DUAS CONCEPÇÕES DA FILOSOFIA
POLÍTICA MODERNA: HOBBES E LOCKE
BERNARDO GOYTACAZES DE ARAUJO.
SÉRGIO LUNA.
Membros do Centro de Pesquisas Estratégicas da UFJF.
Acadêmicos do Curso de Filosofia da UFJF.
[email protected]
Dentro de um contexto político atual, não estaria irrelevante a idéia de
homem na sociedade como “animal político”. Com base nesta reflexão retomamos o
pensamento de Hobbes, “sendo o homem o lobo do próprio homem” e o de J. Locke, em
que o homem representa-se na sociedade civil organizada, por meio de outros homens. E
como parte que somos de um grupo social, percebemos a todo o momento a importância do
indivíduo se situar como sujeito politizado, e se colocar diante dos problemas que
interferem diretamente na sua própria vida e na do outro, principalmente no que tange aos
interesses do bem comum.
O filósofo inglês John Locke (16041704), sistematizador do
Liberalismo Político e da proposta
do Governo Representativo.
Retomando o contexto histórico e social, em que estes autores estiveram,
percebemos que as necessidades correntes influenciaram novas teorias que puderam dar
conta dos problemas e serviram como novas referências, para o sistema político da época.
Como primeiro autor destacamos Thomas Hobbes. Este foi um inglês, nascido de
família pobre, no ano de 1588. Recebeu ajuda da nobreza, cuja lhe propiciou apoio para
iniciar seus estudos, sendo defensor pleno do poder absoluto, que era ameaçado pelas novas
tendências liberais que vieram a se concretizar em um período posterior. Hobbes teve
contato com Descartes, Bacon e Galileu e isso muito o influencio em sua forma de pensar.
“Na época de Hobbes, o absolutismo real atingira o seu apogeu, mas se
encontrava em vias de ser ultrapassado, ao enfrentar inúmeros movimentos de oposição
baseados em idéias liberais”1. Com a primeira fase o absolutismo favorecera ao
desenvolvimento de um processo de desenvolvimento, em um segundo momento, este
mesmo absolutismo mostrava-se um quanto ultrapassado para dar conta daquilo que se
apresentava como necessidade da época. E em grande parte isso ocorria, por causa da
burguesia, que era quem estava por detrás deste capitalismo comercial que se incitava.
Outro ponto histórico importante a ser ressaltado era o caráter de laicização
pelo qual o Estado passava, já que havia ocorrido um processo de rompimento da Igreja
Inglesa, com Roma, tornando-se assim, uma Igreja independente. E neste critério também
se perdeu a questão do soberano como sendo “o divino escolhido para o cargo”. E somado
a estes aspectos, Oliver Cromwell comanda a Revolução Puritana, destronando e
executando o Rei Carlos I (1649).
Assim o século XVII, na Inglaterra, se torna um século de lutas e de grandes
conflitos entre o soberano e o parlamento gerando diversas correntes tanto de opiniões
como de ações.
E com todo este cenário político, social e até mesmo econômico, Thomas
Hobbes escreve “O Leviatã”, que se tornou a sua maior obra política e umas das maiores
em sua época. E nesta, faz uma defesa incondicional do Rei (Soberano), defendendo a
monarquia e o poder absoluto. A escolha deste título significa o “grande monstro que
governou o caos primitivo” indicando a concepção que faz do Estado, um monstro todo
poderoso2.
1
Aranha, Maria Lúcia de Arruda & Martins, Maria Helena Pires. Filosofando: introdução à filosofia. 3ª Ed.
SP: Editora Moderna, 2003. p.238
2
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O filósofo inglês Thomas Hobbes (1588-1679), que
com a sua obra Leviatã deu embasamento filosófico
ao absolutismo moderno.
