CONVÊNIOS CNPq/UFU & FAPEMIG/UFU
Universidade Federal de Uberlândia
Pró-Reitoria de Pesquisa e Pós-Graduação
DIRETORIA DE PESQUISA
COMISSÃO INSTITUCIONAL DE INICIAÇÃO CIENTÍFICA
2008 – UFU 30 anos
ELUCIDAÇÃO DA ESTRUTURA CRISTALINA DE COMPLEXOS DE
PLATINA, POR DIFRAÇÃO DE RAIOS X.
Lucas Campos Curcino Vieira1
Instituto de Química – Universidade Federal de Uberândia. Av. João Naves de Ávila, 2121, Caixa Postal: 593, Cep:
38400-902 Uberlândia - MG
[email protected]
Silvana Guilardi2
[email protected]
Resumo:
Cristais
apropriados
de
dois
sais
de
platina,
de
fórmula
geral
(PPh4)2[Pt(RSO2N=CS2)] onde R=2,5-Cl2C6H3 (PTDPH) e R=C6H5 (PTGPH), foram obtidos após
recristalização em mistura de diclorometano e etanol com algumas gotas de água. O estudo, por
difração de raios X, mostrou que estes sais são constituídos de um ânion complexo e dois cátions
tetrafenilfosfônio, que cristalizam no sistema triclínico, grupo espacial P 1 . O sal PTGPH
cristalizou com uma molécula de água. Nos compostos, o átomo de platina está localizado sobre
um centro de inversão e coordenado por quatro átomos de enxofre de dois ligantes N-Rsulfonilditiocarbimato numa geometria quadrado planar distorcida. No empacotamento cristalino
estão presentes interações do tipo Csp2-H...X (X = O, Cl) para o composto PTDPH e Csp2-H...X (X
= O, N e ) e Ow-H...O para o composto PTGPH.
Palavras-chave: platina, ditiocarbimato, difração de raios X.
1. INTRODUÇÃO
As propriedades biológicas, físicas e químicas de um material dependem intrinsecamente da
maneira como os átomos estão arranjados nesse material, ou seja, da sua estrutura atômica e
molecular. A técnica de difração de raios X continua sendo o método experimental mais geral,
detalhado e eficiente para a determinação da estrutura molecular em compostos cristalinos. Sua
utilização se estende desde sistemas pequenos até macromoléculas. A Cristalografia Estrutural se
ocupa das teorias e técnicas empregadas nos estudos dos arranjos atômicos, em especial nos sólidos
cristalinos. A cristalografia é uma técnica importante para a Química, a Biologia, a Física, a
Geologia e as Ciências dos Materiais.
As propriedades dos elementos de transição são exploradas em uma variedade de aplicações.
Alguns metais são empregados em grandes quantidades, particularmente o ferro, nos materiais
estruturais, ao passo que outros são usados em pequenas quantidades em aplicações especializadas,
como na síntese de compostos químicos de alto valor agregado. Aplicações terapêuticas importantes
dos compostos de metais de transição também incluem o tratamento de câncer com drogas de
platina como a cis-platina, descoberta em 1965 por Rosenberg e colaboradores, que é altamente
efetiva na inibição da divisão celular (Marzano et al., 2002). Até hoje, a cis-platina é uma das
drogas mais amplamente utilizadas devido à sua elevada eficiência no tratamento de 70 a 90% dos
tumores testiculares, e se combinada com outras drogas, ela se torna bastante efetiva no tratamento
1
2
Acadêmico do curso de Licenciatura e Bacharelado em Química
Orientadora
do câncer de cérebro, ovário, bexiga e de mama (Weiss e Christian, 1993). Entretanto, este
composto possui vários efeitos colaterais, como náuseas, vômito e, particularmente, alta
nefrotoxicidade.
Para reduzir a toxicidade de drogas baseadas em platina(II), compostos contendo átomos de
enxofre como doadores de elétrons, especialmente ditiocarbamatos (Figura 1a), têm sido
administrados como antídotos (Hamers et al., 1993).
