Os Desafios do Ensino Superior nos Institutos Federais
Francisco José Montório Sobral1
A doutrina materialista que advoga serem os homens produto das circunstâncias e
da educação e que, por conseguinte, os homens novos serão o produto de novas
condições e de uma nova educação, esquece que são os homens, precisamente, os
que alteram as circunstâncias e que também os educadores têm que ser educados.
K. Marx
A tarefa de propor a discussão sobre o ensino superior em nossos Institutos Federais é, talvez, o maior
desafio para aqueles que acreditam ser possível construir um outro projeto de sociedade, orientado por uma lógica
que tenha como horizonte a justiça social.
Nesse sentido, quero deixar registrado, a minha satisfação e felicidade em retornar a essa escola, hoje
Instituto Federal para, de certa forma, dar continuidade a discussão sobre ensino técnico e tecnológico, formação
integral e formação emancipatória, logicamente, discussão potencializada no contexto atual quando se pretende
pensar novos projetos de cursos superiores.
Construir projetos de cursos de licenciatura e bacharelado era quase impensável há poucos anos atrás no
interior da Rede Federal de Educação Tecnológica, principalmente nas Escolas Agrotécnicas Federais que
historicamente apresentaram propostas de formação afinadas com as necessidades do capital agroindustrial. Se em
nossa história recente, os cursos de tecnologia já causavam discussões no interior de nossas escolas, essas são
potencializadas quando da transformação das escolas em Institutos Federais.
Importa lembrar que a reclamação de que o projeto dos Institutos Federais não passou por uma ampla
discussão é legítima. Não tivemos oportunidade de, com o devido tempo, discutir esse projeto com a necessária
pertinência que ele requer. Entretanto, também podemos aproveitar o momento para reavivar nossa discussão sobre
formação profissional, currículo, oferta de novos cursos e construção de projetos diferenciados de licenciatura.
Entendendo que a análise do contexto atual requer uma suscinta retrospectiva histórica para se
empreender uma tentativa de construir uma proposta de formação voltada para as demandas sociais e não apenas a
do capital; apontaremos inicialmente aspectos relevantes na história de nosso projeto de formação profissional, para
entendermos a necessidade de se pensar em novos projetos de licenciatura nos Institutos que venham a atender as
demandas sociais, principalmente, em nosso caso, do campo.
A formação técnica no Brasil foi requerida juntamente com a emergência da industrialização no país, ou
seja, nas primeiras décadas do século XX. O processo produtivo industrial, naquela época, passou a demandar uma
força de trabalho intermediária entre a concepção e a execução. A organização da fábrica, através dos princípios da
divisão técnica do trabalho e do controle hierárquico da execução, necessitou de uma camada média de emprego
representada pelos profissionais técnicos de nível médio. Assim, é possível indicar o período compreendido pelas
décadas de 1920-30 como referência para o ensino técnico no Brasil. Nesse período ocorreu a criação de muitas
escolas técnicas, principalmente em regiões onde a produção industrial se destacava. O ensino técnico industrial
começou a fazer parte dos debates nacionais como elemento importante da defesa da indústria brasileira, que
começava a se consolidar.
Entretanto, nesse mesmo período, a formação profissional voltada para a agropecuária, estava a cargo de
poucas universidades que formavam profissionais de nível superior – agrônomos e veterinários, atendendo uma
pequena demanda agrícola. No meio rural como um todo, a formação escolar básica ainda era ignorada pelas
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Doutor em Educação pela UNICAMP. Professor do Instituto Federal Catarinense – Campus Araquari.
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políticas oficiais, salvo pelo movimento conhecido como “ruralismo pedagógico” protagonizado por políticos e
educadores que se manifestavam num mesmo sentido: a necessidade de conter a crescente migração rural-urbana,
em função da industrialização e a tentativa de fixação do homem ao campo, através da educação.
Interessa lembrar que, enquanto o sentido de qualificação profissional dos trabalhadores era usado na
formação técnico-profissional urbana, no meio rural a proposta de qualificação não foi entendida da mesma forma.
