Ano 5, nº 02, Ago-Dez 2013
PENSAR ACADÊMICO
ISSN 1808-6136
Publicação semestral da FACIG – Faculdade de Ciências Gerencias de
Manhuaçu/MG
Editoras: Patrícia E. Freitas
Lívia Paula de Almeida Lamas
Conselho Editorial: Aloísio Teixeira Garcia
Rita de Cássia Martins de Oliveira Ventura
Thales Reis Hannas
Periodicidade: Semestral
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Pensar Acadêmico
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forma solidária, pelas opiniões, ideias e conceitos emitidos nos artigos, por serem de inteira
responsabilidade de seu(s) autor(es)”.
Publicação Semestral da FACIG
Faculdade de Ciências Gerenciais de Manhuaçu
Ano
5
Número
2
2º Semestre
2013
PENSAR ACADÊMICO
ISSN 1808-6136
Revista da Faculdade de Ciências Gerencias da FACIG
Ano 5
Número 2
2º Semestre 2013
Artigos
p. 09 – Análise dos nutrientes contidos no lodo residual da estação de tratamento de
efluente do laticínio Capil Vida
Viviane Neves Valente
Patrícia E. Freitas
p. 16 – As peculiaridades da questão agrária na região da Vertente Ocidental do
Caparaó
Adriano Santos Portes
Ana Paula Cândido Borges Cortes
Daniela Damaris Cardoso
Leslie de Moraes
Sásquia Fernanda de Oliveira
p. 26 – Aspectos históricos, políticos e legais da santa inquisição e sua influência no
processo penal contemporâneo
Milene da Rosa Schmitz
p. 32 – Materialização do projeto ético político profissional e as condições de trabalho
de assistentes sociais no interior de minas gerais
Noêmia de Fátima Silva Lopes
Ana Paula Cortes
Daniele Alves Segal
Ivani de Andrade
Janaina de Oliveira Silva
Jéssica da Silva Afonso
Leslie de Moraes
Lornídia da Silva Abreu
Verônica da Mata Huebra Rodrigues
p. 45 – O conhecimento dos moradores da comunidade Santo Agostinho, Córrego
Jacutinga – Alto Jequitibá/ Minas Gerais sobre o uso de agrotóxicos na agricultura
Natália Lopes
Juliana Santiago da Silva
p. 54 – Racismo na literatura brasileira? Uma breve análise sobre Machado de Assis e
Monteiro Lobato
Leonardo de Carvalho Alves
Leonardo Souza Correa
Juliana Souza Martins Soares
Lídia Maria Nazaré Alves
Amanda Dutra Hot
p. 63 – Um recorte sobre a depreciação do capital intelectual
José Carlos de Souza
Rosane Aparecida Moreira
Rock Kleyber Silva Brandão
p. 73 – Uma análise crítica do papel do juiz na aplicação da pena base no Brasil
Lívia Paula de Almeida Lamas
p. 80 - Uso abusivo de etanol: um comparativo entre dados da literatura e a realidade
da zona da mata mineira
Anita S. Rodrigues
Larissa de M. Vita
Juber P. de Souza
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Neves e Freitas (2013)
ANÁLISE DOS NUTRIENTES CONTIDOS NO LODO RESIDUAL DA ESTAÇÃO DE
TRATAMENTO DE EFLUENTE DO LATICÍNIO CAPIL VIDA
Área Temática: Gestão Ambiental, Química Analítica
Viviane Neves Valente1, Patrícia E. Freitas2
1
Discente do curso de Tecnologia em Gestão Ambiental da Faculdade de Ciências
Gerenciais de Manhuaçu (FACIG)
2
Doutora em Química pela Universidade Federal de Minas Gerais. Coordenadora e
professora do Curso de Tecnologia em Gestão Ambiental da Faculdade de Ciências
Gerenciais de Manhuaçu (FACIG)
RESUMO
O aumento crescente no consumo de produtos lácteos tem promovido uma maior expansão
e desenvolvimento do setor de laticínios. Esse setor, que gera grandes quantidades de
resíduos, trata seus efluentes na estação de tratamento de efluentes (ETE). Desse
tratamento resulta, entre outros resíduos, o lodo seco, que contém nutrientes que podem
qualificá-lo como um bom adubo orgânico. Nesse trabalho, identificaram e classificaram-se
os macro e micronutrientes presentes no lodo, a fim de verificar sua possível utilização como
adubo em culturas diversas. A técnica analítica Espectroscopia de Absorção Atômica por
chama foi utilizada na identificação desses elementos e os resultados obtidos exibiram uma
grande variedade de espécies metálicas com grande potencial nutritivo. Além disso, ao
compararem-se os valores de concentração para os nutrientes com os estabelecidos como
ideais pela literatura, observaram-se valores acima dos permitidos para a maior parte dos
elementos. Diante disso, a adubação com o lodo seco deve ser mais bem estudada, dada a
elevada concentração de metais pesados presentes, como Zn, Mn e Cu.
Palavras-chave: ETE, resíduo, macro e micronutrientes, fertilizantes
ABSTRACT
The increase in consumption of dairy products has promoted a further expansion and
development of this sector. The dairy department generates large amounts of waste and
treats its effluent in the effluent treatment plant (WWTP). This treatment results, among other
wastes, a dry mud, which contains nutrients that may qualify it as a good organic fertilizer. In
this work, there were identified and classified the macro and micronutrients presents in the
mud in order to verify if it is possible to use it as a fertilizer for various growth. The analytical
technique Atomic Absorption Spectroscopy Flame was used to identify these elements and
the results exhibited a wide variety of metal species with high nutritional potential.
Furthermore, comparing the concentration values for the nutrients in the mud with the
numbers determined by literature, there was observed values above the allowed for most
elements. Thus, fertilization with dry mud must be more studied, due to the high
concentration of heavy metals such as Zn, Mn and Cu.
Keywords: WWTP, waste, macro and micronutrients, fertilizers
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Acadêmico, Manhuaçu, MG, v. 9, n. 2, p. 9-15, Agosto-Dezembro, 2013.
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Neves e Freitas (2013)
1. INTRODUÇÃO
A
região
de
Ipanema
é
conhecidamente uma bacia leiteira, sendo
responsável pelo abastecimento de
laticínios nos seus arredores. Na
produção desses alimentos são geradas
grandes quantidades de resíduos, cujo
descarte deve ser feito de acordo com a
atual legislação ambiental, que exige que
todas as empresas tratem e disponham de
forma adequada seus resíduos. No
tratamento do efluente (resíduo líquido) da
indústria de laticínios são obtidos a
gordura, o efluente tratado e o lodo,
ocasionando
custos
elevados
às
empresas desse setor. Portanto, a busca
por novas formas de se reutilizar esse
resíduo
torna-se
cada
vez
mais
necessária.
Um dos resíduos gerados na indústria
de laticínio é o lodo seco proveniente das
estações de tratamento de efluentes
(ETE),
cuja
composição
abrange
quantidades significativas de nutrientes,
tais como potássio, nitrogênio e fosfato. A
aplicação desse lodo como adubo
representa uma excelente alternativa no
reaproveitamento do resíduo.
Neste trabalho, o resíduo de lodo seco
será analisado para que seja possível
Identificar e quantificar os macro e
micronutrientes presentes neste lodo
proveniente da Estação de Tratamento de
Efluentes (ETE) do laticínio Capil Vida,
com a finalidade de verificar sua possível
utilização como adubo vegetal.
2. LEGISLAÇÃO AMBIENTAL
Em uma fábrica de laticínios, são
gerados resíduos sólidos, líquidos e
emissões atmosféricas passíveis de
impactar o meio ambiente. Independente
do tamanho e potencial poluidor da
indústria, a legislação ambiental exige que
todas as empresas tratem e disponham de
forma
adequada
seus
resíduos
(PEREIRA, 2011).
De acordo com Silva (2011), a indústria
de laticínios é uma fonte considerável de
resíduos sólidos, que se subdividem em
dois grupos: geração direta (resto de
embalagens, produtos, papéis e etc.) e
geração indireta, caracterizados como
lodo.
Todos os resíduos gerados na indústria
devem ser identificados e classificados de
acordo com Resolução CONAMA nº 313
de 2002 e a NBR 10.004 da Associação
Brasileira de Normas Técnicas – ABNT,
além de serem armazenados, tratados
(quando for o caso) e destinados para
disposição final de forma adequada
(PEREIRA, 2002).
3. A INDÚSTRIA DE LATICÍNIOS
A indústria de laticínios representa uma
das estruturas produtivas de maior
importância no país e por isso destaca-se
na economia brasileira (CÔNSOLI e
NEVES, 2006). Minas Gerais, o maior
estado produtor de leite no país, conta
também com o maior número das
indústrias de laticínios.
As indústrias do setor, apesar de
causarem grandes benefícios para a
economia nacional e mundial, podem
acarretar alguns problemas característicos
da atividade. Dentre eles, pode-se citar a
alta quantidade de resíduos gerados no
processo produtivo que, quando mal
gerenciados, podem acarretar sérios
danos ao meio ambiente.
3.1. Capil
A
Cooperativa
Agropecuária
de
Ipanema Ltda (Capil), fundada em 07 de
maio de 1967, recebe cerca de cem mil
litros de leite por dia. Deste total, parte é
destinada à produção de derivados
(queijos, manteiga, requeijões, iogurtes e
doce de leite) e o restante é
comercializado com outras empresas do
setor (mercado spot).
A fim de atender às normas ambientais
vigentes
e
proporcionar
a
sustentabilidade, a Cooperativa conta com
um eficiente sistema de tratamento de
efluentes, que garante o tratamento dos
resíduos
líquidos
antes
do
seu
lançamento no corpo receptor.
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Neves e Freitas (2013)
O tratamento dos efluentes aplicados
na Capil é caracterizado como tratamento
biológico de lodo ativado com aeração
prolongada.
Esse
sistema
foi
dimensionado para uma eficiência de 85 a
99% na remoção de carga orgânica,
atendendo assim as exigências da
Legislação Ambiental. A Figura 1
apresenta
um
fluxograma
do
funcionamento da estação de tratamento
de efluentes da Capil.
3.2. O lodo e sua utilização como
fertilizante
O lodo gerado durante a operação da
ETE comumente é destinado a aterros,
agregando custos à sua operação,
sobretudo no que tange ao transporte.
Portanto, o reaproveitamento deste
resíduo seria interessante tanto do ponto
de vista ambiental quanto econômico.
O processo de reciclagem agrícola do
lodo é uma prática muito utilizada, visto
que o transforma em um insumo agrícola.
O lodo quando utilizado para este fim
contribui com o solo, fornecendo matéria
orgânica e fechando o ciclo dos nutrientes
minerais.
aumentam a produção agrícola. Entendese por nutriente todo elemento essencial
ou benéfico para o crescimento e
produção dos vegetais. Fertilizantes, por
sua vez, são entendidos como toda
substância mineral ou orgânica, natural ou
sintética, fornecedora de um ou mais
nutrientes para as plantas (BRASIL,
2004).
Para desenvolver adequadamente suas
funções, a planta necessita de 13
elementos essenciais, sendo esses
divididos
em
dois
grupos:
os
macronutrientes, absorvidos em maior
quantidade e os micronutrientes, exigidos
em menores teores pelas plantas.
Dentre os macronutrientes primários
destacam-se o nitrogênio (N), o fósforo
(P), e o potássio (K). Considerando os
macronutrientes secundários, podem-se
citar o cálcio (Ca), magnésio (Mg) e
enxofre (S). Na classe dos micronutrientes
estão o boro (B), cloro (Cl), cobalto (Co),
cobre (Cu), ferro (Fe), manganês (Mn),
molibdênio (Mo), níquel (Ni), silício (Si) e
zinco (Zn).
Para que uma cultura qualquer possa
manifestar toda a sua potencialidade
produtiva, ela necessita que a sua
exigência nutricional seja satisfeita. O solo
é a fonte primária de nutrientes
requeridos. Quando o solo não tem
disponível todos os nutrientes exigidos em
quantidade e qualidade, faz-se a
adubação.
4. METODOLOGIA
4.1. Coleta do lodo seco da ETE
Figura 1. Fluxograma operacional da ETE
da empresa Capil Vida
O lodo seco (Figura 2) foi coletado no
leito de secagem da ETE da Capil e
encaminhado ao laboratório Água Limpa,
situado na cidade de Manhuaçu (MG),
onde
foram
realizadas
análises
laboratoriais para quantificação dos macro
e micronutrientes.
Os fertilizantes são insumos básicos
que, empregados de forma correta,
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Neves e Freitas (2013)
5. RESULTADOS E DISCUSSÃO
As análises de espectroscopia de
absorção atômica permitiram identificar os
macro e micronutrientes presentes no
lodo, bem como determinar seus teores.
Analisando-se qualitativamente o lodo
seco, constatou-se a presença de vários
elementos capazes de atuar como macro
e micronutrientes em processos de
adubação. Assim, o lodo seco representa
uma nova e interessante opção de adubo
durante as etapas de nutrição vegetal.
Com relação à análise quantitativa, os
valores de concentração obtidos foram
comparados a padrões definidos na
literatura como ideais para a nutrição
vegetal.
Segundo
as
análises
laboratoriais, a maioria dos nutrientes
apresenta concentrações acima dos
parâmetros estabelecidos, destacando-se
nitrogênio (N), cálcio (Ca), fósforo (P) e
ferro (Fe). O elemento magnésio (Mg)
apresentou
apenas
uma
pequena
elevação na concentração. Já os
elementos potássio (K) e boro (B)
exibiram valores abaixo dos considerados
ideais. A Tabela 1 apresenta os valores
determinados pela análise, bem como os
definidos pela literatura.
Figura 2. Lodo seco pronto para coleta
4.2. Análise química do lodo
A
determinação dos
macro e
micronutrientes presentes no lodo foi
realizada utilizando-se a técnica analítica
Espectroscopia de Absorção Atômica por
chama. Para realização da medida, a
amostra foi moída e hidrolisada em ácido
perclórico até a obtenção de uma solução
homogênea. A análise foi realizada num
espectrofotômetro
AAnalyst
400,
PerkinElmer. Os resultados da análise
foram comparados com os padrões
bioquímicos
para
nutrição
vegetal
descritos na literatura.
Tabela 1. Concentrações de macro e micronutrientes indicadas pela literatura para nutrição
vegetam comparadas as obtidos pela análise de espectroscopia de absorção
(EPSTEIN,1965)
Parâmetros
Padrões indicados na literatura (mg/kg)
Resultados (mg/kg)
Nitrogênio (N)
15.000
57.540
Potássio (K)
10.000
5.130
Cálcio (Ca)
5.000
87.500
Magnésio (Mg)
2.000
2.650
Fósforo (P)
2.000
20.750
Enxofre (S)
1000
4.900
Ferro (Fe)
100
4972,5
Boro (B)
20
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Manganês (Mn)
50
290,62
Zinco (Zn)
20
297,5
Cobre (Cu)
6
52,4
Conforme observado na Tabela 1, o
ferro (Fe) é o elemento que apresenta
maior discrepância em relação à
concentração neste resíduo (cerca de
50000 vezes maior do que o indicado na
literatura). Em contrapartida, o boro (B) é
o elemento encontrado em menor
concentração no lodo, 16mg/Kg. Os
elementos apresentados na Tabela 1
podem ser separados de acordo com sua
quantidade
necessária
na
nutrição
vegetal,
sendo
designados
macronutrientes aqueles absorvidos em
maior quantidade e micro, os atuantes em
menores teores.
5.1. Macronutrientes (N, Ca, Mg, P, S e
K)
Dentre os macronutrientes presentes
no lodo, o nitrogênio (N) apresentou uma
concentração de 57.540 mg/Kg. Quando
comparado ao padrão definido na
literatura, observa-se uma concentração
383,6% maior do que o indicado para
esse elemento. O nitrogênio, devido ao
elevado teor em que normalmente é
detectado nos resíduos de ETE é, via de
regra, o fator determinante do seu
aproveitamento agrícola. Entretanto, taxas
muito elevadas deste elemento podem ter
grande impacto na qualidade da água
subterrânea, devido à sua alta mobilidade
no solo, que faz com que o nitrato (NO3-),
decorrente da mineralização do nitrogênio,
se desloque com facilidade para baixo da
zona radicular, podendo atingir as águas
subterrâneas.
A
presença
de
concentrações de nitrato elevadas faz
com que essas águas sejam classificadas
como impróprias para consumo humano
(LARA et al., 1999).
O cálcio (Ca) apresentou uma
concentração no lodo de 87.500 mg/Kg.
Na literatura, o indicado para este
nutriente é de 5.000 mg/Kg . Portanto,
este elemento está em uma concentração
17 vezes maior que a definida para
nutrição vegetal. O Ca influi indiretamente
no rendimento das culturas, pois melhora
as condições de crescimento das raízes,
estimula a atividade microbiana e a
absorção de outros nutrientes (DECHEN e
NACHTIGALL, 2007).
O elemento magnésio (Mg) está
presente no lodo com uma concentração
de
2.650
mg/Kg,
quando
sua
concentração indicada é de 2.000 mg/Kg,
apresentando um percentual de 132%
acima do ideal para nutrição vegetal,
porém não existem relatos sobre toxidez
de Mg em plantas (DECHEN e
NACHTIGALL, 2007).
No lodo, o fósforo (P) apresenta uma
concentração cerca de 10 mil vezes maior
que a estabelecida pela literatura.
Entretanto, na maioria das vezes, isso não
acarreta prejuízo às plantas, pois o solo
brasileiro é deficiente deste elemento e o
retém com grande energia, fazendo com
que
a
contaminação
das
águas
subterrâneas pelo fósforo seja muito
difícil. Entretanto, o arraste do material
sólido superficial por erosão, levará
consigo fósforo retido que, em certos
casos, poderá ser liberado em corpos
d’água superficial, causando muitas vezes
eutrofização (BETTIOL e CAMARGO,
2006).
O enxofre (S) também está em alta
concentração no lodo (490% a mais que o
indicado). Esse excesso pode acarretar
danos às plantas como, por exemplo, a
clorose internerval (PRATES et al., 2006)
Dentre os nutrientes com concentração
abaixo da requerida para nutrição vegetal,
destaca-se o potássio (K), que apresentou
uma concentração 51,3% abaixo do
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Neves e Freitas (2013)
indicado na literatura. Estudos realizados
por Marschner (1995) mostram que
concentrações elevadas de K nos tecidos
vegetais podem interferir na translocação
e na disponibilidade fisiológica do Mg e do
Ca na planta, fazendo com que ocorram
desordens metabólicas que podem causar
desfolha da vegetação.
5.2. Micronutrientes (Fe, Zn, Cu, Mn e
B)
O ferro (Fe), um micronutriente
presente no lodo, apresenta-se em uma
concentração de 4972,5 mg/Kg. Esse
valor é extremamente elevado quando
comparado aos parâmetros definidos na
literatura para nutrição vegetal, 100
mg/Kg, ou seja, 4972,5% maior. O
excesso
de
ferro
nas
plantas
frequentemente
está
associado
às
condições
determinantes
da
sua
disponibilidade (FERRAREZI, 2006). Os
efeitos desse excesso podem ser diretos,
quando há absorção e acúmulo em níveis
fito tóxicos ou indiretos, quando ocorre a
precipitação do ferro sobre a superfície
radicular,
formando
uma
camada
denominada placa de ferro.
O zinco (Zn) também se encontra em
uma altíssima concentração no lodo se
comparado ao parâmetro definido na
literatura.
No
primeiro
está
em
concentração de 297,5 mg/Kg e no
segundo de 20 mg/Kg. Entretanto, este
elemento é essencial às plantas e muitos
solos brasileiros são carentes desse
elemento.
O cobre (Cu) apresenta-se também em
nível elevado no lodo, com uma
concentração 873,3% maior que a ideal.
Nesse resíduo, Embora o cobre seja um
elemento essencial às plantas, pode ser
tóxico acima de certos níveis, sendo um
dos metais menos móveis no perfil do solo
(LARA et al., 1999).
O manganês (Mn) apresenta-se no
lodo em concentração de 290,62 mg/Kg e
o indicado seria de 50 mg/Kg, portanto em
uma alta concentração (cerca de 600%
acima do recomendado). A presença de
quantidades excessivas de sua forma
trocável faz com que os tecidos vegetais
também
apresentem
elevadas
quantidades desse nutriente, podendo
atingir níveis tóxicos, caracterizados por
clorose e pontos necróticos nas folhas.
(VELOSO et al., 1995).
Dentre os micronutrientes presentes no
lodo, o boro (B) apresenta-se em baixa
concentração,
16
mg/Kg
quando
comparado ao indicado para nutrição
vegetal, 20 mg/Kg. A falta de boro nas
plantas pode promover rápida inibição do
seu crescimento (MARSCHNER, 1995). A
falta desse nutriente pode ser corrigida
através da adubação de correção.
Pode-se observar, nos resultados
apresentados, uma alta concentração de
metais pesados potencialmente perigosos,
como Zn e Cu. Estes podem trazer sérios
prejuízos ao homem e ao ambiente.
Embora a composição do lodo seja
interessante do ponto de vista da nutrição
vegetal, é importante considerar a
presença de metais pesados em elevadas
concentrações nesse resíduo. Esses
metais apresentam possibilidade de
movimentação,
podendo
levar
à
contaminação de camadas subsuperficiais
do solo e de águas subterrâneas.
(BERTONCINI e MATTIAZZO, 1999).
6. CONCLUSÃO
O lodo seco proveniente da ETE da
Capil contem vários elementos com
potencial fertilizante, como N, P, K e Fe.
Contudo, muitos deles foram encontrados
em concentrações elevadas, o que pode
comprometer sua utilização como adubo
orgânico em culturas diversas. Além
disso, elevados teores de metais pesados,
como Zn e Cu também foram verificados,
inviabilizando seu uso como nutriente
agrícola devido à possibilidade de
lixiviação desses metais com consequente
contaminação de solos e corpos d’água.
Estudos
mais
específicos
são
necessários a fim de que os possíveis
impactos
negativos
causados
pela
utilização desse lodo como adubo não se
sobreponham aos benefícios trazidos pelo
mesmo.
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Acadêmico, Manhuaçu, MG, v. 9, n. 2, p. 9-15, Agosto-Dezembro, 2013.
15
Neves e Freitas (2013)
7. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
ASSOCIAÇÃO
BRASILEIRA
DE
NORMAS TÉCNICAS – ABNT. Resíduos
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ABNT, 1987 (NBR 10004)
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BERTONCINI, E.I.; MATTIAZZO, M.E.
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Biochemistry. London, Academic Press,
1965.
FERRAREZI, R.S. Fontes de ferro no
desenvolvimento de porta-enxertos
Revista da Faculdade de Ciências Gerenciais de Manhuaçu – FACIG (ISSN 1808-6136). Pensar
Acadêmico, Manhuaçu, MG, v. 9, n. 2, p. 9-15, Agosto-Dezembro, 2013.
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Oliveira et al. (2013)
AS PECULIARIDADES DA QUESTÃO AGRÁRIA NA REGIÃO DA VERTENTE
OCIDENTAL DO CAPARAÓ1
Área Temática: Serviço Social
Adriano Santos Portes2, Ana Paula Cândido Borges Cortes2, Daniela Damaris
Cardoso2, Leslie de Moraes2 e Sásquia Fernanda de Oliveira2
2
Discentes do Curso de Serviço Social da Faculdade de Ciências Gerenciais de
Manhuaçu (FACIG).
RESUMO
Dissertar sobre a categoria trabalho na contemporaneidade correlacionando-a com a
questão agrária é um desafio para os estudantes de graduação. Neste artigo,
discentes do curso de Serviço Social da Faculdade de Ciências Gerenciais de
Manhuaçu (FACIG) buscam compreender as particularidades do processo de trabalho
na região da Vertente Ocidental do Caparaó, com vistas a identificar os desafios
colocados para o trabalho dos assistentes sociais na região. Este assunto estimula a
capacidade crítica ao provocar a realização de análises referentes ao modo de
produção capitalista atual e suas implicações na produção agrícola e no trabalho rural.
Palavras-chave: Trabalho, Questão agrária. Serviço social. Vertente ocidental do
Caparaó.
ABSTRACT
To lecture on the work category in contemporaneity correlating it with the agrarian
question is a challenge for undergraduate students. In this article, some students of
Social Work from the Faculdade de Ciências Gerenciais de Manhuaçu (FACIG) seek to
understand the peculiarities of the working process in the West Shed Caparaó region,
in order to identify the challenges for social workers in region. This subject encourages
critical capacity to lead the analysis related to the current capitalist production and its
implications for agricultural production and the rural labor.
Keywords: Job. Agrarian question. Social service. Western slope Caparaó.
1
Este artigo é resultado do Trabalho Interdisciplinar realizado pelos alunos do 6º período do curso de
Serviço Social da Faculdade de Ciências Gerenciais de Manhuaçu (FACIG), turma 2014/2. O Trabalho
Interdisciplinar foi orientado pela professora da disciplina Política Agrária e Serviço Social, Tânia
Maria Silveira, mestre em Política Social, e pela professora da disciplina Classes e Movimentos Sociais,
Noêmia de Fátima Silva Lopes, mestre em Economia Doméstica.
Revista da Faculdade de Ciências Gerenciais de Manhuaçu – FACIG (ISSN 1808-6136).
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1. INTRODUÇÃO
Numa breve discussão sobre a
centralidade da categoria trabalho e
sua importância na sociedade atual,
este estudo busca compreender a
relação entre as questões social e
agrária.
Considera-se
que
o
trabalho
desempenha papel fundamental para o
homem, pois é a realização deste que
o possibilita sobreviver na terra. É
através do trabalho que a produção de
qualquer bem se torna possível. O
trabalho é o responsável pela
constituição do ser social.
1.1. O trabalho e suas implicações
na natureza, na vida humana e na
sociedade
Ao esboçar o significado do trabalho
e suas implicações na natureza, na
vida humana e na sociedade, é
imprescindível
salientar
as
considerações de Netto e Braz (2011),
pois estes autores abordam com muita
propriedade o tema mencionado. Netto
e Braz (2011) mostram que o trabalho
está na base da atividade econômica e
é através dele que a produção de
qualquer bem se torna possível. É o
trabalho que cria os valores e que
constitui a riqueza social. Pode-se dizer
que o homem interage com a natureza
a fim de satisfazer suas necessidades,
ou seja, os homens transformam as
matérias naturais em produtos para
que
suas
necessidades
sejam
supridas.
Este
processo
de
transformação é denominado trabalho.
Para Netto e Braz (2011, p. 40) “[...]
o trabalho não se opera com uma
atuação imediata sobre a matéria
natural [...] o trabalho não se realiza
cumprindo determinações genéticas
[...] o trabalho não atente a um elenco
limitado e praticamente invariável de
necessidades”
As características ressaltadas acima
mostram o significado do trabalho, pois
para realizar o processo de trabalho, é
necessário utilizar instrumentos, ter
habilidades e conhecimentos. Nesta
direção, importa dizer que os
conhecimentos são adquiridos através
dos movimentos de repetições que logo
terão
como
consequência
o
aprendizado. Ressalta-se também que
as necessidades da humanidade não
se apresentam sob formas fixas, pois o
homem ao realizar a atividade
denominada
trabalho,
tem
suas
necessidades
imediatas
supridas.
Porém,
novas
necessidades
se
apresentam na sociedade.
Abaixo algumas palavras de Marx
(1983), citadas por Netto e Braz (2011,
p. 41), a fim de diferenciar a categoria
trabalho de qualquer outra atividade
natural:
[...] O trabalho é um processo
entre o homem e a natureza, um
processo em que o homem, por
sua própria ação, media, regula e
controla seu metabolismo com a
natureza. (...) Não se trata aqui
das primeiras formas instintivas,
animais
de
trabalho.
(...)
Pressupomos o trabalho numa
forma
em
que
pertence
exclusivamente ao homem. (...)
No fim do processo de trabalho
obtém-se um resultado que já no
início existiu na imaginação do
trabalhador,
e,
portanto,
idealmente. Ele não apenas
efetua uma transformação da
forma da matéria natural; realiza,
ao mesmo tempo, na matéria
natural, o seu objetivo. (...) Os
elementos simples do processo
de trabalho são a atividade
orientada a um fim ou o trabalho
mesmo, seu objeto e seus meios.
(...) O processo trabalho (...) é a
atividade orientada a um fim para
produzir
valores
de
uso,
apropriação do natural para
satisfazer
as
necessidades
humanas, condição universal do
metabolismo entre o homem e a
natureza, condição natural eterna
da vida humana e, portanto, (...)
comum a todas as suas formas
sociais.
Em suma, o homem interage com a
natureza para transformá-la e, a partir
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Oliveira et al. (2013)
daí, suprir as suas necessidades
materiais. Ao contrário dos homens, os
animais possuem uma relação imediata
com o seu meio ambiente, visto que os
animais já nascem preparados para
construir suas casas, como por
exemplo, o joão-de-barro e as abelhas
que constroem colmeias e recolhem o
pólen.
É possível dizer que os animais
atuam diretamente sobre a matéria
natural e suas necessidades são
supridas
sob
formas
fixas
e
biologicamente estabelecidas. Com o
surgimento do trabalho humano,
rompe-se o padrão natural citado
acima, e esta ruptura ocorre por que o
trabalho não se realiza cumprindo uma
atuação imediata sobre a matéria
natural, ou seja, o processo de trabalho
exige instrumentos para que sua
realização seja efetuada.
Reafirma-se, mais uma vez, a
importância da categoria trabalho para
a
sociedade.
Conforme
dito
anteriormente, o trabalho não se realiza
cumprindo determinações genéticas e
por isso, o homem necessita adquirir
habilidades e conhecimentos, pois
estes elementos facilitarão a produção
necessária à sobrevivência do homem.
Ainda de acordo com Netto e Braz
(2011, p. 42-51), enfatiza-se a ideia de
que o ser humano carrega consigo a
capacidade teleológica, ou seja, “[...] o
trabalho é uma atividade projetada,
teleologicamente direcionada”. Em
outros termos, o homem é capaz de
pensar antes de agir, ele media a
relação entre o sujeito e o seu objeto,
visto que, “[...] antes de efetivar a
atividade do trabalho, o sujeito
prefigura o resultado de sua ação”.
Desta forma, é fácil compreender
que existe uma diferença entre as
atividades naturais e as projetadas,
idealizadas e/ou prefiguradas, ou seja,
atividades teleologicamente orientadas.
É imprescindível destacar que é
através do trabalho que o ser social se
constitui, pois o processo de trabalho
não acontece de forma isolada, ao
contrário, é uma atividade coletiva que
afirma o caráter social do trabalho
(NETTO e BRAZ, 2011).
Assim sendo, o trabalho vai além da
relação entre sociedade e natureza,
pois o sujeito transforma a natureza e
ao mesmo tempo é transformado por
ela. Isso explica a gênese dos
primeiros grupos humanos, pois o
trabalho é uma atividade que só pode
ser exercida pelo homem, este se
apresenta como o único ser capaz de
agir teleologicamente transformando a
natureza em produtos que suprem suas
necessidades particulares e sociais.