Nos últimos anos, pesquisadores como Giovagnini e Fregona (Marzano et al., 2002), vêm
estudando e realizando a síntese de alguns complexos de platina(II) contendo ditiocarbamato (S2CNR2). Estes compostos são menos tóxicos e mais efetivos que a cis-platina, de acordo com o estudo
in-vitro realizado em células tumorais resistentes a cis-platina. Apesar de terem baixa toxicidade
(Liesivuori e Savolainen, 1994), o contato contínuo com ditiocarbamatos pode causar dermatites e
diminuição da capacidade de absorção de iodo pela glândula tireóide. Portanto, é necessária a
pesquisa de novos ditiocarbamatos ou compostos semelhantes, como os ditiocarbimatos (Figura
1b), que sejam fungicidas eficientes e apresentem produtos de degradação menos nocivos.
Figura 1: Esquema Geral (a) ditiocarbamato e (b) ditiocarbimato.
A primeira estrutura determinada por difração de raios X, de um complexo contendo ânion
ditiocarbimato, foi a do ânion complexo [Ni(NCN=CS2)]-2, em 1967 (Cotton e Harris, 1968).
Apenas na década de oitenta, novos complexos contendo o ânion ditiocarbimato voltam a ser
citados na literatura.
A atividade biológica de sulfonamidas é bastante conhecida. Muitas delas têm largo emprego
como bactericidas (Rang & Dale, 1991). Os primeiros complexos com ânions ditiocarbimatos
derivados de sulfonamidas foram descritos em 1989 (Hummel e Korn,1989).
Convém ressaltar que, apesar de não haver muitos estudos a respeito de aplicações de
ditiocarbimatos, especialmente aplicações semelhantes às de ditiocarbamatos, ésteres de ácidos
ditiocarbímicos contendo grupos sulfona, são muito utilizados em sínteses orgânicas (Seshadri et
al., 1993; Vanderdriessche et al., 1993; Burgess et al., 1994). Alguns exemplos são: sínteses de
diversos compostos heterocíclicos, sínteses de tiouréias e sínteses de derivados de guanidinas
(Fukada et al., 1993).
O presente trabalho envolve a caracterização estrutural de dois sais inéditos contendo o
cromóforo PtS4 (Figura 2) e a comparação da estrutura obtida com a de derivados análogos e outros
compostos correlatos já caracterizados por difração de raios X, com o objetivo de verificar o efeito
do contra-íon e do substituinte R do grupo (RSO2NCS2) na geometria do ânion complexo e no
empacotamento cristalino.
R = 2,5-Cl2C6H3, C6H5.
Figura 2: Compostos caracterizados no presente trabalho.
2
Assim, a caracterização de novos compostos propiciará a implementação do banco de dados
estruturais de complexos derivados de ditiocarbimatos, para futuros estudos da relação estrutura –
atividade biológica dessa classe de compostos.
2.METODOLOGIA
A síntese dos sais de platina, bis(2,5-diclorofenilsulfonilditiocarbimato)platinato(II) de
tetrafenilfosfônio (PTDPH) e bis(fenilsulfonilditiocarbimato)platinato(II) de tetrafenilfosfônio
(PTGPH), foi realizada pelo grupo de pesquisa do prof. Dr. Marcelo R. L. Oliveira, do
Departamento de Química da Universidade Federal de Viçosa, conforme procedimento descrito na
literatura (Vieira et al., 2008). A determinação das estruturas, por difração de raios X, obedeceu às
seguintes etapas:
2.1. Coleta de Dados:
Monocristais, adequados à técnica de difração de raios X, foram colocados em um
difratômetro NONIUS KappaCCD System, (Nonius, 2007) (Figura 3) alocado no Instituto de
Física da USP- São Carlos, para a coleta dos dados de intensidade dos feixes de raios X difratados.
Utilizando o programa DENZO-SMN (Otwinowski e Minor, 1997), os parâmetros cristalinos
iniciais foram obtidos. Os picos foram indexados e os parâmetros cristalinos refinados.
Figura 3: Difratômetro NONIUS KappaCCD System.
2.2. Redução de Dados:
As intensidades foram convertidas a módulos de fatores de estrutura, ou seja, corrigidas
pelos fatores de Lorentz, polarização e absorção utilizando os programas HKL Denzo – Scalepack
(Otwinowski & Minor, 1997) e WINGX (Farrugia, 1999). Nesta etapa, realizou-se a análise
estatística do módulo dos fatores de estrutura normalizados |E| e a análise das ausências
sistemáticas, para determinação do grupo espacial no qual o composto cristaliza (Cullity & Stock,
2001).