A produção agropecuária naquele momento histórico, não demandava a formação de técnicos de nível médio, não
obstante a necessidade de maior demanda por alimentos básicos para a população nas cidades.
Desde o início, as políticas educacionais voltadas para a educação rural apresentaram uma intencionalidade
clara de fixação do homem no campo. A lógica de contenção da migração campo-cidade, principalmente para a
população mais jovem, veio permeando praticamente todas estas políticas educacionais, voltadas para o meio rural.
Entretanto, o modelo da época, previa e desejava a liberação de forma gradual de parcelas da população rural para
os centros urbanos, principalmente como forma de obter mão-de-obra barata.
A análise da história do ensino agrícola no Brasil evidencia alguns problemas advindos da introdução do
ensino técnico agrícola numa cultura ainda marcada, com grande ênfase, numa certa tradição bacharelesca,
remontando à época colonial e à formação social baseada em relações de trabalho escravista, em que o fazer era
desqualificado e não digno para pessoas livres e cultas. Nesse sentido, qualquer modalidade de formação agrícola
de nível médio veio carregando, ao longo de sua evolução, uma característica marginal (mesmo quando a economia
se baseava na agricultura), pois sendo o trabalho desenvolvido na agricultura predominantemente braçal, revestiuse de preconceito e de certa discriminação.
Assim, a história do ensino técnico se diferencia do agrotécnico quanto à sua origem, pois enquanto a
formação técnica urbana foi requerida juntamente com a industrialização no Brasil, a agrotécnica teve a sua
emergência a partir das décadas de 1950-60.
Foi a partir desse período que inúmeros fatores revolucionaram o ensino agrícola no Brasil. A
modernização na agricultura, a transformação tecnológica no meio rural, a tecnificação crescente dos produtores
familiares ligados às agroindústrias, a Teoria do Capital Humano e a “Revolução Verde”, foram condicionantes
para que o capital agroindustrial demandasse um profissional que desse conta de promover uma nova extensão
rural: o Técnico em Agropecuária.
A “Revolução Verde” estabeleceu um novo padrão tecnológico no campo, apropriado à etapa oligopolista
do capitalismo agrário. Esse padrão produtivo demandava uma difusão de novas técnicas, novas formas de relações
de produção, novas culturas, enfim uma nova forma de produção agropecuária. Dessa forma, o profissional técnico
em agropecuária, passou a ser requerido tanto no meio privado como no público, como agente de difusão de
tecnologia.
Esse novo padrão tecnológico aproximou ainda mais a agropecuária brasileira ao modelo de produção
industrial urbano, principalmente após a explosão tecnológica ocorrida no campo na década de 1950. A
modernização agrícola, de fato, alterou o processo produtivo, tanto do grande como do pequeno produtor rural,
contudo, foi a emergência da integração agroindustrial que causou maior impacto nas novas relações de produção
que começaram a ser estabelecidas e, por conseqüência, nas novas relações sociais.
A incorporação de um conjunto de tecnologias “modernas” na agricultura em substituição das práticas
denominadas de “tradicionais”, aumentou consideravelmente a produtividade na agropecuária. Contudo, a
incorporação dessas tecnologias ocorreu de forma inadequada à realidade do meio rural brasileiro, seja pela
maneira como se deu esta implantação, seja pela natureza mesma das tecnologias introduzidas. A prevalência de
práticas e métodos que se tornaram convencionais à época, revelaram na verdade, problemas de relação homemmeio físico com conseqüências ambientais e principalmente sociais.
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A modernização da agricultura não pode ser dissociada das transformações capitalistas ocorridas no Brasil
a partir da década de 1960. A intensificação do uso de máquinas e insumos estava associada à constituição de um
importante setor industrial fabricante de meios de produção para a agricultura e à montagem (em nível da política
de Estado) de um conjunto de instrumentos capazes de viabilizar a sua adoção por parte dos agricultores.