Já que estamos falando da categoria
trabalho é de extrema importância
considerar o texto de Marx (1983),
abordado por Frigotto (2010, p. 58), no
que diz respeito à dimensão ontológica
ou ontocriativa do trabalho.
Antes, o trabalho é um processo
entre o homem e a natureza, um
processo em que o homem, por
sua própria ação, media, regula e
controla seu metabolismo com a
natureza. Ele mesmo se defronta
com a matéria natural como uma
força natural. Ele põe em
movimento as forças naturais
pertencentes à sua corporeidade,
braços, pernas, cabeça e mãos, a
fim de se apropriar da matéria
natural numa forma útil à própria
vida. Ao atuar, por meio desse
movimento, sobre a natureza
externa a ele e ao modificá-la, ele
modifica, ao mesmo tempo, sua
própria natureza.
Ao citar Marx, o Frigotto (2010, p.
59) mostra que a realização do homem
pelo trabalho só deixará de existir
quando os homens desaparecerem da
terra, pois é através do processo de
trabalho que as necessidades da “[...]
vida cultural, social, estética, simbólica,
lúdica e afetiva [...]” são respondidas.
1.2. As particularidades do trabalho
no campo
No
Brasil,
atualmente,
existe
aproximadamente 17,8 milhões de
pessoas envolvidas no trabalho rural,
um número que corresponde a 21,1%
da população economicamente ativa do
país (FREITAS, 2013).
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Oliveira et al. (2013)
O trabalho no campo não se
desenvolve de maneira homogênea,
existem diversas formas de relação. As
relações produtivas agrícolas não se
baseiam apenas nas técnicas e formas
de cultivo, mas, também, nas relações
estabelecidas entre produtor/empresa
agrícola e trabalhador. A Região do
Caparaó mantém relações de trabalho
rural semelhantes às formas indicadas
por Freitas (2013):
a) são denominados posseiros os
trabalhadores rurais que ocupam terras
sem titulação com a finalidade de
prover o seu sustento através da
agropecuária;
b) os parceiros ou meeiros são
aqueles trabalhadores rurais que
estabelecem parcerias fixadas com o
dono de terras, ou seja, um oferece a
terra e o outro, a força de trabalho. Os
frutos do trabalho são divididos
conforme acordo pré-estabelecido;
c) os pequenos proprietários são
produtores rurais que atuam em sua
terra, geralmente com mão de obra
familiar. Produzem para o seu sustento
e o excedente é comercializado no
mercado local;
d) são
reconhecidos
como
arrendatários os agricultores que não
possuem terras, mas que dispõem de
equipamentos agrícolas para produzir.
Por isso, alugam a terra de terceiros e,
normalmente, o pagamento do aluguel
é realizado com parte da produção;
e) os assalariados permanentes
trabalham com certa estabilidade, pois
têm vínculo empregatício permanente;
f)
enquanto
os
assalariados
temporários são os trabalhadores rurais
que desempenham atividades por um
período determinado. Normalmente o
contrato se dá em caráter diário
(diaristas) ou por empreitadas, nos
períodos de colheitas. Isso é muito
utilizado na colheita de café;
g) existem ainda os trabalhadores
não remunerados, ou seja, aqueles
que, muitas vezes, trabalham em
grupos familiares (filhos, esposas, etc.),
sem que haja o pagamento de salários;
e
h) existe outra forma de trabalho
não remunerado, o trabalho escravo,
que ainda tem sido praticado em
algumas fazendas do Brasil. São
pessoas que, às vezes, por dívidas
contraídas
perdem os direitos
individuais, por exemplo, de ir e vir, e
ficam retidas no local de trabalho.
Sobre
o
trabalho
escravo
contemporâneo, vale apresentar a
avaliação de Lopez (2013):
A relação de ‘Escravidão por
dívida’ é ilegal e abusiva ao
extremo.
O
trabalhador
é
enganado com uma proposta de
trabalho
por
um
tempo
determinado. Porém, ao chegar
no local de trabalho, ele deve
passar a noite e pagar por
alimentação
e
hospedagem.
Normalmente, os trabalhadores
dormem e se alimentam em um
"barracão" (depósito) e ficam
endividados com o proprietário.
No final do período de trabalho,
ele está ‘endividado’ e não pode
ir embora, ou seja, o proprietário
cobra sua comida e abrigo e diz
que o valor é superior ao seu
‘salário’ e que ele deve trabalhar
para pagar. Mas, o trabalhador
nunca consegue quitar a sua
dívida e se torna uma espécie de
‘escravo’. Trabalha, come, dorme
até morrer. Um absurdo ainda
presente no campo brasileiro.
Atualmente, as relações de trabalho
na agricultura são predominantemente
prejudiciais
ao
trabalhador
rural
comum. Tal aspecto resulta do intenso
processo de modernização no campo
que alterou as relações entre
trabalhador e proprietário rural. As
áreas rurais ou a agricultura continuam
valorizadas, rendendo bilhões de reais.
A figura desvalorizada é a do
trabalhador. O sistema de cultivo
baseado em empresas agrícolas
provoca impactos sociais sobre o
campo,
por
exemplo,
reduzindo
oportunidades de trabalho em função
da modernização e forçando o
trabalhador a aceitar trabalhos mal
remunerados e distantes.
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Oliveira et al. (2013)
1.3. Questão Fundiária
A problematização da questão
agrária não é algo residual da
contemporaneidade,
mas
características estruturais advindas
desde o Brasil Colônia. A forma como o
Brasil foi colonizado, bem como a
dominação e subordinação que lhe foi
imposto é algo que permeia até os dias
atuais.
Dessa maneira, o escravismo, o
latifúndio, a monocultura, a exploração,
a expropriação e a apropriação privada,
remetem diretamente ao processo de
formação social do país.
Não se pode negar que a questão
agrária traz rebatimentos, tanto para os
trabalhadores rurais como para quem
vive na cidade. A reforma agrária tem
como premissa a desapropriação e
assentamento das terras improdutivas
que não estão cumprindo sua função
social. Muito mais do que isso, luta-se
por uma distribuição igualitária, algo
inviável no sistema capitalista.
Pelo viés dos movimentos sociais,
nota-se
uma
disparidade:
os
movimentos ligados à terra tem os
trabalhadores rurais “excluídos” das
estratégias de luta e não envolvidos
como agentes. As várias formas de
trabalho
rural,
anteriormente
apresentadas,
fragmentam
os
trabalhadores rurais em diferentes tipos
de organização, tais como, sindicatos,
cooperativas de pequenos produtores,
etc.
A questão agrária que deveria ser
tratada enquanto uma questão política
tem sido vista pelo prisma político
partidário. Percebe-se a sobreposição
dos interesses individuais sobre os
coletivos.
Infelizmente, as leis e planos de
reforma
agrária
beneficiam
aos
detentores do capital, tais como, os
grandes latifundiários. Deste modo, não
atendem às demandas daqueles que
estão em constante contato com a
terra.
No Brasil, pode-se dizer que a
problematização da questão agrária
não é algo residual, mas característica
estrutural advinda desde o Brasil
Colônia, pois desde 1500 vivencia-se a
acumulação de terras nas mãos da
elite dominante, tal como afirma Santos
(2010):
A questão agrária no Brasil é
fruto desse processo histórico
que nos remete ao debate sobre
as formas de ocupação, de
territorialização e de acúmulo de
riquezas por parte das forças
hegemônicas que comandaram o
macabro
processo
de
desestruturação e exploração dos
povos indígenas no espaço
brasileiro. Um espaço construído
socialmente para atender à
expansão mundial do modo
capitalista de produção, uma
expansão calcada na exploração,
na apropriação do tempo de
trabalho e na partilha desigual da
riqueza produzida.
Inegavelmente, existe uma grande
oposição
dos
proprietários
e
latifundiários à reforma agrária, já que
os mesmos concentram a maior
parcela de terras cultiváveis no País.
Além
disso,
o
processo
de
redistribuição de terras é, sobretudo,
uma questão política e social. Essa
redistribuição só será igualitária quando
o trabalhador rural, peça fundamental
para os movimentos sociais em prol da
reforma agrária, se tornar participante e
não excluído das tomadas de decisões.
Por isso,
[...] não específica muito bem
qual seria o lugar ideal ou mais
propicio para o surgimento da
reforma,
porém,
reforça
a
necessidade dos posseiros e do
trabalhador rural, vítima do
minifúndio,
também
estarem
presentes como protagonistas
desse processo. Ou seja, a ideia
de reforma agrária deve abarcar
os trabalhadores rurais de forma
mais
abrangente,
incluindo
também
nesse
debate
os
posseiros e os agricultores que
possuem tratos de terra que não
garantem o sustento familiar
(SANTOS, 2010, p. 5).
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Oliveira et al. (2013)
Em relação aos camponeses –
indivíduos que se dedicam às
atividades rurais, notadamente à
produção em base familiar –, na sua
maioria,
são
proprietários
dos
instrumentos de trabalho, mas não da
terra propriamente dita.
Pode-se dizer que o termo
“camponês” espalhou-se no Brasil em
meados dos anos 1950 através das
Ligas Camponesas, que tinham como
objetivo dar unidade de classe à
diversidade das populações agrárias
não proprietárias de terras e não
proletárias. Sem dúvidas, o termo
"camponês"
apontava
para
a
construção de um sujeito histórico e
político, sendo incorporado ao discurso
acadêmico que, em geral, percebia as
populações
rurais
somente
na
perspectiva econômica.
As primeiras Ligas Camponesas
surgiram no Brasil, em 1945, logo após
a redemocratização do país depois da
ditadura do presidente Getúlio Vargas.
Os camponeses e trabalhadores rurais
se organizavam em associações civis,
sob a iniciativa e direção do Partido
Comunista Brasileiro (PCB).
Os camponeses, através de suas
lutas
e
resistências,
têm
se
territorializado. O Movimento dos
Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST)
possui
grande
destaque
neste
processo, contribuindo para que o
campesinato conquiste o acesso a
terra.
A trajetória de lutas no movimento
tem desdobramentos nas formas de
organização nos assentamentos, com a
realização de variadas atividades
associativas e coletivas. Estas são
formas utilizadas pelos assentados
para garantir a sua manutenção e
existência no campo.
Dessa
maneira,
cabe
avaliar
criticamente a questão agrária e o
debate em torno da Reforma Agrária no
Brasil, dando destaque a atuação dos
chamados agentes de mediação
(Comissão Pastoral da Terra – CPT e
MST) e “[...] também focando o
surgimento e a permanência do
escravismo e do latifúndio como partes
de uma estrutura perversa de
dominação e apropriação do trabalho
não pago” (SANTOS, 2010, p. 10).
Pontua-se que o MST e a CPT são
organizações importantes para a
inclusão da questão agrária na agenda
política do Estado brasileiro. Porém, a
questão agrária já não é mais vista
como um problema residual, mas como
rotineiro problema social.
Questiona-se a postura assumida
por essas organizações ao disseminar
o discurso partidário, desarticulando
interesses coletivos, tal como afirma
Martins (2004):
De fato, MST e CPT, perderam o
controle de seu projeto de
transformar a sociedade brasileira
através da transformação da
estrutura agrária, porque sua
concepção
maniqueísta
e
redutiva da política não lhes
permite reconhecer-se como
donatários políticos da vontade
dos pobres da terra. Querer fazer
uma revolução sem dela querer
participar de maneira ativa,
pública, responsável, criativa e
política nas condições possíveis e
viáveis, é querer nada. Não se
pode fazer política afirmando o
partidário e negando o que é
propriamente político.
De acordo com o MST, “[...] O
assentamento é um espaço para o
conjunto de famílias camponesas viver,
trabalhar e produzir, dando uma função
social a terra e garantindo um futuro
melhor à população” (MARTINS, 2004,
p. 22). Assim, a vida no assentamento
possui diversos direitos sociais às
famílias como: casa, escola, educação
e alimentação.
Já a CPT desenvolveu junto aos
trabalhadores da terra um serviço
pastoral, ou seja, os peões, os
posseiros, os índios, os migrantes, as
mulheres e os homens que lutam pela
liberdade e dignidade numa terra livre
da
dominação
capitalista
são
protagonistas deste movimento.
Dessa maneira, de acordo com as
legislações vigentes sobre a reforma
agrária, os camponeses sem terra
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Oliveira et al. (2013)
possuem direito às terras que se
encontram em improdutividade. Isso
quer dizer que os critérios da reforma
agrária estão intrinsecamente ligados à
desapropriação e assentamento das
terras improdutivas que não estão
cumprindo sua função social. Entendese por função social a propriedade de
terra
que
desempenha
simultaneamente o bem estar dos
proprietários e trabalhadores que nela
trabalham; níveis satisfatórios de
produtividade; atenda aos quesitos
ecológicos, ou seja, conservação dos
recursos naturais.
Deste
modo,
observam-se
legislações referentes à questão
agrária,
mas
todas
beneficiam
estritamente os grandes detentores do
capital. Por isso, torna-se de extrema
importância
a
participação
dos
trabalhadores ligados a terra em
movimentos sociais, para lutarem em
prol da reforma agrária e melhores
condições para aqueles que foram
assentados.
As principais fontes legislativas dos
direitos dos camponeses à terra são:
Lei de Terras de 1850 – Lei 601/1850;
Estatuto da Terra de 1964 – Lei
4.504/64, e Constituição Federal de
1988.
A Lei de Terras foi uma resposta às
exigências da aristocracia rural da
época, uma vez que a mesma
determina que as terras devolutas
deveriam ser compradas e não
simplesmente ocupadas. Deveria haver
a regularização dos títulos de
propriedade e as terras não cultivadas
poderiam ser retomadas ao Estado. A
partir desse modo, a terra passa a ter
um valor monetário, sendo assim,
capaz de gerar lucro.
Dispõe sobre as terras devolutas
no Império e acerca das que são
possuídas por título de sesmaria
sem
preenchimento
das
condições legais, bem como por
simples título de posse mansa e
pacífica: determina que, medidas
e demarcadas as primeiras,
sejam elas cedidas a título
oneroso, assim para empresas
particulares,
como
para
o
estabelecimento de colônias de
nacionais e de estrangeiros,
autorizado o Governo a promover
a colonização estrangeira na
forma que a lei declara (LEI
No 601, DE 18 DE SETEMBRO
DE 1850).
O Estatuto da Terra de 1964 tinha
como prioridade a execução de uma
reforma agrária e o desenvolvimento da
agricultura. Esse Estatuto, cujas bases
de fundamentação centram-se na
função social que deve exercer a terra
e na propriedade privada, surgiu para
regulamentar o uso e a posse de terra.
As principais medidas do Estatuto
da Terra são a desapropriação com
pagamento através de Títulos da
Dívida Agrária (TDA), vencíveis em 10
anos; menção à reforma agrária com
objetivos que iam além da estabilidade
na relação entre proprietários e
trabalhadores sem terra. De acordo
com o Artigo 2, a reforma agrária
deveria
assegurar
a
todos
a
oportunidade de acesso à propriedade
da terra, condicionada pela sua função
social.
Não se pode negar que, durante o
período militar, a questão agrária
assumiu um caráter reformista e
modernizador. Dessa maneira, o
Estado deixou de lado os princípios da
Reforma para melhorar a produtividade
e “modernizar” a produção.
Já a Constituição Federal de 1988.
que tem como premissa a cidadania, a
soberania, a dignidade da pessoa
humana, os valores sociais do trabalho
e da livre iniciativa e o pluralismo
político, destaca que a função social
deve nortear o direito à propriedade
privada.
De acordo com o artigo 184, o
Estado, para fins de reforma agrária,
pode desapropriar o imóvel rural que
não esteja cumprindo sua função
social, mediante prévia e justa
indenização em títulos da dívida
agrária.
Contudo, para cumprir a função
social, a Constituição Federal prevê
que a terra deve atender aos quesitos
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Oliveira et al. (2013)
econômicos (produtividade), ecológicos
e trabalhistas. Entretanto, o artigo 185
inviabiliza a desapropriação de terras
produtivas, de forma que os demais
quesitos necessários à concretização
da função social são suprimidos pelo
quesito produtividade. Como exemplo,
têm-se os índices de produtividade que
não são atualizados desde 1975, de
forma que uma propriedade com baixo
coeficiente de produtividade para os
dias atuais não será desapropriada.
Constata-se, portanto, que a reforma
agrária visa a distribuição igualitária, a
desapropriação e o assentamento das
terras improdutivas que não estão
cumprindo sua função social. Contudo,
os movimentos em prol da questão
agrária são vistos como baderneiros,
bagunceiros e não analisados através
do viés político.
Destaca-se que o Estado, de certo
modo, coopta as lideranças dos
movimentos ligados à terra fazendo
com que os mesmos percam a
legitimidade e autonomia. Pode-se
dizer que a reforma agrária no Brasil
ainda é um projeto inacabado e repleto
de conflitos político partidários, pois os
maiores possuidores de fazendas, na
atualidade, são parlamentares. Por
isso, os movimentos rurais encontram
dificuldades para se legitimarem.
1.4. Considerações quanto ao papel
do Serviço Social no campo
Considerando a questão agrária
como expressão da questão social e,
esta, como o objeto de trabalho do
assistente social, as demandas dos
trabalhadores rurais requerem ações
profissionais na medida em que
traduzem processos sociais desiguais
vivenciados cotidianamente no campo.
A questão agrária é uma das
expressões da questão social porque
reflete as contradições postas pelo
capitalismo no meio rural e no Brasil,
com
particularidades
históricas
extremamente
perversas.
A
denominada
questão
fundiária
brasileira se apresenta no cenário
histórico nacional há muito tempo, com
diferentes facetas e nomes, mas
sempre como pano de fundo. É um
problema que se arrasta desde o
tempo da colonização - e ainda existe!
Sobretudo, ainda existem tabus
colonialistas; o coronelismo anda de
mãos dadas com a modernidade do
agronegócio.
Destarte, o que existe de políticas
agrárias deveria ser encarado sempre
como políticas sociais. Tais políticas
possibilitam às famílias a superação
dos problemas vivenciados após
longos anos de luta em um pedaço de
chão. É importante e primordial que os
assistentes sociais potencializem a luta
pela resolução da questão fundiária.
A questão agrária no país tem
possibilitado ao Serviço Social ampliar
o seu campo de pesquisa e,
consequentemente, o seu foco de
intervenção profissional. O acirramento
da questão social expresso na questão
agrária tem se caracterizado como um
elemento de requisição à prática do
assistente social pelas instituições e
organizações que atuam na área rural.
Portanto, é fundamental que o
Serviço Social se aproprie, cada vez
mais, desse espaço, contribuindo e
dando subsidio às iniciativas populares,
na construção e implementação de
políticas que favoreçam a população da
área rural.
O trabalho do Serviço Social no
campo deve ter cunho emancipatório e
não compensatório. Para isso, os
assistentes sociais devem ocupar
espaços dentro dos movimentos que
organizam os trabalhadores em luta
pela questão agrária. Faz parte do seu
compromisso histórico construir e
apoiar a luta da classe trabalhadora
rural para efetivação, de fato, dos seus
direitos, ocupando todos os espaços
estratégicos de construção dessas
lutas.
Apresentar a temática da questão
agrária à política de assistência social
representa-se como uma forma de
compreender as particularidades que
esta transmite no desenvolvimento das
políticas sociais, uma vez que contribui
na efetivação de propostas de trabalho
condizentes com a realidade social.
Estas especificidades ganham maior
destaque quando o perfil dos
Revista da Faculdade de Ciências Gerenciais de Manhuaçu – FACIG (ISSN 1808-6136).
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municípios brasileiros é analisado, visto
que grande parte deles é de pequeno
porte, com estrutura ocupacional e
produtiva dependente da agricultura.
Entretanto, ainda é notória a
distância existente entre o Serviço
Social e os problemas oriundos da
questão agrária, mesmo sabendo que
boa parte dos assistentes sociais atua
em municípios de pequeno e médio
porte. Uma das explicações para tal
fato remete à história da profissão, que
tradicionalmente foi solicitada para
intervir na questão social urbana
relacionada com o surgimento da
classe operária no cenário político.
A categoria dos assistentes sociais
tem estado ausente na discussão
dessa temática, sendo indispensável
atentar-se para ela. Em grande parte,
pela formação do assistente social ser
voltada para pensar os problemas da
cidade e formular políticas para o
espaço
urbano
subordinando
a
discussão do campo ao segundo plano.
O serviço social pode contribuir
imensamente com essa luta, através da
inserção nos movimentos populares,
bem como subsidiando a luta através
de pesquisas na universidade. Por
outro lado, deve contribuir na
organização e formação dessas
organizações e, sobretudo, lutar junto
ao Estado por políticas públicas que
atendam as necessidades dessa
população.
Contudo, é de primordial importância
a atuação profissional do serviço social
na
elaboração,
execução
e
operacionalização de políticas públicas
para o público da reforma agrária,
atuando tanto nos órgãos públicos em
nível municipal, estadual e federal.
Os assistentes sociais precisam
perceber que há milhares de famílias
que vivem no campo e que estão
envolvidas diretamente com a questão
agrária brasileira. Na luta direta pela
reforma agrária, estas famílias não são
atendidas pelas políticas públicas
específicas e mantêm a sua condição
de exclusão social.
No campo da pesquisa e da
produção acadêmica, encontram-se
poucos trabalhos no campo do Serviço
Social que abordam a questão agrária
de forma mais profunda, o que seria
importante
subsídio
para
os
movimentos que estão em luta pela
democratização do acesso a terra no
Brasil. Alguns autores, conforme visto
anteriormente, citam a importância do
tema e a consonância com o Projeto
ético-político do Serviço Social. No
entanto, há poucos estudos específicos
que aprofundam o tema.
É impossível falar em desigualdade
social no Brasil sem se falar da
concentração de terra nas mãos de
poucas famílias. Não há como falar nos
milhões de miseráveis passando fome
sem se lembrar das extensas áreas
agricultáveis no Brasil servindo para
especulação
ou
exportação.
É
impossível pensar em proteção e
preservação do meio ambiente sem
discutir o atual modelo agrícola do
Brasil. Portanto, é impossível imaginar
uma mudança no país sem considerar
a reforma agrária.
É importante que os profissionais do
Serviço Social discutam, elaborem e
intervenham sobre a questão agrária.
Há milhares de famílias acampadas
vivendo em uma situação precária e
que precisam de políticas públicas
especificas. O espaço cotidiano de
atuação
profissional
é
predominantemente municipal e é
impensável falar que os assistentes
sociais não se deparam com essas
questões nos municípios rurais onde
estão atuando.
O profissional do Serviço Social
deve, portanto, propor soluções para
sanar
essa
lacuna,
buscando
condições para se atualizarem, para
serem capazes de aprofundar os
determinantes da questão social e, com
isto, exercer sua profissão com mais
qualificação.
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ASPECTOS HISTÓRICOS, POLÍTICOS E LEGAIS DA SANTA INQUISIÇÃO E SUA
INFLUÊNCIA NO PROCESSO PENAL CONTEMPORÂNEO
Área Temática: História, Direito
Milene da Rosa Schmitz1
1
Advogada. Graduada em Direito pela Faculdade Ruy Barbosa – DeVray Brasil University;
Pós-Graduada em Direito Empresarial pela Unifacs – Universidade Salvador; Doutoranda
em Direito Penal pela Faculdade de Direito da Universidade de Buenos Aires – UBA.
RESUMO
O presente artigo tem por objeto descrever e analisar os aspectos históricos, políticos e
legais da Santa Inquisição e a sua influência no processo penal contemporâneo. Pretendese abordar o assunto ainda que sucintamente, destacando os principais aspectos
necessários a um entendimento didático, de modo a possibilitar uma melhor compreensão
do procedimento inquisitório. Este, por sua vez, subsiste no processo penal moderno até os
dias de hoje, motivo pelo qual o assunto continua em voga na atualidade.
Palavras-chave: Inquisição; direito e processo penal.
ABSTRACT
This article aims to describe and analyze the historical, political and legal aspects of the Holy
Inquisition, and its influence in the criminal proceedings contemporary. It is intended to
address, even briefly, highlighting key aspects necessary for a didactic understanding, in
order to enable a better comprehension of inquisitorial procedure. This, in turn, subsists in
the modern criminal procedure until today, which is why it remains in vogue nowadays.
Keywords: Inquisition; criminal law and procedure.
1. INTRODUÇÃO
Falar em Inquisição Medieval é falar
em um dos pontos históricos mais
controversos até hoje discutidos, quer seja
entre juristas ou historiadores.
Precipuamente, a grande cruzada
religiosa empreendida pela Igreja Católica
contra os hereges nos séculos XII e XVIII
teve como seu principal fundamento,
ainda que mascarado, a tentativa drástica
do Clero em manter o poder sobre os fiéis
através do medo e da superstição. Assim,
a denominada Inquisição Medieval acabou
sendo sinônimo da grande caça às
bruxas, que ocorreu em toda a Europa
Ocidental, bem como em suas colônias.
O presente trabalho tem, portanto, a
intenção de demonstrar as precondições
que se constituíram necessárias para o
acontecimento desse fato histórico,
associadas aos aspectos políticos e ao
contexto social, bem como às mudanças
efetivas operadas no direito penal diante
dessa conjuntura.
No âmbito jurídico, todo o sistema de
direito penal acusatório foi alterado sob a
influência direta da Igreja, para que os
crimes de heresia e bruxaria pudessem
ser combatidos de maneira mais eficaz.
Assim, foram adicionadas novas regras ao
processo, que lhe conferiram feição
inquisitória, fato que aliado à utilização da
tortura culminava em um processo no qual
dificilmente o acusado sairia sem
condenação.
1.1. Aspectos Históricos, Políticos e
legais
A Inquisição Medieval teve início no
período da Baixa Idade Média (séculos XII
Revista da Faculdade de Ciências Gerenciais de Manhuaçu – Facig (ISSN 1808-6136). Pensar
Acadêmico, Manhuaçu, MG, v. 9, n. 2, p. 26-31, Agosto-Dezembro, 2013.
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e XIII), ocasião em que o poder
eclesiástico atingiu o seu apogeu. Os reis
recebiam o seu poder da Igreja, que na
mesma medida que os sagrava, podia
também
excomungá-los.
O
nome
Inquisição se deu devido ao processo
inquisitionem que era utilizado pelas
cruzadas religiosas no combate às
heresias.
Consistia a Inquisição Medieval no
processo de identificação, julgamento e
condenação dos indivíduos suspeitos de
praticarem heresias, sendo que o
processo
inquisitório,
antes
desempenhado apenas por membros do
clero, já se encontrava seccionado entre
Tribunais Eclesiásticos e Tribunais
Seculares. O procedimento utilizado era o
mesmo em ambas as cortes, qual seja: o
aprisionamento de suspeitos com base
em meros boatos ou delações anônimas,
interrogatório, que somente objetivava a
confissão (para isso eram utilizados todos
os meios, inclusive tortura) e, ao final, a
condenação, que, de acordo com a
gravidade do crime cometido, poderia
variar entre a execução do condenado,
que era queimado vivo, banido, obrigado a
trabalhos forçados nas galeras dos
navios, prisão, ou tinha seus bens
confiscados.
O acirramento da Inquisição se deu
devido a vários fatores, entre eles, uma
grande explosão demográfica ocorrida na
Europa ao final da Idade Média e início da
Idade Moderna. Tal fator refletira
inevitavelmente no aumento da pobreza e
na pressão crescente sobre a oferta
limitada de recursos, o que culminou em
frequentes guerras entre os povos que se
digladiavam.
Em outras palavras, a verdadeira
dimensão política da Inquisição foi o fato
de ser esta utilizada indistintamente pela
nobreza e clero, para perseguir e destruir
aqueles indivíduos que representassem
uma ameaça ao seu poder.
Um exemplo clássico das implicações
políticas da Inquisição se deu na
Península Ibérica, mais precisamente na
Espanha moderna, que se dividia em três
monarquias: Portugal, Castela e Aragão:
no intuito de pacificar os conflitos nos
reinos herdados, os reis católicos fizeram
muitas concessões aos nobres, tanto de
terras quanto de poder. Ocorre que a
ocupação dos cargos importantes no
Estado por cidadãos, considerados
impuros (mouros e judeus), bem como a
facilidade em crescer financeiramente
com o comércio, revelou-se um entrave
aos interesses da nobreza que, movida
pelos ideais de reconquista, expulsou, em
1492, os mouros de Granada e, no
mesmo ano, decretou a expulsão de todos
os judeus da Espanha, caso não se
convertessem ao catolicismo.
A Inquisição Medieval buscou sua
legalidade no direito canônico. Este
também teve grande influência sobre as
legislações da Europa ocidental. O poder
jurisdicional dos Tribunais Eclesiásticos
em matéria penal era o responsável por
processar e julgar todos aqueles que
praticassem alguma infração contra a
religião (heresia, apostaria, simonia,
sacrilégio, bruxaria, etc.), além do
adultério e a usura.
Com o apogeu da Inquisição, os
Tribunais Seculares da Europa ganharam
jurisdição
sobre
tais
crimes,
suplementando os Tribunais Eclesiásticos
como
instrumentos
judiciais
da
perseguição. Assim, em virtude das
relações entre Estado e Igreja, o poder
dessa última, acabou se refletindo
sobremaneira nos princípios e na lógica
de ordenação do direito laico, onde a
extensão da competência dos Tribunais
Eclesiásticos tomou a caça aos hereges
essencialmente uma operação judicial,
unindo-se no combate à proliferação dos
seguidores de satã, que ameaçavam tanto
o poder da Igreja quanto do soberano.
2. O PROCESSO PENAL ACUSATÓRIO
Com a mudança do sistema penal
acusatório, ocorrida entre os séculos XII e
XIII, houve a legitimação dos atos de
barbárie impetrados contra todos aqueles
que fossem considerados hereges.
No tocante à prova, a mudança mais
significativa se deu através do processo
acusatório que passou para o processo de
inquirição ou inquisitiv, ou seja, quando o
direito passou de um sistema racional
para irracional.
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Acadêmico, Manhuaçu, MG, v. 9, n. 2, p. 26-31, Agosto-Dezembro, 2013.
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Pelo processo acusatório, a ação penal
somente poderia ser desencadeada por
uma pessoa privada, que seria a parte
prejudicada ou seu representante legal. A
acusação era pública e feita sob
juramento, culminando na instauração de
um processo contra o suspeito, no qual,
caso as provas apresentadas fossem
inequívocas ou caso o acusado admitisse
sua culpa, o juiz decidiria contra ele.
Entretanto, caso restassem dúvidas
acerca da culpabilidade ou inocência do
mesmo, decidia-se de forma irracional,
recorrendo-se à intervenção divina para
que fornecesse um sinal contra ou a favor
do acusado, não cabendo ao homem a
investigação do crime, que era colocado
nas mãos de Deus. A maneira mais
comumente utilizada eram as provas
através do ordálio, mas também eram
utilizados os duelos judiciais até a morte.
No tocante a crimes menores, existia a
possibilidade de absolvição através do
processo chamado de compurgação,
segundo o qual o acusado teria que obter
um número considerável de testemunhas
que atestassem sua inocência.
Importante destacar que em qualquer
das formas acima descritas, a atuação do
juiz restringia-se apenas a de um árbitro
imparcial.