2.3. Resolução da Estrutura:
Utilizando Métodos Diretos (Giacovazzo et al., 1992), determinou-se o modelo inicial das
estruturas cristalinas dos compostos, usando o Programa SHELXS-97 (Sheldrick, 1997).
2.4. Refinamento da Estrutura:
O refinamento da estrutura foi feito pelo Método dos Mínimos Quadrados, usando matriz
completa, através do programa SHELXL-97 (Sheldrick, 1997). O refinamento foi acompanhado por
3
cálculos de sínteses de Fourier-diferença e de distâncias e ângulos de ligação (Giacovazzo et al.,
1992).
Os átomos de hidrogênio apresentam baixo poder de espalhamento e, por esse motivo, foram
posicionados de acordo com a geometria do átomo ao qual se ligam. A validação, ou seja, a
confiabilidade química do modelo proposto foi realizada pelo cálculo de distâncias e ângulos
interatômicos.
As representações gráficas das estruturas cristalinas foram efetuadas utilizando o programa
MERCURY-1.12 (CCDC, 2007).
Com exceção da coleta de dados, as demais etapas foram realizadas em um
microcomputador Pentium 4 - 3.00GHz com 512 MB de memória RAM, no Laboratório de
Cristalografia do Instituto de Química, da Universidade Federal de Uberlândia.
3.RESULTADOS
3.1. Composto PTDPH
Um monocristal do composto bis(2,5-diclorofenilsulfonilditiocarbimato)platinato(II) de
tetrafenilfosfônio (PTDPH) de dimensões 0,342 x 0,340 x 0,297 mm, foi montado no difratômetro
e foram coletadas11.423 reflexões (esfera de reflexão), com intervalo de  de 2,94 à 27,25 à
150(2)K.
A análise das reflexões demonstrou que o composto cristaliza no sistema triclínico, simetria
de Laue P 1 . Do conjunto de 11.423 reflexões coletadas, 6.536 eram independentes (Rint = 0,0290)
e 6.483 foram consideradas observadas [I > 2(I), onde (I) é o desvio padrão estimado de I,
baseado em contagem estatística].
A análise estatística da distribuição de probabilidade dos módulos dos Fatores de Estrutura
Normalizados |E|, evidenciou a presença de um centro de inversão. Como não há ausência
sistemática sobre a reflexão geral hkl, a cela unitária é primitiva. Da análise estatística de |E| e do
cálculo da densidade pôde-se concluir que o composto cristaliza no grupo espacial P 1 .
O modelo obtido do mapa de densidade eletrônica foi completo, ou seja, todos os átomos nãohidrogenóides da estrutura foram localizados. A estrutura cristalina foi resolvida com um índice de
discordância (R) entre o modelo proposto e os dados experimentais de 2,49%.
A representação MERCURY da cela unitária está ilustrada na Figura 4. Os elipsóides foram
desenhados com 50% de probabilidade.
Figura 4: Representação MERCURY da cela unitária do compostos PTDPH.
4
3.2. Composto PTGPH
Um
monocristal
do
composto
bis(fenilsulfonilditiocarbimato)platinato(II)
de
tetrafenilfosfônio (PTGPH), de dimensões 0,062 x 0,162 x 0,234 mm foi montado no difratômetro
e foram coletadas 20.391 reflexões (esfera de reflexão), com intervalo de  de 3,04° a 26,02°, a
150(2)K. A análise das reflexões demonstrou que o composto cristaliza no sistema triclínico,
simetria de Laue P 1 .
Do conjunto de 20.391 reflexões coletadas, 10.825 eram independentes (Rint = 0,0254) e
9.007 foram consideradas observadas [I > 2(I), onde (I) é o desvio padrão estimado de I, baseado
em contagem estatística].
A análise estatística da distribuição de probabilidade dos módulos dos Fatores de Estrutura
Normalizados |E|, mostrou que os dados apresentam comportamento esperado para uma estrutura
centrossimétrica.