Fato relevante foi a adoção do ideário da Teoria do Capital Humano que nesse período foi significativo
tanto na elaboração de políticas educacionais, principalmente voltadas para a orientação do tecnicismo educacional,
como para nortear a proposta de modernização da agricultura. A concepção sobre a modernização tecnológica na
agricultura, tinha como pressuposto as idéias de Schultz, que orientava como sendo a única maneira de aumentar a
eficiência produtiva na agricultura o aporte de fatores externos, substituindo os insumos tradicionais por insumos
modernos, oferecidos a custos baixos ao agricultor, através de créditos subsidiados, acompanhados de assistência
técnica.
Assim, a transformação tecnológica ocorrida na agricultura brasileira originou determinados impactos que
se revelaram como responsáveis pela mudança na natureza da agricultura.
No período conhecido como “Revolução Verde”, que coincide com o auge da transformação tecnológica na
agricultura, ocorreu um aumento considerável no grau de mecanização de nossas lavouras, ou seja, aumento de
quase quatro vezes na relação área de lavoura/número de tratores, criando uma forma de produção assentada num
novo padrão tecnológico.
Isso se revelou diretamente sobre a necessidade de mão-de-obra na agricultura, ou seja, a partir daquele
momento se evidencia por um lado a liberação em grandes proporções do trabalho vivo no setor agrícola. Por outro
lado, a emergência de grandes indústrias processadoras de produtos agropecuários, fazendo surgir o conceito de
complexo agroindustrial, que demandou uma produção agrícola mais tecnificada e integrada diretamente ao capital
agroindustrial.
Com a elevação do padrão técnico de produção, ocorrido a partir da década de 60, o sistema de produção
ficou mais complexo, necessitando de um aporte maior no condicionante técnico. Ocorreu a necessidade de se
aumentar a produtividade do integrado, sendo que para isso, se fez necessária a adoção de novas tecnologias na
produção agropecuária. É nesse contexto que surgiram as Escolas Agrotécnicas Federais.
O grande capital agroindustrial, a partir de 1960, passou a contar com a formação de mão-de-obra
especializada através das Escolas Agrotécnicas Federais. O técnico em agropecuária num primeiro momento,
através da assistência técnica, atuou na mediação entre agroindústria e integrado. Desta forma, a adoção de novas
tecnologias por parte do pequeno produtor rural se deu pela atuação de um agente difusor, o técnico em
agropecuária.
Contextualizando o período histórico em que ocorreu uma maior demanda por técnicos em agropecuária
no Brasil como um todo, podemos apontar o processo de transformação tecnológica no campo, ocorrido a partir das
décadas de 1950-60 como responsável pela criação da maioria das Escolas Agrotécnicas Federais no país, ou seja,
diferentemente da história da formação técnica industrial, foi só a partir desse momento que a formação técnica de
nível médio para o campo de consolidou no país.
Através de uma diretriz condizente com a proposta da “Revolução Verde”, ou seja, da substituição dos
insumos “tradicionais” por insumos ditos “modernos”, é que a Rede Federal de Ensino Agrícola articulou sua
proposta de formação técnica. A estrutura curricular dos cursos da área agrícola orientava-se no sentido de atender
o padrão tecnológico vigente na época.
A formação de extencionistas proposta nesse período voltava-se para a criação e a difusão de uma
ideologia modernizante, a qual serviu para implantar e justificar as modificações nas bases tecnológicas e nas
relações sociais de produção, garantindo que o homem rural e sua família entrassem no ritmo e na dinâmica da
sociedade industrial.
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Nesse sentido, haveria a necessidade de preparar pessoal técnico e integrá-lo à estrutura de produção
para desempenhar uma assistência técnica com certa missão educativa na industrialização agroindustrial, atendendo
a preocupação de reproduzir a ordem econômica.
A extensão rural, considerada como um instrumento necessário para efetivação das políticas de
modernização no campo apresentava, principalmente, a “intervenção técnica” como responsável por mudanças na
sociedade rural.
Com essa forma de ação, a extensão rural conseguiu criar em determinadas parcelas de produtores rurais
uma cultura de produção agroindustrial mais próxima das estratégias de produção urbano-industrial, transformando
a agricultura familiar.
