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HISTÓRIA DA ALFABETIZAÇÃO: O CIRCO DO CAREQUINHA NO
IMPRESSO E NAS MEMÓRIAS DA AUTORA MARIA SERAFINA DE
FREITAS
Isabel Cristina Alves da Silva Frade – FaE/UFMG/CEALE
[email protected]
Ana Paula Pedersoli Prereira – FAE/UFMG
[email protected]
Palavras-chave: história da alfabetização, autores, produção editorial
Introdução
A história da alfabetização no Brasil pode ser construída através de diversas fontes; uma
delas é o livro didático. Os livros direcionados para a alfabetização são representativos
de práticas e ideários pedagógicos, assim como de práticas editoriais e, historicamente,
vêm se constituindo como primeira via de acesso à cultura do impresso para muitos
leitores. A pesquisa sobre livros/cartilhas que utiliza pressupostos teóricometodológicos baseados na história do livro e de seu circuito, conforme nos indica
Robert Darnton (1995) permite questionar e refletir sobre a sua produção, circulação,
divulgação e recepção. A análise do impresso possibilita descrever analiticamente sua
forma, conteúdo e recursos expressivos; analisar sua proposta didática e questionar a
intenção de seus autores. Baseando-nos nesses pressupostos analisamos a obra O Circo
do Carequinha, de Maria Serafina de Freitas, produzida na década de 60, em Minas
Gerais.i
Por que determinados autores propõem a escrita de um novo livro quando já existem
vários outros que o antecederam? Inspirando-nos em estudos de Anne-Marie Chartier
(2007) para a realidade francesa, podemos dizer que se os autores não escrevem para
inovar radicalmente num método ou propor uma grande inovação, sua motivação para
escrever, assim como a de um mercado que acolhe a obra, pode vir pela contribuição
que seu livro pode dar na redução do tempo para alfabetizar, na destinação a um outro
tio de leitor e mesmo para registrar uma experiência bem sucedida. Nesse trabalhoi,
analisando o próprio impresso e depoimentos da autora, trabalharemos características
que distinguem o livro de Maria Serafina de outros livros e suas motivações/vinculações
com o movimento de divulgação do método global de contos. Como abordagem
metodológica utilizamos a História oral, pois ela permite aceder diretamente aos sujeitos
e à sua percepção da experiência vivida em momentos relativamente recentes e a análise
do impresso. Além dessa análise, problematizamos a singularidade e a construção da
memória da autora que foi bastante reconhecida pela sua produção, teve várias edições
de seus livros e, entrevistada aos 96 anos, se recorda muito pouco desse momento de
tamanha divulgação e importância de sua obra. No entanto, reproduz e descreve, com
muito detalhamento, as lições e materiais alternativos que usava como professora.
Contexto da produção de pré-livros em Minas Gerais
Desde a reforma João Pinheiro houve uma tendência, no Estado Minas Gerais, em
apostar em inovações metodológicas que dessem conta das reformas e na
implementação de métodos que ultrapassassem as estratégias dos métodos sintéticos.
Em 1906, Arthur Joviano marca tendência inovando no método de palavração que,
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segundo suas correspondências, veio atender a uma reforma. (FRADE,2010). Esta
tendência em criar métodos que atendessem ao espírito de inovação continua na reforma
Francisco Campos, implementada em 1927, quando se decreta o uso do método global
para a alfabetização de crianças (MACIEL, 2001).
Francisca Maciel aponta movimentos mais amplos que favoreceram a produção dessa
nova pedagogia, destacando o movimento da escola nova em vários estados brasileiros.
Em Minas Gerais foram divulgados pressupostos filosóficos de Dewey , Kilpatrick e de
europeus como Decroly – cujos princípios sobre aprendizagem da crianças eram assim
descritos no programa de ensino de 1927: observação, associação de idéias e expressão.
A professora Lúcia Casasanta terminou seu curso normal em 1926 e com atuação
expressiva na Associação de Ex- Normalistas e trabalho no Grupo Escolar Afonso Pena,
foi para a Universidade de Colúmbia, entre 1927-1928, juntamente com um grupo de
outras professoras para uma especialização. Em 1929, fundada a Escola de
aperfeiçoamento que iria receber professores em curso pós-médio para divulgação do
movimento escolanovista, é a professora Lúcia Casasanta que assume a cadeira de
Metodologia de Linguagem. As aulas ministradas divulgavam o método global e a
metodologia empregada nessas aulas fundamentava-se na observação, na
experimentação e na pesquisa em classes de demonstração desta escola. No tocante aos
materiais didáticos, tanto se avaliava a produção existente como se produziam materiais
didáticos que eram novamente experimentados nas classes. Essa metodologia de
pesquisa/experimentação foi inspirada nas vivências da professora junto ao Teacher’s
College da Universidade de Colúmbia.
Embora o Curso de Aperfeiçoamento tenha sofrido modificações em seus princípios,
em anos subseqüentes, sendo substituído pelo Curso de Administração Escolar (1946) e
pelo Curso de Pedagogia do Instituto de Educação (1972) e mesmo quando a
metodologia de trabalho com as professoras esteve condicionada pelas mudanças,
Lúcia Casasanta continuou formando, nestas instituições, gerações de alunas que
produziram seus pré-livros entre a década de 30 e 70, conforme Maciel (2001). Assim,
constata-se que o método global foi oficializado na década de 40 e divulgado no
programa de ensino do Estado com suas cinco fases – contos, sentenças, porção de
sentido, palavras e sílabas – e se disseminou de forma intensa até a década de 70.