Como não há ausência sistemática sobre a reflexão geral hkl, a cela unitária é primitiva. Da
análise estatística de |E| e do cálculo da densidade pôde-se concluir que o composto cristaliza no
grupo espacial P 1 .
Após a determinação das fases dos Fatores de Estrutura pelos Métodos Diretos, o modelo
obtido do mapa de densidade eletrônica foi completo, ou seja, todos os átomos não-hidrogenóides
da estrutura foram localizados.
A estrutura cristalina foi resolvida com um índice de discordância (R) entre o modelo
proposto e os dados experimentais de 2,63%.
A representação MERCURY da cela unitária está ilustrada na Figura 5. Os elipsóides foram
desenhados com 50% de probabilidade.
Figura 5: Representação MERCURY da cela unitária do compostos PTGPH.
4.DISCUSSÃO
Os dois sais em estudo são constituídos por um ânion complexo [Pt(RSO2N=CS2)2]2- e dois
cátions tetrafenilfosfônio (PPh4+) como contra-íon. Em ambos, a platina encontra-se sobre um
centro de inversão. O composto PTGPH cristaliza com uma molécula de água.
Nos dois compostos, o fragmento PtS4 assume geometria quadrado planar distorcida devido a
quelação bidentada do ligante ditiocarbimato, que forma um anel de quatro membros envolvendo os
átomos C(1), S(1), S(2) e Pt. Os ângulos S(1)-Pt-S(2’) são maiores que 90° (em torno de 105º) e se
afastam mais da geometria quadrado planar que os ângulos S(1)-Pt-S(2). Este ângulo é
5
significativamente menor que 90º, em torno de 74º. Os átomos Pt, S(1), S(2), S(1’) e S(2’) são
coplanares e os átomos C(1), N, S(3) estão fora deste plano por no máximo 0,265 Å, evidenciando
a planaridade do fragmento PtS4C(1)NS(3) dos ânions complexos.
A orientação dos substituintes R (2,5-Cl2C6H3 e C6H5) do grupo RSO2NCS2 dos ânions
complexos é significativamente diferente, provavelmente, devido à presença dos átomos de cloro
substituintes no anel aromático do composto PTDPH e da molécula de água de cristalização do
composto PTGPH [diedros C(1)-N-S(3)-C(2) de 54,1(2)º para o ânion do PTDPH e de -74,7(3) e
50,9(3) para os ânions 1 e 2 do PTGPH, respectivamente].
Os valores encontrados para os comprimentos das ligações Pt-S, dos ânions complexos em
estudo, são próximos e concordam com os valores obtidos para ânions análogos descritos na
literatura (Oliveira et al., 2004). Os ângulos S(1)-C(1)-N são significativamente maiores que os
ângulos S(2)-C(1)-N, devido a interação repulsiva entre o grupo RSO2 (R=2,5-Cl2C6H3 e C6H5) e o
átomo de enxofre S(1).
O substituinte R encontra-se em posição cis com relação à ligação C(1)-N. O efeito estéreoeletrônico do grupo RSO2 sobre o átomo S(1) é maior que o efeito do par de elétrons livres do
átomo de nitrogênio sobre o átomo S(2). Comportamento similar é observado para compostos
correlatos descritos na literatura com ânions complexos de ditiocarbimato, que possuem o grupo
RSO2 volumoso (Oliveira et al., 2002; 2003; 2004; Franca et al., 2006).
Nos ânions complexos em estudo, os comprimentos da ligação C(1)-N estão entre o valor do
comprimento de uma ligação simples do tipo Csp2-Nsp2 (1,358 Å) (Allen et al., 1987) e o de uma
ligação dupla do tipo Csp2=Nsp2 (1,275 – 1,295 Å) (Allen et al., 1987). As distâncias C(1)-S(1) e
C(1)-S(2) são próximas e menores que os valores esperados para uma típica ligação C-S simples
(1,81 Å) (Lide, 1998-1999), devido a deslocalização parcial dos elétrons ð no fragmento S-C-S.
Entretanto, por causa do grupo SO2 vizinho, as formas canônicas (a) e (b) ilustradas no esquema I
contribuem apreciavelmente para o híbrido de ressonância.