A partir de 1964, auge da modernização do país e da ênfase em sua participação na economia
internacional, quando se discutiam as questões que embasaram o desenvolvimentismo, tanto o poder público como
o setor privado assumem a função de preparar recursos humanos para serem absorvidos pelo mercado de trabalho.
De início, aqueles que tiveram maior acesso aos postos de trabalho ainda foram aqueles formados em nível
superior, entretanto, a situação de dificuldades instalada nas universidades que não conseguiam absorver a
demanda, além dos interesses mais imediatistas do mercado, provocaram o privilegiamento de uma educação
profissional de nível médio.
Em discussões anteriores (Sobral 2004), indicávamos as contradições existentes no interior do processo
de formação profissional do Técnico em Agropecuária e a sua relação com a dinâmica capitalista de
desenvolvimento brasileiro e apontávamos a necessidade de construir um novo projeto de formação orientado por
um significado divergente daquele que nos originou.
Nesse sentido, as Escolas Agrotécnicas Federais, CEFETs e os Colégios Agrícolas vinculados as
Universidades Federais iniciaram uma discussão sobre a construção de um novo significado para o ensino agrícola,
baseado nos princípios da metodologia proposta pela politecnia. Discussão ainda não finalizada.
Atualmente, nosso desafio maior é pensar em cursos superiores nos Institutos Federais. Se criar projetos
isolados de cursos de tecnologia em nossas escolas já causava discussões acaloradas, pensar em licenciaturas e
bacharelados numa estrutura próxima a universitária, provoca certo “espanto”. Isso nos remete a pensar como veio
ocorrendo a forma de oferta desses cursos tanto nas grandes universidades mundiais como nas universidades
brasileiras.
Segundo Carlos Lessa (2002) a universidade é uma instituição milenar. Nascida no século XII em Paris,
pela interação de mestres, e em Bolonha, pela aglutinação de estudantes, a universidade acumulou, até o final do
século XIX, crescente prestígio social. A instituição condensava a guarda, reprodução e alguma produção do saber.
E, desde seu surgimento, foi visível, tanto para a Igreja quanto para o rei, que o conhecimento ilumina,
operacionaliza, amplifica e legitima o poder. Isso não se dá, no entanto, sem uma forte tensão interna: sendo um
espaço conservador, a universidade – por ser um lugar diferenciado do cotidiano e por reunir uma massa crítica de
mestres e discípulos – permitia, ao mesmo tempo, a liberdade relativa para o espírito humano, contendo em
embrião o impulso à rebeldia. Ao oxigenar o debate, a ambiência universitária alavanca e repercute o debate
doutrinário. Por temer seu conservadorismo, a Revolução Francesa fechou a Sorbonne; para fortalecer-se, a
República teve de reinstalá-la, agregando-lhe o binômio academia e grande escola. O ideal republicano do ensino
universal, como condição essencial ao exercício da cidadania, teria no seu ápice este binômio. A universidade não
estaria mais a serviço do rei ou da Igreja, passaria a ser da Nação.
Por esse seu passado as universidades têm sido acusadas de indiferentes às necessidades da sociedade,
de serem centros de erudição monástica, lugar de amadores, entre outras coisas. Tais acusações despertaram uma
verdadeira tradição de ataque à universidade. Podemos dizer que a história da universidade é a de uma instituição
incompreendida, em torno da qual sempre esteve a idéia da necessidade de reformas. “Reformar a universidade” é
idéia que coincide com a própria história da universidade nos diversos países.
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Os ataques dirigidos contra as universidades (notadamente as públicas), há anos, seja na forma das
acusações dirigidas a ela por agentes econômicos, seja na avaliação feita por dirigentes políticos, autoridades
públicas, constituem, como dissemos, a forma de um cerco a que essas instituições sempre estiveram submetidas na
história. Um cerco que tem na doutrina da necessidade de “adaptação da universidade à sociedade” um de seus
pilares principais.
Desse modo, a missão da universidade, quanto a si própria e à sociedade, é tornar-se o lugar da formação
de uma elite intelectual, cultural e científica. Esta não é uma elite de classe, mas uma elite de espírito. Nem por isso
elitista. O sentido de ser elite aqui é apenas o do elevado grau de compreensão da realidade que passam a ter todos
aqueles que se beneficiam da educação no modo teórico-filosófico-científico de pensar.
