais de uma faceta
acerca do entendimento do que seja ciência, ao passo que na pesquisa das autoras americanas
esse resultado foi de 40%. Nesse caso, as respostas individuais combinaram até três categorias
distintas, enquanto que na nossa pesquisa todas as respostas combinadas dos alunos
apresentaram duas categorias com o predomínio de CONHECIMENTO E PROCESSO
(11,8%).
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É um conjunto de conhecimentos sistematizados que vão muito além do que
é passado em sala de aula. ciência para mim, é uma área muito ampla que
possibilita aos investigadores conhecer a natureza, o meio no qual o
indivíduo está inserido. Vai muito além de fórmulas, cálculos e
nomenclaturas. É fazendo ciência que podemos entender quem somos e onde
vivemos.
Um percentual menor foi observado nas combinações CONHECIMENTO e
EXPLICAÇÃO e PROCESSO e EXPLICAÇÃO, ambas com 5,9% das respostas dos alunos.
Para a primeira situação, os alunos entendem a ciência como um conjunto de conhecimentos e
explicações necessário à compreensão do mundo.
A ciência é uma forma de estudar e relacionar diversos fatores, de diversas
áreas, a diferentes situações. Para isso a ciência utiliza de métodos para
identificar esses fatores e relacioná-los as situações, dessa forma, a ciência é
uma forma que utiliza de um método para identificar e explicar uma
situação, ou identificar fatores que interferem nessa situação na tentativa de
entender a dinâmica do ambiente e dos organismos.
Para a combinação PROCESSO e EXPLICAÇÃO as respostas dadas pelos alunos
indicam que a ciência é vista como um processo de pesquisa por meio do qual se obtém as
explicações a respeito da compreensão do mundo.
É o adquirir conhecimento baseado em método científico e que o tempo todo
pode ser contestado, aumentando o conhecimento humano de como as coisas
funcionam. Para se fazer ciência é preciso muito estudo que pode ser
adquirido o conhecimento através da prática.
Por último, 2,9% das respostas dos alunos combinaram DESCOBERTA e
EXPLICAÇÃO nas suas definições de ciência, na perspectiva de um mundo preexistente
pronto para ser descoberto e compreendido.
A resposta dos alunos classificadas como categorias combinadas (Quadro 3) reforçou
o predomínio da compreensão de ciências como CONHECIMENTO e PROCESSO, uma vez
que elevou a frequência relativa das respostas classificadas em cada uma dessas categorias
para 17,7%.
Dialogando com os achados
De maneira geral, nesta investigação, os alunos do curso de Licenciatura em Ciências
Biológicas retratam a ciência como uma busca individualista e não se percebem como sujeitos
na construção de conhecimentos para entender o mundo, enxergando a ciência como uma
coleção de fatos preexistentes.
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[...] ciência para mim, é uma área muito ampla que possibilita aos
investigadores conhecer a natureza, o meio no qual o indivíduo está inserido.
Para mim ciência é o estudo dos seres vivos e de tudo que tem relação com
os seres vivos. Ela engloba tudo que faz parte da natureza e do planeta. [...]
Assim, o estudo identificou no grupo de alunos pesquisado, considerando o referencial
epistemológico fleckiano, a prevalência de um “estilo de pensamento” característico de um
“coletivo de pensamento” ainda predominante no curso de Licenciatura em Ciências
Biológicas da UESB. Isto pode ser evidenciado no maior percentual de respostas dos alunos,
combinadas ou não, na categoria CONHECIMENTO.
Para um pequeno grupo de alunos, cerca de 6%, a ciência é vista como um
empreendimento social condicionada ao olhar do sujeito, comportando erros e acertos,
característicos do agir humano.
A ciência é uma construção humana, proveniente da relação do humano com
a natureza e com os seus semelhantes. Forma-se primeiramente do olhar
sobre o objeto, e fundamenta-se no exercício do pensamento do sujeito
observador. Por isso é que é uma construção humana, e ainda subjetiva,
mesmo com o intuito de descrever objetivamente os fenômenos. Além disso,
é dinâmica em suas concepções, tendo, a cada período histórico, uma “cara”
diferente, sendo até as verdades, diferentes em cada período. Isso significa
ainda que a ciência é um processo de construção de um conhecimento,
influenciado pela história e concepções filosóficas de cada período de tempo,
podendo sempre ser modificada. Não é um produto completo e acabado.
A ciência no decorrer da história, foi alterando-se conforme as características
econômicas, sociais vigentes em determinada época. Atualmente o conceito
de ciência visa um conhecimento holístico e não fragmentado, como ocorria
no positivismo.