Depois desse período o método ainda produziu outros frutos por mais vinte anos uma
vez que há dados editoriais que mostram que após a morte de Lúcia Casasanta, em
1989, ainda foram editados pré-livros em Minas Gerais até início da década de 90.
(FRADE e MACIEL, 2006).
No tempo de maior divulgação do método global temos dois best sellers que circularam
em Minas e pelo Brasil: O livro de Lili, de Anita Fonseca e o livro Os Três Porquinhos,
da própria Lúcia Casasanta. Como estes livros parecem ter inspirado vários outros,
chama a atenção o livro de Maria Serafina de Freitas, editado em 1968 e experimentado
antes por 10 anos. Este livro apresenta similitudes com O Livro de Lili já apontadas por
FRADE e MACIEL (2006, p.107):
Em torno da temática do circo, a autora desenvolve onze historietas,
tal como faz Anita Fonseca em O livro de Lili. Além das historietas,
os fundamentos metodológicos são os mesmos, a estrutura das lições,
a repetição de palavras e sentenças como estratégia para garantir a
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memorização, o rigor na introdução de palavras novas. Veja-se, como
exemplo, a primeira historieta dos dois livros:
Lili?
Olhem para mim
Eu me chamo Lili.
Eu comi muito doce!
Vocês gostam de doce?
Eu gosto tanto de doce!
O Palhaço?
Eu me chamo Carequinha
Eu sou do "Circo Sapeca"
Eu faço piruetas
Eu toco violão
Vocês gostam de mim?
Os dados encontrados no Manual do Circo do Carequinha confirmam que Lúcia
Casasanta ainda é a referência principal para a produção do livro e para a sua edição. É
o que trataremos no próximo tópico.
A chancela de Lucia Casasanta e da secretaria estadual
O pré-livro O Circo do Carequinha teve sua primeira edição publicada em 1968, pela
Grafiquinha Editora/Belo Horizonte e contou com o apoio da grande divulgadora do
Método Global, Lúcia Casasanta e da Secretaria do Estadual de Minas Gerais. No
prefácio do Manual para o pré – livro é possível perceber o envolvimento e
encantamento de Lúcia Casasanta:
Serafina,
Vejo-te ainda. Olhos postos no professor, colhias cada palavra nossa com um sorriso.
Num aceno ligeiro de cabeça manifestavas idéias próprias, experiências trabalhadas. Tuas
companheiras absorviam-se em te ouvir e se admiravam da antecipação que fazias de
muitas questões lidas nos livros e apresentadas em aulas. Tua vida era a vida da escola.
Até acredito que não soubesses viver a vida de muitas de tuas companheiras. Não
conheceste talvez aspectos da vida das jovens, senão este trabalhar e, do trabalho, tirar
todo encanto de viver.
É certo que tinhas pela vida o encantamento do semeador que semeia a boa semente e
sente compensado o seu amor pelo resultado da colheita. Voltaste muitas vêzes à tua casa,
o nosso Curso. Nunca vieste com as mãos vazias, porém. Uma experiência, uma idéia
nova, uma observação, particularmente sôbre o ensino da língua. Até que um dia
trouxeste um pré-livro: “O Circo do Carequinha”.
Por muito tempo o mantiveste enrolado, e foi com visível embaraço que me disseste:
– Será que aprovarias o meu pré-livro?
E juntas o folheamos sôbre a mesa. Repetiste tôda a técnica de aplicação e houve um
momento em que te pedi como colega e colaboradora, não como mestra, que
experimentasses a outra maneira de aplicar a fase da silabação. E prontamente acedeste.
Voltaste à tua escola em Piumhi. Permaneceste lá em silêncio, durante uns seis meses até
que trouxeste a experiência que eu esperava. Desta vez estava no caminho largo e
iluminado da ciência. Acertaste, Serafina! E estavas radiante de felicidade. Eu te
compreendi. Relatando-me tuas experiências na aplicação do pré-livro, muitas vêzes
falaste naquela criança, Matusalém, com um destino triste e sombrio que, de repente se
tornou uma criança feliz, porque, nada tendo, lhe deste o tesouro que a muitos falta, o
instrumento de vida que é a leitura.
Não trabalhaste apenas para ver o teu pré-livro publicado e, aqui e ali, aplicado. Mas era
por outra feição do teu espírito que trabalhavas com tanto ardor. Fizeste obra de amor,
pensando nos muitos Matusaléns que andam por aí. Acertaste!
Continue! Já colheste o louro da vitória. Nós te aprovamos e te louvamos pelo
êxito alcançado.
Lúcia Monteiro Casassanta
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Catedrática da Didática da Linguagem no curso de Administração Escolar Instituto de Educação e
membro do Conselho Estadual de Educação do Estado de Minas Gerais.
A produção de Serafina é resultado de muitas experiências realizadas nos Grupos
Escolares de Piumhi, desde 1958. O prefácio de Lúcia Casasanta mostra que não foi
durante o tempo em que foi aluna do Curso de Administração Escolar, mas depois, que
a professora produziu seu livro. Assim, entre idas e vindas à escola para relatar
inovações no ensino da língua, a professora Serafina apresenta sua proposta e produz
algumas modificações nas sílabas, em função de sugestões de sua “colega e
colaboradora”.
Aspectos editoriais: a edição do Circo do Carequinha e o PABAEE
Além da chancela pedagógica da Lúcia Casasanta, haveria outras condições, naquele
período, para edição de um novo livro?