RSO 2
-
S
N C
S
-
RSO 2
S
-
-
S
RSO 2
N C
N C
S
S
(a)
(b)
-
(c)
Esquema I
Comportamento similar é observado para compostos correlatos descritos na literatura e
ilustrado na Tabela 1.
Tabela 1 – Comparação dos comprimentos e ângulos de ligação do fragmento N=CS2 em
sais de platina(II) e de níquel(II) com ditiocarbimato.
a
#
Substâncias
C(1)–N (Å)
C(1)-S(1) (Å)
C(1)-S(2) (Å)
S(1)-C(1)-S(2) (o)
K2(C6H5SO2N=CS2).2H2Oa
1,342(9)
1,701(7)
1,745(7)
119,4(4)
(NBu4)2+ [Ni(2,5-Cl2C6H3SO2N=CS2)2]2-b
1,300(6)
1,751(5)
1,740(4)
106,6(3)
(NBu4)2+[Pt(C6H5SO2N=CS2)2]2- c
1,293(3)
1,733(2)
1,750(2)
107,9(1)
(PPh4)2+ [Pt(2,5-Cl2C6H3SO2N=CS2)2]2- d
1,310(3)
1,735(2)
1,740(3)
107,9(1)
(PPh4)2+ [Pt(C6H5SO2N=CS2)2]2- d
1,314#
1,735#
1,736#
108,2#
(Hummel e Korn, 1989) b(Franca et al., 2006) c(Oliveira et al., 2004) d(compostos em estudo).
média feita para os valores encontrados para os ânions 1 e 2.
6
Observa-se que para o sal que contém o ligante N-R-sulfonilditiocarbimato não complexado
[K2(C6H5SO2N=CS2).2H2O], o comprimento da ligação C-N é maior, as ligações C-S são mais
assimétricas e o ângulo S-C-S é maior que o obtido para os complexos aniônicos.
Assim, quando a complexação ocorre, o ângulo S-C-S decresce, os comprimentos de ligação
C-S tornam-se mais próximos e a contribuição da forma canônica (c) para o híbrido de ressonância
aumenta.
Os valores encontrados para as ligações N-S(3), no composto PTDPH e nos ânions 1 e 2 do
composto PTGPH de 1,614(2); 1,618(3) e 1,611(3) Ǻ, respectivamente, são menores do que o
esperado para uma ligação simples do tipo N–S [1,642 Å] (Allen et al., 1987).
De forma geral, para os compostos de ditiocarbimato estudados e encontrados na literatura
(Oliveira et al., 1997; 2002; 2003; 2004), os comprimentos das ligações S=O [de 1,433(2) a
1,452(2) Å] e Car–S [de 1,764(3) a 1,788(2) Å] concordam, dentro dos erros experimentais, com os
valores esperados para compostos que possuem o fragmento Car–SO2–N. Os valores descritos na
literatura para estas ligações são S=O [1,430 Å] e Car–S [1,749 – 1,798 Å](Allen et al., 1987).O
átomo de enxofre deste fragmento possui uma geometria tetraédrica distorcida.
No grupo 2,5–diclorofenil do ânion complexo do composto PTDPH, os comprimentos das
ligações C–Cl estão dentro dos valores esperados para ligações do tipo Car–Cl [1,74(1) Å]. No anel
aromático, as ligações C(3)–C(4), C(4)–C(5) e C(5)-C(6) concordam com os valores de uma ligação
do tipo Car–Car [1,384(13) Å]; enquanto as ligações C(2)–C(3), C(3)–C(4) e C(7)–C(2) apresentam
valores maiores, provavelmente, devido aos átomos de cloro, nas posições C(4) e C(7) e ao grupo
SO2 ligado ao átomo de carbono C(2).
Os ângulos e distâncias entre os átomos de carbono dos anéis aromáticos dos ânions
complexos 1 e 2 do composto PTGPH estão próximos dos valores esperados descritos na literatura.
As pequenas discrepâncias observadas podem ser, provavelmente, devido ao grupo SO2 estar ligado
ao C(2) e a presença de interações intermoleculares envolvendo outros átomos de carbono do anel.
O contra-íon dos ânions complexos dos compostos em estudo é o cátion tetrafenilfosfônio,
(PPh4)+.