No entanto, para a maioria do grupo pesquisado prevalece a ideia de que só o
conhecimento científico é capaz de perceber, compreender e decodificar todos os fenômenos
da natureza.
ciência é o conjunto de conhecimentos que tem como objetivo entender a
natureza, [...]
ciência é um modo de investigação de algum processo ou fenômeno que
envolvem fatores bióticos e/ou abióticos.
ciência é um conhecimento que abarca vários sistemas sendo um conjunto de
verdades gerais que de algum modo pode de ser comprovada [...]
ciência é a forma de estudo pelo qual o ser humano utiliza pra compreender
todos os aspectos da vida e tudo que o cerca. [...]
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ciência é o estudo de quase todas as coisas, visto que a ciência procura
compreender todos os fenômenos que ocorrem, utilizando sempre que
experiências para que haja a confirmação daquele fato.
Outra característica presente nas respostas da maioria dos alunos é o entendimento da
ciência como um empreendimento que, por não explicitar os fracassos, controvérsias,
negociações e dilemas presentes no processo do fazer científico, apresentaria resultados
esperados, prevalecendo assim a visão do progresso histórico na ciência.
A construção do conhecimento científico envolve várias etapas, e é
conseguido de forma progressiva e inacabável.
ciência é um mecanismo pelo qual se estuda os diversos meios, levando
assim tudo a uma explicação lógica, comprovada. Já que para o cientista
tudo tem um cunho científico, ou seja, a questão pode ser testada e provada,
e algo que não se pode provar cientificamente não tem valor real.
ciência é uma área que estuda os fatos, como eles acontecem, ela tenta
responder questões que para nós seres humanos vai nos ajudar a entender o
mundo em que vivemos.
Considerações Finais
Entre os estudantes que participaram da pesquisa, observou-se que ciência não é
retratada como construção, mas como conhecimento dado, pronto. Outro aspecto levantado
pelos alunos coloca a ciência envolvida pela aura da neutralidade, ignorando a relação entre o
sujeito, o objeto e o estado do conhecimento (SCHEID, 2007).
Essas opiniões expressam uma visão do conhecimento científico como absoluto e
como se o trabalho dos cientistas se resumisse ao objetivo de descobrir leis naturais e
verdades. Essa concepção de ciência poderá ter repercussões na forma como esses estudantes
ensinarão, futuramente, temas polêmicos da Biologia, a exemplo, daqueles relacionados à
Biologia Molecular. A compreensão das ideias de Fleck (1986) sobre a construção do
conhecimento pode trazer contribuições ao processo ensino-aprendizagem de Biologia (Idem,
2007).
Consideramos que em função das características da investigação proposta, pode-se
contribuir com o incremento nas pesquisas e reflexões a respeito das questões culturais e do
debate acerca da natureza do conhecimento científico e suas implicações nos cursos de
formação de professores, em especial no curso de Licenciatura em Ciências Biológicas,
inicialmente, na perspectiva de favorecer a ampliação da diversidade temática na elaboração
de trabalhos de conclusão de curso na graduação e na pós-graduação.
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Desfazer o equívoco de uma ciência abstrata, impessoal, neutra e objetiva, refletindo
acerca das implicações do sujeito no conhecimento e, por consequência, a implicação do autor
na narrativa, em busca de uma ciência da inteireza, é lançar bases para uma educação que
facilite a inteireza do sujeito como proposto por Conceição Almeida (2012).
Referências
ABELL, S. K.; SMITH, D. C. What is science? Preservice elementary teachers' conceptions
of the nature of science. International Journal of Science Education, 16, pp. 475-487.
1994.
ALMEIDA, M. C. X. de. Narrativas de uma ciência da inteireza. In: ALMEIDA, M. C. X. de.
ciências da Complexidade e Educação: Razão apaixonada e politização do pensamento.
Natal: EDUFRN, 2012.
CHALMERS, A. F. O que é ciência afinal? São Paulo: Brasiliense, 1993.
DELIZOICOV, D.; ANGOTTI, J. A.; PERNAMBUCO, M. M. Ensino de ciências:
fundamentos e métodos. 4 ed. São Paulo: Cortez, 2011.
FLECK, L. Gênese e desenvolvimento de um fato científico. Belo Horizonte: Fabrefactum,
2010.
HARRES, J. B. S. Natureza da ciência e implicações para a educação científica. In:
MORAES, Roque (org.). Construtivismo e ensino de ciências: reflexões epistemológicas e
metodológicas. 3 ed. p. 37-68. Porto Alegre: EDIPUCRS, 2008.
SCHEID, N. M. J.; FERRARI, N.; DELIZOICOV, D. Concepções sobre a natureza da ciência
num curso de ciências biológicas: imagens que dificultam a educação científica.
Investigações em Ensino de ciências. v. 12, n. 2, p. 157-181, 2007. Disponível em:
http://www.if.ufrgs.br. Acesso em: 20. mar. 2011.
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