3. O PROCESSO POR INQUÉRITO
Com o advento do processo por
inquérito no século XIII, houve a
substituição do processo acusatório em
toda a Europa continental, tendo sido o
mesmo consolidado no século XVI. Esta
mudança alterou profundamente todo o
sistema penal, atribuindo ao juízo humano
um papel fundamental que, condicionado
pelas regras racionais de direito e aliado à
restauração do estudo do direito romano,
bem como a fatores políticos e filosóficos,
culminou em uma reformulação da
concepção de direito até então praticada.
A Igreja foi a principal influenciadora da
adoção dos novos procedimentos no
sistema
penal,
não
pelo
caráter
humanitário, mas tão somente porque o
novo sistema se apresentava muito mais
eficiente no combate e caça aos crimes de
heresia,
que
aumentavam
em
consideráveis proporções ameaçando o
seu poderio.
No processo por inquérito, a ação
penal também poderia ser desencadeada
mediante acusação privada, porém o
acusador
não
tinha
nenhuma
responsabilidade em caso de inocência do
réu. Em contraponto ao processo por
acusação, que o acusador era penalizado
caso o acusado provasse sua inocência,
as denúncias poderiam ser feitas de forma
anônima ou por uma comunidade inteira.
Assim, os oficiais do Tribunal do Santo
Ofício tinham autonomia para intimar um
suspeito de crime com base apenas em
informações por eles obtidas. Desta
forma, todas as pequenas querelas e
tagarelices de uma comunidade poderiam
servir de argumentos para uma denúncia.
Outro ponto importante do processo
por inquérito pauta-se no fato de que o
mesmo oficializou todas as etapas do
processo judicial a partir do oferecimento
da denuncia. Assim, o juiz e todos os
demais oficiais do tribunal assumiam a
investigação
direta
dos
crimes,
determinando
posteriormente
a
culpabilidade ou inocência do réu, com a
inquirição de testemunhas e do próprio
réu, tudo registrado por escrito. Todavia, o
processo criminal permanecia secreto até
a sentença, tanto para o público, quanto
para o acusado, que não tinha
conhecimento das acusações, nem dos
depoimentos das testemunhas ou das
provas colhidas.
Nas palavras de Michel Foucault em
sua obra vigiar e punir:
“(...) era impossível ao acusado ter
acesso às peças do processo,
impossível conhecer a identidade
dos
denunciadores,
impossível
saber o sentido dos depoimentos
antes de recusar as testemunhas,
impossível fazer valer, até os últimos
momentos do processo, os fatos
justificativos, impossível ter um
advogado, seja para verificar a
regularidade do processo, seja para
participar da defesa” (FOUCALT,
1991, p. 35).
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Outro
aspecto
que
conferia
exclusivamente aos juízes e profissionais
do direito o poder de estabelecer a
verdade se pautava na forma escrita do
processo, que, em última instância,
correspondia ao direito de punir do
soberano.
Inobstante o sigilo que envolvia o
processo de inquérito, inclusive para o
acusado, onde as evidências do crime
eram investigadas e avaliadas mediante
regras meticulosamente formuladas, o que
fazia com que os padrões de prova
fossem extremamente rigorosos, pautados
nos princípios do direito romano-canônico,
os indícios de autoria de crimes, bastavam
para declarar um suspeito, deflagrando o
processo investigatório, que depois seguia
um esquema racional.
O cerne da questão inquisitorial
pautava-se no fato de que os crimes por
ela combatidos, como as heresias ou
bruxarias, eram fatos ocultos, ou seja,
crimes onde as provas dificilmente seriam
obtidas.
Assim,
além
de
duas
testemunhas que teriam presenciado a
atividade satânica, fazia-se mister à
confissão do acusado, mediante qualquer
artifício, mesmo a tortura. Nesse sentido,
a confissão, que era considerada dentre
as provas, a mais importante e
incontestável, consistia no assentimento
do próprio acusado acerca da sua
culpabilidade quanto ao crime a ele
imputado.
4. A TORTURA
Como no processo inquisitorial, a
confissão era a mais importante das
provas, os meios utilizados pelos juízes
com o fim de consegui-la eram
plenamente aceitos e legitimados.
A tortura, dessa forma, foi reintroduzida
na Europa no século XIII, como meio de
obter a confissão de um acusado ou das
testemunhas. Esse recurso já tinha sido
utilizado na Antiguidade e início da Idade
Média.
Esse procedimento hediondo foi
autorizado pela Igreja através da Bula do
Papa Inocêncio IV, em 1252, que a
justificava como necessária ao combate
dos seguidores de satã. Desta feita, a
adoção da tortura pelos inquisidores nos
julgamentos de bruxaria e heresia, foi
também seguida pelos juízes dos
Tribunais Seculares.
O argumento utilizado pelos Tribunais
consistia no fato de que quando um
indivíduo fosse submetido à tortura e
sofrimento físico durante o interrogatório,
inevitavelmente confessaria a verdade.
Todavia, o seu uso indiscriminado, bem
como o grau excessivo de perguntas
capciosas cuidadosamente formuladas
pelos inquisidores, redundavam no que foi
definido por Robert Mandrou como sendo
um “processo infalível, em que o índice de
condenações chegava noventa e cinco
por cento.” (LEVACK, B. p. 79;
MANDROU, R., 1979, p. 78).
5. A CONDENAÇÃO
Logo após a confissão do acusado,
vinham a condenação e a execução da
pena. Contudo, o condenado ainda era
obrigado a confessar sua culpa em uma
Igreja, pedindo perdão a Deus e aos
Santos por ter se desviado do seu
caminho, pactuando com o diabo. Esse
evento era denominado auto-de-fé, onde a
multidão presente ouvia do próprio
acusado o relato das maldades por ele
cometidas e o seu arrependimento,
seguida da execução em praça pública,
onde ele era, na maioria dos casos,
queimado vivo pelo carrasco.
Durante a execução, a sentença
contra o condenado era lida em público,
com o intuito de que todos tomassem
ciência dos malefícios por ele praticados,
bem
como
de
coibir
condutas
semelhantes.
O processo, todavia, não acabava com
a condenação e morte do acusado, pois
naquela época não existia o Princípio da
Pessoalidade da Pena, e devido à
absurda crença de que a propensão para
a prática de determinados crimes era
hereditária, a família e os familiares do
acusado também acabavam sendo
processados. Nesse sentido pronunciouse Mandrou:
“Tantos
lares,
tantos
juízes
obsequiosos em subjugar Satã. Os
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Sabás, imaginários, as missas às
avessas e os feitiços de impotência
não representam simplesmente os
descaminhos dos simples de
espírito, pobres indivíduos afligidos
pelas misérias cotidianas que
procuravam uma compensação em
uma evasão polimorfa. São também
os horizontes mentais dos homens
cultos, eloquentes, nutridos de
direito canônico e direito civil, que
são encarregados dos processos
criminais onde quer que se exerça a
alta justiça, nas senhorias, nos
bailiados, e presisiais e nas cortes
superiores que constituem os
Parlamentos. De uns aos outros, o
consenso permanece o mesmo
durante muito tempo: as ondas de
perseguições em fins do século XVI
o provam com toda a evidência”
(MADROU, 1979, p. 79).
6. A INFLUÊNCIA DA INQUISIÇÃO
MEDIEVAL NO PROCESSO PENAL
CONTEMPORÂNEO
Impossível negar a influência direta da
Inquisição Medieval no processo penal
contemporâneo. Em matéria penal,
podemos dizer que a Inquisição medieval
teve sua influência positiva no sentido de
ter sido tomada como modelo para que
determinadas práticas fossem erradicadas
nos regimes de governo democráticos,
que primam pela dignidade e segurança
do indivíduo, através dos direitos e
garantias fundamentais e penais.
Desta feita, são veementemente
repudiadas e punidas no mundo
contemporâneo a prática da tortura,
delação anônima de crime, confisco de
bens, a impessoalidade da pena, a
contaminação do juiz no que tange à
culpabilidade do acusado, entre outros.
O processo inquisitório influenciou o
nascimento da figura do acusador estatal,
hoje representado pelo Ministério Público,
que por sua vez tem o poder de instaurar
o processo com o oferecimento da
denúncia, mediante a Ação Penal Pública.
Outro ponto semelhante ao processo
inquisitório pauta-se na instauração da
Ação Penal Privada, que se estabelece
através da representação do ofendido ou
do seu representante legal.
Não olvidemos, pois, do Inquérito
Policial, onde a figura do inquiridor é
representada pelo Delegado de Polícia,
que preside todo o procedimento.
Ademais,
no
processo
penal
contemporâneo, a figura do juiz,
representante
do
Estado-Soberano,
somente poderá atuar no processo, caso
seja provocado, ou seja, mediante a
instauração da Ação Penal, quer seja ela
Publica ou Privada, assumindo a figura de
julgador imparcial, dentro das suas
atribuições e observando todas as
garantias penais do acusado, não
podendo fabricar provas ou determinar
que se fabrique, como nos tempo negros
da Santa Inquisição, onde o juiz assumia
verdadeiro papel de algoz do acusado.
Atualmente, o processo penal sofre
controle direto dos órgãos de proteção e
direitos humanos, efetivamente atuantes
desde a Segunda Grande Guerra, onde
outras tantas atrocidades foram praticadas
em prol do poder político e econômico.
7. O JUIZ INQUISIDOR E O CÓDIGO DE
PROCESSO PENAL BRASILEIRO
O sistema acusatório adotado pelo
Direito Penal brasileiro se baseia na
separação inicial das atividades de acusar
e julgar. Esse sistema visa a busca pela
verdade real, de forma que para o bom
andamento processual deve o juiz manter
uma
posição
de
alheamento
e
afastamento da arena das partes, ao
longo de todo o processo. Deve-se
descarregar o juiz de atividades inerentes
às
partes,
para
assegurar
sua
imparcialidade.
Todavia, a Lei nº 11.690 alterou, em
2008, dispositivos do Código de Processo
Penal referentes à coleta de provas. O
inciso I, do art. 156 do Código de
Processo Penal brasileiro, aduz que o juiz,
de ofício, poderá determinar a produção
de provas que forem consideradas
urgentes e relevantes, antes mesmo da
instauração da Ação Penal, ainda na fase
de Inquérito Policial. “Consagra-se o juizinstrutor-inquisidor, com poderes para, na
fase de investigação preliminar, colher de
Revista da Faculdade de Ciências Gerenciais de Manhuaçu – Facig (ISSN 1808-6136). Pensar
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ofício a prova que bem entender, para
depois, no processo, decidir a partir de
seus próprios atos.” (LOPES, 2008).
Tal medida, para muitos doutrinadores,
fere o sistema acusatório adotado pelo
Processo Penal brasileiro, que tem como
premissa a separação de funções, bem
como outros princípios norteadores do
Direito Processual Penal, tais como a
imparcialidade do juiz, e o Princípio da
Presunção de Inocência.
Alega-se que uma separação inicial de
atividades, com a acusação devidamente
formulada pelo Ministério Público seria
inócua se no decorrer do procedimento for
permitido ao juiz assumir um papel ativo
na busca da prova ou mesmo na prática
de atos tipicamente da parte acusadora.
A lei, ao permitir que o juiz assuma
uma posição de inquisidor, primeiro
investigando, para depois julgar, fere,
portanto, os princípios basilares de direito
processual penal, que consagra o sistema
acusatório e não o inquisitivo.
Assim, remete o referido inciso do art.
156 do Código de Processo Penal a um
sistema penal inquisitivo, tal qual o da
Inquisição Medieval, onde o juiz assumia
a figura de inquisidor, determinando de
ofício a produção de provas contra os
acusados, contaminando dessa forma a
sua imparcialidade e julgamento.
Nesse sentido, entende-se que tal
dispositivo processual fere o sistema
acusatório, juntamente com demais
princípios importantes e consagradores do
Direito Processual Penal.
sistema penal inquisitório foi constituída
pela Igreja Católica, mais precisamente
pelo catolicismo medieval. A Igreja, ao
ver-se ameaçada pelo surgimento de
novas religiões, ergueu a bandeira do
combate aos chamados crimes religiosos
e, aproveitando-se do fato de seu poderio
estar de tal forma imbricado no poder do
Estado,
todas
as
manifestações
assumiram caráter religioso.
Durante a Inquisição a Igreja Católica
buscou a “verdade” através de atos de
extrema violência, e, com isso, adquiriu
cada vez mais poder e riquezas.
Esse contexto, no entanto, foi de
grande contribuição para a formação do
sistema penal contemporâneo, pois muito
embora tenham sido praticados inúmeros
erros, que na atualidade jamais seriam
admitidos, é inevitável que a Santa
Inquisição serviu como modelo para o
Inquérito Policial, que tem uma parte
Inquisitiva, bem como para o surgimento
do sistema acusatório adotado pelo Direito
Processual Penal, que se baseia na
separação das atividades de acusar e
julgar, requisito essencial para a busca
pela justiça.
9. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
FOCAULT, M. Vigiar e punir. 9. ed.
Petrópolis: Vozes, 1991.
LEVACK, B.P. A caça às bruxas na
Europa moderna. 2. ed. Rio de Janeiro:
Campus, 1988.
8. CONSIDERAÇÕES FINAIS
LOPES Jr., A. Bom pra quê (m)? Boletim
IBCCRIM, ano 188, julho de 2008.
Com
base
nas
explanações
apresentadas, conclui-se que a base do
MANDROU, R. Magistrados e feiticeiros
na França do século XVII. São Paulo:
Perspectiva, 1979.
Revista da Faculdade de Ciências Gerenciais de Manhuaçu – Facig (ISSN 1808-6136). Pensar
Acadêmico, Manhuaçu, MG, v. 9, n. 2, p. 26-31, Agosto-Dezembro, 2013.
32
Lopes et al. (2013)
MATERIALIZAÇÃO DO PROJETO ÉTICO POLÍTICO PROFISSIONAL E AS CONDIÇÕES DE
TRABALHO DE ASSISTENTES SOCIAIS NO INTERIOR DE MINAS GERAIS
Área Temática: Serviço Social
Noêmia de Fátima Silva Lopes1, Ana Paula Cortes2, Daniele Alves Segal2, Ivani de Andrade2,
Janaina de Oliveira Silva2, Jéssica da Silva Afonso2, Leslie de Moraes2, Lornídia da Silva
Abreu2, Verônica da Mata Huebra Rodrigues2.
1
Mestre em Economia Doméstica pela UFV, Graduada em Serviço Social. Professora e
Coordenadora do Curso de Serviço Social da Faculdade de Ciências Gerenciais de Manhuaçu
(FACIG).
2
Graduandas do 6º Período do curso de Serviço Social da Faculdade de Ciências Gerenciais de
Manhuaçu (FACIG).
RESUMO
O objetivo deste estudo foi analisar de que forma o Projeto Ético Político do Serviço Social tem
sido materializado por assistentes sociais na região do município de Manhuaçu, MG. A prática do
Serviço Social é uma atividade laboral exercida por profissional habilitado, capaz de trabalhar o
conjunto de expressões das desigualdades sociais geradas na sociedade capitalista. Os
instrumentos de trabalho do Serviço Social estão diretamente associados à formação teórica,
técnico-operacional e ético-política. Sua finalidade social está voltada para a intervenção na
perspectiva de democratização, autonomia dos sujeitos, acesso aos direitos, e à clareza do
projeto ético-político - fundamental para o fortalecimento desta categoria profissional e da classe
trabalhadora. Este estudo de caráter exploratório utilizou-se da pesquisa qualitativa fundamentada
no método crítico dialético de Marx. Foram entrevistados profissionais do município de Manhuaçu
e suas cidades limítrofes. Pode-se perceber que o Projeto Ético Político se depara com fatores
que dificultam sua materialização diante de condições precárias de trabalho. Esta realidade
reclama por mudanças e organização coletiva do profissional de Serviço Social.
Palavras chave: Serviço Social, Trabalho e Projeto Ético Político
ABSTRACT
The aim of this study was to examine how the Project Ethical Political of Social Work has been
materialized by social workers in the region of Manhuaçu city, MG. The practice of social work is a
labor activity exercised by a qualified professional able to work all the expressions of social
inequalities generated in capitalist society. The working tools of Social Work are directly associated
with the theoretical, technical, operational and ethical-political. Its purpose is focused on social
intervention from the perspective of democratization, autonomy of subjects, access rights, and
clarity of the ethical-political, fundamental to the strengthening of this professional category and the
working class. This exploratory study used qualitative research is grounded in Marx's dialectical
critical method. There were interviewed professionals of Manhuaçu city and its neighboring cities. It
was possible to conclude that the Project Ethical Political faced with factors that hamper its
materialization facing poor working conditions. This reality is pressing for changes and collective
organization of professional Social Work.
Keywords: Social Work, Project Work and Political Ethics
Revista da Faculdade de Ciências Gerenciais de Manhuaçu – FACIG (ISSN 1808-6136). Pensar
Acadêmico, Manhuaçu, MG, v. 9, n. 2, p. 31-42, Agosto-Dezembro, 2013.
Lopes et al. (2013)
33
1. INTRODUÇÃO
A vida contemporânea é detentora de um
cenário construído para a manutenção da
ordem burguesa. A acumulação do capital,
que não prima pela garantia mínima dos
direitos sociais da população, reforça um
projeto societário que se opõe totalmente ao
defendido e consolidado no Projeto Ético
Político do Serviço Social.
Por isso, a real consolidação do Projeto
Ético-Político
é
relevante
enquanto
contribuição para o Serviço Social, tendo em
vista a desfavorável conjuntura para a sua
implementação, fazendo com que o
reconhecimento profissional deste seja não
apenas institucional, mas representativo de
uma prática interventiva que atenda aos
anseios das organizações políticas da
categoria e da classe trabalhadora.
Esta
pesquisa
foi
resultado
de
questionamentos
e
inquietações
que
surgiram entre os alunos no decorrer do
processo de desenvolvimento da disciplina
de Ética em Serviço Social na Faculdade de
Ciências Gerenciais de Manhuaçu/MG –
FACIG em 2012. Observaram-se inúmeros
desafios enfrentados pela categoria e fatores
que dificultaram o exercício profissional e a
efetivação do projeto ético político. Desta
forma, é possível apresentar a questãoproblema eleita para a pesquisa: as
condições de trabalho do Serviço Social têm
permitido a materialização do projeto ético
político pelos profissionais em Manhuaçu e
região?
Nesse cenário, este estudo objetivou
analisar de que forma o Projeto Ético Político
do Serviço Social vem sendo materializado
pelos(as) Assistentes Sociais no município
de Manhuaçu e região. Foram entrevistados
37 (trinta e sete) profissionais de Manhuaçu e
cidades limítrofes, e a pesquisa envolveu
profissionais
Assistentes
Sociais
dos
municípios de Manhuaçu, Manhumirim,
Matipó, Santa Margarida, Simonésia, Alto
Jequitibá, Abre Campo, Luisburgo, Caratinga,
Caparaó, Alto Caparaó Mutum e Sericita.
Historicamente, o Serviço Social foi
marcado pela tradição conservadora e
vinculado aos princípios religiosos; era
considerado como vocação, habilidade,
ocupação, ofício (IAMAMOTO, 2003).
Atualmente, é reconhecido como profissão,
uma especialização do trabalho coletivo,
inscrita na divisão social e técnica do
trabalho, de nível superior, e regulamentada
no Brasil pela Lei nº. 8.662, de 7 de junho de
1993.
De acordo com Netto (1999, p. 102), o
serviço social enquanto profissão, não dispõe
de uma teoria própria, nem é uma ciência,
isto não impede, entretanto, que seus
profissionais
realizem
pesquisas,
investigações
etc.
e
produzam
conhecimentos de natureza teórica. Assim o
Serviço social vem se constituindo com a
sociedade e suas próprias modificações, pois
é através dessa lógica que ela vai se
transformando.
Os processos históricos contribuíram para
as transformações que se tem da profissão
de Assistente Social e o significado social
atribuído à profissão é resultado dos
movimentos da categoria e do contato com a
dinâmica e o desenvolvimento do conjunto da
sociedade (IAMAMOTO, 2008).
A prática profissional no Serviço Social é
considerada um trabalho, exercido por
um/uma profissional que tem como objeto de
trabalho a questão social1. Os instrumentos
1
Segundo Iamamoto a expressão “questão social” diz
respeito ao conjunto das expressões das desigualdades
sociais engendradas na sociedade capitalista madura,
impensáveis sem a intermediação do Estado. Tem sua
gênese no caráter coletivo da produção, contraposto à
apropriação privada da própria atividade humana o
trabalho das condições necessárias à sua realização
assim como de seus frutos (2001, p.10). Para Netto,
inexiste qualquer “nova questão social” e sim “a
emergência de novas expressões da ‘questão social’
que é insuprimível sem a supressão da ordem do
capital. A dinâmica societária específica dessa ordem
não só põe e repõe os corolários da exploração que a
constitui medularmente: a cada novo estágio de seu
desenvolvimento, ela instaura expressões sóciohumanas
diferenciadas
e
mais
complexas,
correspondentes à intensificação da exploração que é a
sua razão de ser” (2001, p.48).
2. O SERVIÇO SOCIAL E O TRABALHO
PROFISSIONAL
Revista da Faculdade de Ciências Gerenciais de Manhuaçu – FACIG (ISSN 1808-6136). Pensar
Acadêmico, Manhuaçu, MG, v. 9, n. 2, p. 32-44, Agosto-Dezembro, 2013.
Lopes et al. (2013)
34
de trabalho estão ligados à formação teóricometodológica, técnico-operativa e éticopolítica. A matéria prima, definidora da área
onde se insere o objeto de trabalho
profissional, encontra-se no âmbito da
questão social e suas manifestações (Idem,
2003). Segundo o autor, não há um único e
idêntico processo de trabalho para o
Assistente Social, pois este trabalha em
muitas áreas, e ocupa diferentes espaços
sócio
ocupacionais.
No
entanto,
“é
necessário descortinar as armadilhas da vida
cotidiana, passo crucial e insubstituível para
uma
intervenção
profissional
crítica,
propositiva e, portanto, não repetitiva” (Silva,
2007, p. 11).
Ultrapassar as fronteiras da aparência é
fundamental para conhecer a realidade, e
isto só se torna possível a partir da
aproximação com a teoria social marxista. O
trabalho do/a Assistente Social deve ser
norteado por um plano de intervenção
profissional, pois objetiva construir na
sociedade estratégias coletivas para o
enfrentamento das diferentes manifestações
de desigualdades e injustiças sociais.
A sociedade atual gira em torno do capital
uma vez que o desemprego e as más
condições de vida estão presentes no
contexto
social
e
econômico.
Consequentemente, o assistente social faz
parte da classe dos trabalhadores que lutam
por condições dignas de trabalho e pela
efetivação de direitos sociais; no entanto, os
profissionais do Serviço Social enfrentam, no
cotidiano,
[...] o crescimento da demanda por
serviços sociais, o aumento da
seletividade no âmbito das políticas
sociais, a diminuição dos recursos, dos
salários, a imposição de critérios cada
vez mais restritivos nas possibilidades
da população ter acesso aos direitos
sociais, materializados em serviços
sociais públicos. (IAMAMOTO, 2003,
p.18).
O Serviço Social é uma profissão cuja
finalidade social está voltada para a
intervenção nas diferentes manifestações da
questão social, como também possui o
objetivo de fortalecer os processos de
resistências dos sujeitos na perspectiva da
democratização, autonomia dos sujeitos e do
seu acesso a direitos, além da clareza do
projeto ético político2 que é fundamental para
o fortalecimento da categoria e da luta de
classe.
Contudo, a ética é indissociável do
cotidiano vivenciado por esta classe, que tem
profunda relação com a ética profissional e
naturalmente com os projetos societários. De
acordo com a afirmação de Netto (1999), os
projetos
societários
são
coletivos,
apresentam a autoimagem de uma profissão,
elegem os valores que a legitimam e
priorizam seus objetivos e funções, formulam
os requisitos teóricos, institucionais e práticos
para o seu exercício, além de que
prescrevem normas e estabelecem balizas
entre suas metas, propostas e realidade.
O projeto ético político propõe a
construção de uma nova ordem societária
fundamentada em valores. Isso significa a
desconstrução da antiga ordem vigente do
capital,
o
rompimento
com
o
conservadorismo e comprometimento com
uma ação transformadora, emancipatória. Foi
pensado no contexto histórico de transição
dos anos 70 e 80, de acordo com Bráz
(1996), num processo de redemocratização
da sociedade brasileira, que se recusou o
conservadorismo profissional presente no
Serviço Social brasileiro.
A dimensão política do projeto é
claramente enunciada, segundo Netto
(1999), por se posicionar a favor da equidade
e da justiça social na perspectiva da
universalização do acesso a bens e a
serviços relativos às políticas. Programas
sociais, ampliação e a consolidação da
cidadania são explicitamente postos como
garantia dos direitos civis, políticos e sociais
da classe trabalhadora.
2
O projeto ético-político tem como seus pilares básicos
o Código de Ética Profissional dos Assistentes
Sociais/Resolução CFESS n. 273/93 de 13 de março de
1993 (Conselho Federal de Serviço Social, 1993a), a
Lei de Regulamentação da profissão/Lei n. 8.662/9, de
7 de junho de 1993 e as diretrizes curriculares do curso
de Serviço Social. Este último pilar possui nortes
básicos expressos nos documentos: Abepss, 1996;
Diretrizes..., 1997.
Revista da Faculdade de Ciências Gerenciais de Manhuaçu – FACIG (ISSN 1808-6136). Pensar
Acadêmico, Manhuaçu, MG, v. 9, n. 2, p. 32-44, Agosto-Dezembro, 2013.
Lopes et al. (2013)
35
Nesse sentido, Teixeira (2009) afirma que
o projeto ético político se materializa em três
dimensões: a produção de conhecimentos no
interior do serviço social, as instâncias
político-organizativas e a dimensão jurídicopolítica, constituída pela legislação que
norteia a profissão. Bráz (1996) afirma que
os
projetos
societários
podem
ser
transformadores ou conservadores, pois
representam os interesses das classes
trabalhadoras
subalternizadas;
consecutivamente, dispõem de condições
menos favoráveis para enfrentar os projetos
de sociedade da classe dominante.
O/A
Assistente
Social,
enquanto
profissional liberal tem, ao longo deste
caminho percorrido, um vasto histórico de
lutas pela garantia de direitos e pela
efetivação do projeto ético político. A partir do
momento que é chamado pelo estado a
atender
as
demandas
da
classe
trabalhadora, e, posteriormente, quando se
entende enquanto classe, na contradição
entre capital e trabalho, o serviço social está
sujeito a transformações que esta cena
enfrenta. Assim, o/a Assistente Social não
está isento do sucateamento das relações de
trabalho e tão pouco dos problemas gerados
por esta relação.
3. PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS
Os
procedimentos
metodológicos
utilizados neste processo de investigação
orientaram-se pelo método crítico dialético,
por se entender que este é o método capaz
de analisar os fenômenos sociais como
contraditórios. Analisa-se a realidade em
movimento, em constante mudança, e em
frequente processo de interação de opostos,
dados que constituem uma única realidade.
Portanto, esse método leva em conta o
contexto histórico e supera a visão parcial,
indo além do que a realidade apresenta. A
escolha por tal método se justifica a partir da
necessidade de “situar e analisar os
fenômenos sociais em seu complexo e
contraditório processo de produção e
reprodução, determinado por múltiplas
causas na perspectiva de totalidade
concreta: a sociedade burguesa" (BEHRING,
BOSCHCETTI, 2011, p. 38).
A pesquisa de caráter exploratório se
fundamentou em Lakatos e Marconi que
afirmam:
as
pesquisas
exploratórias
são
compreendidas como investigações de
pesquisa empírica cujo objetivo é a
formulação de questões ou de um
problema,
com
tripla
finalidade:
desenvolver hipóteses, aumentar a
familiaridade do pesquisador com um
ambiente, fato ou fenômeno para a
realização de uma pesquisa futura mais
precisa ou modificar e clarificar
conceitos (LAKATOS e MARCONI
2003, p.188).
No âmbito deste trabalho, foram
apropriados
elementos
da
pesquisa
bibliográfica e de campo. Segundo Lakatos e
Marconi (2002), a pesquisa bibliográfica é
realizada a partir do levantamento de
bibliografias já publicadas, em forma de
livros, revistas, publicações avulsas e
imprensa escrita, com o objetivo de
possibilitar aos pesquisadores o contato
direto com todo o material escrito sobre
assunto proposto. A caracterização da
amostra e coleta de dados foi realizada
através da técnica de questionário.
De acordo com Gil,
O Questionário é uma técnica de
investigação composta por um número
mais ou menos elevado de questões
apresentadas por escrito às pessoas,
tendo por objetivo o conhecimento de
opiniões,
crenças,
sentimentos,
interesses, expectativas, situações
vivenciadas etc (GIL, 1999.p.128).
Bertucci (2009) afirma que é ideal que o
questionário seja aplicado em pelo menos
um pré-teste, para que o pesquisador possa
identificar os problemas e reelaborar o
instrumento de coleta de dados. O pré-teste
foi realizado com 5 assistentes sociais do
município de Manhuaçu, e após realizados
os ajustes, o questionário foi aplicado aos 45
profissionais que se dispuseram a participar
da pesquisa.
A pesquisa foi realizada a partir de
questionários estruturados com profissionais
da área de Serviço Social. Foram tabulados
Revista da Faculdade de Ciências Gerenciais de Manhuaçu – FACIG (ISSN 1808-6136). Pensar
Acadêmico, Manhuaçu, MG, v. 9, n. 2, p. 32-44, Agosto-Dezembro, 2013.
Lopes et al. (2013)
36
os dados de 37 questionários, num total de
45 profissionais listados, entre 19 de agosto
e 29 de novembro de 2012, de Manhuaçu e
cidades limítrofes. A realização da pesquisa
com os profissionais de Serviço Social do
Município ocorreu durante os meses de julho,
agosto, setembro e outubro. Elegeu-se,
enquanto lócus da pesquisa, os espaços
sócio ocupacionais do serviço social em 13
cidades da região.
Os critérios éticos adotados partem da
fidedignidade aos autores e às fontes
bibliográficas e documentais. Ainda como
critério ético, a participação através dos
questionários somente se concretizou após
prévio consentimento expresso no Termo de
Consentimento Livre e Esclarecido – TCLE,
que, além de conter permissão, também
apresenta os objetivos da pesquisa e os
direitos assegurados: anonimato no sentido
de evitar que sua participação venha
ocasionar prejuízo de qualquer natureza;
conhecimento
prévio
de
todas
as
informações relativas à pesquisa; direito de
recusar e/ou retirar sua participação sem
prejuízo ou ônus, em qualquer etapa do
estudo.
A análise foi construída a partir da
tabulação e sistematização dos dados
obtidos através do levantamento bibliográfico
e dos questionários. Acredita-se, portanto,
que foi possível traçar o direcionamento do
estudo através do seu principal objetivo, além
de que os resultados poderão ser utilizados
na análise da profissão na região e na
construção de propostas que visem a
interlocução e organização da categoria dos
profissionais de Serviço Social em Manhuaçu
e região.