É na universidade tal como ela se edificou historicamente, que se elaborou o conhecimento científico,
quer dizer, susceptível de se comprovar e avançar. Na universidade, as disciplinas, os conteúdos, muitas formas de
se pesquisar perpassam séculos. Segundo Fernando Gil (1961) o “formato” dos ritos e dos graus acadêmicos segue
o modelo proposto a mais de mil anos no entanto, muitos autores apontam algumas necessidades de correções .
Na história do ensino superior no Brasil, ao contrário das Américas Espanhola e Inglesa, que tiveram
acesso ao ensino superior já no período colonial, o Brasil teve que esperar o final do século XIX para ver surgir as
primeiras instituições culturais e científicas deste nível, quando da vinda da Família Imperial ao país.
No Brasil somente em 1808, com a vinda da família real, é que surgiu o primeiro interesse de se criar
escolas médicas na Bahia e no Rio de Janeiro. Por esse passado, o ensino superior se firmou com um modelo de
faculdades isoladas e de natureza profissionalizante. Além, de elitista, já que só atendia aos filhos da aristocracia
colonial, que não podiam mais estudar na Europa, devido ao bloqueio de Napoleão. O fato dos cursos que surgiam
terem se voltado ao ensino prático – engenharia militar e medicina – e serem ministrados em faculdades isoladas,
marcou de forma contundente o ensino superior no Brasil e explica muitas distorções que até hoje estão marcadas
em nosso sistema.
Mesmo no século XIX, a partir da proclamação da Independência, há um crescimento de escolas
superiores no país, mas sempre no modelo de unidades desconexas e voltadas para a formação profissional.
Algumas tentativas de criar a primeira Universidade no Brasil surgiram, mas nenhuma saiu do papel.
A República chega ao Brasil, mas a Constituição de 1891 omite-se em relação ao compromisso do
governo com a universidade. Em 1912, mais por forças locais, surge a primeira universidade brasileira, no estado
do Paraná, mas que durou somente três anos. Somente em 1920 surge a Universidade do Rio de Janeiro, hoje
Universidade Federal do Rio de Janeiro, que reunia os cursos superiores da cidade, a saber: a Escola Politécnica, a
Faculdade de Medicina e a Faculdade de Direito.
O que unia estes cursos era simplesmente a Reitoria e o Conselho Universitário. Este modelo de
universidade, onde há uma reunião de cursos isolados que têm como ligação entre si a Reitoria, e não os
mecanismos acadêmicos ou administrativos, é a base de muitas universidades brasileiras hoje em dia, que se
constituem de instituições agregadas e não integradas. Exceção à regra surgiu após a Revolução Constitucionalista
de 1932, em São Paulo, tendo como maior exemplo a USP – Universidade de São Paulo.
A USP reuniu os cursos superiores existentes no estado, tendo como enlace não a Reitoria ou
mecanismos administrativos, mas a Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras, que seria a instituição de saber
fundamental em todas as áreas do conhecimento humano e compensaria o isolamento das faculdades preexistentes,
que existiam independentes tanto física quanto academicamente. Existia uma base comum nas diversas áreas do
saber, sendo a porta de entrada em qualquer dos outros cursos profissionalizantes. Além disso, a proposta da USP
baseava-se em três vertentes, características da universidade moderna: ensino, pesquisa e extensão.
Nas décadas de 50 e 70 criaram-se universidades federais em todo o Brasil, ao menos uma em cada
estado, além de universidades estaduais, municipais e particulares. Mas a explosão do ensino superior ocorreu nos
anos 70. Durante esta década, o número de matrículas subiu de 300.000 (1970) para um milhão e meio (1980). A
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concentração urbana e a exigência de melhor formação para a mão-de-obra industrial e de serviços forçaram o
aumento do número de vagas e o governo, impossibilitado de atender a esta demanda, permitiu que o Conselho
Federal de Educação aprovasse milhares de cursos novos.