Estudos de Paiva e Paixão (1995) abordam a criação, em 22/06/1956, pelo Ministério de
Educação e Cultura, de um acordo de cooperação entre o Brasil e Estados Unidos,
conhecido como PABAEE (Programa de Assistência Brasileiro-Americana ao Ensino
Elementar)1. Seus principais objetivos eram:
a) Formar quadros de instrutores de professores de ensino normal para diversas escolas
normais mais importantes do Brasil.
b) Elaborar, publicar e adquirir textos didáticos tanto para as escolas normais como
para as elementares (p.11)
Além disso, o programa visava enviar aos Estados Unidos, instrutores de professores do
ensino normal para integrar o quadro de instrutores da escola normal. Dos centros
pilotos previstos para o País, apenas um se efetivou, o do Instituto de Educação de Belo
Horizonte. Segundo as autoras, os cursos eram oferecidos para professoras do curso
normal, supervisores e diretores de escolas primários e normais e, no período de final da
década de 50 até o início da década de 70, o PABAEE trabalhou com cursos, produção e
distribuição de material didático e assessoria a secretarias de Educação.
Paiva e Paixão observam que a chegada do PABAEE, embora com uma ideologia
pragmática, fez reviver os tempos de Francisco Campos e o clima de inovação,
“retomando o lugar de vanguarda na educação de que se orgulhavam os mineiros e
garantir para Belo Horizonte, o título do Capital Pedagógica do Brasil” (P.12).
conquistado à época das reformas de Francisco Campos.
Na entrevista que realizamos com a professora Serafina, não aparece menção ao
PABAEE, mas estudo de Rodrigues e Vaz, (1980) menciona que havia no corpo
editorial de A GrafiquinhaLtda/Editora Vega de Belo Horizonte professores do Instituto
de Educação ligados ao PABAEE. Isto possibilitou circunstâncias propícias à
publicação do livro "O Circo do Carequinha", de Maria Serafina de Freitas, autora
mineira. As circunstâncias de sua produção fazem supor que houve, na época,
possibilidades de relação entre pesquisas desenvolvidas no PABAEE e produção de
livro didático, assim como melhores condições de divulgação e uso. (Rodrigues e Vaz,
1980).
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A Grafiquinha Editora foi criada por professores que deixaram a Editora do Professor (
iniciada em 1965 no momento em que as atividades previstas pela convenção do
PABAEE chegavam ao fim) eram Nazira Feres Abi-Saber e Maria Mazarello
Rodrigues. Com o apoio de Nazira e Teresinha Casasanta, ex- funcionária do PABAEE
no setor editorial , foi possível abrir esta pequena editora que conseguiu linha de crédito
apenas pela promessa de venda de seus livros pela COLTED ii (Comissão do livro
técnico e do livro didático), conforme Vaz e Rodrigues ( p. 45).
Nazira Abi-Saber e Terezinha Casasanta, entusiasmadas com a experiência de Maria
Serafina em sua cidade de Piumhi avaliaram que este deveria ser publicado
imediatamente para suprir o analfabetismo na região. Em nota da editora, publicada em
seu manual, consta:
Nota da editora
A organização da presente obra teve a orientação técnica do conselho
desta editora, constituído pelas professoras Nazira Féres Abi Saber e
Teresinha Casasanta, técnicas de educação da divisão de
aperfeiçoamento do professor – DAP – do Centro Regional de
Pesquisas educacionais João Pinheiro.
Vaz e Rodrigues destacam que o trabalho mais importante da editora foi justamente a
produção da publicação de um conjunto para a alfabetização, a série o Circo do
Carequinha, cujos milhares de exemplares foram vendidos para serem distribuídos pela
COLTED em vários estados brasileiros. Dessa forma, podemos supor que não foi
apenas em Minas Gerais que este livro circulou.
Comentando a situação dos autores da área escolar da Editora A Grafiquinha LTDA,
que depois se tornou Editora Vega, Vaz e Rodrigues (1980) destacam que eles
pertenciam à rede oficial ou privada de ensino e se identificavam pelos propósitos
educativos e culturais, resumidos em três princípios: eliminação do analfabetismo e da
reprovação escolar; desenvolvimento dos hábitos de leitura e melhoria do ensino
fundamental (p.130)
Abaixo, dados do catálogo da editora, reproduzidos por Vaz e Rodrigues (1980) com as
obras de Maria Serafina e seus preços.
Conjunto VEGA de Alfabetização
Livros que alfabetizam, que suprimem a repetência, que encantam os alunos e
tranqüilizam os mestres. Obras de Maria Serafina de Freitas
- O CIRCO DO CAREQUINHA – PRÉ-LIVRO
Livro do aluno: Cr$ 30,00
Manual do Professor: Cr$ 20,00
Cartazes (18): Cr$ 150,00
- O CIRCO DE BRINQUEDO – LEITURA INTERMEDIÁRIA
Livro do aluno: Cr$ 20,00
Manual do Professor: Cr$ 20,00
- MAIS HISTÓRIAS DO CIRCO SAPECA (Livro básico de leitura para a 1ª
série)
Livro do aluno: Cr$ 30,00
Manual do professor: Cr$ 20,00
A autora Maria Serafina de Freitas foi solicitada, pela Editora VEGA, a completar a sua
coleção de livros do 1º ao 4º ano do curso primário, mas argumentou que os seus
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principais objetivos eram fazer a criança ler e que a partir desse ponto qualquer outro
material de leitura seria satisfatório. Vemos, então, que Maria Serafina não se
interessava por ser uma autora profissional de livros escolares de maior abrangência e
mantinha a posição de contribuir com seu trabalho, em na sua região.