Após a definição do problema, tornou-se
necessário traçar um modelo conceitual e
operativo da pesquisa. Para compreensão da
proposição, foi necessário um planejamento
da pesquisa envolvendo um estudo
aprofundado sobre que diz respeito ao
exercício profissional e aos seus desafios,
com a finalidade de se obter respostas para
as indagações de pesquisa.
4. RESULTADOS
Após analisar os questionários, constatouse que predomina o número de profissionais
do Serviço Social com idade de 36 a 40
anos. Foram entrevistados 37 profissionais e,
deste universo, 10 responderam que
possuem
entre
36
a
40
anos,
correspondendo a 27,02% dos entrevistados.
Logo em seguida, tem-se 7 profissionais que
declararam ter entre 20 a 25 anos, número
que
corresponde
a
18,91%.
Seis
profissionais com idade entre 26 a 30 anos e
mais 6 com idade entre 46 a 50 anos, ambos
representam 16,21% dos Assistentes Sociais
entrevistados. Com idades de 31 a 35 anos,
constata-se a presença de 5 profissionais, e
os outros 2 disseram que possuem entre 41
a 50 anos; apenas 1 profissional não revelou
este dado. Tais números representam
13,51%, 5,4% e 2,7%, respectivamente.
Verificou-se que o número de profissionais
representativos do sexo masculino no
Serviço Social ainda é ínfimo. É possível
afirmar que o número de assistentes sociais
do sexo feminino excede, em grande
proporção,
o
pequeno
número
de
profissionais do sexo masculino. Dos
entrevistados, 34 profissionais são do sexo
feminino e somente 3 do sexo masculino, ou
seja, estes números mostram que 91,89%
são mulheres e apenas 8,1% são homens.
Iamamoto (2011), em suas análises, afirma
que o Serviço Social é uma profissão
predominantemente feminina, quando alude
que
no
Serviço
Social
tem-se
um
contingente
profissional,
hoje
proveniente de seguimentos médios
pauperizados, com um nítido recorte de
gênero uma categoria profissional
predominantemente feminina, uma
profissão tradicionalmente de mulheres
e para mulheres. A condição feminina é
um dos selos da identidade desse
profissional, o que não implica
desconhecer o contingente masculino
de
assistentes
sociais,
com
representação nitidamente minoritária
no conjunto da categoria profissional no
país. (IAMAMOTO, 2011, P.108).
A maioria dos profissionais entrevistados
trabalham na cidade de Manhuaçu/MG,
demonstrando que é grande o número de
profissionais que moram e trabalham na
mesma
cidade,
sendo
poucos
os
Revista da Faculdade de Ciências Gerenciais de Manhuaçu – FACIG (ISSN 1808-6136). Pensar
Acadêmico, Manhuaçu, MG, v. 9, n. 2, p. 32-44, Agosto-Dezembro, 2013.
Lopes et al. (2013)
37
entrevistados que residem em uma cidade e
trabalham em outra.
No que diz respeito ao quadro de
instituições
onde
os
profissionais
entrevistados se graduaram, constatou-se
que 20 Assistentes Sociais concluíram sua
graduação na Faculdade Integrada de
Caratinga – FIC. Este número corresponde a
32,43% do total de entrevistados. A
Universidade Norte do Paraná – UNOPAR aparece em segundo lugar, pois observaramse 10 profissionais que se formaram em tal,
número que corresponde a 27,02%. Na
Faculdade de Ciências Gerenciais de
Manhuaçu foram identificados 8 profissionais
com graduação em Serviço Social, o que
representa 21,6% dos entrevistados. Em
seguida, aparece a Faculdade de Minas –
FAMINAS. Nesta Faculdade, apenas 2
profissionais concluíram o curso. As
universidades a seguir aparecem apenas
uma vez: Universidade Federal de Juíz de
Fora – UFJF, Universidade Gama Filho –
UGF, Escola Superior de Ciências da Santa
Casa de Misericórdia de Vitória – EMESCAM
e Uberlândia. Dos entrevistados, 22
profissionais possuem somente a graduação,
o que corresponde a 59% do total de
profissionais
especializados,
e
15
profissionais possuem especialização.
Como demostrado na Figura 1, dos 37
profissionais entrevistados, 23 atuam há 5
anos na área, o que corresponde a 62% dos
profissionais,
enquanto
que
cinco
profissionais atuam há entre 6 e 10 anos, o
que corresponde a 14%. Seis profissionais
atuam há entre 11 e 15 anos, o que equivale
a 16%; 2 tem de 16 a 20 anos de profissão, o
que corresponde a 5%; 1 profissional atua no
Serviço Social há mais de 20 anos, o que
corresponde a 3% dos profissionais
entrevistados.
Figura 1. Tempo de atuação na área de serviço
social. Fonte: Dados obtidos em tabulação de
resultados
da
pesquisa
pelos
alunos
pesquisadores da FACIG no ano de 2012.
A partir da análise, confirma-se que a
profissão vem crescendo na região, uma vez
que os dados apontam para a maioria dos
profissionais com até cinco anos de atuação.
São jovens na profissão, contudo, acredita-se
que a organização do Sistema Único da
Assistência Social seja um dos responsáveis
por este crescimento, pois os municípios
precisam
do
profissional
para
a
sistematização da política de assistência. A
maioria dos assistentes sociais atuam na
área da assistência, mas outros novos
espaços vem sendo ocupados por este
profissional.
Entre os entrevistados, 67% atuam nas
Prefeituras
Municipais,
enquanto
2
profissionais atuam no INSS, 2 na FUMAPH
e 2 no Tribunal de Justica, que
correspondem, respectivamente, a 5 %, 5% e
5%. Na pesquisa, as seguintes intituições
empregam apenas 1 profissional: Plano
Social Familiar em Vida, Hospital Cesar
Leite, Unimed Vertente do Caparaó, Unidade
Prisional de Manhuaçu, Renalclin e UNSP –
Sindicatos. Estas correspondem a 3% do
total do universo de entrevistados.
Iamamoto (2008) sinaliza que dentre as
organizações institucionais que imediatizam
o exercício profissional, cabe ao Estado uma
posição
de
destaque,
por
ser
tradicionalmente
um
dos
maiores
empregadores do assistente social no Brasil.
Ao considerar-se o Estado, é necessário
acentuar sua importância decisiva na
reprodução das relações sociais, na sua
condição
de
legislador
das
forças
repressivas.
Revista da Faculdade de Ciências Gerenciais de Manhuaçu – FACIG (ISSN 1808-6136). Pensar
Acadêmico, Manhuaçu, MG, v. 9, n. 2, p. 32-44, Agosto-Dezembro, 2013.
Lopes et al. (2013)
38
Mesmo que o Estado seja o maior
empregador do serviço social, grande parte
desses profissionais não são concursados e
o contrato temporário é uma realidade. A
pesquisa aponta que 40% dos profissionais
possuem contrato temporário. Em regimes
estatutários ou celetistas.
Nestes espaços sócio ocupacionais do
serviço social, a área que mais absorve o
profissional é a assistência, sendo que 15
profissionais atuam na Assistência Social, o
que corresponde a 42% dos profissionais
entrevistados, seguidos pelos profissionais
que atuam na Saúde (14%). As demais áreas
tem apenas um profissinal em atuação:
Recursos Humanos, Idoso, Criança e
Adolescente,
Família,
Previdência,
Coperaritivismo, Jurídica, Direitos Humanos,
Pessoas em Situação de Rua e Outros.
Nesta perspectiva, o assistente social é
proprietário de sua força de trabalho
especializada. Ela é produto da formação
universitária que o capacita a realizar um
“trabalho complexo”, nos termos de Marx
(1985). Para Iamamoto (2008), essa
mercadoria ou força de trabalho é uma
potência que só se transforma em atividade –
em trabalho – quando aliada aos meios
necessários à sua realização e atuação
profissional.
A Figura 2 sinaliza que a maioria dos
profissionais atua na execução, o que
corresponde a 43% dos profissionais,
seguido por 14% que atua no planejamento e
execução. Quatro profissionais atuam na
coordenação,
representando
11%;
3
profissionais atuam na coordenação e
execução e 3 profissionais não informaram o
campo de atuação. Dois profissionais atuam
na gestão e 2 no planejamento - cada um
correspondendo, respectivamente, a 5% do
universo total. Tem-se apenas 1 profissional
na coordenação, gestão, planejamento e
execução,
(3%
dos
profissionais
contactados).
FIgura 2. Nível de atuação do Serviço Social. Fonte: Dados obtidos em tabulação de resultados da pesquisa
pelos alunos pesquisadores da FACIG no ano de 2012.
Diante desse quadro, é importante
destacar que se a maioria dos profissionais
se encontra na execução, há a necessidade
de maior capacitação desses para a gestão e
o planejamento, espaço onde o serviço social
é requisitado. Os diferentes espaços
ocupados pelo Serviço Social exigem, a cada
dia, maior qualificação e conhecimento da
realidade para atender as demandas
advindas do Estado e espaços privados, na
coordenação, gestão, elaboração e execução
de planos, programas e projeto sociais como
aponta a Tabela 1.
Tabela 1. Cargo ocupado pelo profissional do Serviço Social. Fonte: Dados obtidos em tabulação de
resultados da pesquisa pelos alunos pesquisadores da FACIG no ano de 2012.
Cargos
Número de profissionais
Revista da Faculdade de Ciências Gerenciais de Manhuaçu – FACIG (ISSN 1808-6136). Pensar
Acadêmico, Manhuaçu, MG, v. 9, n. 2, p. 32-44, Agosto-Dezembro, 2013.
Lopes et al. (2013)
39
Assistente social e coordenadora do serviço de atenção à saúde
1
Diretora regional de MG
1
Assistente social
19
Secretária municipal de assistência social
2
Coordenador do Pró jovem e assistente social
1
Assistente social e coordenador do núcleo de assistência à saúde
1
Assistente social judicial
1
Analista do seguro social
1
Técnico de referência
2
Gerente de Serviço Social
2
Técnico Judiciário
1
Assistente social e coordenadora do CRAS
1
Valores ausentes
2
Técnico em Serviço Social
2
As condições de trabalho são, na
contemporaneidade, um grande desafio para
o Serviço Social - discussão presente nas
mesas de debates da área sobre o assunto.
Os dados (Tabela 2) apontam para
problemas
estruturais,
de
ingerência,
inversão de prioridade e problemas diversos
relacionados a gestão principalmente nos
espaços públicos.
Dentre os entrevistados, 14 profissionais
citaram
problemas
relacionados
ao
transporte, o que corresponde a 22%,
enquanto que 9 profissionais consideram a
estrutura física inadequada ou insuficiente.
Seis profissionais consideram como fatores
dificultadores a falta de recursos e
equipamentos e a defasagem da equipe
multidicisplinar. Oito profissionais (12%)
apresentaram outras demandas e os demais
destacaram problemas como falta de
comunicação intersetorial. Além disso, na
ausência de um gestor, o assistente social se
responsabiliza por tudo; a inexistência de um
plano de carreira, além de questões salariais,
rigidez hierarquica e a falta de capacitação
também foram citados. Cada um desses
itens corresponde a 1% do total de
entrevistados.
Tabela 2. Principais problemas relacionados às condições de trabalho. Fonte: Dados obtidos em
tabulação de resultados da pesquisa pelos alunos pesquisadores da FACIG no ano de 2012.
Principais problemas relacionados às condições de
trabalho
Falta de recursos (financeiros e materiais)
Número de
respostas
6
Falta de equipamentos modernos
6
Dificuldade de transportes
14
Muita demanda/Acúmulo de atividades
5
Estrutura física inadequada/insuficiente
9
Falta de capacitação
1
Desconhecimento em relação ao Serviço Social
2
Rigidez hierárquica
1
Questões salariais
1
Defasagem na equipe multidisciplinar
6
Falta de comunicação intersetorial
1
Na ausência de um gestor, o Assistente se responsabiliza por
tudo
Inexistência de um plano de cargos, carreira e salário
1
1
Revista da Faculdade de Ciências Gerenciais de Manhuaçu – FACIG (ISSN 1808-6136). Pensar
Acadêmico, Manhuaçu, MG, v. 9, n. 2, p. 32-44, Agosto-Dezembro, 2013.
Lopes et al. (2013)
40
Outros
3
Valores ausentes
8
A capacidade do indivíduo está sendo
suprimida pelo consumo excessivo do
trabalho. Antunes (2004) relata que o
trabalho gasta seus elementos, seu objeto e
seu meio; os devora e é, portanto, o
processo de consumo que extermina a magia
contida na gênese do trabalho. O serviço
social se submete a condições precárias de
trabalho, desta forma, não consegue
desenvolver o seu trabalho da forma como
deveria, comprometendo o atendimento
àquele/a usuário/a que necessita dos
serviços, e, consequentemente, a ética
profissional.
Ao serem questionados se as condições
de trabalho permitem uma atuação com base
no Código de Ética de 1993, 27 assistentes
sociais afirmam que sim, 9 dizem que em
partes e 1 não se manifestou, o que
corresponde a um total, respectivamente, de
73%, 24% e 3%. As falas dos profissionais
em destaque demonstram esta realidade:
“sim, mesmo diante das limitações e da
autonomia relativa, permanece o
respaldo do Código de Ética para a
atuação profissional.” (Profissional
1entrevistado em 2012).
“em
partes,
devido
ao
cunho
assistencialista vinculado a assistência
desde longo período, a desvinculação
do sistema associada a emancipação
do cidadão requer uma ação a médio e
longo
prazo.”
(Profissional
2
entrevistado em 2012).
“em partes, digo em partes, porque no
cotidiano busco basear minha atuação
nos princípios previstos no Código de
Ética profissional, mas a consecução
destes princípios, esbarra nos limites
impostos pela forma de estruturação e
organização da sociedade e da
intituição na qual o profissional e o
usuário
encontram-se
inscritos."
(Profissional 3 entrevistado em 2012).
De acordo com Netto (1999), os projetos
profissionais, inclusive o Projeto Ético Político
do Serviço Social, elegem os valores que o
legitimam socialmente, delimitam e priorizam
os seus objetivos de funções, formulam os
requisitos teóricos institucionais e práticos
para o exercício, prescrevem normas para o
comportamento
dos
profissionais,
estabelecem as balizas da sua relação com
os usuários de seus serviços e com as outras
profissões e com as organizações e
instituições sociais privadas e públicas.
Portanto, a partir da análise dos dados
apresentados na pesquisa, quando os
profissionais afirmam que em partes
permitem atuação do Código de Ética no
exercício e na materialilzação da prática
profissional, cabe uma reflexão, pois alguns
profissinais não conseguem identificar
elementos constitutivos do código e do
Projeto Ético Político do Serviço Social em
sua prática e os componentes que o
materializam.
Consideram-se ainda como agravantes,
as condições de trabalho, a questão salarial
e a carga horária cumprida pelo Serviço
Social. Na região, assim como em outras
partes do Brasil, observam-se remunerações
melhores, nas esferas federais, mas, a
maioria dos profissionais não é bem
remunerada. Cerca de metade dos
entrevistados
(54%)
recebeu
entre
R$1.051,00 e R$2.100,00; 19% possuem um
salário entre R$ 2.100,00 e R$3.150,00, 11%
possuem um salário de mais de R$3.150,00
e 5% desses profissionais fizeram opção por
não se manifestarem.
Quanto à carga horária de trabalho, 43%
dos profissionais trabalham 40 horas
semanais; 11% mais de 40h semanais, 27%
trabalham 30h semanais, em conformidade
com a lei que regulamenta a profissão; 6
profissionais atuam 20h semanais e um
profissional não se manifestou.
Isto é, bem mais que 50% dos
profissionais não são beneficiados com a lei
de 30 horas, evidenciando o não
cumprimento da lei por grande parte dos
empregadores. De acordo com a legislação,
a duração do trabalho do Assistente Social é
de 30 (trinta) horas semanais - Lei nº 12.317,
de 26 de agosto de 2010. Acrescenta
Revista da Faculdade de Ciências Gerenciais de Manhuaçu – FACIG (ISSN 1808-6136). Pensar
Acadêmico, Manhuaçu, MG, v. 9, n. 2, p. 32-44, Agosto-Dezembro, 2013.
Lopes et al. (2013)
41
dispositivo à Lei no 8.662, de 7 de junho de
1993, para dispor sobre a duração do
trabalho do Assistente Social.
Art. 1o A Lei no 8.662, de 7 de junho de
1993, passa a vigorar acrescida do
seguinte: Art. 5o-A. A duração do
trabalho do Assistente Social é de 30
(trinta) horas semanais.” Art. 2o Aos
profissionais com contrato de trabalho
em vigor na data de publicação desta
Lei é garantida a adequação da jornada
de trabalho, vedada a redução do
salário. Art. 3o Esta Lei entra em vigor
na data de sua publicação. Brasília,
26 de agosto de 2010; 189o da
Independência e 122o da República.
Contudo, identificou-se que o Serviço
Social é considerado um instrumento auxiliar
que subsidia, ao lado de outros serviços de
grande
eficácia,
políticas
de
maior
abrangência na concretização de requisitos
básicos para a continuidade da organização
social vigente. Portanto, é constante a
necessidade
desses
profissionais
no
mercado; no entanto, de forma cada vez
mais precarizada. Assim, o Serviço Social
sofre com precarização das relações de
trabalho, demonstrando que a categoria não
está ilesa da flexibilização do mercado de
trabalho. (ANTUNES, 1999, p.85).
O trabalhador assalariado é pressionado,
cobrado e explorado cada vez mais. É
preciso obter requisitos exigidos pelo sistema
capitalista de flexibilidade e de competências
diversificadas, para não se tornar mais uma
estatística do “exército industrial de reserva”
(NETTO, 2008, p. 132). No modo de
produção capitalista, o trabalhador é
obrigado a vender sua força de trabalho, pois
é a única forma de prover os mínimos para si
e para sua família.
Muitos
trabalhadores
precisam
complementar sua renda com mais de uma
jornada de trabalho, como os dados mostram
a seguir. Ao serem questionados sobre qual
é a motivação para um segundo vínculo
profissional,
10
entrevistados
(27%)
afirmaram ser para complementação de
renda.
Diante dessa face da realidade e do
acúmulo de atividades, observa-se que a
saúde é afetada com a precarização das
condições de trabalho. Esta estratégia do
capital coloca em risco a efetivação do
projeto ético político, pois é um fato que
interfere nas “escolhas” dos profissionais
entre o trabalho comprometido com um
projeto profissional e com a submissão das
condições deste trabalho pela própria
sobreviência.
A maioria dos profissionais (84%)
responderam que as relações de trabalho
repercutem diretamente em sua saúde,
enquanto 13% afirmam que aatividade
trabalhista não impacta na saúde. Apenas 1
profissional não se manifestou. Destacaramse algumas falas da pesquisa:
“ sim principalmente na saúde
emocional, pois lidamos diretamente
com as expressões da questão social
através
do
programa
de
acompanhamento de crônicos algumas
vezes lidamos com a questão do
trabalho paleativo, em que há uma
carga
emocional
muito
grande”
(Profissional 1 entrevistado em 2012).
“Sim,
há
desgaste
emocional
cotidianamente. Sinto-me forçada a
preservar as prerrogativas do Código
de Ética profissional
e isso exige
esforço
mental
e
até
fisico”
(Profissional 2 entrevistado em 2012).
“Sim, stress do dia-a- dia reflete
principalmente
na
vida
familiar”
(Profissional 3 entrevistado em 2012).
Além da interferência na saúde, a
influência do trabalho na vida social, pessoal
e familiar é um dado que merece atenção.
Vinte e dois profissionais entrevistados
afirmam que o trabalho tem uma interferência
significativa na vida social, pessoal e familiar,
enquanto que 12 afirmam que não fizeram
este tipo de avaliação e 3 responderam que
não.
O trabalho, segundo Neto (1999), era uma
finalidade central do ser social, e converteuse em meio de subsistência. O trabalho
tornou-se um meio de realização humana e
não
mais
uma
necessidade
para
socialização. Na sua ação e na sua atuação,
o ser social sempre encontra alternativas e
sempre pode escolher. (NETTO, 2008, p. 99)
Revista da Faculdade de Ciências Gerenciais de Manhuaçu – FACIG (ISSN 1808-6136). Pensar
Acadêmico, Manhuaçu, MG, v. 9, n. 2, p. 32-44, Agosto-Dezembro, 2013.
Lopes et al. (2013)
42
“A escolha entre alternativas concretas
configura o exercício da liberdade: o ser
social é um ser capaz de liberdade, pensar,
conhecer, projetar, objetivar-se, escolher,
único que dispõe de sociabilização”.
Mas, se a vida humana se resumisse
exclusivamente ao trabalho, seria a
efetivação
de
um
esforço
penoso,
aprisionando o ser social em uma única de
suas múltiplas dimensões. Se a vida humana
necessita do trabalho humano e de seu
potencial emancipador, ela deve recusar o
trabalho que aliena e infelicita o ser social.
(ANTUNES, 2007, p. 86).
Este trabalhador que se perde no
cotidiano do trabalho está constantemente
envolvido no processo de alienação que o
sistema capitalista reforça a cada dia. Com
isso, não consegue se organizar de forma
coletiva para o enfrentamento da realidade
social. Muitos profissionais estão ligados aos
movimentos religiosos, sendo que apenas 3
profissionais participam de movimentos da
categoria. Os profissionais que não
participam, afirmam ser por falta de tempo
19% do percentual de profissionais, 8% por
falta de oportunidade, e 73% dos
profissionais.
A partir da observação dos resultados
constata-se que há pouca expressão dos
assistentes
sociais
entrevistados
nos
movimentos sociais, pois, a maioria se
apresenta apenas como filiados e não
participantes
ativos
das
ações
de
determinados grupos sociais, o que reflete de
modo decisivo na construção e aprovação
das leis, no reconhecimento dos direitos, na
legislação social e na consciência de classe.
5. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Entende-se que o Projeto Ético Político
depara-se com fatores que dificultam sua
materialização diante de condições precárias
de trabalho. Esta realidade urge por
mudanças e organização coletiva do
profissional de Serviço Social. As condições
de trabalho precarizadas, os reflexos da
reestruturação
produtiva
no
sistema
capitalista transpõem um peso significativo
sobre o exercício profissional: a carga
horária, a ausência de condições de trabalho,
as correlações de forças, entre outros, os
quais têm modificado a forma de trabalho
deste profissional. Por outro lado, o serviço
social tem encontrado alternativas de
sobrevivência, embora não suficientes diante
da desarticulação da categoria - uma
realidade que carece ser repensada.
No que tange a organização de classe, a
profissão tem desafios a serem enfrentados,
mas isso só poderá ser realizado de forma
coletiva, pois a categoria, assim como toda
sociedade, se encontra diante de uma
estrutura que oprime e impõe, com todas as
forças, o seu projeto societário que defende
os interesses de uma minoria.
Na contramão, encontra-se em construção
o projeto ético político: expressão das
contradições
que
particularizam
uma
profissão e que seus princípios e valores por
escolhas historicamente definidas pelo
Serviço Social brasileiro, condicionadas por
determinantes históricos e concretos, colidem
com os pilares fundamentais que sustentam
a ordem do capital. (TEIXEIRA; BRAZ, 2009)
Os princípios fundamentais do código de
ética têm em seu núcleo o reconhecimento
da liberdade como valor ético central, a
liberdade concebida historicamente, como
possibilidade de escolher entre alternativas
concretas; daí um compromisso com a
autonomia, a emancipação e a plena
expansão dos indivíduos sociais. Assim, o
projeto profissional vincula-se a um projeto
societário que propõe a construção de uma
nova ordem social, sem dominação ou
exploração de classe, etnia e gênero.
(NETTO, 1999, p. 104 - 105).
A análise da questão social representa
uma realidade que se materializa na vida dos
sujeitos. A aproximação dos/as assistentes
sociais com os usuários é uma das
condições que permitem impulsionar ações
inovadoras no sentido de reconhecer e
atender às reais necessidades dos
segmentos subalternos.
O/A Assistente Social pode dispor de um
discurso de compromisso ético-político com a
população, mas se não realizar uma análise
das condições concretas vai reeditar
programas
e
projetos
alheios
às
necessidades dos usuários. A capacitação
permanente, a formação continuada e a
organização
coletiva
possibilitam
ao
profissional romper com a prática rotineira,
acrítica, a-histórica, a-política e burocrática, e
ao buscar, a partir da investigação da
Revista da Faculdade de Ciências Gerenciais de Manhuaçu – FACIG (ISSN 1808-6136). Pensar
Acadêmico, Manhuaçu, MG, v. 9, n. 2, p. 32-44, Agosto-Dezembro, 2013.
Lopes et al. (2013)
43
realidade a que estão submetidos os
usuários e sua própria categoria profissional,
a reorganização da sua atuação, tendo em
vista as condições dignas de trabalho, os
referenciais teóricos e políticos hegemônicos,
previstos em legislações específicas e
defendidos no projeto éticos político da
profissão.
Neste quadro, torna-se fundamental o
fortalecimento desse projeto profissional no
cotidiano do trabalho do/a Assistente Social,
contrapondo-se à difusão dos valores liberais
que geram desesperança, conformismo e
encobrem a apreensão da dimensão coletiva
das situações sociais presentes na vida dos
indivíduos e grupos.
Em suma, para atender as requisições
feitas pelo mercado de trabalho é preciso
entender que na profissão é importante
investir em aperfeiçoamento e organização
coletiva, pois, só assim o profissional estará
apto a trabalhar com as novas situações
postas no cotidiano, para legitimar a prática
profissional e preservar os espaços de
atuação sem perder de vista o projeto ético
político.
Diante deste cenário, no sentido da
continuação
deste
debate,
algumas
inquietações ainda merecem um novo
debruçar. A consideração do Assistente
Social como um intelectual subalterno situa,
necessariamente, a reflexão de seu papel
profissional numa dimensão eminentemente
política, estando em jogo o sentido social da
atividade desse agente. Colocam-se, de
frente, algumas indagações: a quem vem
efetivamente servindo esse profissional? Que
interesses reproduz? Como se fortalecer
coletivamente? Quais as possibilidades de
estar a serviço da construção do projeto ético
político e da construção de uma nova ordem
societária?
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sobre as metamorfoses e a centralidade do
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Acadêmico, Manhuaçu, MG, v. 9, n. 2, p. 32-44, Agosto-Dezembro, 2013.
Lopes et al. (2013)
44
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Serviço Social e Política Social. Brasília:
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Revista da Faculdade de Ciências Gerenciais de Manhuaçu – FACIG (ISSN 1808-6136). Pensar
Acadêmico, Manhuaçu, MG, v. 9, n. 2, p. 32-44, Agosto-Dezembro, 2013.
45
Lopes e Silva (2013)
O CONHECIMENTO DOS MORADORES DA COMUNIDADE SANTO AGOSTINHO,
CÓRREGO JACUTINGA – ALTO JEQUITIBÁ/ MINAS GERAIS SOBRE O USO DE
AGROTÓXICOS NA AGRICULTURA
Área Temática: Gestão Ambiental
Natália Lopes1, Juliana Santiago da Silva2
1
Discente do Curso de Tecnólogo em Gestão Ambiental da Faculdade de Ciências
Gerenciais de Manhuaçu (FACIG)
2
Mestre em Ciências pelo Departamento de Bioquímica e Imunologia da Faculdade de
Medicina da Universidade de São Paulo. Professora no Curso de Gestão Ambiental da
Faculdade de Ciências Gerenciais de Manhuaçu (FACIG)
RESUMO
O uso de agrotóxicos na agricultura vem sendo difundido cada vez mais. Com o aumento da
utilização indiscriminada desses produtos, passou a haver uma preocupação maior quanto
ao conhecimento da população em relação ao uso correto desses produtos. Sendo assim,
este estudo buscou analisar o conhecimento da população quanto ao uso e aplicação
desses produtos. Essa análise foi feita através da aplicação de questionários com perguntas
claras e objetivas que buscavam conhecer como a população faz o uso dos agrotóxicos em
suas culturas no dia a dia. A partir das respostas dadas pelos agricultores entrevistados,
observa-se que o descarte das embalagens não é feito corretamente e que não são usados
equipamentos de proteção por parte dos aplicadores. Os entrevistados sabem que os
agrotóxicos fazem mal à saúde e prejudicam o meio ambiente, mas não sabem dizer ao
certo quais são esses danos. Conclui-se assim que o conhecimento dos agricultores é baixo
quanto ao uso correto de agrotóxicos, sendo necessários trabalhos de conscientização para
os mesmos.
Palavras-chaves: Agrotóxicos, Agricultores, Conscientização.
1. INTRODUÇÃO
Mesmo que a produção agrícola tenha
modernizado,
os
agricultores
não
acompanharam tal modernização e, por
isso, vem sofrendo com as mudanças
tecnológicas. O crescimento da produção
agrícola foi acompanhado por um
aumento no consumo de agrotóxicos. As
condições de trabalho, juntamente com a
exposição constante a esses produtos
contaminantes, fazem com o número de
acidentes
de
trabalho
aumente
significativamente. Entre estes acidentes,
destaca-se a contaminação pelo uso
indiscriminado
dos
defensivos.
“O
aplicador convive com falta de informação
associada à falta de assistência técnica,
destinada à utilização dos mesmos”
(PASCHOARELLI, 2009, p. 169).
Por trazerem riscos à saúde humana,
os agrotóxicos vêm sendo fonte de
estudos variados. Estes são usados por
vários setores e principalmente pelo setor
agropecuário, onde tais produtos podem
causar danos a todos da população
próxima onde o mesmo está sendo
utilizado
e,
principalmente,
aos
aplicadores destes produtos (OIT, 2001;
BRASIL, 1997).
O uso intensivo e excessivo dos
agrotóxicos leva não só à erradicação de
pragas como também à eliminação de
seus inimigos naturais. Esse uso
indiscriminado causa o aumento de
resistência por parte das pragas, que
Revista da Faculdade de Ciências Gerenciais de Manhuaçu – FACIG (ISSN 1808-6136). Pensar
Acadêmico, Manhuaçu, MG, v. 9, n. 2, p. 45-53, Julho-Dezembro, 2013.
46
Lopes e Silva (2013)
passam a suportar doses antes suficientes
para eliminar todas elas (PASCHOAL,
1979).
Mesmo nos dias de hoje, os produtores
ainda não têm conhecimento suficiente
quanto ao uso e manuseio correto dos
agrotóxicos. Devido a esse fato, são
necessários trabalhos com informações a
respeito, para que os agricultores possam
ser instruídos e alertados dos riscos que
os agrotóxicos trazem à saúde e ao meio
ambiente.
O Brasil está entre os maiores
consumidores mundiais de agrotóxicos
(ANVISA, 2007). A utilização de insumos
químicos de forma desequilibrada e sem
nenhuma orientação vem trazendo muitos
prejuízos ao ambiente e ao homem
(GARCIA, 1991; MOREIRA et al., 2002;
PIGNATTI et al., 2007).
Muitos agrotóxicos possuem grande
estabilidade
causando
problemas
ambientais, como a toxicidade que
permanece no solo, afetando as plantas e
animais da área. Quando arrastados para
cursos d’águas, eles podem causar a
destruição da vida aquática e, com o
aumento da resistência das pragas, os
agricultores têm aplicado doses cada vez
maiores, trazendo mais danos ao meio
ambiente (ANDRADE e SARNO, 1990).