Os átomos de fósforo apresentam geometria tetraédrica distorcida com ângulos variando de
106,6(1) a 111,9(1)º para o cátion do composto PTDPH e de 105,2(1) a 112,9(1)º e de 107,8(1) a
111,0(1)º para os cátions 1 e 2 do composto PTGPH, respectivamente. Os valores encontrados para
as distâncias interatômicas P-Car vão de 1,789(3) a 1,808(3) Ǻ e estão próximos do valor esperado
de 1,793 Å (Allen et al., 1987). Os comprimentos e ângulos das ligações envolvendo os átomos de
carbono dos anéis aromáticos dos cátions tetrafenilfosfônio concordam com o valor esperado para
carbonos com hibridação sp2 e geometria trigonal plana.
Como os compostos estudados são sais formados por dois cátions e um ânion complexo, o
empacotamento cristalino é mantido, principalmente por ligação iônica, a qual não apresenta
direção preferencial de empacotamento. No empacotamento cristalino de ambos compostos, estão
presentes interações intra e intermoleculares fracas entre ânions e cátions e entre ânions e ânions.
No composto PTGPH existem, também, ligações de hidrogênio entre ânions e moléculas de água
de cristalização.
No composto PTDPH existem interações intra e intermoleculares do tipo C-H...X, com X =
O e Cl, e interações do tipo C-Cl...Cl-C. Essas interações ocorrem tanto entre ânion-ânion quanto
cátion-ânion. Os valores dos comprimentos e ângulos dessas interações estão dentro dos valores
aceitos descritos na literatura (Taylor et al., 1982; Aakeröy et al., 1998).
No empacotamento cristalino observa-se, também, a presença de contatos Cl...Cl [C(7)Cl(2)...Cl(1)-C(4)i, onde i = -1+x, y, z] de 3,492(1) Ǻ de comprimento e ângulo C(7)-Cl(2)...Cl(1)
de 164,9(1)º, como observado em estruturas cristalinas de hidrocarbonetos clorados com contatos
Cl...Cl < 3,52 Ǻ (Price et al., 1994).
7
O composto PTGPH realiza mais interações que o composto PTDPH devido à presença da
molécula de água de cristalização. As interações existentes são do tipo C-H..X ( X = O, N e ð) e
Ow-H...O, onde Ow é o oxigênio pertencente à molécula de água. As interações C-H...ð são
contatos onde o aceptor é um centróide gerado pela nuvem ð de elétrons do anel aromático
envolvido na interação (Desiraju, 2001).
5.CONSIDERAÇÕES FINAIS
Este trabalho permitiu a caracterização estrutural inédita, por difração de raios X, de dois sais
de platina (II) com ditiocarbimato: bis(2,5-diclorofenilsulfonilditiocarbimato)platinato(II) de
tetrafenilfosfônio (PTDPH) e bis(fenilsulfonilditiocarbimato)platinato(II) de tetrafenilfosfônio
(PTGPH). Os índices de discordância entre o modelo estrutural proposto e os dados experimentais
foram de 2,49% e de 2,63%, respectivamente.
Os dois compostos estudados são sais constituídos por um ânion complexo
[Pt(RSO2N=CS2)2]2- e dois cátions tetrafenilfosfônio (PPh4+) como contra-íon, que cristalizam no
sistema triclínico, grupo espacial Pî. O átomo de platina encontra-se em posição especial, sobre um
centro de inversão. O composto PTGPH cristaliza com uma molécula de água.
Nos ânions complexos, o átomo metálico está coordenado por quatro átomos de enxofre de
dois ligantes N-R-sulfonilditiocarbimato, numa geometria quadrado planar distorcida, devido ao
caráter bidentado do ligante, como observado para outros compostos análogos descritos na
literatura.
O tamanho do grupo R, dos ligantes N-R-sulfonilditiocarbimato, que está em posição cis
com relação a um dos átomos de enxofre do fragmento N=CS2, afeta o comprimento das ligações
C–S bem como os ângulos S–C–N. Para ligantes volumosos, a repulsão estérica entre o átomo de
enxofre e o grupo R em posição cis predomina sobre a repulsão entre o outro átomo de enxofre do
fragmento N=CS2 e o par de elétrons livres do átomo de nitrogênio.