Do ponto de vista financeiro, a ex-aluna e sua companheira atual de moradia observa
que embora ela tenha sido muito “incentivada pelas colegas, não ganhou nenhum
centavo com este livro.” A própria autora também diz “ mas não ganhei nada com o
Circo do Carequinha, não.”
Vaz e Rodrigues observam que para que o material criado pelo autor cumprisse seus
objetivos, era preciso um tratamento gráfico mais sofisticado com caracteres gráficos e
ilustrações adequadas à visão do aluno. No entanto, era o autor que dava instruções bem
firmes e precisas a esse respeito. Para a produção, procurava-se artistas da Escola de
Belas Artes para pesquisar corpos de caracteres e os ilustradores testavam o material em
escolas antes da versão final. (p.132)
Maria Serafina de Freitas: “tua vida era a vida da escola”
Nunca vieste com as mãos vazias, porém. Uma experiência, uma idéia
nova, uma observação, particularmente sôbre o ensino da língua. Até
que um dia trouxeste um pré-livro: “O Circo do Carequinha”.
Trecho do Prefácio escrito por Lúcia Casasanta no Manual para o Pré-livro. 1968
Maria Serafina de Freitas nasceu no ano 1917, em Piumhi, interior de Minas Gerais e
reside atualmente, nesta mesma cidade. A autora ocupou diferentes postos no sistema
educacional como professora, inspetora e secretária da Educação na Prefeitura de sua
cidade natal – Piumhi e sua trajetória lança luzes sobre um circuito específico de
produção no interior do Estado. Sua produção foi desenvolvida entre o arrefecimento
das discussões do método global de contos, que ocorreu nos anos 60, e o início da
implementação, em Minas Gerais, do Centro Regional de Pesquisas Educacionais, que
inaugura uma outra tendência de produção de livros de alfabetização de autores
mineiros como Teresinha Casasanta, Magdala Lisboa Bacha e Ieda dias da Silva. Seu
livro foi baseado em experimentação e teve uma proposta de redução das fases
defendidas pela professora Lúcia Casasanta, tendo sido editado com o aval da grande
divulgadora do método global em Minas Gerais.
A autora, além de ocupar diferentes postos no sistema educacional, foi também
professora em diferentes séries, em seu depoimento, ressalta que no início de sua
docência acompanhava os alunos da 1ª séria até a 4ª série, mas com o tempo, passou a
lecionar apenas para a classe de alfabetização, em suas palavras:
S:O que eu mais fui, né Consuelo foi professora alfabetizadora...
Antes eu ficava... Eu acho que no meu tempo de magistério eu tinha
um tal de seguir classe eu seguia uma classe de primeira a quarta
serie . Primeira segunda terceira e quarta-feira. E depois fiquei
sempre na 1ª série.
A proposta didática d’O Circo do Carequinha
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Ao publicar o pré-livro, dez anos depois, a Maria Serafina de Freitas tinha como
primeiro objetivo combater o alto índice de repetência escolar na 1ª série, nas palavras
da autora, experimentando o material nas classes de 1ª série, pudemos fazer diversas
mudanças, no têxto e na técnica de aplicação, para sanar as deficiências que íamos
encontrando (p.11e12). Desta maneira, os alunos que ela buscava alcançar com o seu
método de alfabetização eram os que apresentavam maiores dificuldades de
aprendizagens e provenientes de meio sócio-econômico muito desfavorecido. Segundo a
autora, os alunos que se referia eram os mais lentos, difíceis, de nível mental inferior,
desajustados emocionalmente, subnutridos, acostumados a sofrer tôda espécie de
privações, vindos de meio sócio-econômico muito desfavorável e quase sempre
famintos, grande número tomando a primeira e única refeição na escola. (p.12).
Esta é uma questão que merece destaque, uma vez que o livro do método global que
mais circulou em Minas Gerais, O Livro de Lili, era destinado a classes médias e fortes,
conforme manual que o acompanha. (FONSECA, Anita. 1963, p. 34)
Em relação à escolha da temática Serafina ressalta na introdução do manual para o prélivro:
Qual criança que não “vibra”, ao ouvir os gritos do palhaço na rua, anunciando um
espetáculo de circo?
E os outros artistas, os mágicos, as môças que trabalham nos trapézios, os animais
amestrados, as feras?
Tudo isso representa um mundo de atrações para a criançada!
Nas cidades do interior, é ainda muito comum, principalmente quando se trata de um
circo humilde e pobre, ver-se pelas ruas um grupo de crianças que, entusiasmadas e
alegres, acompanham um palhaço, respondendo, em côro, as suas perguntas engraçadas!
Essas crianças, muitas vêzes sem que os pais saibam, saem atrás daquele homem grande,
de pernas de pau e rosto pintado, só porque lhes apraz a atividade e estão interessadas em
ganhar um ingresso para o espetáculo!
É interessante mencionar que a autora incentiva os professores a se valerem de músicas
e cenas que são apresentados no rádio e na televisão e que se referiam ao personagem
Carequinha, naquela época, para capturar o interesse das crianças.
.