Portanto, é fundamental que haja
esclarecimento e conscientização dos
agricultores através de trabalhos que
possam instruí-los e alertá-los sobre
riscos eminentes de intoxicação.
Nesse sentido, este trabalho visa
analisar o nível de conhecimento dos
agricultores da comunidade de Santo
Agostinho, Córrego Jacutinga – Alto
Jequitibá/ Minas Gerais, sobre o manuseio
de agrotóxicos e também a percepção dos
mesmos sobre os prejuízos acarretados
por esses produtos.
2.
HISTÓRICO
AGROTÓXICO
DO
USO
DO
Embora a indústria de agrotóxicos
tenha surgido após a Primeira Guerra
Mundial, seu uso foi disseminado nos
Estados Unidos e na Europa após a
Segunda Guerra Mundial (TERRA, 2008).
O uso de defensivos agrícolas no Brasil
começou a aumentar na década de 40. Já
na década de 60, a isenção de impostos
nos produtos industrializados e as baixas
taxas de importação contribuíram para o
aumento do consumo desses produtos
(BULL e HATHAWAY, 1986). Outro fator
que colaborou para esse aumento foi a
melhoria na renda dos agricultores, que
passaram a comprar mais defensivos,
aumentando o consumo de agrotóxicos.
A oferta de crédito do Estado para a
compra de agrotóxicos foi um grande
incentivo para os agricultores, ficando o
Brasil entre os maiores e mais importantes
consumidores de agrotóxicos (Figura 1)
(MIDC/SDP, 2004).
Figura 1. Oferta de crédito rural e
consumo de agrotóxicos no Brasil
(SOARES, 2010)
3. FINALIDADES DOS AGROTÓXICOS
A lei n° 4.074 de 4 de janeiro de 2002
determina os agrotóxicos sendo
Produtos e agentes de processos
físicos, químicos ou biológicos,
destinados ao uso nos setores de
produção, no armazenamento e
beneficiamento
de
produtos
agrícolas, nas pastagens, na
proteção de florestas, nativas ou
plantadas, e de outros ecossistemas
e de ambientes urbanos, hídricos e
industriais, cuja finalidade seja
alterar a composição da flora ou da
fauna, a fim de preservá-las da ação
Revista da Faculdade de Ciências Gerenciais de Manhuaçu – FACIG (ISSN 1808-6136). Pensar
Acadêmico, Manhuaçu, MG, v. 9, n. 2, p. 45-53, Julho-Dezembro, 2013.
47
Lopes e Silva (2013)
danosa de seres vivos considerados
nocivos, bem como as substâncias e
produtos
empregados
como
desfolhantes,
dessecantes,
estimuladores e inibidores de
crescimento (BRASIL, 2002).
Os
agricultores
vêm
sendo
incentivados a utilizar cada vez mais os
agrotóxicos, devido a estes combaterem
as pragas, diminuindo assim os prejuízos
nas colheitas e aumentando a produção.
Entretanto,
essa
prática
de
uso
indiscriminado
tem
gerado
muitos
problemas à saúde dos trabalhadores
rurais e de seus familiares, assim como da
população de uma forma geral (DAVIS et
al., 1992).
3.1. Registro dos Agrotóxicos
De acordo com o Art. 3° da Lei n°
7.802/89, os agrotóxicos para serem
produzidos,
exportados,
importados,
comercializados e utilizados devem ser
previamente registrados em órgão federal,
de acordo com as diretrizes e exigências
dos órgãos responsáveis. Além disso, o
Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e
dos Recursos Naturais Renováveis
(IBAMA) realiza a avaliação do potencial
de periculosidade ambiental de todos os
agrotóxicos registrados no Brasil (IBAMA,
1996).
3.2. Classificação dos agrotóxicos
Os agrotóxicos podem ser classificados
de acordo com a praga que controlam, o
grupo químico ao qual pertencem e de
acordo com os efeitos à saúde humana e
ao ambiente. Segundo sua função, os
agrotóxicos são classificados de forma
simplificada.
• Herbicidas:
combatem
ervas
indesejadas;
• Inseticidas: combatem insetos;
• Fungicidas: combatem fungos;
• Desfolhantes: eliminam folhas
indesejadas;
• Fumigantes: combatem bactérias
do solo;
• Raticidas: combatem ratos e
demais roedores;
• Moluscocidas:
combatem
moluscos;
• Nematicidas:
combatem
nematoides;
• Acaricidas: combatem ácaros.
Quanto ao seu grau de toxicidade, os
agrotóxicos são classificados em quatro
categorias, sendo atribuída uma cor
distinta para cada uma delas (Tabela 1)
(PASCHOARELLI e MENEZES, 2009).
Tabela 1. Classe toxicológica e cor da faixa no rótulo de produto agrotóxico
(PASCHOARELLI e MENEZES, 2009)
“Os agrotóxicos ainda recebem uma
classificação de acordo com sua
periculosidade ambiental, que vai de
pouco até altamente perigoso” (Tabela 2)
(PASCHOARELLI e MENEZES, 2009, p.
200).
Revista da Faculdade de Ciências Gerenciais de Manhuaçu – FACIG (ISSN 1808-6136). Pensar
Acadêmico, Manhuaçu, MG, v. 9, n. 2, p. 45-53, Julho-Dezembro, 2013.
48
Lopes e Silva (2013)
Tabela 2. Classificação de periculosidade
ambiental dos agrotóxicos (IMA, 2009)
Classe
Nível de perigo ao ambiente
Classe I
Altamente perigoso
Classe II
Muito perigoso
Classe III
Perigoso
Classe IV
Pouco Perigoso
3.3. Prejuízos
Quando aplicados sem nenhum
controle os agrotóxicos podem trazer
danos tanto para a saúde humana quanto
para o meio ambiente. Os danos
causados por estes produtos não atingem
somente a saúde dos aplicadores, mas
também todos que irão consumir os
alimentos contaminados e também
aqueles que terão contato direto com
esses produtos (BOWLES e WEBSTER,
1995).
No meio ambiente os agrotóxicos agem
de duas maneiras: acumulam-se na biota
e contaminam a água e o solo.
No primeiro caso, a dissipação de
agrotóxicos no ambiente pode causar um
desequilíbrio ecológico na interação entre
duas ou mais espécies. Alguns tipos de
agrotóxicos, como os organoclorados se
acumulam ao longo da cadeia alimentar
por meio da biomagnificação, que é o
aumento do agrotóxico no decorrer do
nível trófico (SOARES e PORTO, 2007).
Alguns agrotóxicos, além de acabar
com as pragas, também eliminam os seus
predadores e competidores. Alguns
indivíduos são mais resistentes, o que faz
com que, na maior parte das vezes, as
pragas
não
sejam
completamente
eliminadas, restando indivíduos mais
resistentes (SOARES e PORTO, 2007).
A outra via de impacto ambiental é a
contaminação da água e do solo. A
contaminação
das
águas,
tanto
superficiais quanto subterrânea, vem
sendo uma fonte de preocupação quando
se trata de impactos gerados pela
agricultura (SOARES e PORTO, 2007).
“No que diz respeito à contaminação no
solo, o acúmulo dos agrotóxicos pode
fragilizar e desencadear absorção de
elementos minerais, principalmente em
solos desnudos, concorrendo para a
redução do grau de fertilidade do mesmo”
(SOARES e PORTO, 2007, p. 4).
Os possíveis efeitos adversos dos
agrotóxicos à saúde humana dependem
de
características
químicas,
da
quantidade absorvida, do tempo de
exposição e das condições de saúde da
pessoa exposta (OPAS/OMS, 1996).
Os efeitos sobre a saúde humana
podem ser divididos em agudos e
crônicos. Os efeitos agudos são devido à
exposição em doses suficientes para
causar um dano efetivo e aparente em um
período menor de tempo (OPAS/OMS,
1996).
Os efeitos crônicos, por sua vez, são
resultados de uma exposição por um
período de tempo mais prolongado e
doses baixas de um ou mais agrotóxicos
(COCCO et al., 2005; PUKKALA et al.,
2009).
De acordo com Alexander et al. (2007),
estes efeitos podem ser transmitidos
congenitamente, podendo ser confundidos
com distúrbios de outra natureza ou
relacionados a agentes etiológicos.
4. DESCARTE DAS EMBALAGENS
Um dos grandes problemas causados
pelo uso dos agrotóxicos é o descarte final
das
embalagens
vazias.
Esta
preocupação se deve ao fato destas
conterem resíduos do produto altamente
concentrados,
sendo
fonte
de
contaminação para o homem e o meio
ambiente (VAZ, 2006).
Na maioria dos casos, as embalagens
de agrotóxicos são deixadas no local de
uso, sem nenhuma preocupação do
usuário no descarte das mesmas e sem
realizar a chamada tríplice lavagem, como
cita a lei nº 7.802/89 Art. 6º:
As
embalagens
rígidas
que
contiverem formulações miscíveis ou
dispersáveis em água deverão ser
Revista da Faculdade de Ciências Gerenciais de Manhuaçu – FACIG (ISSN 1808-6136). Pensar
Acadêmico, Manhuaçu, MG, v. 9, n. 2, p. 45-53, Julho-Dezembro, 2013.
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Lopes e Silva (2013)
submetidas pelo usuário à operação
de tríplice lavagem, ou tecnologia
equivalente,
conforme
normas
técnicas oriundas dos órgãos
competentes e orientação constante
de seus rótulos e bulas (Incluído
pela Lei nº 9.974 de 2000).
A tríplice lavagem é uma das medidas
que evita que os resíduos fiquem
acumulados nas embalagens, evitando
que acidentes aconteçam com os
aplicadores devido a estes manusearem
os produtos diretamente. Outra vantagem
dessa lavagem é que esta já prepara a
embalagem para a reciclagem (VAZ,
2006).
5. METODOLOGIA
5.3. Análise dos dados
Nas 20 propriedades rurais visitadas,
apenas um agricultor foi entrevistado,
estando este diretamente ligado às
atividades agrícolas da propriedade.
Apesar de o café ser a principal cultura,
observou-se também o cultivo de milho e
feijão. Os agricultores afirmaram fazer o
uso de agrotóxicos somente na cultura do
café.
Os pesquisados foram questionados
sobre o motivo pelo qual eles utilizam os
agrotóxicos (Figura 2) e a maioria afirmou
usá-lo para o combate a pragas e para o
aumento da produção na propriedade.
Quanto à quantidade certa a ser utilizada,
a maioria disse seguir a indicação de um
agrônomo.
5.1. Unidade de análise
O município de Alto Jequitibá, Minas
Gerais, está localizado ao leste do estado,
na Zona da Mata Mineira e destaca-se por
sua produção cafeeira.
O
trabalho
foi
realizado
na
comunidade Santo Agostinho, Córrego
Jacutinga, localizada a 6 km da sede do
município
de
Alto
Jequitibá.
Na
comunidade
estão
instaladas
26
propriedades rurais, residindo em cada
uma delas ao menos uma família. A
principal
atividade
agrícola
da
comunidade é a produção cafeeira.
5.2. Coleta de dados
A coleta de dados foi realizada entre
outubro e novembro de 2013 e teve como
objetivo obter informações com os
moradores sobre como é feito o
manuseio, a aplicação de agrotóxicos e
quais são as informações que eles têm
sobre o assunto.
Para a coleta de dados, empregou-se
um
questionário
semiestruturado
composto de 11 questões, as quais
buscaram conhecer a visão dos
agricultores
quanto
ao
uso
dos
agrotóxicos, benefícios e riscos.
Motivos pelo qual utilizam os agrotóxicos
na propriedade
60%
50%
40%
30%
20%
10%
0%
Aumento da
produção
Combate a pragas
Figura 2. Motivos da utilização dos
agrotóxicos na propriedade.
Dos 20 agricultores que responderam
ao questionário, 7 disseram nunca ter
recebido nenhuma orientação quanto ao
uso e cuidados com os agrotóxicos, sendo
que 13 deles disseram já ter recebido
alguma orientação.
Quanto ao tipo de agrotóxico utilizado
na propriedade, os agricultores disseram
aplicar principalmente o Roundup®
(herbicida não seletivo, de ação sistêmica)
(Figura 3). Também foram citados
ACTARA (Inseticida sistêmico) e IMPACT
PLUS (Fungicida sistêmico), porém em
menor quantidade.
Revista da Faculdade de Ciências Gerenciais de Manhuaçu – FACIG (ISSN 1808-6136). Pensar
Acadêmico, Manhuaçu, MG, v. 9, n. 2, p. 45-53, Julho-Dezembro, 2013.
50
Lopes e Silva (2013)
Figura 3. Produtos utilizados citados
pelos produtores.
Quando questionados sobre o uso de
equipamento de proteção individual (EPI),
a maioria dos participantes alegaram usar
os equipamentos de proteção (Figura 4),
sendo os mais utilizados luvas, botas,
máscara e óculos. Os agricultores
disseram, ainda, não utilizar o macacão
necessário para a proteção, devido a este
ser muito quente.
Figura 5. Principais prejuízos ambientais
causados pelos agrotóxicos citados pelos
agricultores.
Ao serem questionados quanto ao
descarte das embalagens de agrotóxicos,
a maioria dos agricultores disse devolver
as embalagens no local onde os produtos
são comprados (Figura 6). Alguns
proprietários
alegaram
reutilizá-las,
queimá-las ou, ainda, deixá-las na
propriedade.
Figura 4. Porcentagem de agricultores
que utilizam equipamentos de proteção.
Ao perguntar aos participantes sobre
os danos que os agrotóxicos podem
causar à saúde, a maioria disse saber que
os agrotóxicos são prejudiciais, mas não
souberam dizer ao certo quais os danos
que estes podem causar. Foram citadas
doenças como intoxicação, dores de
cabeça e câncer.
Em relação aos prejuízos causados ao
meio ambiente, 17 agricultores disseram
saber que os agrotóxicos trazem
problemas ao meio ambiente e 3
agricultores disseram não saber (Figura 5)
Figura 6. Como é feito o descarte das
embalagens
na
propriedade
pelos
agricultores participantes.
Ao
fim
do
questionário,
foi
disponibilizado para os agricultores um
informativo sobre agrotóxicos, para
orientá-los quanto ao manuseio e
aplicação desses produtos. Esta prática
fica como uma recomendação que deveria
ser adotada como uma forma de
conscientização dos agricultores.
Revista da Faculdade de Ciências Gerenciais de Manhuaçu – FACIG (ISSN 1808-6136). Pensar
Acadêmico, Manhuaçu, MG, v. 9, n. 2, p. 45-53, Julho-Dezembro, 2013.
51
Lopes e Silva (2013)
6. DISCUSSÃO DOS RESULTADOS
Constatou-se que a maioria dos
produtores não utiliza os equipamentos
de proteção necessários para a aplicação
e manuseio dos produtos, o que é
confirmado por Macedo (2002): “A
maioria ignora os efeitos nocivos dos
produtos (ao próprio agricultor e ao meio
ambiente), não usa equipamentos de
proteção”.
O principal produto utilizado pelos
agricultores é o Roundup® (herbicida não
seletivo de ação sistêmica). Os produtores
pesquisados alegam aplicar o Roundup®
por acharem que este é inofensivo à
saúde, mas de acordo com Paschoarelli
(2009, p. 179), “os herbicidas que
aparentemente são mais inofensivos
também oferecem riscos à sua saúde”.
Caires
e
Castro
(2002)
também
argumentam que estudos mostraram que
o glifosato, substância encontrada nos
herbicidas, é absorvido pela membrana
gastrointestinal, mesmo que lentamente, e
que fica retido nos tecidos. Porém, é
rapidamente eliminado se houver pausa
de utilização ou contato. Neste sentido, o
Roundup® está classificado como pouco
tóxico, sendo que o uso indiscriminado
desses produtos traz danos à saúde,
mesmo estes sendo pouco tóxicos.
Nas propriedades rurais, a maioria dos
produtores não descarta as embalagens
de forma correta. Sabe-se que o descarte
incorreto das embalagens traz vários
problemas ao meio ambiente, podendo
também prejudicar a saúde humana. O
INPEV (2005) deixa isso claro ao dizer
que “sem o devido recolhimento, as
embalagens são fontes perigosas de
poluição ambiental podendo contaminar o
solo, o lençol freático e ainda atingir
diretamente a saúde humana”. A lei 7.802,
de 11 de Julho de 1989 cita que:
“os usuários de agrotóxicos, seus
componentes e afins deverão
efetuar a devolução das embalagens
vazias
dos
produtos
aos
estabelecimentos comerciais em
que foram adquiridos, de acordo
com as instruções previstas nas
respectivas bulas, no prazo de até
um ano, contado da data de compra,
ou prazo superior, se autorizado
pelo órgão registrante, podendo a
devolução ser intermediada por
postos ou centros de recolhimento,
desde que autorizados e fiscalizados
pelo órgão competente (Incluído
pela Lei nº 9.974, de 2000)”
(BRASIL, 1989).
Os
agricultores
não
recebem
orientação sobre o manuseio correto dos
agrotóxicos. Na maioria das vezes, a
única orientação recebida é a dada no
momento da compra dos produtos. De
acordo com Paschoarelli (2009, p. 175)
“Isso resulta em uma utilização errônea e
abusiva desses produtos. Grande parte
disso é o que origina os acidentes de
trabalho e as concomitantes intoxicações
nos usuários” (Paschoarelli, 2009, p.
175).
Ao receberem o informativo, os
agricultores ficaram muito satisfeitos,
uma vez que a maioria deles nunca tinha
recebido nenhuma orientação quanto ao
uso de agrotóxicos.
7. CONCLUSÃO
Considerando os dados obtidos e a
análise destes, pode-se concluir que o
nível de conhecimento da população em
relação ao uso de agrotóxicos é baixo.
Nesse sentido, torna-se necessário a
distribuição de informativos juntamente
com trabalhos de conscientização a fim
de mostrá-los os danos que os
agrotóxicos podem causar à saúde e ao
meio
ambiente.
Além
disso,
os
informativos podem instruí-los quanto às
formas corretas de armazenamento dos
produtos, descartes das embalagens e ao
uso de EPIs na aplicação.
8. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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Revista da Faculdade de Ciências Gerenciais de Manhuaçu – FACIG (ISSN 1808-6136). Pensar
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Acadêmico, Manhuaçu, MG, v. 9, n. 2, p. 45-53, Julho-Dezembro, 2013.
54
Hot et al. (2013)
RACISMO NA LITERATURA BRASILEIRA? UMA BREVE ANÁLISE SOBRE MACHADO
DE ASSIS E MONTEIRO LOBATO
Área Temática: História, Literatura brasileira
Leonardo de Carvalho Alves1, Leonardo Souza Correa1, Juliana Souza Martins
Soares1, Lídia Maria Nazaré Alves2, Amanda Dutra Hot3
1
. Discentes do curso de História da Faculdade de Ciências Gerenciais de Manhuaçu
(FACIG)
2
. Doutora em Letras pela Universidade Federal Fluminense. Professora na Faculdade de
Ciências Gerenciais de Manhuaçu (FACIG)
3
. Mestre em História pela Universidade Federal de Ouro Preto. Professora na Faculdade de
Ciências Gerenciais de Manhuaçu (FACIG)
“Si se calla el cantor calla la vida”
(Mercedes Sosa)
RESUMO
O presente trabalho visa analisar algumas das obras mais polêmicas dos escritores
Monteiro Lobato e Machado de Assis em busca de argumentos que desmintam ou reforcem
as acusações de racismo que recaem sobre esses dois grandes gênios da literatura
brasileira. As principais obras trabalhadas foram: “Caçadas de Pedrinho” (1933) e o conto
“Negrinha” (1920) de Monteiro Lobato, e também o conto “O Caso da Vara” (1891) e “Dom
Casmurro” (1899), de Machado de Assis.
Palavras-chave: Machado de Assis, Monteiro Lobato, Racismo.
ABSTRACT
The present work analyzes some of the most controversial works of writers Monteiro Lobato
and Machado de Assis in search of arguments that belie or reinforce the charges of racism
that fall on these two great geniuses of Brazilian literature. The main works were worked:
"Hunting Pedrinho" (1933) and the short story "Scoter" (1920) by Monteiro Lobato, and also
the short story "The Case of the Stick" (1891) and "Don Casmurro" (1899), the Machado de
Assis.
Keywords: Machado de Assis, Monteiro Lobato, Racism.
A tentativa desesperada dos brasileiros
de mostrar seu país como um local sem
preconceitos se superou, indo muito mais
além do que a censura à língua
portuguesa, proposta pela cartilha do
“Politicamente
Correto
&
Direitos
Humanos”, publicada pela Secretaria
Especial dos Direitos Humanos em 2004.
Dessa vez, foi iniciada uma verdadeira
“caça às bruxas” dentro dos anais da
literatura
brasileira,
onde
grandes
escritores foram acusados de preconceito
racial. Alguns por realmente se mostrarem
favoráveis às ideias de superioridade da
“raça branca” e outros por simplesmente
utilizarem termos tidos como “comuns” na
época em que viveram. Enquadrando-se
no primeiro exemplo, pode-se citar o
nome de Monteiro Lobato, o mais
aclamado escritor da literatura infantil
brasileira. Já o segundo caso se aplica,
por exemplo, ao renomado Machado de
Revista da Faculdade de Ciências Gerenciais de Manhuaçu – FACIG (ISSN 1808-6136). Pensar
Acadêmico, Manhuaçu, MG, v. 9, n. 2, p. 54-62, Agosto-Dezembro, 2013.
55
Hot et al. (2013)
Assis, tido por muitos escritores como o
maior nome da literatura nacional e um
dos maiores da língua portuguesa. “Em
seu livro de 2002 "Gênio", o crítico Harold
Bloom foi ainda mais longe, dizendo que
Machado era "o supremo artista literário
negro até à data.1" [traduzido pelos
autores]
José Bento Monteiro Lobato era,
segundo a enciclopédia Barsa, um grande
defensor da causa nacionalista e,
portanto, crítico dos costumes nacionais,
recorrendo para isso ao sarcasmo e as
caricaturas.
Devido
a
esse forte
sentimento nacionalista, alimentado pela
ideia de superioridade da “raça branca”,
Lobato realmente chegou a escrever
diversas cartas com conotações racistas,
cujos trechos, publicados por André Nigri
no artigo intitulado “Monteiro Lobato e o
Racismo”, na edição 165 da revista
“Bravo!”, em Maio de 2011, poderão ser
vistos logo abaixo. Nesse mesmo artigo é
dito que Lobato, assim como muitos de
sua época, simpatizava com a popular
ideia
da
eugenia,
que
pregava,
basicamente, o aperfeiçoamento genético
da “raça branca”, tida como a raça
portadora dos melhores genes, como, por
exemplo, o da inteligência. Para os
adeptos dessa teoria os “brancos” não
deveriam se misturar geneticamente as
demais raças. A “raça branca” deveria se
manter pura para alcançar a supremacia
genética.
Cedendo-lhe a palavra:
‘País de mestiços, onde branco
não tem força para organizar uma
Kux-Klan (sic), é país perdido para
altos destinos. (...) Um dia se fará
justiça ao Ku-Klux-Klan; tivéssemos
aí uma defesa desta ordem, que
mantém o negro em seu lugar, e
estaríamos hoje livres da peste da
imprensa carioca - mulatinho
1
Trecho disponível em uma matéria publicada por
Larry Rohter, em 12 de Setembro de 2008, no
jornal estadunidense “The New York Times”.
Encontrado em:
http://www.nytimes.com/2008/09/13/books/13mach
.html?pagewanted=all (acesso em 17/04/2013).
fazendo jogo do galego, e sempre
demolidor porque a mestiçagem do
negro
destrói
a
capacidade
construtiva’. (Carta enviada a Arthur
Neiva em 10 de abril de 1928)
‘Nos Estados Unidos, a eugenia está
tão adiantada que já começam a
aparecer 'filhos eugênicos'. Uma
senhora da alta sociedade meses
atrás ocupou durante vários dias a
front page [primeira página] dos
jornais mexeriqueiros graças à
audácia com que, rompendo contra
todos os preceitos da ciência e sem
se ligar legalmente a nenhum
homem, escolheu um admirável tipo
macho, fê-lo estudar sobre todos os
aspectos
e,
achando-o
fit
[adequado] para o fim que tinha em
vista fez-se fecundar por ele. Disso
resultou uma menina que está
sendo criada numa farm [fazenda]
especialmente
adaptada
para
nursery [creche] eugênica’. (Carta
enviada a Renato Kehl em 8 de julho
de 1929)
[Comentários ofensivos ao povo
mestiço da Bahia durante uma visita
a Salvador:] ‘Mas que feio material
humano formiga entre tanta pedra
velha!
A
massa
popular
é
positivamente um resíduo, um
detrito biológico. Já a elite que brota
como flor desse esterco tem todas
as finuras cortesãs das raças bem
amadurecidas. ’ (Carta enviada a
Arthur Neiva em 15 de dezembro de
1935)
‘Dizem que a mestiçagem liquefaz
essa cristalização racial que é o
caráter e dá uns produtos instáveis.
Isso no moral - e no físico, que
feiúra! Num desfile, à tarde, pela
horrível Rua Marechal Floriano, da
gente que volta para os subúrbios,
que
perpassam
todas
as
degenerescências, todas as formas
e má-formas humanas - todas,
menos a normal. Os negros da
África, caçados a tiro e trazidos à
força para a escravidão, vingaram-
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se do português de maneira mais
terrível
amulatando-o
e
liquefazendo-o, dando aquela coisa
residual que vem dos subúrbios pela
manhã e reflui para os subúrbios à
tarde. ’ (Carta a Godofredo Rangel
incluída na primeira edição do livro
"A Barca de Gleyre", em 1944)
Ainda de acordo com o que disse Nigri
no artigo já citado, Lobato teria parado de
falar sobre a eugenia devido aos atos
horrendos do Nazismo, dentre eles o
holocausto, episodio que culminou no
extermínio de aproximadamente seis
milhões de judeus. Lobato, no entanto,
nunca se retratou publicamente sobre o
que disse ou escreveu anteriormente.
Em “Negrinha” (1920), conto contido
em um livro de mesmo nome, Lobato
chega a mostrar que a situação dos
negros permanecia a mesma, ou seja,
eles ainda eram maltratados e vistos
como ferramentas de trabalho, mesmo
após a promulgação da Lei Áurea em
1888 e a Proclamação da Republica em
1889. Ficando evidente que a população
brasileira ainda tinha dificuldades em se
adaptar ao sistema republicano. Tais fatos
podem ser conferidos nos seguintes
trechos de “Negrinha”:
Que ideia faria de si essa criança
que nunca ouvira uma palavra de
carinho? Pestinha, diabo, coruja,
barata descascada, bruxa, patachoca, pinto gorado, mosca-morta,
sujeira, bisca, trapo, cachorrinha,
coisa-ruim, lixo — não tinha conta o
número de apelidos com que a
mimoseavam. Tempo houve em que
foi a bubônica. A epidemia andava
na berra, como a grande novidade, e
Negrinha viu-se logo apelidada
assim — por sinal que achou linda a
palavra.
Perceberam-no
e
suprimiram-na da lista. Estava
escrito que não teria um gostinho só
na vida — nem esse de personalizar
a peste.
O corpo de Negrinha era tatuado de
sinais, cicatrizes, vergões. Batiam
nele os da casa todos os dias,
houvesse ou não houvesse motivo.
Sua pobre carne exercia para os
cascudos, cocres e beliscões a
mesma atração que o ímã exerce
para o aço. Mãos em cujos nós de
dedos comichasse um cocre, era
mão que se descarregaria dos
fluidos em sua cabeça. De
passagem. Coisa de rir e ver a
careta...
A excelente dona Inácia era mestra
na arte de judiar de crianças. Vinha
da escravidão, fora senhora de
escravos — e daquelas ferozes,
amigas de ouvir cantar o bolo e
estalar o bacalhau. Nunca se afizera
ao regime novo — essa indecência
de negro igual a branco [...].
Ao fim do conto, Lobato chega a
comover o leitor quando a pobre órfã de
apenas sete anos morre ao parar de se
alimentar devido a uma grande tristeza
que a afligia. A jovem não querer mais ser
tratada como um “animal” depois ter
experimentado, pela primeira vez, as
alegrias de ser uma criança ao ter a
permissão da senhora para brincar com
uma boneca. Ao se divertir com o
brinquedo, Negrinha finalmente se sentiu
um ser humano. Soube que tinha uma
alma e não queria, portanto, ter a vida
triste e vazia que levava antes.
Em 2010 após uma denuncia feita pela
Secretaria de Promoção da Igualdade
Racial, sob a influência da polêmica
linguagem politicamente correta, Lobato
foi acusado de racismo, mesmo após sua
morte. Ao analisar a denuncia, o Conselho
Nacional de Educação (CNE) determinou
que o livro “Caçadas de Pedrinho” (1933)
fosse proibido nas escolas por apresentar
trechos discriminatórios, como, por
exemplo, o que segue abaixo.
Sim, era o único jeito – e Tia
Nastácia, esquecida dos seus
numerosos reumatismos, trepou que
nem uma macaca de carvão pelo
mastro de São Pedro acima, com tal
agilidade que parecia nunca ter feito
outra coisa na vida senão trepar em
mastros. [grifo nosso]
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O MEC (Ministério da Educação) pediu,
segundo um artigo publicado na Revista
“Veja” em 25 de Setembro de 2012, por
Nathalia
Goulart,
que
o
CNE
reconsiderasse a questão, encerrando por
um breve período o assunto. O caso,
porém, estava longe de acabar, e pouco
tempo depois o Instituto Advocacia Racial
e Ambiental (Iara) solicitou judicialmente
que o caso fosse reaberto, caso esse em
que as duas partes, no caso o MEC e o
Iara, não chegaram a um acordo até os
dias de hoje. O MEC defende que não se
pode alterar uma obra literária, por ela
contribuir para o conhecimento histórico e
filosófico do período em que foi escrita. Já
o advogado do Iara, Humberto Adami, diz
que o racismo não pode se tornar algo
banal na sociedade, sendo sempre
defendido pela ideia de que “esses termos
eram comuns na época em que foram
escritos” e que esses trechos não
provocam nenhum efeito na atual
sociedade. Para Adami, provoca sim.
De acordo com a reportagem de
Mariana Oliveira “TF debate se há racismo em
livro de Monteiro Lobato usado em escolas”,
publicada em 11 de setembro de 2012 no portal
de noticias “G1”, o ministro do Supremo Tribunal
Federal (STF), Luiz Fux, relator do caso, diz que
essa discussão é muito importante, pois
traz "preceitos constitucionais como
liberdade de expressão e vedação ao
racismo". E por isso, o caso deve ser
julgado com cautela, buscando encerrá-lo
com uma conciliação entre as duas
partes.
Apesar de o conto “Negrinha”,
comentado anteriormente, apresentar um
enredo que aparenta buscar a comoção
do leitor e torná-lo ciente da humanidade
da sofrida personagem, o conto também
se tornou alvo de denuncias contra o
preconceito
racial
feitas
por
representantes do Instituto de Advocacia
Racial e Ambiental (Iara) que pedem o fim
da distribuição de mais uma obra de
Monteiro Lobato, visto que, assim como
“Caçadas de Pedrinho”, ela também
apresenta conteúdo racista e sexista,
podendo incentivar atos de maus tratos
aos negros. O MEC, no entanto, mais uma
vez, se recusa a proibir a circulação da
obra de Lobato e se dispõe a analisá-la.