Hobbes defende a idéia de que todos os homens tinham direito a tudo, em
seu estágio de natureza. “O direito de natureza, a que os autores geralmente chamam de
jus naturale, é a liberdade que cada homem possui de usar seu próprio poder, da maneira
que quiser, para a preservação de sua própria natureza, ou seja, de sua vida; e
conseqüentemente de fazer tudo aquilo que seu próprio julgamento e a razão lhe indiquem
como meios adequados a esse fim”3.
Assim este conjunto de homens, agrupados sem leis, viviam sem segurança,
já que a qualquer momento um poderia se sentir ameaçado e por isso teria motivos próprios
para atacar o outro. É o máximo do individualismo operante. O homem, enquanto ser de
diversas necessidades, não teria temor em atacar outro homem, para suprir aquilo que lhe
faltasse. Por isso Hobbes enuncia que o Homem é o Lobo do próprio homem.
A luta de uns para com os outros era constante e para fugir deste possível “estado de
barbárie”, os homens fazem entre si um contrato, cedendo seus poderes, delegando-os a um
– o soberano. E este, em contrapartida, garantiria aos seus súditos, um estado de
tranqüilidade e de sobrevivência, por meio de uma ordem comum a todos os que se
encontravam sobre seu reinado.
Neste momento, nasce a sociedade política organizada, que visualiza na
pessoa do soberano, aquele que tem os poderes necessários para proteger a vida de todos,
contra a violência. Desta maneira, a vontade do soberano vai representar a vontade de
todos. Sendo que o povo não poderia questionar os poderes do monarca, pois estes eram
ilimitados.
E nesta questão da representação, o eleito pode ser tanto um monarca –
soberano; uma assembléia de todos os homens - constituição de governo democrático; ou
uma assembléia constituída por alguns homens – aristocracia. Outrossim, a melhor de todas
3
Hobbes, Thomas. Leviatã. São Paulo: Abril Cultural, 1974
estas formas de governo é a monarquia absoluta, pois é a que apresenta um estágio mais
avançado de distanciamento do “natural”. Seria uma grande evolução, todos os homens de
um determinado lugar, terem um único soberano que ditaria a vida de todos. O Estado é
uma pessoa: uma multidão que constitui uma só, quando está representada por um só
homem.
“Hobbes sustenta que ao rei é lícito tudo, inclusive governar de maneira
despótica, não porque fosse escolhido por Deus, mas porque o povo lhe deu o poder
absoluto (ou soberania), que não pode ser dividido, sob pena de ser destruído. Hobbes
defende assim o absolutismo, sem fazer qualquer referência ao direito divino dos reis”4.
Neste conjunto de ações que o soberano pode tomar, cabe-lhe a decisão de
fechar ou dissolver o parlamento e dele mesmo legislar as leis necessárias para aquele
momento do Estado. Hobbes considera de maneira criteriosa, que o governo da soberania
não pode estar dividido entre poderes distintos.
Capa da primeira edição do Leviatã,
ou matéria, forma e poder de um
Estado eclesiástico e civil, de Thomas
Hobbes, publicada em 1651.
Uma outra grande atribuição do soberano é a de conceder a garantia à
propriedade privada, já que antes do Estado soberano organizado, não havia possibilidade
de se defender ou de se apelar sobre as garantias de sua terra.
Assim, Hobbes apresenta uma resposta moral à crise política européia. E
com toda a sua teoria ético-política, o autor nos enuncia as bases para um Estado forte e
poderoso, nas mãos de um soberano que consiga garantir, por meio de um pacto social, a
paz (controlando as paixões e as razões de cada homem para o bem do Estado). Fica
clarividente que no pensamento de Hobbes para se estruturar a ética, o elemento primordial
deve ser o poder – o controle do poder absoluto. É preciso criar um estatuto político moral
4
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para se viver bem. E o Estado forte é o ente jurídico e moral para agir com todas as
circunstâncias e situações evitando que o homem venha a destruir a sua própria espécie.
Mas com alguns problemas e reflexões, ficaram evidentes as questão: “Até
onde os poderes do soberano poderiam chegar? Por que ter um poder infinito? E será que
somente um decidindo por todos seria a melhor opção, do Estado Civil Organizado?”