Maria Serafina considerava que o ensino do método global de contos baseava-se,
principalmente, na memória visual, e os alunos que ela referia como mais fracos
apresentavam dificuldades de fixação e de memória visual. A autora ressalta também
que antes de sua produção, os pré-livros usados nos Grupos Escolares eram bem
extensos e, apesar da variedade e da riqueza das lições e dos vocabulários, exigiam
muito esforço do aluno em relação à memorização e fixação.
Dessa forma, embora se possa dizer que a formulação do Pré-livro das ex-alunas de
Lúcia Casasanta seguisse padrões parecidos, é justamente por essa diferenciação que o
seu Pré-livro marca uma diferença, pois seguindo uma metodologia de pesquisaexperimentação que era a tônica do trabalho de Lúcia Casasanta com suas alunas
(MACIEL, 2001), mas buscando solucionar o problema da repetência, inicia-se uma
nova experiência utilizada em seu método, seguindo todas as etapas do método global
de contos, porém reduzindo e simplificando o material. Além disso, em seu livro, antes
de iniciar a fase do conto que é a unidade básica do método global, Serafina apresenta
todos os personagens envolvidos nas histórias.
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Fase do conto
Nesta fase sã apresentados apenas dois cartazes básicos com historietas de personagens
conhecidas pelos alunos: “O palhaço” e “ Juju”, e alguns suplementares com poucas
palavras novas. Parece ser radical essa mudança, pois n’O livro de Lili havia 11
historietas.
Fase da sentenciação
Fixação de 12 fichas com sentenças e títulos dos dois cartazes básicos.
Fase das porções de sentido
Exercícios e jogos combinadas as porções de sentido dos cartazes básicos, com algumas
palavras do material suplementar.
Fase da palavração
No vocabulário, procurou apresentar um modelo de cada som, e reduziu a quantidade de
palavras a serem fixadas pelos alunos para somente 13 palavras, sendo elas: bola –
Carequinha – roda – faço – ganhou – Juju - menina – palhaço – sapeca – toco – Zazá –
violão – chapéu. Novamente faremos uma comparação com O Livro de Lili, que
continha, segundo o manual, 140 palavras a serem memorizadas. Para Maria Serafina,
essas 13 palavras, sendo significativa para os alunos, facilitavam a fixação. Segundo a
autora, nessa fase estava a chave e o segredo do processo. Sobre isso ela afirma que, o
aluno fixando essas palavras está apto a assimilar, com facilidade, os demais sons e
tudo mais que lhe é necessário para o domínio da “Ciência” da Leitura (p.23)
Fase da silabação
A fase de silabação deveria ser incentivada logo que as crianças soubessem comparar
palavras, identificando partes que lhe são comuns. Na página 57 de manual uma
advertência parecida com a que é apresentada n’O Livro de Lili é feita: que os
exercícios de fonética sejam desenvolvidos em hora própria, fora dos momentos de
leitura, para evitar que os alunos se concentrem na dimensão individual das palavras,
esquecendo-se de seu conteúdo. Antes da decomposição das palavras são feitos diversos
exercícios de percepção auditiva de semelhanças sonoras e de sons que se repetem nas
palavras (inicial, final, rimas). Para a autora, a fase de silabação está dividida em duas
etapas, uma é decomposição de palavras conhecidas e a formação de palavras novas,
usando determinadas sílabas tiradas das palavras básicas, buscando apresentar um
modelo para cada som, desde a letra b à z, incluindo também os grupos: ch, lh, nh. São
as seguintes:
Bo e la (de bola) – ca, re, qui e nhá (de carequinha) – ro e da (de roda) – fa (de faço) –
ga (de ganhou) – ju (de juju) – me e na (de menina) - pa e lha (de palhaço) – sa (de
sapeca) – to (de toco) - vi (de violão) - za (de zazá) e cha (de chapéu)
Assim, no momento em que as crianças souberem ler e formar qualquer palavra com
essas sílabas, reconhecendo-as no contexto, é possível passar para a outra etapa que é a
introdução de novos sons, e o vocabulário a ser apresentado terá o objetivo de fixar
determinada sílaba, e apenas está sílaba será utilizada na formação de novas palavras.
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Segundo o manual, após esta etapa os alunos poderão ler a segunda parte do livro e
também ler outros manuais de leitura intermediária e básica. Assim, a autora soma sua
obra à de outros autores, não competindo com o que estava no mercado.
O valor da experiência em números: experimentar, pesquisar e mostrar
Serafina apresenta em seu manual, o quadro de resultados das aprovações em Leitura
nos grupos Escolares de Piumhi antes e depois da aplicação de seu método.
QUADRO DE RESULTADOS DAS APROVAÇÕES EM
LEITURA NOS GRUPOS ESCOLARES DE PIUMHI
Antes de adotar o Pré-livro “Carequinha”
1953
1954
1955
40%
41%
42%
Aplicando o Pré-livro “Carequinha”
1958
1959
1960
1961
75%
80%
84%
88%
1962
95%
1956
66%
1963
97%
1964
100%
1957
67%
1965
100%
1966
100%
1967
100%
Piumhi, 5 de junho de 1968
Maria Serafina de Freitas - Inspetora Seccional
Fonte: Manual do Professor ( p. 18)
Além disso, em seu manual aparecem depoimentos de professores que utilizaram O
Circo do Carequinha para alfabetizar e escreveram, agradecendo com grande satisfação
à autora Maria Serafina, pelo valioso material que produziu. Além dos dados estatísticos
apresentados por outros aplicadores, um desses depoimentos mostra como os índices de
repetência escolar eram reduzidos após a utilização do livro, mesmo quando esse era
utilizado por professoras leigas. A seguir um depoimento que ilustra o grande sucesso
do livro O Circo do carequinha:
Capitólio, 6 de junho de 1968
Exma. Sra.Da. Maria Serafina de Freitas
DD. Inspetora Seccional - Piumhi
Atenciosas saudações.