Em resposta o Iara solicita ao menos que
uma nota explicativa seja anexada ao
conteúdo das polêmicas obras de
Monteiro Lobato, deixando claro ao leitor
que as obras apresentam conteúdos
discriminatórios. O MEC, por sua vez, se
recusa a cumprir tal medida alegando que
isso alteraria a originalidade da obra, e se
propõe ainda a enfrentar os que buscam a
censura da obra no Supremo Tribunal
Federal (STF).
Sentindo a ameaça que essas
denúncias poderiam representar ao rico
acervo literário brasileiro, inúmeros
defensores do conhecimento histórico e
literário nacional se propuseram a
defender Lobato, sem a necessidade de
ocultar ou mascarar a simpatia do autor
pela eugenia. Reinaldo Azevedo, colunista
da revista “Veja”, por exemplo, no artigo
“A estupidez politicamente correta –
Atenção! STF vai “julgar” hoje Monteiro
Lobato, tratado como criminoso. Ou:
Ministro Fux censuraria Shakespeare?”,
cita casos semelhantes ao de Lobato
envolvendo grandes nomes da literatura
mundial, tal como o britânico William
Shakespeare, que em “O Mercador de
Veneza” chega a retratar o preconceito e
o modo com que os judeus eram tratados
em algumas áreas da Europa do século
XVI, ou em “Otelo” onde é visível o quão
grande era o preconceito europeu a
respeito dos mulçumanos. A diferença é
que o renomado Shakespeare não foi
levado a julgamento, mesmo estando
morto, por fazer alusões a atos tidos hoje
como discriminatórios, o que tem ocorrido
hoje com Monteiro Lobato. Afinal de
contas ele só estava a relatar o que era
tido como “normal” em sua realidade,
assim como o brasileiro.
Do ponto de vista educacional, na
opinião de Alexandre Amorim, contida em
seu texto “Estado de Sítio”, publicado em
16 de novembro de 2010, a obra
“Caçadas de Pedrinho” de Monteiro
Lobato é uma obra muito interessante e
polêmica para que seja excluída das
escolas, sendo preciso debater com os
alunos não apenas os aspectos positivos
da herança cultural africana, mas também
as negativas, permitindo assim que o
brasileiro conheça melhor a origem e o
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desenvolvimento do grave problema que é
o preconceito racial. É preciso, porém,
antes de os especialistas em educação
trabalhem com os alunos, que eles
mesmos estejam aptos a coordenar os
debates em sala de aula, o que pode
ocorrer com o auxilio de cursos de
capacitação no assunto em questão.
Segundo o professor João Luís
Ceccantini, em entrevista à revista “Veja”,
publicada em 01 de Outubro de 2012, as
crianças, em sua grande maioria, não se
apegam aos exageros de um livro, mas
sim à essência da história, que no caso
das obras infantis de Lobato é bastante
positiva, uma vez que o autor sabe mexer
com a imaginação de adultos e crianças
como ninguém. Ainda de acordo com
Ceccantini, se meros detalhes de obras
literárias exercessem tamanho poder no
modo de agir das pessoas, bastava
escrever enredos puros e bons para que o
mundo se tornasse um local ideal para se
viver, o que de fato não ocorreria, levando
ao especialista à conclusão de que
censurar Monteiro Lobato é analfabetismo
histórico.
O curioso a respeito dos processos que
pedem a proibição das obras de Lobato, é
que apenas o preconceito contra os
negros foi abordado pelos grupos contra o
preconceito racial, aparentemente a favor
do uso de uma linguagem politicamente
correta, que, por sua vez, propõe uma
censura da língua portuguesa e até
mesmo o surgimento de termos eufêmicos
para substituir os proibidos, uma vez que
palavras
podem
ser
facilmente
“mascaradas”. O que esses grupos talvez
não saibam é que o grupo étnico negro
não é o único a ser descrito na literatura
brasileira
de
formas
tidas
como
pejorativas. Em “Macunaíma” (1928), obra
do modernista, Mário de Andrade, a
imagem
heroica
do
indígena
do
romantismo é totalmente desconstruída
com a apresentação de Macunaíma, um
típico exemplar do nativo brasileiro visto
pelos modernistas, utilizado ainda para
explicar de forma fictícia a origem das três
principais etnias que formaram a
miscigenada sociedade brasileira, sendo
elas: a indígena, a negra e a branca.
Macunaíma era originalmente um índio
que nasceu negro, assim como seus
irmãos, mas que ao se lavarem em águas
mágicas tiveram a cor negra retirada da
pele. Macunaíma banhou-se primeiro e os
efeitos da água foram mais fortes o que o
tornou branco e loiro; Jiguê então se
atirou nela em busca de resultados
semelhantes aos do irmão, porém a água
já estava suja o que fez da sua pele cor
de bronze; lavou-se então o terceiro
irmão, Maanape, que só teve a cor das
palmas da mão e solas dos pés alteradas,
pois Jiguê havia jogado quase toda a
água para fora.
Já
quanto
a
personalidade
e
característica de Macunaíma percebe-se
que Mario de Andrade o retratou com um
anti-herói, ou seja, um indivíduo
inteligente, de pouco caráter moral,
preguiçoso, vulgar e mentiroso que perde
um amuleto que havia ganho de sua
mulher pouco antes dela morrer. O
esperto índio encontra o amuleto, porém,
o mesmo estava na posse de Venceslau
Pietro Pietra, que vivia em São Paulo,
cidade para qual o personagem principal
viaja com o objetivo de recuperar seu
amuleto.
Andrade
criou
o
personagem
Macunaíma para representar a essência
do povo brasileiro, o que do ponto de vista
antropológico
foi
feito
de
forma
etnocêntrica e equivocada, afinal de
contas, os indígenas brasileiros não eram
preguiçosos com mostra o autor
modernista e vários textos do período
colonial brasileiro, eles, segundo a obra
“Segredos Internos: Engenhos e escravos
na sociedade colonial” de Stuart B.
Schwartz, simplesmente não tinham o
habito e nem viam a necessidade de
trabalhar para produzir excedentes, uma
vez que o trabalho servia apenas para
atender as necessidades da tribo, o que
graças a grande disponibilidade de
alimentos que as matas forneciam e ao
uso
da
agricultura
por
algumas
sociedades indígenas não era uma tarefa
muito difícil e demorada de se cumprir.
Outro afamado escritor brasileiro, que
também foi acusado de racismo, mesmo
sendo descendente de negros, é o
mundialmente renomado Machado de
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Assis. O “Buxo do Cosme Velho”, como
ficou conhecido, era, em sua fase realista,
um grande crítico da sociedade, mais do
qualquer outro escritor brasileiro.
Sutil e reticente, Machado examina
a precariedade da condição humana
e destila, vagaroso e implacável, seu
fel contra a vida e os homens. A
dúvida, a indecisão, o logro e a
loucura são temas característicos de
seus romances, a que, se faltam
pujança e paixão, sobram estilo e
viva observação psicológica.2
Mesmo sendo mulato3, Machado de
Assis não ficou preso a críticas que
visassem defender os negros e denunciar
a situação em que eles viviam, como
fizera o escritor romântico Castro Alves.
Para ele a sociedade tinha muitos outros
defeitos para serem expostos e debatidos.
Talvez tenha sido uma falta de defesa
explica aos negros e também a utilização
de termos como: “preto”, presente em
“Dom Casmurro”, (1899) e também
“negrinha” e “cria”, presentes em seu
conto “O Caso da Vara” (1891), os
grandes responsáveis pela imagem de
racista, atribuída a ele por alguns
defensores das causas raciais.
“O Caso da Vara” é um conto onde
Machado de Assis relata, sim, a crueldade
com que os negros eram tratados em
meados de 1850, mas não é a critica
principal da obra. A verdadeira crítica
desse texto machadiano é o egoísmo, a
atitude egocêntrica do ser humano, vista
claramente
quando
o
personagem
Damião, mesmo tendo prometido proteger
a tão judiada Lucrécia dos maus tratos de
Sinhá Rita, entrega à senhora (Sinhá Rita)
o objeto de castigo, no caso a vara, com a
qual agredia constantemente a pobre
escrava. Tudo, porque ele precisava sair
2
NOVA ENCICLOPÉDIA BARSA. “Machado
de Assis, Joaquim Maria”. In: Barsa CD v.
1.11 – Internet. Produto da Encyclopaedia
Britannica do Brasil Publicações Ltda. Rio de
Janeiro: Software desenvolvido pela Lexikon
informática LTDA. 1999. CD-ROM.
3
Segundo o dicionário Miniaurélio Eletrônico
versão 5.12, mulato é o nome dado ao filho de
pai branco e mãe negra, ou vice-versa; pardo.
do seminário. Fato visto claramente no
final do conto.
- Minha senhora, me perdoe!
- Não perdôo, não.
E tornaram ambas à sala, uma
presa pela orelha, debatendo-se,
chorando e pedindo; a outra dizendo
que não, que a havia de castigar.
- Onde está a vara?
A vara estava à cabeceira da
marquesa, do outro lado da sala
Sinhá Rita, não querendo soltar a
pequena, bradou ao seminarista.
- Sr. Damião, dê-me aquela vara, faz
favor?
Damião ficou frio... Cruel instante!
Uma nuvem passou-lhe pelos olhos.
Sim, tinha jurado apadrinhar a
pequena, que por causa dele,
atrasara o trabalho...
- Dê-me a vara, Sr. Damião!
Damião chegou a caminhar na
direção da marquesa. A negrinha
pediu-lhe então por tudo o que
houvesse mais sagrado, pela mãe,
pelo pai, por Nosso Senhor...
- Me acuda, meu sinhô moço!
Sinhá Rita, com a cara em fogo e os
olhos esbugalhados, instava pela
vara, sem largar a negrinha, agora
presa de um acesso de tosse.
Damião sentiu-se compungido; mas
ele precisava tanto sair do
seminário! Chegou à marquesa,
pegou na vara e entregou-a a Sinhá
Rita.
Em “Dom Casmurro” o termo “preto”
aparece algumas vezes ao longo no texto,
não como conotação racista, mas como
uma
nomenclatura
utilizada
corriqueiramente pelos proprietários de
escravos do século XIX, exemplificados
pela família Santiago, integrada pela viúva
dona Glória, seu filho Bentinho, parentes e
um agregado, possuidora ainda de
imóveis e escravos. Escravos esses que
Bentinho
e
outros
personagens
chamavam algumas vezes de “pretos”,
como mostram os trechos abaixo:
O preto que a tinha ido buscar à
cocheira segurava o freio, enquanto
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ele erguia o pé e pousava no estribo
- a isto seguia-se um minuto de
descanso ou reflexão. . [Grifo nosso]
Tínhamos chegado à janela; um
preto, que, desde algum tempo,
vinha apregoando cocadas, parou
em frente e perguntou:
- Sinhazinha, qué cocada hoje?
- Não, respondeu Capitu.
- Cocadinha tá boa. . [Grifo nosso]
Eu, lembrando-me das palavras do
Gurgel, repeti-as:
- Manda-se lá um preto dizer que o
senhor janta aqui, e irá depois.
- Tanto incômodo!
- Incômodo nenhum, interveio tio
Cosme. [Grifo nosso]
No trecho de “Dom Casmurro” que
mostra um escravo vendendo cocadas,
exposto logo acima, Machado de Assis
relata um fato curioso a respeito do
trabalho dos negros no Brasil colonial, ou
seja, a atuação de escravos como
vendedores ambulantes nas grandes
cidades da colônia, que recebiam tal
direito após concluírem todas as séries de
árduos trabalhos que lhes eram impostos
por seus senhores, tendo assim um
escasso tempo livre para utilizarem como
quisessem, sendo bastante comum os
trabalhadores escravos levarem suas
crianças, que também tinham seus
afazeres, para auxiliá-los e assim
acelerarem o serviço e adquirir o privilégio
da senhoria, utilizado para trabalhos, tais
como o de vendedor ambulante, onde as
quantias adquiridas eram investidas em
compras de itens ofertados por mascates
ou até mesmo na compra da própria
alforria. Fato esse relatado por Wlamyra
R. de Albuquerque e Walter Fraga Filho
no capitulo III de “Uma história do negro
no Brasil” (2006). Para aquisição deste
privilegio não bastava, no entanto,
trabalhar em ritmo acelerado, o escravo
tinha
que
possuir
também
bom
comportamento.
Ainda de acordo com Wlamyra R. de
Albuquerque e Walter Fraga Filho, a
presença de escravos trabalhando nas
cidades brasileiras do período colonial
como
quitandeiras
e
vendedores
ambulantes era tão grande que os negros
chegaram a se tornar, em várias regiões,
os
principais
responsáveis
pela
distribuição de alimentos, em especial
frutos tropicais.
Ceder algum tempo livre aos escravos
de bom comportamento e produtivos era
uma grande estratégia utilizada pelos
senhores de escravos, visto que a alforria
de um negro, que com certeza já não
estava em seu ápice, custava muito mais
que seu valor de mercado, o que permitia
aos proprietários de escravo comprar
escravos mais novos e sadios.
“No início do século XIX, o Brasil tinha
uma população de 3.818.000 pessoas,
das quais 1.930.000 eram escravas”
(ALBUQUERQUE; FILHO, 2006, p. 66) e
onde a posse de negros não era mais um
privilégio restrito aos mais ricos. “Padres,
militares, funcionários públicos, artesãos,
taverneiros, comerciantes e pequenos
lavradores investiam em escravos. Até exescravos
possuíam
escravos.”
(ALBUQUERQUE; FILHO, 2006, p. 66).
De volta ao conto “O caso da Vara”,
analisado em “Uma possível leitura de
“Pai contra mãe” (1996), de Machado de
Assis”, de Márcio Ricardo Coelho Muniz,
Doutor em Letras (Literatura Portuguesa)
pela Universidade de São Paulo, Damião,
seminarista sem vocação, fugido do
seminário, troca a vara com que Sinhá
Rita irá castigar a negra Lucrécia - pelo
trabalho não terminado - pelos favores
que a mesma Sinhá Rita lhe prestará
intercedendo junto ao padrinho e, por
este, ao pai, no caso da fuga do
seminário. Neste conto, que o autor situa
em 1850, fica evidente a existência de
uma relação de favor que caracterizava as
relações sociais no século XIX brasileiro.
Relação essa que exemplifica uma das
várias críticas sociais machadianas e que
pode ser encontrada também em “Dom
Casmurro”, onde o personagem principal,
Bento Santiago, busca se livrar do
seminário ao qual fora prometido por sua
mãe por meios de agrados e elogios feitos
ao agregado José Dias, que por sua vez
ambicionava a oportunidade de voltar à
Europa caso o rapaz optasse por estudar
letras no exterior.
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Após analisar um pouco algumas obras
desses grandes escritores fica claro, no
caso de Monteiro Lobato, uma certa
admiração pelas ideias de superioridade
da “raça branca” sobre as outras, mesmo
que posteriormente, chocado pelos crimes
do holocausto, ele tenha deixado de
opinar sobre o tema, tendo ainda, antes
do grande massacre de judeus, escrito
“Negrinha”, onde expõe a permanência da
situação de crueldade aos negros após a
abolição da escravidão (1888) e
Proclamação da Republica (1889).
Como visto anteriormente, a população
brasileira, quase cinquenta anos depois
da abolição e Proclamação da República
não havia se adaptado inteiramente ao
novo regime e seus ideais de “igualdade”
entre os homens. Logo, o modo como a
sociedade via e tratava os negros não
havia mudado muito. Palavras como
“negro”, “negrinha”, “preto” e muitas outras
utilizadas para se referir ao negro na
época do império ainda estavam
presentes no vocabulário padrão do inicio
do regime republicano. Visto isso, talvez o
homem contemporâneo não deva julgar a
moral e os costumes de uma época em
que não conviveu. Estudar uma realidade
é completamente diferente de viver nela.
Portanto, a sociedade deve dar a Monteiro
Lobato o beneficio da dúvida. Afinal de
contas, ele contribuiu muito para a alegria
de muitos brasileiros ao criar a afamada
turma do “Sítio do Picapau Amarelo”. O
lamentável, no entanto, é não poder ouvir
do próprio, algo em sua defesa.
Já Machado de Assis, parece não ter
partilhado das ideias eugênicas de
Lobato. Primeiro por ele ter sido mulato, e,
portanto, descendente de negros. E
segundo, porque ele era bastante
preocupado em criticar a sociedade em
suas obras, tendo essa, muitas outras
falhas a serem reveladas, expostas e
criticadas e não apenas a situação dos
negros, motivo pelo qual não falava tanto
em defesa dos negros em suas obras. Já
quanto ao uso de termos como “negrinha”
em “O Caso da Vara” deve-se deixar claro
que eram palavras tidas como comuns e
não preconceituosas para os que viveram
entre o fim da monarquia e o início da
Republica.
Devido
aos
fatos
apresentados, não faz sentido classificar
Machado de Assis como um escritor
racista e nem acusá-lo de partilhar desses
ideais.
Enfim,
mesmo
a
literatura
se
mostrando preconceituosa em alguns
períodos de tempo é preciso que se
perceba a importância de não ocultar
esses momentos. A proibição de obras
literárias, seja pelo motivo que for, só
contribuirá para que o homem não
conheça a totalidade de sua história. É
preciso saber como as pessoas agiam e
pensavam em épocas passadas e
entender que o homem deve conhecer a
sua história. Vavy Pacheco Borges deixa
isso claro em seu livro “O que é História”
(1980) ao dizer que o homem deve
estudar criticamente o passado para
compreender as transformações que
ocorreram ao longo do tempo e que
resultaram na realidade em que ele vive.
Só assim ele poderá construir o presente
e projetar seu futuro.
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FILHO, W. Uma história do negro no
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a_vara_conto (acesso em 08/04/2013).
AZEVEDO, R. "A estupidez politicamente
correta – Atenção! STF vai “julgar” hoje
Monteiro Lobato, tratado como criminoso.
Ou:
Ministro
Fux
censuraria
Revista da Faculdade de Ciências Gerenciais de Manhuaçu – FACIG (ISSN 1808-6136). Pensar
Acadêmico, Manhuaçu, MG, v. 9, n. 2, p. 54-62, Agosto-Dezembro, 2013.
62
Hot et al. (2013)
Shakespeare?" In: Veja. On-line. 2012.
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<http://veja.abril.com.br/blog/reinaldo/geral
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Acesso em 24/08/2013
BORGES, V.P. O que é História. 2ª ed.
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(Coleção primeiros passos).
GOULART, N. “Entrevista: João Luís
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Acadêmico, Manhuaçu, MG, v. 9, n. 2, p. 54-62, Agosto-Dezembro, 2013.
63
Brandão et al. (2013)
UM RECORTE SOBRE A DEPRECIAÇÃO DO CAPITAL INTELECTUAL
Área Temática: Administração
José Carlos de Souza1, Rosane Aparecida Moreira2 e Rock Kleyber Silva Brandão3
1
Mestre em Administração, Professor da Faculdade de Ciências Gerenciais de Manhuaçu – MG
Mestre em Administração, Professora da Faculdade de Ciências Gerenciais de Manhuaçu – MG.
3
.Mestre em Administração, Professor da Faculdade de Ciências Gerencias de Manhuaçu - MG
2.
RESUMO
O presente artigo aborda aspectos ligados à depreciação do capital intelectual, um recorte da
proposta de gestão do conhecimento. O seu objetivo é descrever e analisar como os gestores,
embora interessados em potencializar o valor agregado dos ativos intangíveis, correm o risco de
“depreciá-lo”, pois parece que a gestão das pessoas como ativos quantificáveis remete a uma
visão reducionista dos indivíduos. É que na busca de codificação dos conhecimentos, sem o
necessário cuidado e sem fugir à espiral do modelo tradicional, é possível que as pessoas se
percam em meio aos indicadores de retorno dos investimentos, confundidas com aqueles ativos
tangíveis. Foi feita uma abordagem exploratória em literatura alusiva ao modelo, buscando analisar
o discurso da contabilização do capital humano, identificando riscos de sua depreciação.
Palavras-chave: Ativos intangíveis, gestão do conhecimento, capital intelectual e depreciação.
ABISTRACT
The present article deals with the management of the knowledge, approaching on aspects to the
accounting of the intellectual capital, a clipping of the proposal of management of the knowledge. Its
goal is to describe and analyze how managers, although interested in enhancing the added value of
intangible assets, are at risk of "belittle him" because it seems that the management of people as
quantifiable assets refers to a reductionist view of individuals. Is that in the pursuit of codification of
knowledge without the necessary care and without escape the spiral of the traditional model, it is
possible for people to get lost among the indicators of return, confused with those tangible assets.
An exploratory approach was taken in the allusive style literature that seeks to analyze the
discourse of accounting for human capital, identifying risks of its depreciation.
Keywords: Intangible assets, management of the knowledge, intellectual capital and depreciation.
1. INTRODUÇÃO
O cenário do mundo atual tem sido
caracterizado por marcas indeléveis e
profundas, que exteriorizam desigualdades
sociais, individualismo e violência, deixando
claro que somente a educação poderá romper
de forma vigorosa com este círculo vicioso.
A UNESCO, através de relatório da
Comissão Internacional de Educação, aponta
quatro pilares que poderão ajudar na
descoberta de um mundo mais humano, mais
contextualizado com a nova ética, desta nova
sociedade que se apresenta – A sociedade
do Conhecimento. São eles: “(1) o aprender a
ser, (2) o aprender a fazer, (3) o aprender a
conhecer e (4) o aprender a viver juntos.” É
sem dúvida, a visão holística e global de um
homem total.
De acordo com esta nova ótica, vivenciase a terceira onda, identificada por Tofler
(1980) como um dos três grandes momentos
de mudança da humanidade, correspondendo
à Era da Sociedade do Conhecimento, que
Revista da Faculdade de Ciências Gerenciais de Manhuaçu – Facig (ISSN 1808-6136). Pensar
Acadêmico, Manhuaçu, MG, v. 9, n. 2, p. 63-72, Agosto-Dezembro, 2013.
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Brandão et al. (2013)
introduz ou é introduzida a partir do
entendimento da mensuração do capital
humano
como
ativo
intangível
das
organizações, que será objeto de discussão
deste artigo, através da metáfora de sua
“depreciação”, buscando dar ênfase à
necessidade de se investir nas pessoas como
fonte de criação inovadora de valores e de
perpetuidade organizacionais.
As duas
“ondas” anteriores são a “Revolução da
Agricultura” e a “Revolução Industrial”.
A
proposta
de se
buscar
uma
potencialização do Capital Humano se
reveste de grande relevância a partir do
entendimento que estes ativos são o
diferencial competitivo que irão garantir a
sobrevivência e a significância social da
empresa cidadã. A respeito da grande valia
deste ativo, Becker (1997), prêmio Nobel de
economia em 1992, assim se referiu:
“Nós sabemos que numa economia
moderna o fator mais relevante é o
capital
humano.
O
maquinário,
evidentemente é necessário, mais sem
uma forte base de capital humano,
usado de maneira eficaz, nenhuma
economia será capaz de crescer. Essa
é uma lição que aprendemos. Por isso,
os economistas e sociólogos do Banco
Mundial estão dando cada vez mais
atenção a esse fator. As evidências são
que os países que mais crescem são
aqueles que promovem o capital
humano de maneira mais eficaz.”
Este artigo procura identificar porque as
empresas não conseguem potencializar os
seus talentos humanos, deixando que eles se
tornem bens totalmente “depreciados”, não
agregando valor aos produtos e/ou serviços,
de acordo com a seguinte estrutura:
•
•
•
•
•
Considerações finais e propostas
de mudanças.
2. O CAPITAL HUMANO E A SOCIEDADE
DO CONHECIMENTO
A sociedade global tem assistido a
profundas alterações nos estilos de vida das
pessoas e das empresas.
É natural que as consequências dessas
mudanças sejam gritantes e provoquem uma
verdadeira
revolução
na
vida
dos
empresários, dos gerentes e das pessoas em
geral, sejam como atores da vida corporativa,
sejam como cidadãos envolvidos no ambiente
organizacional, destacando-se: choque de
culturas, maior interdependência entre as
economias, rapidez da informação, pressão
concorrencial e enorme volatilidade dos
produtos e serviços.
Existe uma grande necessidade de
acompanhar essa verdadeira revolução, mas
como? A sociedade está diante de um novo
paradigma que rompe com a sociedade
industrial, afeita a um plano cartesiano, onde
planejar e executar eram atividades
estanques e lineares e introduz uma nova
sociedade – a do conhecimento, que
“reformula a atividade econômica, tendo
como base um fator de produção abstrato que
é o conhecimento, que, se for bem
aproveitado,
pode
alavancar
grandes
empresas e até a economia de um país”
(MORBIS, 2000, p. 13).
A humanidade percorreu em milhares de
anos alguns períodos que foram marcados
por mudanças extraordinárias, conhecidas
como sociedade agrícola, sociedade industrial
e sociedade do conhecimento, divididas
metaforicamente em primeira, segunda e
terceira ondas por Tofler (1980).
O capital humano e a sociedade do
conhecimento;
A gestão estratégica de pessoas
(recursos ou talentos?);
Uma pedagogia organizacional;
Por que o capital humano é
“depreciável”?
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Acadêmico, Manhuaçu, MG, v. 9, n. 2, p. 63-72, Agosto-Dezembro, 2013.
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Brandão et al. (2013)
Na verdade, a sociedade do conhecimento
vem se construindo ao longo de setenta
milhões de anos, quando o homem “criou a si
mesmo: aprendeu a andar ereto, a falar e a
educar a prole” (grifei), conforme descreve
D’Masi (2000), passando pela domesticação
de animais e a criação de ferramentas, pela
sociedade industrial, quando atrofiou de
algum modo o seu cérebro e chegando hoje a
“Economia ou Sociedade do conhecimento”.
De que se constitui tal sociedade do
conhecimento? Seria da economia digital ou
seria do conhecimento? Constitui-se da
capacidade de se utilizar de recursos
tecnológicos como o computador e as
comunicações para “codificar, armazenar e
distribuir o conhecimento, que lapidado e
transformado em informações irá auxiliar na
geração de produtos e serviços” e de novos
conhecimentos.
A nova sociedade tem se utilizado de um
bem abstrato, que é o conhecimento e as
organizações/instituições que existem para
facilitar a vida das comunidades; de um
somatório de habilidades das pessoas que as
constitui, o capital intelectual – “potencial” que
se bem gerenciado, consegue alavancar
recursos
que
tornam
as
empresas
referenciais competitivos.
De acordo com a clássica concepção, a
economia estuda a maneira como se
administram os recursos, considerados
escassos, sendo os fatores de produção
divididos em terra, trabalho e capital,
conforme entendimento de Morbis (2000).
O fator terra indica os recursos naturais, o
fator trabalho tem como principal agente o ser
humano e o fator capital indica ativos
financeiros de uma empresa, dividindo-se em
capital físico, fixo, circulante, financeiro e
humano, conforme define Morbis (2000),
objeto de análise neste trabalho.
2.1. Acerca do capital humano
Conceitualmente, o capital humano pode
ser entendido como o valor acumulado de
investimentos em treinamento, competência e
futuro de um funcionário. É, ainda, descrito
como
competência,
capacidade
de
relacionamento e valores do funcionário.
Para Edvinsson e Malone (1998), o capital
humano corresponde a toda capacidade,
conhecimento, habilidade e experiências
individuais dos empregados de uma
organização para realizar tarefas, que
somado ao capital estrutural, irá constituir o
capital intelectual.
Já o capital intelectual, de acordo com
Edvinson e Malone (1998), corresponde ao
conjunto de conhecimentos e informações
encontrados nas organizações, que agrega
valor ao produto ou serviço mediante a
aplicação da inteligência e não do capital
monetário ao investimento. É a soma do
capital humano com o estrutural.
Como é facilmente perceptível e realçada
pelos autores, a diferença está no capital
humano, pois as máquinas não pensam e as
informações codificadas, estruturadas, ágeis,
também não geram nada. Elas são um ativo
que permanecerá à disposição das empresas,
das comunidades, mas dependem da
capacidade de criar, de inovar, de vivificar,
das pessoas. Só elas, com suas habilidades,
características essenciais, tipo psicológico e
interações, são capazes de fazê-lo.
Goleman (1996) demonstrou de forma
inquestionável que existe algo além do
homem como fator de produção, medido em
QI (coeficiente de inteligência), que coloca o
emocional como o verdadeiro referencial.
Este foi dividido em habilidades, a saber:
• “Auto-Conhecimento
Emocional
reconhecer um sentimento enquanto ele
ocorre é a chave da inteligência emocional.
A falta de habilidade em reconhecer
nossos verdadeiros sentimentos deixa-nos
a mercê de nossas emoções. Pessoas
com esta habilidade são melhores pilotos
de suas vidas.
• Controle Emocional, a habilidade de
lidar com seus próprios sentimentos,
adequando-os para a situação. Pessoas
pobres
nesta
habilidade
afundam
constantemente em sentimentos de
incerteza, enquanto aquelas com melhor
controle emocional tendem a recuperar-se
mais rapidamente dos reveses e
contratempos da vida.
• Auto-Motivação. Dirigir emoções a
serviço de um objetivo é essencial para
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Brandão et al. (2013)
manter-se caminhando sempre em busca,
para a automotivação, para manter-se
sempre no controle e para manter a mente
criativa na busca de soluções. Autocontrole emocional, sabendo praticar
gratificação prorrogada e controlando
impulsos, favorece aperfeiçoamento de
todos os tipos. Pessoas que tem esta
habilidade tendem a ser mais produtivas e
eficazes,
qualquer
que
seja
seu
empreendimento.
• Reconhecimento de emoções em
outras pessoas. Empatia, outra habilidade
que
constrói
auto-conhecimento
emocional. Esta habilidade permite as
pessoas reconhecer necessidades e
desejos
de
outros,
permitindo-lhes
relacionamentos mais eficazes.
• Habilidade em relacionamentos interpessoais. A arte do relacionamento é, em
grande parte, a habilidade de gerenciar
sentimentos em outros. Esta habilidade é a
base de sustentação de popularidade,
liderança
e
eficiência
interpessoal.
Pessoas com esta habilidade são mais
eficazes em tudo que é baseado na
interação entre pessoas. São estrelas
sociais.”
2.2. Capital humano: recurso ou talento?
As organizações tradicionais, clássicas,
industriais, consideravam as pessoas como
mais um fator de produção, um custo na
formação do valor do produto, sendo objeto
de uma análise reducionista, voltada para
cortes de desperdícios, tarefas, para um
treinamento estático de como fazer o que se
fazia sempre do mesmo jeito, sem inovação,
sem
criatividade,
sendo,
portanto,
reconhecido como mais um recurso, mais um
insumo, sem grande relevância, pois o que se
priorizava eram os processos mecanizados e
os seus resultados.