O fragmento N=CS2 possui três formas canônicas:
RSO2
-
S
N C
S
(a)
-
RSO 2
S
-
-
S
RSO2
N C
N C
S
S
(b)
-
(c)
Nos compostos estudados, a ligação C–N tem caráter de dupla ligação e a presença do grupo
SO2 vizinho aumenta a contribuição das formas canônicas (a) e (b).
A comparação da geometria dos compostos elucidados e de análogos já caracterizados, com a
dos ligantes não complexados evidenciou que, quando a complexação ocorre, os ângulos de ligação
S–C–S decrescem, causando variação nos comprimentos das ligações C–S, tornando-os mais
próximos. Outro fator observado é a diminuição do comprimento das ligações C–N, deixando-as
com caráter de dupla ligação, aumentando a contribuição da forma canônica (c) para o híbrido de
ressonância.
No empacotamento cristalino dos dois compostos estão presentes interações fracas do tipo
2
Csp –H···X (X = O e Cl para o composto PTDPH e X = O, N e  para o composto PTGPH), e
ligações de hidrogênio do tipo Ow-H···O no composto PTGPH devido à presença da molécula de
água de cristalização. Estas interações, provavelmente, influenciam na orientação dos anéis
aromáticos dos cátions tetrafenilfosfônio.
8
6. AGRADECIMENTOS
Ao Prof. Dr. Marcelo Ribeiro Leite de Oliveira do Departamento de Química da
Universidade Federal de Viçosa pela síntese dos compostos estudados neste trabalho. Ao Prof. Dr.
Javier Ellena do Instituto de Física da USP de São Carlos, pela coleta dos dados de intensidade dos
raios X.
Ao CNPq pelo apoio financeiro.
7. REFERÊNCIAS
Aakeröy, C. B.; Evans, T. A.; Seddon, K. R.; Pálinkó, I.; “The C-H…Cl hydrogen bond: does it
exist?.” New J. Chem., p. 145-152, 1999.
Allen, F. H.; Kennard, O.; Watson, D. G.; Brammer, L.; Orpen, G.; Taylor, R. “Tables Of Bond
Lengths Determined by X-Ray and Neutron Diffraction.” Part1. Bond Lengths In Organix
Compounds. Journal Of The Chemical Society- Perkin Transactions II, 1987.
Burgess, K.; Lim, D.; Ho, K.; Ke, C. “Asymmetric Syntheses of Protected Derivatives of
Carnosadine and Its Stereoisomers as Conformationally Constrained Surrogates for Arginine”.
Journal of Organic Chemistry., v. 59, n.8, p. 2179, 1994.
CCDC. MERCURY-1.1.2. Cambridge Crystallographic Data Centre, 12, Union Road, Cambridge,
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CRYSTAL STRUCTURE ELUCIDATION OF PLATINUM COMPLEXS BY
X RAY DIFFRACTION.
Lucas Campos Curcino Vieira1
Instituto de Química – Universidade Federal de Uberândia. Av. João Naves de Ávila, 2121, Caixa Postal: 593, Cep:
38400-902 Uberlândia - MG
[email protected]
Silvana Guilardi2
[email protected]
Abstract: Suitable single crystals of two platinum salts, (PPh4)2[Pt(RSO2N=CS2)] where
R=2,5-Cl2C6H3 (PTDPH) e R=C6H5 (PTGPH), were obtained by slow evaporation of a
dichloromethane-ethanol-water solution. The X ray analysis showed that these salts are constituted
by one complex anion and two cations tetraphenylphosphonium, that crystallize in the triclinic
space group P 1 . The PTGPH salt crystallizes with one water molecule. In the compounds the Pt
atom is in the crystallographic inversion centre and coordinated by four sulfur atoms of the two NR-sulfonyldithiocarbimate ligands into a distorted square planar configuration. The crystal packing
is stabilized by Csp2-H...X (X = O, Cl) interactions for the compound PTDPH and Csp2-H...X (X =
O, N and ) and Ow-H...O interactions for the compound PTGPH.
Keywords: Platinum, dithiocarbimate, X ray diffraction.
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elucidação da estrutura cristalina de complexos de platina, por