Comunico-lhe que desde 1962 estamos aplicando o método do
Carequinha com ótimos resultados; convém ressaltar que o mesmo,
devido à falta de normalistas na região, foi aplicado por professôras
leigas e o resultado foi magnífico; todos os alunos são alfabetizados
com êste método.
Em 20 anos de magistério, nunca vi coisa igual. Pois a veracidade
pode ser comprovada pelos quador de promoções, que do 1º ano tem
sido 100%.
Sou uma grande entusiasta dêste método, porque aqui na nossa zona,
com a sua aplicação, tôdas as crianças conseguem aprender a ler. Com
o método do Carequinha resolvemos o difícil problema da repetência
no 1º ano.
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Terezinha Prattis, Diretora do Grupo Escolar “Cel. Lourenço
Belo”
A autora e a professora: questões para a história oral
Em nosso trabalho utilizamos pesquisa documental e história oral. Sobre essa última
Ferreira e Amado ressaltam que (1996, p.9) “a história oral não somente suscita novos
objetos e uma nova documentação, como também estabelece uma relação original entre
o historiador e os sujeitos da história”.
O momento de interação estabelecida entre o historiador e seu sujeito de pesquisa é
essencial para o desenvolvimento de uma narrativa mais detalhada, porém é tarefa do
historiador “saber interpretar criticamente todos os documentos e narrativas...”
(François, 1996, p. 107), pois os sujeitos, em seus depoimentos orais e das lembranças
são capazes de “selecionar” o que se deve ou não lembrar, por motivos pessoais, ou até
mesmo por controle social e/ou político. Da mesma forma, nós pesquisadores,
produzimos sentido sobre o que dizem, mediante nossos crivos. Mas o importante é
afirmar que devemos reinterpretar sempre e relativizar o papel dos dados das
entrevistas, considerando-os como discursos.
Desta maneira, vale lembrar que o trabalho com história oral exige uma compreensão
cuidadosa e ampla, pois ao relatar as suas experiências, os sujeitos tendem a organizar
em suas memórias nem sempre de forma coerente e inteligível e na ordem em que os
fatos aconteceram. Assim, os relatos são criações de sentido que, para serem bem
compreendidos, devem ser analisados em relação ao contexto em que ocorreram e à
situação discursiva.
Entrevistar uma professora que recebeu várias homenagens, foi convidada a comparecer
a muitas escolas em seu estado e que passou pela experiência de ver seus métodos e
livros em circulação e uso e, depois, os viu serem substituídos por outros métodos, de
outras tendências pode explicar porque sua percepção sobre o alcance do seu trabalho é
alterada.
Assim, além de “não lembrar” de fatos relacionados à produção e uso do seu livro,
Maria Serafina de Freitas parece ter se esquecido dos cursos que frequentou, das
pessoas com quem conviveu profissionalmente, de por onde andou na divulgação do seu
livro. Ela ainda diminui o efeito de seu trabalho e o desfazer –se de sua fase gloriosa.
parece ser um mecanismo do discurso e da memória. Ela não se entusiasma com a
edição especial de sua obra, em forma de coletânea, feita por um de seus ex-alunos e diz
que seu livro não tem nenhuma importância ou que é muito repetitivo.
No entanto, são muito presentes em sua evocação da memória, as práticas que
desenvolvia em sua sala de aula e, embora parte dessa prática pareça presente na obra,
é o que ela fazia, mais cotidianamente antes da produção, que aparece claramente em
seu depoimento. Alguns dados nos são apresentados por sua amiga Consuelo (ex-aluna
e acompanhante), que também participou da entrevista:
I: ... Serafina, a senhora já trabalhou em varias funções na escola , a
senhora foi professora alfabetizadora também?
11
S: O que eu mais fui, né Consuelo foi professora
alfabetizadora...porque eu ficava ... eu acho que no meu tempo de
magistério eu tinha um tal de seguir classe eu seguia uma classe de
primeira a quarta serie ...
S: mas depois disso eu comecei a trabalhar eu dava ai eu inventava
sabe. Ai comecei a dar só para primeira série.
I: então quando a senhora dava aula nesses quatro anos começou a
inventar jeito de alfabetizar? É isso? Inventava uma forma de
alfabetizar?
C: É foi assim ...ela gostava muito de alfabetizar alunos com problema
mental e que não aprendia de jeito nenhum, igual ela tinha um aluno
que enquanto ele não aprendia de jeito nenhum
I: É o Matuzalem?
...
C: então ela queria que todos aprendesse igual a esse Matuzalem ... e
foi pelejando, pelejando... através de palavra... Ate chegar no ucesso
que chegou
C: tinha aluno que com 8 aulas aprendia
S: é
...
I: A senhora estudou alguma coisa sobre o assunto? Ou foi só
experiência da senhora?
Quando a senhora estava inventando esse jeito de ensinar com as
palavras né? A senhora já tinha estudado algum método, ou a senhora
se baseou em algum modelo de outro livro...?
S: Não eu eu eu queria alfabetizar de qualquer maneira então eu
procurava umas palavras para chamar atenção. Deixa eu ver se
lembro... avião a , bala, cavalo, dado e assim eu fui ajudando ....
I: pela ordem alfabética?