Os produtos massificados eram cada vez
mais estandardizados, criando ambiente para
“fábricas escuras” e vazias, ou sem alma,
onde as pessoas se reduziam a meros
executores, apertadores de botões e assim
não eram percebidas como talentos e nem
mesmo
como
ativos
importantes
e
agregadores de nenhum valor.
Hoje, no alvorecer do terceiro milênio, as
empresas são inteligentes, os produtos e
serviços voláteis e o capital humano, o ativo
mais relevante, mais significativo.
As empresas que perceberam tal
referencial e investiram em treinamento,
educação e, principalmente, criaram um clima
de aprendizagem organizacional continuado,
tiveram o seu valor de mercado aumentado
substancialmente (NOGAS e PALADINI,
2010)
A economia global entendeu e assimilou o
valor dessas empresas inteligentes e passou
a investir maciçamente nele, restando a
seguinte pergunta: Por que as pessoas estão
investindo
os
seus
recursos
nestas
empresas?
Como se sabe, o mercado trabalha com
expectativa de negócios futuros e as
possibilidades de geração de inovações, da
criação de ideias novas, de conhecimentos
novos, com certeza se concretizarão onde as
pessoas contam com maior número de
informações, em um ambiente propício à
aprendizagem
continuada
e
a
uma
transferência
do
conhecimento
mais
facilitada.
O investimento é, portanto, a crença no
poder criador do capital humano. Ninguém
que não cresse na capacidade criadora não
investiria. Se o valor de mercado multiplica a
sua aposta em até 100 (cem) vezes é porque
os talentos do capital humano são também
multiplicados, como asseverou o grande
mestre, Jesus, na sua parábola dos talentos
em Mateus 25,14-30.
Portanto, investir no capital humano é
acima de tudo investir na sobrevivência do
negócio.
3. GESTÃO DO CAPITAL HUMANO X
GESTÃO DOS RECURSOS HUMANOS
O que se espera da gestão dos recursos
humanos é que o setor seja capaz de alinhar
interesses relacionados às necessidades das
pessoas e das estratégias do negócio
(CHIAVENATO, 1999).
Revista da Faculdade de Ciências Gerenciais de Manhuaçu – Facig (ISSN 1808-6136). Pensar
Acadêmico, Manhuaçu, MG, v. 9, n. 2, p. 63-72, Agosto-Dezembro, 2013.
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Brandão et al. (2013)
Para adaptar as pessoas às necessidades
da organização é preciso investir em
planejamento
estratégico
de
recursos
humanos, que ocorre em três estágios: (a)
planejamento, (b) programação e (c)
avaliação.
A construção desta visão requer a
aplicação de uma série de técnicas de
gestão, destacando-se previsão de demanda
e suprimento de pessoas; análise dos cargos;
seleção,
recrutamento
e
socialização
organizacional (grifei), gestão de salários,
adoção de programas de desenvolvimento
humano, motivação e comprometimento,
conforme Brito e Brito (2000).
3.1. Recrutamento
É a atividade que estabelece o elo entre o
ambiente externo e a organização e que visa
atrair para ela bons candidatos, que, segundo
Chiavenato (2000) é complementado pela
seleção definida como um processo de
gestão das pessoas por meio do qual a
organização
procura
satisfazer
suas
necessidades de recursos humanos.
Este processo, segundo Chiavenato (1994)
pode ser interno e externo. No interno, a
empresa procura contratar por meio de
transferências e promoções, podendo se
tornar uma vigorosa fonte de motivação, pois
aposta nos talentos internos. Já no externo, a
organização procura no mercado as pessoas
que atendem o perfil exigido por ela, trazendo
“sangue novo” para a empresa.
3.2. Seleção dos candidatos
É a tomada de decisão que tem como
resultado a contratação ou não do candidato.
Já neste momento, a administração dos
recursos humanos está ou não investindo
numa proposta de gestão do capital humano,
buscando direcionar a escolha para pessoas
questionadoras,
astutas,
ousadas
e
inovadoras. Se ela investe na mesmice, no
concordismo, com certeza, estará adquirindo
mais um insumo de produção em série, um
peso para usa planilha de custos
(CHIAVENATO, 2004).
3.3
Integração
Organizacional
e
Socialização
A cultura da sociedade não muda de forma
repentina, sendo produto sedimentado por
gerações através de atribuições de valores,
sentimentos e emoções, sendo necessária a
integração e socialização dos indivíduos ao
processo em curso (CHIAVENATO, 2004).
A socialização é, na realidade, uma forma
de aculturação que conta com certa
pedagogia, sendo que este processo só se
realiza através da aprendizagem, sendo
através dele que “os indivíduos internalizam
uma série de valores, crenças e normas
socialmente estabelecidas e aceitas ou
tomadas como verdade” (COSTA, 1994).
Para Fleury (1987), a socialização
secundária é fundamental para a integração
dos indivíduos às organizações.
Van Maanen (1975) apresenta uma
definição completa sobre socialização
organizacional:
“Socialização organizacional é o
processo pelo qual o indivíduo aprende
valores e normas de comportamentos
esperados (grifei) que permitem a ele
participar como membro de uma
organização, sendo um processo que
ocorre durante toda sua carreira,
implicando em renúncias de certas
atitudes, valores e comportamentos”
(grifei).
Pascale (1985), ao estudar a socialização
organizacional apresenta uma proposta
teórica que destaca sete passos interrelacionados que estruturam o referido
processo:
“1) Seleção – busca traços específicos
que
atendam
aos
interesses
organizacionais;
2) Experiências indutoras de humildade
– atribuição de metas fáceis ou difíceis
de cumprir para encorajar ou desafiar o
entrante;
3) Treinamento na linha de fogo –
esforços de treinamento para o
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Acadêmico, Manhuaçu, MG, v. 9, n. 2, p. 63-72, Agosto-Dezembro, 2013.
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Brandão et al. (2013)
trabalho.
É
uma
espécie
de
materialização da cultura;
4) Uso de sistemas de recompensa e
controle – é a forma cuidadosa de medir
os resultados e recompensar o
desempenho individual;
5) Aderência aos valores centrais da
organização – é a identificação com as
crenças e valores comuns. Capacita os
indivíduos a reconciliarem os sacrifícios
pessoais necessários para o sucesso
na/da organização;
6) Folclore de reforço – histórias, mitos,
ritos, rituais, e símbolos da organização.
Oferecem imagens fortes as quais
influenciam a maneira como as pessoas
visualizam-na;
7) Modelos consistentes de papéis - é a
comunicação, através de modelos
consistentes, que a organização passa
para os novos integrantes, de como ela
reconhece formal e informalmente seus
“vencedores”, que carregam de maneira
bem forte os traços e atributos que a
organização valoriza.”
Côrtes (2000) e Sower (1957) falam da
teoria do patrocínio normativo ou do
consenso, que parte do princípio que o
homem é essencialmente social e postula que
a maioria das pessoas tem boa vontade e
será cooperativa para facilitar a formação de
um consenso, ou seja, o indivíduo tende a
buscar estabilidade ou unificação social.
Côrtes (2000) descreve a teoria dos papéis
sociais e postula que, embora a sociedade
nos imponha regras e valores, para a maioria
dos indivíduos essa pressão é bastante suave
e até mesmo natural, ou seja, o indivíduo
deseja exatamente aquilo que a sociedade
espera dele, querendo desempenhar o papel
que ela concede, sendo certo que isto
transmite as sensações de inclusão e de
segurança.
É certo que a humanidade percorreu um
longo e penoso caminho até chegar aos
atuais modelos de organização do trabalho,
sendo o homem nômade, escravo, servo,
operário, colaborador, partindo agora para a
idéia do ócio criativo ou para economia do
ócio (D’ MASI, 2000).
Diversas teorias foram deduzidas para
motivação, dentre elas citam-se: Maslow
(1954) e a pirâmide das necessidades,
Alderfer (1962) e a teoria ERC, que busca
sistematizar a hierarquia das necessidades
de Maslow (1954) e Hesberg (1995), com
seus aspectos ligados aos fatores higiênicos
(salários,
condições
de
trabalho,
relacionamento,
segurança
etc.)
e
motivacionais (relacionamento, realização,
reconhecimento, crescimento, etc.).
Pesquisas sobre o comportamento nas
organizações entendem que as teorias até
agora apresentadas são estáticas, sendo a
que
mais
se
adapta
à
realidade
organizacional a teoria da expectativa de
Vroom, citada por Brito e Brito (2000), que
supõe que a motivação existe em função de
três elementos:
“(1) expectativa de esforço-desempenho
–
maior
esforço
gera
melhor
desempenho;
(2) instrumentalidade – um bom
desempenho gera certos resultados ou
recompensas;
(3) valência – valor de certa atração de
certa recompensa para o indivíduo.”
Algumas implicações desta teoria:
(a) As
recompensas
para
motivar
precisam ser desejadas;
(b) Indivíduos precisam saber que a
diferença no comportamento resultará nas
recompensas e resultados;
(c) Eles precisam saber que o seu esforço
resultará em um bom desempenho.
3.4 Motivação
3.5 Comprometimento
Parte da idéia de desenvolvimento das
teorias organizacionais e do entendimento
que o trabalho exerce uma função social
relevantes na vida das pessoas.
É um processo bilateral de interação entre
o indivíduo e a organização, sendo que
ambos participam nesta relação somente por
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Brandão et al. (2013)
aquilo que cada uma das partes espera obter
em troca de seu envolvimento, sendo
abordado em quatro perspectivas: (a)
enfoque afetivo, (b) instrumental, (c)
sociológico-normativo e (d) comportamental:
um clima favorável à convivência do mesmo
na organização.
a) Afetivo – aborda aspectos ligados aos
sentimentos de lealdade, desejo de
permanecer e de se esforçar para atingir
metas
(BRANDÃO,
1991).
Esta
perspectiva está estruturada em três
dimensões:
coercitiva
(ameaças
e
punições);
remunerativa
(incentivos
econômicos) e normativa (incentivos
simbólicos), (ETZIONI, 1961);
b) Instrumental – para esta ótica, o
comprometimento é um mecanismo
psicossocial, cujos elementos são função
das recompensas ou custos associados,
sendo a permanência na organização
resultante de múltiplos investimentos feitos
pelo indivíduo (desenvolvimento de
habilidades, contribuições para fundos de
pensões etc.), que tornariam a sua vida
dispendiosa. É um fenômeno de natureza
estrutural que reforça o vínculo do
indivíduo com a organização;
c) Sociológico-normativo
–
nesta
perspectiva, o comprometimento é tratado
como uma resultante das relações de
autoridade, estabelecidos pelo empregador
com vistas a controlar e subordinar o
trabalhador. É ainda abordado como um
conjunto de pressões internalizadas pelo
indivíduo, de tal forma que ele se comporte
convenientemente no cumprimento dos
objetivos e interesses organizacionais;
d) Comportamental – nesta ótica, o
comprometimento é visto como um estado
de ser em que as ações determinam
crenças que sustentam a atividade e o
próprio envolvimento do indivíduo com a
organização.
Morbis (2000) declara que o capital
intelectual (CI) é igual ao valor de mercado
(VM), menos o valor contábil (VC), atribuindo
um valor mensurável ao capital humano.
Straioto (2001) sugere uma nova análise a
partir do valor agregado por nível de
escolaridade, incluindo definitivamente o
capital humano como um fato contábil.
Stweart (1998) mostra uma abordagem
ligada à depreciação do ativo intangível em
estudo, num diálogo entre componentes de
uma equipe:
Na verdade, o que existe de fato é o
envolvimento do indivíduo com crenças,
valores e normas, alicerçados em aspectos
econômicos, psicológicos e sociológicos que
irão permitir, aliados a aspectos voltados para
a qualidade de vida no trabalho, a força de
4. PORQUE O
DEPRECIÁVEL?
CAPITAL
HUMANO
É
“[A]: A maior parte do meu conhecimento
não me custa um centavo se dermos baixas
contábil ano após ano. Como se chama isso?
[B]: Depleção e Depreciação.
[A]: Ah, é isso mesmo. Significa que a pilha
está acabando, não funciona mais tão bem
quanto antes.
[C]: Um coisa é certa a respeito dos
professores e escritores. Eles não têm que se
preocupar tanto com o imposto de renda
quanto os fazendeiros e donos de poços de
petróleo.
[B]: É mesmo? Por que?
[C]: Porque seu equipamento é o talento e
uma mente altamente desenvolvida; e quando
a pilha vai ficando fraca e eles não trabalham
mais tão bem quanto trabalhavam, não se
registram esta depleção ou depreciação na
declaração de imposto de renda.
[B]: Entende o que eu digo? O que há de
tão inteligente neles?”
A contabilidade analisa os bens imateriais
ou intangíveis de forma superficial, não lhes
atribuindo valor além de gastos para pesquisa
e registros ou os fundos de comércio
(RIBEIRO, 1994).
O certo é que esses valores pelo menos
do ponto de vista de uma metáfora
organizacional são depreciáveis. Por quê?
Vivencia-se a era do conhecimento, o fim
dos empregos e as pessoas precisam de uma
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Brandão et al. (2013)
gestão eficaz, de um ambiente adequado, das
interações e inter-relações psicológicas e
sociológicas necessárias para a criatividade
organizacional, ou seja, é preciso motivação,
qualidade de vida no trabalho, benefícios
sociais, fluxo de informações, codificação do
conhecimento, comprometimento e ambiente
de transferência do conhecimento tácito.
Algumas empresas, em número ainda
limitado, estão investindo em ilhas de
criatividade, em centros de convivência, em
universidades
corporativas,
buscando
potencializar competências, agregando cada
vez maior valor ao capital humano. Esta
busca é importante e foge do risco de se
manter na espiral do modelo tradicional,
praticado pelas empresas ocidentais são
comparadas a “máquinas de processamento
de informação, criando conhecimento formal
e sistemático, ou seja, dados duros,
quantificáveis.” (NONAKA, 2006).
Se de um lado é possível agregar valores
cada vez mais crescentes a estes ativos, de
outro é possível depreciá-lo, bastando
observar alguns aspectos:
(1) Deixar de investir numa gestão de
Recursos Humanos que privilegie as
pessoas como talentos, observando-as
como custos fixos de produção;
(2) Desprezar as relações e interações
possíveis a partir da formação de um
ambiente de aprendizagem contínua, ou
seja, onde a socialização organizacional
seja
uma
pedagogia
estática
de
treinamento com base no passado, no
processo, nos produtos massificados;
(3) Permitir que os conflitos sejam
oportunidade
para
valorização
de
vaidades, invejas, assédios morais,
sexuais, corrupção etc;
(4) Não permitir que as comunicações
sejam abertas e fluam ou permeiem todos
os ambientes corporativos;
(5) Privilegiar as desnecessárias divisões
e separações entre os planejadores e os
executores.
(6) Fica nítida a situação de depreciação
do capital intelectual não utilizado, pois o
conhecimento perde seu valor quando não
é utilizado, ficando claro a necessidade de
gerenciar os ativos devido a sua grande
relevância, conforme perceberam Barroso
e Gomes (1999) .
5. CONSIDERAÇÕES FINAIS
A sociedade do conhecimento inserida a
partir
da
gestão
da
aprendizagem
organizacional e da valorização do capital
humano chegou para tornar os ambientes
organizacionais mais leves, agradáveis e
familiares.
A empresa industrial desumanizou, atrofiou
e, muito mais do que isto, tornou o homem
irracional. Já não era possível pensar.
Existem empresas, que a guisa de obrigar os
seus
empregados
a
cumprirem
procedimentos que ainda falam de reflexos
condicionados.
A humanidade está experimentando
situações
inusitadas.
Ainda
existem
sociedades tribais que vivem momentos que
se assemelham aos precedentes à sociedade
industrial, mas é necessário que elas saiam
da sua letargia vivencial sem passar pelo
reducionismo da sociedade industrial, que
ensejou o consumismo imediatista que
mecanizou os sistemas produtivos e também
as pessoas, influindo na destruição dos
recursos naturais e até da própria dignidade
das pessoas.
Propostas de gerenciamento do capital
humano:
•
Assiste-se
a
uma
arrancada
extraordinária do capital humano em
países
centrais
e
em
grandes
conglomerados organizacionais, mas nos
países periféricos e nas pequenas
empresas o capital humano ainda está
hibernando, ou depreciado. O que se
propõe
é
a
organização
dessas
capacidades latentes em redes, clusters ou
cooperativas,
buscando
um
maior
investimento no verdadeiro diferencial dos
povos, das comunidades e das pessoas;
• Criar condições satisfatórias para o
necessário afloramento das intimidades
entre as pessoas, despertando confianças,
que permitam ou encorajem a todos a
disseminar
suas
idéias,
seus
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Brandão et al. (2013)
conhecimentos, suas experiências, não
importando com níveis, status ou poder,
mas direcionando as propostas para os
objetivos organizacionais;
• Possibilitar o acesso de todos aos
meios
estruturais
e
tecnológicos,
especialmente àqueles que colocam as
pessoas
em
rede,
que
“plugam
inteligências”, aumentando as relações e
criando um ambiente de codificação do
conhecimento e do saber, democratizando
espaços físicos e virtuais e, o que é o
ideal, permitindo um fluxo razoável de
informações que, se bem gerenciado, irá
gerar conhecimento e competências;
• Fugir da armadilha do aprendizado do
ciclo único identificada por Argyris (2006),
na qual os profissionais altamente
qualificados seriam bons no aprendizado
do ciclo único, ou seja, foram bem
sucedidos nos estudos acadêmicos e
agora utilizam esta capacidade na solução
de problemas. Porém quando surgem os
problemas eles têm dificuldade de
aprender com eles, pois buscar transferir a
culpa para alguém, que pode ser o cliente,
os colaboradores, menos a deles mesmos;
• Sintetizando, deixar que o capital
humano seja de fato o referencial, o
diferencial, o verdadeiro potencial de
alavancagem para o sucesso, agregando
cada vez mais valor ao sonho, à visão
organizacional, à qualidade de vida e às
pessoas, tornando o conhecimento um
verdadeiro patrimônio da humanidade,
sem a tentativa torpe de alienar, atrofiar,
anular, cooptar as pessoas...
Ao final, a proposta conclusiva a que se
chega com esta leitura da situação proposta
de contabilidade do capital intelectual é que,
ao transformar o conhecimento e as
articulações e interações possibilitadas pelo
convívio das pessoas em capital intelectual,
em ativo intangível mensurável, ele pode ser
depreciado. Assim, ele perde valor econômico
a partir do momento que, desmotivado,
excluído do sistema, já não seja capaz de
gerar as criações, inovações e os resultados,
que multiplicavam o valor de suas empresas
e então, se torna alienado. Excluído
socialmente, entregue nos depósitos de
“materiais inservíveis”, dos asilos ou em
centros de convivência, ou ainda condenado
eternamente a rolar montanha acima a pedra
da mesmice, das tarefas repetitivas e sem
valor agregado, conforme sugeriu Camus
(2004) em seu mito de sísifo, um ser que
viveu a vida organizacional ao máximo, odiou
a morte e foi condenado eternamente a
executar uma tarefa sem sentido. UM
CAPITAL
INTELECTUAL
QUE
FOI
DEPRECIADO.
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Lamas (2013)
UMA ANÁLISE CRÍTICA DO PAPEL DO JUIZ NA APLICAÇÃO DA PENA BASE NO
BRASIL
Área Temática: Direito
Lívia Paula de Almeida Lamas
Doutoranda em Direito Penal, Mestre em Direito Constitucional e Teoria do Estado,
Advogada, Licenciada em Letras, Professora e Coordenadora do Curso de Direito da
Faculdade de Ciências Gerenciais de Manhuaçu (FACIG)
RESUMO
Este trabalho tem por objetivo analisar criticamente a aplicação da pena base no Brasil, de
modo a demonstrar que diante da discricionariedade conferida pelo Código Penal à atuação
do juiz, ele assume um papel fundamental na manutenção dos princípios norteadores de um
Estado Democrático de Direito.
Palavras-chave: juiz, Estado Democrático de Direito, pena base
ABSTRACT
This paper aims to critically analyze the application of the penalty base in Brazil, in order to
demonstrate that ahead of the discretion conferred by the Criminal Code the role of the
judge, he plays a key role in the maintenance of the guiding principles of a Democratic State
of Law.
Keywords: judge, Democratic State of Law, penalty base
1. INTRODUÇÃO
O presente trabalho tem por objetivo
analisar criticamente o papel do juiz na
aplicação da pena base no Brasil, de
modo a demonstrar que o magistrado
assume
um
papel
essencial
na
manutenção dos princípios norteadores de
um Estado Democrático de Direito.
O Brasil passou a se constituir em
Estado Democrático de Direito a partir da
promulgação
da
Constituição
da
República Federativa de 1988, fato que
conferiu uma proteção substancial aos
direitos fundamentais do indivíduo.
Ocorre, todavia, que apesar de a Carta
Magna estabelecer um vasto rol de
garantias em seu art. 5º e de legitimar os
ordenamentos jurídicos internos do país,
esse potencial ainda não se realizou em
sua plenitude, pelo menos não no que
concerne à aplicação da pena base, pois
o Código Penal brasileiro deixou para o
juiz uma margem significativa de
discricionariedade, fato que, se não for
devidamente observado, pode violar
inúmeros direitos do cidadão.
Esse trabalho apresentará, portanto, os
principais equívocos que o juiz pode
cometer ao aplicar a pena base no Brasil,
bem como discutirá soluções para que a
sua atuação se encontre atrelada aos
princípios fundamentais e às garantias
asseguradas por um Estado Democrático
de Direito.
1.1. Considerações acerca dos critérios
utilizados pelo juiz na fixação da pena
base no código penal brasileiro
Revista da Faculdade de Ciências Gerenciais de Manhuaçu – Facig (ISSN 1808-6136). Pensar
Acadêmico, Manhuaçu, MG, v. 9, n. 2, p. 73-79, Agosto - Dezembro, 2013.
74
Lamas (2013)
Sempre que ocorre um crime surge
para o Estado a necessidade “de
recompor a ordem jurídica violada, mas ao
mesmo tempo, o dever de conceder ao
agressor da norma os direitos previstos na
Lei Fundamental que lhe serve de
garantia contra os possíveis abusos do
poder estatal” (RANGEL, 2000)
Desse modo, para se adequar às
diretrizes de um Estado Democrático de
Direito, o Direito Penal deve assumir uma
dupla finalidade: a protetiva dos bens
jurídicos
mais
importantes
e
a
preservativa dos direitos fundamentais do
indivíduo.
A dignidade da pessoa humana, como
fundamento do Estado Democrático de
Direito, é o valor expresso no princípio da
humanidade do Direito Penal, que não
pode ser considerado quando da
criminalização
de
qualquer
fato,
etiquetado como socialmente agressivo,
ou quando da cogitação de qualquer
sanção criminal. (LOPES, 1999. p. 219)
O Estado Democrático de Direito foi
estabelecido no Brasil em 1988 através da
promulgação
da
Constituição
da
República Federativa do Brasil. Tal
avanço impôs uma série de limites às
legislações
infraconstitucionais,
que
passaram a ter a sua legitimidade
condicionada aos vínculos formais e
materiais da Carta Magna.
Neste sentido, em relação ao Código
Penal brasileiro, “duas são as limitações
impostas pela Carta Magna: as de
natureza material, que impedem que da lei
penal constem disposições contrárias aos
princípios ou garantias delineadas no
texto máximo” e as limitações de natureza
formal que se consubstanciam “no
impedimento à edição de normas em
desacordo com as regras fixadas pela
Constituição para a elaboração de lei”
(LOPES, 1999, p 167).
O Brasil é um Estado Democrático de
Direito, logo, o seu Código Penal tem o
dever de assegurar a todos os indivíduos
o respeito a seus direitos humanos
fundamentais, devendo, “controlar a
criminalidade e a violência sem perder de
vista os princípios democráticos baseados
nos direitos fundamentais constitucionais”.
(DORNELLES, 2008, p. 5)
O ordenamento jurídico penal é,
portanto, o mais limitado pelas exigências
constitucionais, por compreender o
conjunto de normas que preveem os
crimes e lhes cominam sanções, e
consequentemente envolver o dilema da
privação da liberdade humana.
O direito penal da Constituição se
expressa através do direito penal mínimo,
ou seja, através do espaço residual que
se reserva para a intervenção punitiva
dentro dos limites impostos pelos
dispositivos constitucionais nos marcos de
uma política integral de proteção dos
direitos humanos. (DORNELLES, 2008).
Tem-se, assim, no Direito Penal, um
lado em que são definidas as condutas
delituosas, concedendo ao Estado o ius
puniendi quando o agente comete um fato
típico, ilícito e culpável. E um outro lado,
em que há a limitação dessa atuação
pelas garantias fundamentais de todo ser
humano.
Dessa forma, para que haja uma boa
utilização do Direito Penal, o intérprete da
lei precisa adotar a Carta Magna como
ponto de partida para a sua atuação ao
aplicar uma pena.
O direito penal da Constituição, ou do
Estado social democrático de direito,
também tem, hoje, a tarefa “iluminista” de
delimitar e regular a pena. E é através do
reconhecimento de sua dimensão política
e da noção de “sujeito coletivo” que o
direito penal da Constituição pode se
afastar da abstração que marcou o direito
penal liberal, tornando-se parte da política
de proteção dos direitos humanos
(DORNELLES, 2008).
Ocorre, todavia, que esse modelo, na
prática, nem sempre é observado e
quando o ordenamento jurídico penal
brasileiro é confrontado com a realidade,
descortina-se um cenário onde os
parâmetros de justiça, racionalidade e
legitimidade,
são
muitas
vezes
negligenciados, no que diz respeito à
aplicação da pena.
Revista da Faculdade de Ciências Gerenciais de Manhuaçu – Facig (ISSN 1808-6136). Pensar
Acadêmico, Manhuaçu, MG, v. 9, n. 2, p. 73-79, Agosto - Dezembro, 2013.
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Lamas (2013)
É através do cálculo da pena que o
Estado-juiz, exercita o seu ius puniendi,
ou seja, direciona o seu poder de
reprovação ao indivíduo que agiu de
forma contrária ao direito.
A conduta em conformidade com a
ordem é conseguida por uma sanção
proporcionada pela própria ordem. O
principio de recompensa e punição – o
principio da retribuição -, fundamental
para a vida social, consiste em associar
uma conduta em conformidade com a
ordem e a conduta contrária à ordem com
a promessa de uma vantagem ou com a
ameaça
de
uma
desvantagem,
respectivamente, na condição de sanções.
(KELSEN, 2001)
A legislação penal brasileira adotou,
em seu artigo 68, o sistema trifásico,
concebido pelo mestre Nelson Húngria,
que estabelece que a pena será calculada
observando-se três fases distintas e
sucessivas. Primeiramente, o julgador
deverá encontrar, a partir da análise das
oito circunstâncias judiciais previstas no
artigo 59 do Código Penal, a chamada
pena base.1 “A pena inicial fixada em
concreto, dentre dos limites estabelecidos
a priori na Lei penal, para que, sobre ela,
incidam, por cascata, as diminuições e os
aumentos decorrentes de agravantes,
atenuantes, majorantes ou minorantes”
(BOSCHI, 2002, p. 187).
Cada uma dessas fases “deve ser
analisada e valorada individualmente, não
podendo o juiz simplesmente se referir a
elas de forma genérica” (GRECO, 2004, p.
610), sob pena de nulidade, pois no Brasil
vigora o sistema do livre convencimento
motivado das decisões judiciais, através
do qual o magistrado tem a liberdade para
1
Art. 59 - O juiz atendendo à culpabilidade, aos
antecedentes, à conduta social, à personalidade do
agente, aos motivos, às circunstâncias e
conseqüências do crime, bem como ao
comportamento da vítima, estabelecerá, conforme
seja necessário e suficiente para reprovação e
prevenção do crime: I – as penas aplicáveis dentre
as cominadas; II – a quantidade de pena aplicável,
dentro dos limites.
decidir de acordo com o que considerar
mais adequado, desde que respeitados os
limites fixados pela lei e pela Constituição.
A obrigação de fundamentar as
decisões é pressuposto lógico de um
Estado Democrático de Direito e funciona
como limite à peculiar discricionariedade
da função de juiz, além de ser crucial para
assegurar o cuidado na formação da
vontade decisória; possibilitar o controle
das decisões, e garantir a transparência
destas (ANDRADE, 1992).
Entretanto, apesar de toda aparente
proteção conferida pelo sistema, a
situação brasileira é nitidamente obscura
no tocante à aferição da pena base, pois
há quatro circunstâncias judiciais de
cunho subjetivo no artigo 59 do Código
Penal, que permitem uma elevada
discricionariedade ao magistrado e tornam
difícil o controle de seus atos.
Assim, ainda que haja fundamentação
na sentença, o Estado Democrático de
Direito corre o risco de ter o seu dever de
proteção
aos
direitos
humanos
fundamentais frustrado, pois “o direito e o
arbítrio,
estes
dois
conceitos
aparentemente
opostos,
estão
na
realidade
estreitamente
ligados”
(PACHUKANIS, 1988, p. 90).
Na fase de ajuste da pena base, o juiz
precisa analisar quatro circunstâncias
judiciais de cunho subjetivo: culpabilidade
(grau de reprovabilidade do ato praticado
pelo réu); os antecedentes (vida
pregressa do agente); a conduta social (o
comportamento do réu junto à sociedade)
e a personalidade do agente (o seu retrato
psíquico). Nesta etapa, o legislador
também deixou ao prudente arbítrio do
julgador “estabelecer a quantidade de
aumento e diminuição em cada caso
concreto,” (SHECAIRA e CORRÊA
JÚNIOR, 2002, p. 280) desde que
observados os limites mínimos e máximos
fixados para cada tipo penal incriminador.
Nota-se, portanto, que os limites legais
a que o juiz deve satisfazer são pequenos,
frente à gama de possibilidades que lhe
são abertas, o que pode ocasionar
decisões
violadoras
dos
direitos
Revista da Faculdade de Ciências Gerenciais de Manhuaçu – Facig (ISSN 1808-6136). Pensar
Acadêmico, Manhuaçu, MG, v. 9, n. 2, p. 73-79, Agosto - Dezembro, 2013.
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Lamas (2013)
fundamentais dos apenados. “O problema
da determinação da pena pelo juiz
identifica-se em grande parte com o
problema
dos
espaços
de
discricionariedade atribuídos à função
judicial” (FERRAJOLI, 2002, p. 323), e nas
sociedades contemporâneas a função
judicial só se considera cumprida quando
o juiz atua com eficácia dentro de suas
limitações funcionais (SANTOS, 2009).
Diante dessa ampla liberdade de
escolha conferida ao juiz, surge um
dilema: Como ele deve agir ao aplicar a
lei?
Muitos magistrados acabam adotando
uma postura clássica do Direito ao
calcular a pena base, ou seja, seguem
uma atitude ‘neutra’ ou positivista ao agir
exatamente de acordo com o que a lei
determina. “A história das suas soluções
confunde-se, em conseqüência, com a do
princípio de legalidade das penas
expressadas na máxima nulla poena sine
lege” (FERRAJOLI, 2002, p. 323). “O juiz
não cria o Direito, ele aplica a lei. (...) e a
aplica de maneira neutra. Mesmo que se
trata de uma lei injusta, deve o juiz adotála (para gerar certeza jurídica)” (GOMES,
2007).