Segundo Carlos Lessa (2002), foi a partir dos anos 70, quando o governo militar desenhou o projeto do
Brasil Potência, que priorizou-se a pesquisa de ciência e tecnologia no espaço universitário. A pós-graduação
nasceu do projeto autoritário, mas a própria ambiência universitária dissolveu o estigma de origem. A universidade
brasileira foi uma das trincheiras principais da resistência democrática. Uma criação universitária, a SBPC
(Sociedade Brasileira pelo Progresso da Ciência), reuniu e fundiu, nos anos 70, o ideal nacional de autonomia
científica com o esforço pela democracia e justiça social.
Nos anos 80, na década de restauração do estado de direito no Brasil, apesar das dificuldades
macroeconômicas, houve um certo esforço por preservar a universidade como peça central de uma ativa política
científica e tecnológica.
Segundo Carlos Lessa (2002), nos anos 90 no entanto, foi colocado entre parênteses o projeto de
desenvolvimento científico e tecnológico. Nesta década, a estabilidade dos preços foi acompanhada de uma
escalada de restrições fiscais. A atrofia do Estado convergiu para estagnação do sonho da universidade de pesquisa.
A combinação da crença na inexorabilidade e unidirecionalidade da “globalização”, com a confiança depositada no
dogma da perfectibilidade do mercado, encobriu o abandono do projeto planejado de desenvolvimento. A
estabilidade repousa criticamente na taxa cambial; mantê-la estabilizada implica aceitar uma política de juros
elevados, que paralisa um investimento privado e esmaga o gasto público. Juros elevados para sustentar a
fidelidade de capitais especulativos voláteis impõem como prioridade absoluta remunerar níveis crescentes de
endividamento público estéril. A estagnação resultante caminha junto à progressiva inundação ideológica e
submissão geopolítica aos ditames do centro do mundo, que controla o processo de refinanciamento ampliado do
país. A desnacionalização foi um processo acentuado na última década. A redução da proteção aduaneira levou à
desmontagem de elos das cadeias produtivas e à redução do grau de integração industrial do Brasil.
No mesmo período, um conjunto de reformas atrofiou e amesquinhou o Estado nacional, reduzindo seu
raio de manobra e despojando-o de instrumentos político-econômicos de ação direta. A obsessão com a estabilidade
prescindiu de pensar o futuro, quer como prognóstico, quer como afirmação de vontade. Ninguém pode, portanto,
surpreender-se com a baixa prioridade atual da universidade pública federal. Carreiras ligadas ao crescimento e
transformação perdem hierarquia, num processo que mingua empregos de qualidade. O ensino é, cada vez mais,
submetido à lógica dos sinais de mercado; com a educação transformada em mercadoria, é reduzido seu papel à
formação de “recursos humanos”. A economicidade da educação e os requerimentos do mercado de trabalho
privilegiam carreiras curtas. Promove-se como opção a formação de operadores bem adestrados nas técnicas do
momento, dispensados sem conhecer seus fundamentos. São toleradas a hipertrofia do manual e a importação, por
convênio, de CD-Roms e procedimentos de centros exportadores de tecnologias educativas. À universidade
periférica, além da tarefa de massificar a formação de recursos humanos, caberia, como função residual a prestação
de serviços segundo a mesma lógica imediata de mercado.
Assentado na suposição do progressivo anacronismo da Nação como entidade, o governo renuncia à
produção do saber como afirmação nacional. É uma consequencia da doutrina liberal dominante a privatização do
ensino superior, concebido como atividade mercantil. Para a periferia, é sublinhada a tese de ser possível a
construção do sistema educacional sem priorizar o ensino superior. A universidade pública é submetida a cortes
fiscais. Na ausência de novos concursos, os jovens com vocação para o magistério superior se desestimulam ou se
transferem para o ensino privado. Não há a reposição dos quadros na universidade pública. É instada a inventar
formas de obtenção de recursos. A baixa remuneração do magistério desvia sua dedicação à pesquisa pura. Em
muitos casos a pesquisa é vista como recurso extra.