S: É, dado, elefante e foi ate o fim. Sabe, ai agora eu to estudando a
letra a então vou procura uma porção de palavrinha com a letra a
então mala, mala mostrava o ma lá e o La Ca, o ma de macaco e o e o
La de sei la, de laranja mas não é não. Aí eu começava assim separava
umas palavras pra estudar sabe estudar a palavra, mostrava as fichas
pra que elas ....depois ai formava uma nova palavra, palavras novas
com silabas básicas , ai já vou trabalhar com as silabas novas, por
exemplo ....lembra de historinha eu não lembro não assim não... mas
que vê .... começava palavras básicas, as palavras básicas já falei aqui
pro cê aqui agora do a ate o z: avião, bala, avião,bala, cavalo as
palavras básicas... dado elefante, cachorro, fada, galinha, homem,
igreja, jacaré, lagoa, macaco, navio, ovo, faca, quadro, rato... sapo,
tatu, va... vaca zaza
Verificamos se essas palavras compunham o conjunto de treze palavras que aparecem
em seu pré-livro, mas só uma coincide: Zazá. Assim, conforme constatamos antes,
parece se tratar de práticas anteriores ao tempo em que produziu seu livro.
12
Durante a entrevista, Consuelo, sua ex-aluna e acompanhante, que participa da
entrevista comenta:
C: Até hoje quando ela está muito... ela vai escrevendo no jornal
oficial de Minas Gerais, ai ele põe as palavras básicas.
S: eu estava fazendo um material aqui hoje, para vocês.
I: oh! palavras básicas com silabas básicas
Realmente, quando chegamos para a entrevista, havia um conjunto de cartazes escritos
nas páginas do jornal oficial em desuso e Maria Serafina nos fez uma demonstração,
observando esse material gráfico que havia preparado:
Ao mostrar um material de sua produção, Serafina, ressalta não serem palavras
relacionadas ao seu livro e sim criadas para alfabetizar seus alunos. No diálogo a seguir
podemos perceber um modo diferenciado de alfabetizar, diferente daquele que viria a se
concretizar no seu livro mais importante “O circo do Carequinha”.
S: não, não era do livro não, eu tinha, eu inventa o material e fazia...
S: com essas palavras (referindo-se às palavras do jornal)
I: Quando a senhora inventou as palavras
S: as palavras né...espera...Eu fazia a lista direitinho: avião,bala,
cavalo, dado, elefante, pronto, fazia né. E pra formar palavras novas
eu usava aquelas palavras. Punha lá assim, uma a uma, e fazia uns
cartazes assim ...com letra bem legível e punha um determinado
numero de palavras né, avião bala, cavalo, dado, por exempl,o agora
13
o que eu pusesse forma de palavras eu formava.. com aquelas ali eu
formava ... eu formava palavra nova
S: eu comecei estudar assim aquelas palavras eu queria escrever a
palavra cama o Ca. Aqui de quem é o Ca? De cavalão. E o ma? Ma de
que... Consuelo?
C: macaco
S: macaco cama. ...escrevia elas assim no cartaz e ia estudando com
eles assim na linguagem oral, por exemplo, aqui eu vou mostrar a
palavra .... é cama, por exemplo, ai falava assim: presta atenção aqui,
oh! Como é essa silaba? O Ca do cavalo. Agora aqui é o Ma do
Macaco então agora vamos ver a palavra cama. Assim, oh! . Assim
sabe... pra eles fixar ...ja já eles tinham muita facilidade, isso é porque
eu pelejei muito e me empenhei muito sabe...
I: mas a senhora estudou alguma coisa sobre o assunto? Ou foi so
experiência da senhora? Quando a senhora estava inventando esse
jeito de ensinar com as palavras, né? A senhora já tinha estudado
algum método, ou a senhora se baseou em algum modelo de outro
livro assim?
S: Não. Eu queria alfabetizar de qualquer maneira então, eu procurava
umas palavras para chamar atenção. Deixa eu ver se lembro... avião a ,
bala, cavalo, dado e assim eu fui ajudando ....
Considerações finais
Maria Serafina de Freitas foi uma professora que conquistou admiradores. E assim
chegamos a um dos seus leitores. Em 2005, um de seus ex-alunos re-edita o seu livro.
No prefácio do mesmo livro percebemos o quanto Serafina demonstrava para seus
alunos o grande desejo de alfabetizar a todos.
Uma palavra aos ex-alunos e admiradores de D. Maria Serafina de Freitas
No momento em que me dispus a viabilizar uma reedição uma EDIÇÂO SOUVENIR,
para a nossa lembrança dos três volumes integrando Método Carequinha de
Alfabetização, criado na década de 60 pela grande mestra de tantas gerações
piumhienses, dona Maria Serafina de Freitas, moveu-me apenas o desejo de prestar uma
homenagem pelo trabalho dessa admirável educadora- uma mulher que dedicou sua
vida a educar, alfabetizar e formar nossas crianças.
Milhares de piumhienses e mineiros, entre os quais eu mesmo me incluo, devem a Dona
Serafina, ao seu método e sua sensibilidade como educadora, a descoberta da palavra
escrita e os passos iniciais no mundo das primeiras letras.
Desta forma, penso que tornar possível a reedição destes livros é, por um lado, resgatar
uma parte importante na história de nossas vidas; por outro lado, é fazer justiça à obra
de uma mestre inigualável, um talento vocacionado para a educação.