Procurando responder a estas perguntas, contrapomos ao pensamento de
Hobbes, o autor John Locke que assume as tendências de posturas liberais. O contexto que
embala o pensamento de Locke é o mesmo de Hobbes, mas com a vertente liberal sendo
esta a postura que viria a repensar o Estado todo absoluto, dando lugar à representação
popular, por meio de escolhas democráticas.
O rei inglês James II (1633-1701), cujo
breve reinado (1685-1688) terminou com a
deflagração da Gloriosa Revolução de
1688, que mudou o modelo da monarquia
absoluta para a constitucional, sendo o
principal ideólogo desta o filósofo John
Locke.
John Locke (1632-1704) foi um filósofo inglês. Era um médico e descendia
da burguesia comerciante. “Esteve refugiado na Holanda, por ter-se envolvido com
acusados de conspirar contra a Coroa. Retornou a Inglaterra no mesmo navio em que
viajava Guilherme de Orange, símbolo da consolidação da monarquia parlamentar inglesa
e responsável pela deposição de Jaimes II.”5 Com a obra Dois tratados sobre o governo
civil, torna-se teórico da revolução liberal inglesa.
Na sua obra “Ensaio do Governo Civil”, Locke defende os princípios de liberdade
individual, direito à propriedade e divisão dos poderes do Estado. Locke entende que não é
salutar para a vivência do Estado, ter todos os poderes concentrados nas mãos de uma única
5
Aranha, Maria Lúcia de Arruda & Martins, Maria Helena Pires. Filosofando: introdução à filosofia. 3ª Ed.
SP: Editora Moderna, 2003. p. 246
pessoa, já que se esta errar, ou tomar uma atitude precipitada todos irão padecer. Em sua
obra, Locke tem alguns pontos convergentes com a obra de Hobbes, como, por exemplo, o
ponto de partida do Estado Natural, sendo este um local onde os homens viviam de uma
forma não tão plenificada.
A passagem do Estado Natural para o Estado Social, só pode ser feita pelo
consentimento (e não pela conquista ou imposição). Se todos são livres e iguais, nenhum
homem pode ser tirado deste estado e submetido ao poder político de outro, sem a sua
própria vontade.
Locke chega a conclusões opostas às de Hobbes pois, sustenta que, mesmo no
estado de natureza, o homem é dotado de razão. Dessa forma, cada indivíduo pode
conservar sua liberdade pessoal e gozar do fruto de seu trabalho. Entretanto, nesse estado
natural faltam leis estabelecidas e aprovadas por todos e um poder capaz de fazer cumprir
essas leis. Os indivíduos, então consentem em abrir mão de uma parte de seus direitos
individuais, concedendo ao Estado a faculdade de julgar, punir e fazer a defesa externa.
Entretanto, se a autoridade pública, a quem foi confiada a tarefa de proteger a todos, abusar
de seu poder, o povo tem o direito de romper o contrato e recuperar a sua soberania
original. “Assim Locke defendia o direito do povo em se sublevar contra o governo e
justificava a derrubada e a substituição de um soberano legítimo por outro”6.
Mosqueteiros do Rei inglês James II,
combatendo os exércitos do Parlamento
na Gloriosa Revolução de 1688 (de um
filme da BBC).
Os homens quando se agrupam e se organizam em sociedade buscam a conservação,
a segurança, a tranqüilidade da vida e o gozo sereno. E já que no Estado de Natureza o
homem possuía a propriedade privada, segundo Locke, o Estado então, deve reconhecer,
zelar e proteger para que esta seja mantida e conservada nas mãos de seus proprietários.
6
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Outro ponto importante do pensamento de Locke é a liberdade religiosa, e que esta
não esteja atrelada ao Estado e que também não crie causas de dependência. Um Estado
Laico é salutar e provê melhor meio de ação e de coordenação. Este ponto se contrapõe um
pouco a visão de Hobbes, já que o soberano é um “eleito com características plenas”.