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É nesse contexto que estamos inseridos. Pensar em ensino superior para o Instituto Federal é antes de
mais nada entender a crítica da Universidade Federal, ou mesmo, do ensino superior como um todo. Crítica já
elaborada a algum tempo por sindicatos da educação superior.
A professora Maristela Souza, membro atuante do ANDES e docente do departamento de Desportos
Individuais da UFSM, acredita que há dois projetos conflitantes no interior da universidade. "Um que expressa a
sociedade conservadora e outro que expressa uma sociedade crítica. Atualmente, a universidade vive um momento
acrítico. A lógica que impera é a do individualismo. A forma como os acadêmicos recebem o conhecimento é
passivo e acrítico. A produção de conhecimento é feita para satisfazer o mercado. Mas, acho que estamos
caminhando em direção a uma universidade crítica novamente".
Para o professor do Centro de Educação, Clovis Guterres (UFSM), "após o golpe militar de 1964 foi
implantado um modelo americano de universidade (no Brasil) no qual a crítica foi sufocada. Na retomada pósditadura, mais especificamente a partir de 2003, a reforma discutida para a universidade brasileira é chamada de
contra-reforma (em relação aos anos anteriores à ditadura) pois é tida como conservadora. Atualmente, a
universidade é apenas tecnológica e funcional e assim se perdeu um pouco da consciência política transformadora".
Através dessas citações, percebemos que projetar futuros cursos superiores em nossos Institutos, requer
assumir uma postura política de transformação social e não de mudança social. Afinar propostas embasadas apenas
no mercado para termos indicativos de escolhas para novos cursos é seguir a lógica (tão criticada atualmente)
liberal conservadora que já não se sustenta mais.
Nossa apreensão num primeiro momento, reside no fato de termos que escolher qual curso ofertar
inicialmente: tecnólogo, licenciatura, engenharia, etc, para depois escolher a forma como esse curso irá se
estruturar.
Nesse sentido, temos por certa experiência, a definição de que cursos tecnólogos são os mais
“adaptáveis” para nossas escolas, temos uma compreensão de que inicialmente criam uma certa “cultura de ensino
superior” no interior de nossa estrutura educacional, para depois se atingir um estágio mais avançado das
engenharias. Entendendo que o curso superior de tecnologia apresenta uma característica mais prática e menos
científica, a questão que se coloca é pensar até que ponto essa estratégia é transformadora ou conservadora.
Se nosso propósito nesse artigo é de apontar e discutir alguns desafios do ensino superior nos Institutos
Federais, Milton Santos (1998) afirma ser necessário compreender que no atual momento histórico somos
seduzidos pelos progressos técnicos, sobretudo na área da informação e, com freqüência, os aceitamos sem
nenhuma crítica, como se o progresso técnico valesse por si só e não como função da maneira como a sociedade se
organiza.
Pensar a criação de cursos superiores pela “praticidade técnica” oferecida pelo curso tecnólogo, é adiar
a criticidade e a construção científica no sistema de ensino superior nos IFs em nome de uma visão mais utilitarista.
Por sermos intelectuais da educação é prudente citar Milton Santos (1998) quando afirma que numa
universidade autêntica, os administradores apenas governam as coisas. Os intelectuais são inadministráveis. Por
isso, eles são o fermento de uma verdadeira vida acadêmica, porque são movidos pela idéia de universidade e pela
fidelidade a uma dada universidade. Não há universidade que possa crescer sem crítica interna. Não basta repudiar
a crítica externa. É preciso todos os dias exercitar a crítica interna para sermos verdadeiros intelectuais. De outro
modo, estaremos limitados à produção e a prática de meias-verdades, ou de verdades interesseiras, que conduzem à
teorias utilitárias e ao império das razões utilitaristas fundadas nas exigências do mercado.
Assim, nosso trabalho como professor/intelectual no Instituto Federal nesse momento histórico, pode
ser o de propor políticas de formação para cidadãos que ainda não são considerados como cidadãos do presente, ou
para o mercado. Iniciar um projeto político pedagógico no Instituto Federal requer essa escolha.
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Os Desafios do Ensino Superior nos Institutos Federais Francisco