Dona Maria Serafina de Freitas é, entre nós, uma unanimidade e no cenário da
Educação em Minas Gerais, um exemplo a ser imitado.
Estou certo de quem ao possibilitar esta reedição do Carequinha cumpro um desejo- não
apenas meu, mas de milhares de ex-alunos admiradores da nossa querida mestra. É um
pequeno gesto de reconhecimento e gratidão, que pratico em nome de todos aqueles que
lhe devem tanto,
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Sinto-me honrado e grato por esta oportunidade.
Com o meu abraço
RAMIRO JÚLIO FERREIRA JUNIOR
Piumnhi, janeiro de 2005
O fato de ter se fixado num material manuscrito para nos apresentar sua experiência,
manuscrito típico da cultura escolar de um período de sua carreira e da cultura
pedagógica de muitos professores que, por uma espécie de bricolagem, reproduziam
lições com pincel atômico ou crayon nas páginas crivadas de caracteres miudinhos do
jornal oficial Minas Gerais, ao mesmo tempo em que o impresso, seu livro, permanece
esquecido e desvalorizado por ela, é emblemático: o que se guarda na memória e o que
se “esquece”? E por que?
Assim, ao ver a reedição do seu livro por um ex-aluno, ao ouvir de outra boca que os
personagens do Circo do Carequinha povoavam os desfiles de sete de setembro de sua
cidade, ao ouvir a menção ao nome dado à livraria da cidade, em sua homenagem, ao
ouvir falar de suas viagens no tempo de divulgação do livro, a autora não os reconhece
como os mais importantes da sua experiência. Parece que o que fica é uma experiência
singular como professora e seu esforço por alfabetizar, independente de um método que
foi valorizado e publicado no período em que produziu seu livro.
Referências Bibliográficas
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Horizonte. Autêntica: 2007
DARNTON, Robert. O beijo de Lamourette. Mídia, cultura e revolução. São Paulo:
Companhia das Letras, 1995
FERREIRA, Marieta de Moraes e AMADO, Janaína (orgs.). Usos e abusos da História
Oral. Fundação Getúlio Vargas, 1996.
FRADE, Isabel Cristina Alves da Silva e MACIEL, Francisca Izabel (orgs.) História
da Alfabetização: produção, difusão e circulação de livros (MG/RS/MT – Séc. XIX
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FRADE, Isabel Cristina Alves da Silva. Arthur Joviano: um estudo sobre as relações
entre autor, Estado, editoras, usuários e sobre o método de palavras em Minas Gerais,
no início do século XX. IN: SCHWARTZ, Cleonara, PERES, Eliane e FRADE, Isabel
C. A. S. Estudos de história da alfabetização e da leitura na escola. EDUFES:
Vitória/ES. 2010
MACIEL, Francisca Izabel Pereira. Lúcia Casasanta e o método global de contos: uma
contribuição à história da alfabetização em Minas Gerais. FAE/UFMG. Belo Horizonte.
2001. Tese (doutorado).
FRONÇOIS, Etienne. A fecundidade da história oral. In: FERREIRA, Marieta de
Moraes e AMADO, Janaína (orgs.). Usos e abusos da História Oral. Fundação Getúlio
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15
FONSECA, Anita. O livro de Lili. Método Global. Manual da professora, São Paulo,
1963. 3ª ed. (Cópia reproduzida sem editora)
FREITAS, Maria Serafina. O Circo do Carequinha. Manual do Professor. A
Grafiquinha Editora. Belo Horizonte, 1968. 1ª ed.
PAIVA, Edil Vasconcellos de e PAIXÃO, Lea Pinheiro. PABAEE (1956-1964) - A
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PAIVA, Edil e PAIXÂO, Lea. O Programa de Assistência Brasileiro-Americana ao
Ensino Elementar (PABAEE) – A volta dos tempos de Francisco Campos e a oposição
dos educadores católicos..Série Documental Relatos de Pesquisa, n. 34, jul/1997. INEP;
Brasília. 2005;
.
RODRIGUES, Maria Mazzarelo e VAZ, Paulo Bernardo. “Vega: essai de bilan de dix
ans d’experience editorial au Bresil . La place de la petite entreprise dans le marché du
livre bresilien”, Université Paris-Nord – XIII. UER. Des Sciences de l’Expression et de
la Communication-Edition. Villetaneuse. 1980.
i
Este trabalho integra o projeto “Autores mineiros de cartilhas escolares: uma contribuição para a
história da alfabetização em Minas Gerais que pretende contribuir para a construção de uma história
regional da alfabetização em Minas Gerais, tomando como foco alguns autores mineiros que produziram
cartilhas entre o período de 1906 até meados da década de 90 do século XX, que conta com
financiamento da FAPEMIG. Este projeto também está vinculado ao programa “Cartilhas escolares:
ideários, práticas pedagógicas e editoriais: construção de repertórios analíticos e de conhecimento sobre a
história da alfabetização e das cartilhas (MG/RS/MT/RJ/ES/AM) – 1834/1997)”.
ii
O COLTED fazia parte de um acordo de cooperação técnica, econômica e financeira entre Brasil e o
governo americano e o setor editorial de livros didáticos foi marcado por esta influência, através de
acordos assinados pelo Ministério da Educação e a Agência Internacional de Desenvolvimento (AID) de
1964 a 1968 . Um dos acordos, o MEC/USAID atender à educação e aumentar substancialmente a
distribuição de livros para alunos (Vaz e Rodrigues: p. 32,33)
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Artigo Completo - Sociedade Brasileira de História da Educação