A sociedade civil, que veio substituir o estado natural, possui dois poderes
essenciais: um é o legislativo e o segundo é o executivo. O legislativo determina como o
Estado deve agir para a conservação da sociedade e de seus membros e para elaborar as
suas leis deve ter como norte, a garantia da vida, a propriedade e a liberdade. Mas acima
de tudo, a soberania pertence ao povo, e não ao legislativo. Este é mais um ponto oposto ao
de Hobbes, já que este investe no soberano todo o poder e toda a soberania. O executivo é
quem assegura a prática das leis feitas. O poder legislativo e o executivo devem estar em
diferentes mãos para evitar possíveis abusos e distorções. Mas quanto mais estes poderes
andarem juntos, melhor dentro de uma coerência para o bem do Estado, melhor será o
andar do sistema vigente.
Assim, Locke nos dá as bases para um sistema monárquico-parlamentarista (como
vemos na Inglaterra de hoje), em que ambos poderes existem, em mãos separadas e com
funções distintas. O Estado possui também limites não podendo ser um arbitrário, não
governando mediante decretos improvisados, não confiscando propriedades e não
transferindo para outros o poder de fazer as leis.
A fundamentação ética e política do capitalismo vêm de Locke, que também proveu
idéias políticas para todo o século XVIII, cujo pensamento prove uma grande evolução
social, ética, política e econômica para o Ocidente, como foi o caso das revoluções liberais
ocorridas na Europa e na América.
Uma última consideração quanto ao pensamento de Locke, é sobre a questão do
poder judicial. O autor nos explica que a função do poder judicial não é independente. O
juiz imparcial lockeano é aquele que faz as leis, assim sendo o judiciário não pode ser
distinto do legislativo.
O príncipe William of Orange, protestante,
coroado rei na Gloriosa Revolução de 1688,
tendo dado ensejo, assim, à prática da Monarquia
Constitucional, vigente na Inglaterra até hoje .
E assim, em uma contraposição diminuta, vemos o quanto Hobbes e Locke foram
importantes na formulação de uma ética social e política, ditando para nós as bases de dois
grandes pensamentos que vigoraram durante o final da modernidade e em grande parte da
pós-modernidade.
Colocar-se nesta postura de questionar a realidade, como foi o caso de Locke e de
Hobbes, é tentar manter um compromisso com possibilidade de resolução dos problemas
sociais. E estes pensamentos não podem estar longe de nossa realidade atual. As bases que
ambos nos proveram, puderam dar ao Ocidente um sistema ainda vigente, que é o
Capitalismo, e uma contra posição que veio surgir no início do século XX, oriunda da idéia
de lutas de classes, que foi o comunismo como outra opção de sistema Político-econômico.
E hoje, herdeiros de tantas propostas, desejos, anseios, derramamentos de sangue
em prol de uma esperança de um grupo ou outro, nos enxergamos no meio desses encontros
de idéias e relacionando a isso, citamos o momento atual em que se encontra a política
nacional.
Batalha de Boyne, na Irlanda,
entre os exércitos de Jaime II e
os do Parlamento (1690), um
dos episódios mais importantes
que se seguiram à Gloriosa
Revolução de 1688.
BIBLIOGRAFIA
ARANHA, Maria Lúcia de Arruda & Martins, Maria Helena Pires. Filosofando: introdução
à filosofia. 3ª Ed. SP: Editora Moderna, 2003.
HOBBES, Thomas. Leviatã, ou matéria, forma e poder de um Estado eclesiástico e civil.
(Tradução de J. P. Monteiro e M. B. Nizza da Silva). 1a. Edição em português. São Paulo:
Abril Cultural, 1974.
LOCKE, John. Two treatises of government. (Introdução e notas de P. Laslett). New York:
Cambridge University Press, 1965.
http://www.hystoria.hpg.ig.com.br/hoblock.html (Consultado em 25/02/2006).
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