O juiz avalia as circunstâncias judiciais
de natureza subjetiva do artigo 59 do
Código Penal de acordo com o seu
sentido literal, ou seja, uma vez que a lei
determina que se aprecie a culpabilidade,
os antecedentes, a conduta social e a
personalidade do agente, ele o faz sem
emitir qualquer consideração, ainda que
sua interpretação seja injusta ou até
mesmo inconstitucional. Ao juiz não
cumpre o papel de “discutir, alterar,
corrigir, negar ou substituir a lei”
(FERRAJOLI, 2002, p. 323).
Outros juízes, por sua vez, acreditam
que se agirem de acordo com a sua
consciência, estarão assumindo uma
postura imparcial diante do caso concreto,
e com isso assegurando os direitos
fundamentais do indivíduo. No entanto,
diante da discricionariedade que lhes é
proporcionada pela própria lei, na maioria
das situações, acabam realizando uma
interpretação das circunstâncias judiciais
do artigo 59, baseada em critérios
nitidamente morais, pois, “o juiz é um ser
humano. Por traz da decisão encontra-se
toda sua personalidade” (ROSS, 2000, p.
168).
Hoje, torna-se impossível passar por
cima da idéia de que a sociedade de
massa não exclua a manipulação das
mesmas. Os mecanismos formais que
garantem o funcionamento democrático
dessas
sociedades,
por
serem
imprescindíveis, não são suficientes para
assegurar um protagonismo real dos
cidadãos em condições aceitáveis de
igualdade. (ZAMORA, 2008)
Onde a refutação é impossível significa
que a técnica de definição legal e/ou
judicial do que é punível não permite
juízos cognitivos, mas apenas juízos
potestativos, de forma que a livre
convicção não se produz sobre a verdade,
mas sobre outros valores.(...) a hipótese
legal e/ ou judicial não está formada por
proposições que designam fatos, senão
por juízos de valor ou de significado
indeterminado do tipo: Tício é perigoso
(FERRAJOLI, 2002).
Como
resultado
dos
dois
posicionamentos supramencionados, ao
julgar estritamente vinculado ao que
impõe a lei, sem aferir critérios de
razoabilidade e proporcionalidade na sua
aplicação, o juiz poderá frustrar o dever de
proteção que lhe é imposto pelo Estado
Democrático de Direito. Por outro lado, ao
se deixar guiar por sua consciência, por
mais que o juiz se esforce para ser
objetivo e imparcial em seu julgamento,
ele sempre estará condicionado pelas
circunstâncias ambientais que o cercam, e
é fato que “sempre se reprimiu e controlou
de modo diferente os iguais e os
estranhos, os amigos e os inimigos. A
discriminação no exercício do poder
punitivo é uma constante derivada de sua
seletividade natural” (ZAFFARONI, 2007,
p. 81).
Desse modo, encontram-se decisões
em que o magistrado acaba julgando a
culpabilidade de acordo com o grau de
Revista da Faculdade de Ciências Gerenciais de Manhuaçu – Facig (ISSN 1808-6136). Pensar
Acadêmico, Manhuaçu, MG, v. 9, n. 2, p. 73-79, Agosto - Dezembro, 2013.
77
Lamas (2013)
reprovabilidade do agente e não do ato
por este cometido. Também há julgados
em que os antecedentes do réu são
avaliados de forma contrária ao princípio
constitucional da presunção de inocência.
Da mesma forma, a conduta social pode
prejudicar o réu, acarretando-lhe uma
pena mais elevada, mesmo que seu
comportamento seja lícito. Por fim, o juiz,
mesmo não estando apto a analisar a
personalidade do réu, acaba realizando
juízos psíquicos do mesmo.
1.2. Uma releitura necessária do
papel do juiz na aplicação da pena base
no Brasil
Diante do contexto de ilegalidades e
incertezas tolerado pelo Código Penal
brasileiro, a postura do juiz ao aplicar a
pena precisa ser reestruturada de forma a
configurar uma posição aceita em um
Estado Democrático de Direito. O juiz
deve assumir um lugar de destaque em
defesa
da
eficácia
do
sistema
constitucional e da proteção dos direitos
fundamentais (LOPES JÚNIOR, 2004).
O juiz já não pode ser concebido
(somente) como a boca da lei (la bouche
de la loi), nem tampouco (exclusivamente)
como a boca do Direito, sim, como a boca
dos direitos e garantias fundamentais (do
indivíduo)
positivados
na
lei,
na
Constituição e no Direito humanitário
internacional. (GOMES, 2007)
Ao avaliar as circunstâncias judiciais de
cunho subjetivo do CPB o magistrado tem
o dever de obedecer aos princípios
garantidores dos direitos humanos
fundamentais, de tal sorte que deve
assegurar àquele que está sendo julgado
um padrão mínimo de proteção.
De todos os significados válidos que
podem ser extraídos de um texto legal,
deve o juiz eleger o que for mais
compatível com os princípios, regras e
valores constitucionais e humanitários
internacionais (ou seja: o que retratar com
maior fidelidade a sua posição de garante
dos direitos fundamentais). A sujeição
irrestrita do juiz a esse Direito supralegal
implica a adoção de uma postura crítica
diante das leis inválidas. Nisso reside sua
legitimação democrática assim como a
preocupação com sua independência
(interna ou externa, política ou funcional).
(GOMES, 2007)
O julgador não pode atuar como mero
aplicador da lei, ele é, antes de mais
nada,
o
guardião
dos
direitos
fundamentais do indivíduo. É tarefa do
poder judiciário impor a observância das
normas jusfundamentais e das demais
normas constitucionais às das leis
produzidas pelo Legislativo (TOLEDO,
2003).
O juiz não valora nem determina sua
postura
ante
a
possibilidade
de
interpretações diferentes. O juiz é um
autômato. Tem-se como pacífico que é
necessário que se ajuste à lei e sua
função se limita a um ato puramente
racional: compreender o significado da lei
(ROSS, 2000).
Isso significa que o juiz, ante a
exigência
legal
de
aferição
das
circunstâncias judiciais de cunho subjetivo
na pena base, deve, desde logo, “e em
primeiro
lugar
questionar
a
compatibilidade do texto legal com a CF e
com o Direito humanitário internacional. O
juiz já não deve se apegar só à vigência
da lei, antes de tudo necessita verificar se
ela é válida” (GOMES, 2007).
Do mesmo modo, é inadmissível que
ao avaliar os requisitos de natureza
subjetiva do artigo 59 do Código Penal, o
juiz emita vereditos morais sobre a pessoa
do réu. Os juízes penais não estão livres
de orientarem–se em sua decisões
segundo suas convicções pessoais, mas
devem julgar de acordo com a lei maior,
ainda quando esta esteja em contraste
com suas convicções. (FERRAJOLI,
2002)
Visto que, na realidade o poder punitivo
atua tratando alguns seres humanos como
se não fossem pessoas e que a legislação
o autoriza a agir assim, a doutrina
consequentemente com o princípio do
Estado de Direito deve tratar de limitar e
reduzir ou, ao menos, delimitar o
Revista da Faculdade de Ciências Gerenciais de Manhuaçu – Facig (ISSN 1808-6136). Pensar
Acadêmico, Manhuaçu, MG, v. 9, n. 2, p. 73-79, Agosto - Dezembro, 2013.
78
Lamas (2013)
fenômeno para que o Estado de Direito
não desapareça. (ZAFFARONI, 2007)
O magistrado exerce um papel
fundamental na aplicação da lei,
principalmente no que diz respeito à
interpretação conforme a constituição2.
Para que haja um equilíbrio entre a
aplicação da pena e os fins colimados
pelo Estado Democrático de Direito é
preciso que haja uma adequação entre a
avaliação feita pelo juiz e a Constituição.
Na
interpretação
conforme
a
Constituição, o órgão jurisdicional declara
qual das possíveis interpretações de uma
norma legal se revela compatível com a lei
fundamental. (...) O papel da interpretação
conforme a Constituição é, precisamente,
o de ensejar, por via de interpretação
extensiva ou restritiva, conforme o caso,
uma alternativa legítima para o conteúdo e
uma norma que se apresenta como
suspeita. (BARROSO, 1999)
O juiz como guardião dos direitos
fundamentais deve, portanto, fazer um
diálogo entre a Constituição e suas fontes,
de forma a trabalhar com a norma que for
mais favorável ao indivíduo. O que se
espera do magistrado ao fixar a pena
base do réu, é “que não fique apenas
escravo das leis vigentes, mas que se
preocupe em interpretá-la de acordo com
a realidade, e não apenas na forma
gramatical” (GOMES, 2007). “O direito
penal de um Estado de direito não pode
deixar de se esforçar e aperfeiçoar as
garantias dos cidadãos sob pena de
perder sua essência e seu conteúdo”
(ZAFFARONI, 2007, p. 173).
2
Metodologicamente isso implica (na prática) que o
juiz, quase sempre, tem que proferir duas decisões:
primeiro para definir qual é o sentido válido da lei
aplicável; depois cuida da adequação do fato a esse
Direito. Raciocinando em termos silogísticos: a
premissa maior é o Direito fundado na lei, na
Constituição e no Direito internacional. Uma vez
descoberto o Direito aplicável (a premissa maior),
de acordo com essa tríplice dimensão, passa-se para
a subsunção do fato (premissa menor). Por último
vem a conclusão. Em GOMES (2007).
O magistrado, tampouco, pode se
deixar contaminar por paradigmas,
comportamentos e valores morais ao
prolatar sua decisão, pois dentre os
muitos
sustentáculos
do
Estado
Democrático de Direito está o princípio da
legalidade (artigo 5º, inciso XXXIX, da
CF), que estabelece que qualquer
comportamento é permitido quando não
tipificado na lei como delito.
2. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Diante do exposto conclui-se que o
legislador brasileiro não definiu de modo
seguro os critérios que o juiz deve utilizar
ao avaliar as circunstâncias judiciais de
cunho subjetivo do artigo 59 do Código
Penal, necessárias para a fixação da pena
base.
Ao traçarmos uma análise crítica dessa
situação, constata-se que esse espaço
deixado para a discricionariedade do juiz
poderá, dependendo da postura que este
adotar,
resultar
em
análises
inconstitucionais, e consequentemente,
em uma pena base inaceitável em um
Estado Democrático de Direito.
Dessa forma, em nada adianta o Brasil
adotar um modelo de Estado cujas
diretrizes buscam garantir os direitos
humanos fundamentais de seus cidadãos,
se ainda é possível decisões judiciais
apegadas a critérios inconstitucionais, fato
que inevitavelmente afeta a dignidade
pessoal do condenado, e lesa o seu
conjunto de garantias processuais.
Portanto, o julgador assume um papel
de extrema relevância na análise dessas
circunstâncias judiciais, pois, se a lei lhe
concede um amplo espaço para a
discricionariedade,
este
deve
ser
preenchido com uma avaliação que
incorpore
os
ideais
do
Estado
Democrático de Direito.
A tarefa de calcular a pena base deve
ser analisada como um procedimento dos
mais complexos no exercício do poder
punitivo do Estado, uma vez que, se a
cominação de uma pena não pode se
fundar em critérios matemáticos, é na
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Lamas (2013)
legitimidade da atividade judicial e nas
garantias do sistema que ela deve se
pautar.
93ED-8FEA-4256-9EA325B1B5F394C3%7D_039.pdf Acesso em
31/08/2013.
3. REFERÊNCIAS BILIOGRÁFICAS
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Conflito
e
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Penal. Tradução de Sérgio Lamarão. Rio
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contra a barbárie. São Leopoldo, Editora
Nova Harmonia, 2008.
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Parte Geral. 4 ed. Rio de Janeiro,
Impetus, 2004.
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Direito e a política no espelho da ciência.
Tradução Luis Carlos Borges. Martins
Fontes, São Paulo, 2001.
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Acadêmica, 1988.
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aditamento à denúncia. In Jus podium
novembro
2000
Disponível
em:
http://www.juspodivm.com.br/i/a/%7B3859
Revista da Faculdade de Ciências Gerenciais de Manhuaçu – Facig (ISSN 1808-6136). Pensar
Acadêmico, Manhuaçu, MG, v. 9, n. 2, p. 73-79, Agosto - Dezembro, 2013.
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Souza et al (2013)
USO ABUSIVO DE ETANOL: UM COMPARATIVO ENTRE DADOS DA LITERATURA E A
REALIDADE DA ZONA DA MATA MINEIRA
Área Temática: Farmácia
Anita S. Rodrigues1, Larissa de M. Vita1, Juber P. de Souza2
1
Graduadas em Farmácia
2
Mestre em Saneamento Ambiental pela UFOP, Graduado em Farmácia, Diretor de
operações da empresa Ecolife Soluções Ambientais
RESUMO
O uso excessivo e indiscriminado de bebidas alcoólicas pode causar dependência química e
severos danos ao organismo humano. O consumo de bebidas alcoólicas abrange mais de 2
bilhões de pessoas em todo mundo e é responsável por 3,2% das mortes no Brasil. Não
obstante, bebidas constituídas de álcool etílico podem causar dependência química em
indivíduos hipersensíveis. Este trabalho tem por objetivo avaliar que tipo de danos
fisiológicos e sociais causados pelo uso abusivo do etanol estão relatados na literatura e
relacioná-los com a realidade dos dependentes químicos pertencentes ao grupo dos
Alcoólicos Anônimos de uma cidade da Zona da Mata mineira.
Palavras chaves: etanol, efeitos tóxicos, Alcoólicos Anônimos.
1. INTRODUÇÃO
O álcool atua em diferentes sistemas
de neurotransmissores e neuroreceptores:
sistema adrenérgico (aumento da síntese
de
noradrenalina),
ácido
gamaaminobutírico (redução de GABA no
cérebro), dopamina (prazer e necessidade
de repetir a droga), acetilcolina (diminui
atividade colinérgica), e cálcio (efeito
hipnótico do álcool) (OGA, 2009).
Além disso, sabe-se que doenças
hepáticas são causadas pelo uso
excessivo de bebidas que contém álcool
etílico.
Os
danos
hepáticos
são
diferenciados segundo a progressão dos
efeitos severos, sendo os principais a
esteatose hepática (acúmulo de gordura
no fígado), hepatite alcoólica (processo
inflamatório e destruição dos hepatócitos)
e a cirrose hepática (fibrose das células
afetadas). (PIVETTA, 2005).
O uso indiscriminado de etanol
associa-se ao uso de outras drogas lícitas
e ilícitas e tem como desfecho o desvio
social de conduta. Violências sexuais,
acidentes de trânsito, mudanças de
efeitos comportamentais, mudança de
humor, tornam-se comuns em pacientes
que faz esse tipo de uso ilimitado
(PECHANSKY et al., 2004).
O álcool etílico é uma das substâncias
psicotrópicas mais consumidas por todas
as diferentes sociedades, desde 6.000
anos atrás.
Segundo a Organização Mundial de
Saúde (OMS), aproximadamente dois
bilhões de pessoas consomem bebidas
alcoólicas, sendo responsável por 3,2%
das mortes de todo país (BRASIL, 2007).
No
Brasil
e
em
países
em
desenvolvimento, as bebidas alcoólicas
são um dos principais fatores de
mortalidade e doença, representando de 8
a 14,9% do total de problemas de saúde.
(BRASIL, 2007). Na França, um estudo
conduzido pelo Instituto Nacional da
Saúde e da Pesquisa Médica, mostrou
que cerca de 9% da população francesa
com idade entre 12 e 75 anos têm algum
problema
relacionado
ao
álcool
(CAMPOS, 2004).
Alguns transtornos comuns podem ser
considerados ao tratar-se do uso abusivo
de etanol como, depressão, transtornos
de ansiedade, de humor, de conduta,
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Acadêmico, Manhuaçu, MG, v. 9, n. 2, p. 80-86, Agosto - Dezembro, 2013.
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Souza et al (2013)
causando um déficit de atenção e
hiperatividade (ZALESKI et al., 2006).
Em 1947, surgiu os Alcoólicos
Anônimos (AA) no Brasil, uma irmandade
de homens e mulheres a fim de
compartilhar suas experiências e o desejo
de parar de beber. Tem como propósito
manter seus participantes sóbrios e ajudálos, de forma lenta e gradativa, a livraremse da dependência química. (ANÔNIMO,
2006).
Este trabalho tem por objetivo avaliar
que tipo de danos fisiológicos e sociais
causados pelo uso abusivo do etanol
estão relatados na literatura e relacionálos com a realidade dos dependentes
químicos pertencentes ao grupo dos
Alcoólicos Anônimos de uma cidade da
Zona da Mata mineira.
1.1. Efeitos tóxicos do etanol
Em indivíduos saudáveis, as alterações
causadas pelo etanol ocorrem de maneira
reversível. Porém, quando ingeridos em
quantidades elevadas ou em indivíduos
com patologia, as lesões nos diferentes
órgãos se tornam mais graves e
irreversíveis (OGA, 2009).
A parte do corpo mais afetada pelo
etanol é o sistema nervoso central (SNC),
quando comparado a outros órgãos. O
álcool é capaz de causar sedação,
inibição da ansiedade, ataxia, prejuízo da
capacidade de julgamento e desinibição
do comportamento. Este último depende
ainda da dose ingerida, da velocidade de
absorção, do peso e sensibilidade do
indivíduo, assim como a tolerância (OGA,
2009). Existem indivíduos que a
susceptibilidade ao álcool é maior quando
comparado a outros indivíduos, por isso
apresentam menos efeitos colaterais e
toxicidade. (BATLOUNI, 2006).
O termo alcoolismo é utilizado para o
transtorno marcado pelo uso crônico do
etanol, e o uso abusivo deste é
caracterizado
pelas
modificações
orgânicas que são (SILVA, 2008):
• Sistema
gastrointestinal:
a
hepatotoxicidade está relacionada com
o metabolismo no etanol que acontece
principalmente no fígado, sendo
responsável por 90% da oxidação do
etanol (PIVETTA, 2005). A esteatose é
a primeira das lesões hepáticas
causadas
pelo
etanol,
estando
associada com hepatite alcoólica e
cirrose, sendo que esta última tem
caráter irreversível (MINCIS & MINCIS,
2006). Está ligado a maior incidência
de
câncer
no
trato
digestivo,
principalmente de esôfago e intestino
(OGA, 2009).
• Sistema Neurológico: O álcool está
relacionado às alterações cognitivas,
memória, concentração, atenção, entre
outros. Essas alterações acontecem
pela ação direta do álcool sobre o SNC
(OGA, 2009).
• Sistema hematológico: o uso
crônico de etanol tem efeitos deletérios
sobre os elementos formadores do
sangue, ocasionando a diminuição da
vida média das hemácias, além da
elevação do volume corpuscular médio
(VCM),
causando
anemia
megaloblástica. (FORERO et al., 1994).
• Sistema cardiovascular: a ingestão
do etanol produz efeitos desfavoráveis
na insuficiência cardíaca. Por exercer
efeitos tóxicos diretos sobre o coração,
acaba provocando o desacoplamento
do
sistema
excitação-contração,
reduzindo o sequestro de cálcio no
retículo sarcoplasmático, inibindo a
bomba sódio-potássio (BATLOUNI,
2006).
• Síndrome fetal: o consumo de
etanol no período da gestação está
associado ao aumento de risco para
má formação fetal, sendo o mais grave
a Síndrome Alcoólica Fetal (PINHEIRO
et al., 2005).
• Sistema endócrino-reprodutivo: O
uso crônico de etanol pode causar
diminuição da libido, impotência,
esterilidade e hipogonadismo, tendo
efeito
negativo
em
hormônios
masculinos reprodutivos e na qualidade
do sêmen (OGA, 2009).
• Síndrome de abstinência: acontece
pela cessação da ingestão de álcool ou
pela queda nos níveis plasmáticos de
álcool. Os seus sintomas estão
diretamente
ligados
ao
desenvolvimento da neuroadaptação
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Acadêmico, Manhuaçu, MG, v. 9, n. 2, p. 80-86, Agosto - Dezembro, 2013.
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Souza et al (2013)
do SNC à exposição crônica do etanol
(ZALESKY et al.,2004).
Além dos efeitos tóxicos e agudos, o
uso de bebidas alcoólicas de maneira
descontrolada causa uma série de efeitos
sociais,
as
chamadas
sociopatias.
Indivíduos que dependem química e
fisicamente de etanol se acostumam a
conviver com a postura da sociedade em
relação à dependência dos mesmos. O
alcoolismo altera o comportamento do
alcoólico, tornando-o egoísta, atingindo
sua vida social, visivelmente na família e
no trabalho (CAMPOS, 2004).
A doença alcoólica ultrapassa o limite
intrapessoal, configurando o alcoolismo
como
uma
“doença
da
família”.
(CAMPOS, 2009).
1.2. Alcoólicos Anônimos
Criado em 1935 pelos amigos Bill
Wilson e Bob Smith nos Estados Unidos,
Alcoólicos Anônimos é uma irmandade
entre homens e mulheres que vem
chamando a atenção pela forma em que
busca o apoio mútuo para a superação da
chamada doença do alcoolismo, que os
levaram a uma vida de rejeição, que na
maioria das vezes atinge marginalidade
social (CAMPOS, 2009).
É um programa de recuperação,
baseado nos “doze passos e doze
tradições”, cuja finalidade é ajudar os
alcoólicos a evitar o “primeiro gole” e,
possivelmente a manter sua sobriedade
(CAMPOS, 2004). Esse modelo inclui a
aceitação de que existe um problema
relacionado ao álcool, a busca de ajuda,
auto avaliação e a disposição tanto para
reparar danos causados a terceiros como
dividi-los com os outros etilistas em
recuperação (CAMPOS, 2009).
Segundo Campos (2009), o número de
membros
dessa
irmandade
vem
aumentando progressivamente. No Brasil,
o primeiro grupo de AA, surgiu em 1947, e
atualmente existe cerca de 5.700 grupos,
totalizando
praticamente
120
mil
membros, segundo dados do Escritório de
Serviços Gerais de Alcoólicos Anônimos.
O modelo terapêutico de AA é baseado
na recuperação individual e pessoal de
seus membros, como se tivessem perdido
o poder para controlar o número de doses
ingeridas (CAMPOS, 2009).
Os grupos de AA se reúnem todos os
dias, exceto nos domingos. É um
momento no qual os indivíduos,
compartilham
suas
experiências
individuais (história de vida, tempo de
alcoolismo ativo e da recuperação, seus
conflitos, perdas e conquistas), onde a
“teoria e a prática” ficam unidas para
celebrar os princípios inscritos no
programa de AA. (CAMPOS, 2004). Para
a
recuperação
dos
etilistas
é
imprescindível o anonimato, por isso uma
frase sempre utilizada nas reuniões é:
“quem você vê aqui, o que você ouve
aqui, deixe que fique aqui” (CAMPOS,
2009).
As reuniões se iniciam com a leitura do
preâmbulo que expõe os objetivos da
irmandade para os visitantes, e em
seguida os convida para fazerem a
Oração da Serenidade (CAMPOS, 2004).
Em seguida, o coordenador da reunião,
passa a palavra aos participantes para um
relato das 24 horas de sobriedade.
Segundo Marcel Drulhe (1988), cada
um se reconhece na biografia dos outros,
descobrindo que agora são iguais nas
histórias e trajetórias.
1.3. Doenças causadas
abusivo de etanol
pelo
uso
Causada pelo aparecimento de nódulos
nos hepatócitos em regeneração, a cirrose
hepática é uma das doenças crônicas
mais relevantes no Brasil e também uma
das principais causas de internações, em
hospitais universitários (FILHO, 2006).
Pacientes com esteatose desenvolvem
cerca de 10% a 20% de cirrose e cerca de
50% de pacientes com hepatite alcoólica
relatam cirrose hepática (MINCIS &
MINCIS, 2006).
A
cirrose
hepática
pode
ser
assintomática por muitos anos. As
principais manifestações da doença são
os chamados estigmas de doença
hepática crônica, que incluem eritema
palmar, atrofia testicular, ginecomastia e
aranhas vasculares (FILHO, 2006).
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Souza et al (2013)
Além das doenças hepáticas, o uso
abusivo de etanol, está associado com o
sistema
cardiovascular,
causando
inicialmente
a
hipertensão
arterial
(MACIEIRA et al., 1997).
Brasil e a dos residentes na Zona da Mata
mineira.
A pesquisa foi feita no local das
reuniões dos Alcoólicos Anônimos e o
anonimato dos participantes foi garantido.
3. RESULTADOS E DISCUSSÃO
2. METODOLOGIA
Inicialmente,
realizou-se
um
levantamento de dados da literatura sobre
o perfil fisiopatológico dos dependentes
químicos do etanol publicados em língua
portuguesa e inglesa. Foram avaliados os
artigos publicados entre os anos de 1988
e 2011, nos bancos de dados Scielo e
PubMed.
Posteriormente, foram coletados dados
através de um instrumento investigativo
contendo 12 questões aplicadas a todos
os participantes das reuniões do AA,
somando um total de 50 participantes,
numa cidade da Zona da Mata mineira.
Por fim, traçou-se um paralelo entre a
realidade dos dependentes químicos no
Os dados encontrados na literatura
sobre o uso abusivo de etanol servirão
como um comparativo com os coletados
na cidade da Zona da Mata mineira.
Foram distribuídos 50 questionários no
grupo de Alcoólicos Anônimos. Destes, 31
etilistas se opuseram a responder as
perguntas, e os outros 19 responderam o
questionário.
Considerando os 19 entrevistados, 11
deles se declararam casados (57,9%), 2
solteiros (10,5%) e 6 (31,6%) divorciados.
Este dado está de acordo com um estudo
realizado em São Paulo, SP, onde a
prevalência de etilistas casados foi de
48% (CAMPOS, 2009).
Tabela 1: Relação entre o estado civil e sexo dos etilistas
Estado civil
Solteiro(a)
Casado (a)
Divorciado(a)
TOTAL
No período da avaliação, observou-se
que a relação entre estado civil e sexo
entre os homens ultrapassou a das
mulheres (Tabela 1). Esse dado foi
representado por 16 etilistas do sexo
masculino (84%) e 3 etilistas do sexo
feminino (16%). O seguinte resultado é
explicado pela maior presença do sexo
masculino
em
grupos
de
AA,
provavelmente pelo fato das mulheres
terem mais vergonha de aceitarem o fato
de serem alcoólatras e reconhecerem que
necessitam de algum tipo de ajuda
psicológica (CAMPOS, 2005).
Além de relacionar o estado civil e o
sexo de todos os estilistas, analisou-se a
Sexo
Masculino
Feminino
1
10
5
16
1
1
1
3
faixa etária de cada um, para estimar os
anos que foram dependentes de álcool. A
partir dos dados coletados observou-se
que a maioria dos etilistas, 57%, possui
idade entre 36 e 50 anos. Os etilistas que
possuem idade superior a 50 anos
correspondem a 38%, restando 5% para
os etilistas com idade entre 19 e 35 anos
(Gráfico 1).
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Souza et al (2013)
fazem tratamento ainda permanecem sem
ingerir bebidas alcoólicas após um ano.
A análise do tempo que os
dependentes não fazem uso de bebidas
alcoólicas foi necessária para verificação
de como esses conseguiram controlar o
uso de bebidas alcoólicas (Gráfico 3).
Gráfico 1. Faixa etária dos etilistas
Campos (1999), em uma pesquisa feita
em São Paulo, SP, relatou que a
prevalência da dependência de álcool se
encontra na faixa etária de 18 a 24 anos
(15,5%). Já para Álvarez (2007), a
presença em grupos de Alcoólicos
Anônimos é menor de sujeitos jovens e
velhos,
podendo
perceber
uma
contraposição
com
os
resultados
adquiridos para a pesquisa.
Para se analisar o tempo que os
etilistas não fazem uso de bebidas
alcoólicas, foi perguntado o período que
conseguiram controlar a ingestão de
etanol e esses resultados estão expressos
no Gráfico 2.
Gráfico 3. Modo como os etilistas decidiram
parar de usar bebidas alcoólicas
Conforme o Gráfico 3, é possível
relacionar o grupo de Alcoólicos Anônimos
como um colaborador dos etilistas a
pararem de beber (84%). Outro ponto
importante e relevante é o fato que os
etilistas controlam o uso de bebidas por
decisão própria (36%). Segundo Garcia
(2004), isso se dá pela decadência física e
moral, ocasionando a perda do apoio da
família e da inserção na sociedade.
Com relação aos efeitos adversos, um
dos pontos analisados foi o efeito crônico
causado pelo etanol, levando em conta
que este atinge vários sistemas do
organismo (OGA, 2009).
Gráfico 2: Tempo que não faz uso de bebidas
alcoólicas
De acordo com o Gráfico 2 é possível
verificar que o etilistas frequentadores de
AA estão há mais de um ano sem fazer
uso
de
bebidas
alcoólicas,
correspondendo a 64%. Esse resultado
tem relação com a frequência dos etilistas
nas reuniões de AA, possibilitando assim
que os alcoólatras não tenham uma
recaída. Em uma pesquisa feita por
Álvarez (2007), relatou-se que 26% dos
alcoolistas que frequentam as reuniões ou
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Souza et al (2013)
Tabela 2: Efeitos adversos causados pelo etanol em etilistas.
Efeitos Adversos
Percentual de indivíduos afetados (%)
Efeitos cardiovasculares
42%
Efeitos hepato-renais
11%
Outros
26%
Conforme a Tabela 2, dentre os
principais
efeitos
adversos,
os
cardiovasculares assumem um papel de
destaque
(42%),
enfatizando
a
hipertensão arterial. Segundo Lima et al.
(1999), estudos mostram uma grande
relação entre o consumo de álcool e a
elevação da pressão arterial. Deve-se
considerar
que
a
hipertensão
é
desencadeada após 48-72 horas da
abstinência do uso de etanol, afetando
direta e indiretamente muitos órgãos que
participam na regulação da pressão
arterial e volume sanguíneo, bem como o
coração, vasos periféricos, fígado, medula
óssea e sistema nervoso central
(MACIEIRA et al., 1997).
Questionados sobre a forma como o
programa “AA” os ajudou na recuperação,
os entrevistados relataram que a vida
social de forma geral tem mudado de uma
maneira notável para todos que vivem ao
redor. As mudanças foram bruscas em
relação ao trabalho e a família, pois
quando faziam o uso de bebidas
alcoólicas muitos eram rejeitados. Para
Garcia (2004), isso acontece porque os
etilistas assumem uma maturidade e
percebem através das perdas que a
melhor decisão é filiar-se a irmandade de
Alcoólicos Anônimos.
4. CONCLUSÃO
O presente estudo mostrou que são
numerosas as complicações causadas
pelo uso abusivo de etanol. Contudo, vale
ressaltar a importância dos grupos de AA
atuando na ajuda mútua dia a dia,
auxiliando na reintegração dos etilistas à
sociedade. Além disso, observou-se a
necessidade
de
uma
equipe
multidisciplinar
compostas
por
farmacêuticos, nutricionistas, médicos,
educadores físicos e assistentes sociais
na implantação de programas sociais não
só para a busca da sobriedade, mas
também para esclarecimento dos efeitos
causados pelo uso excessivo do etanol e
para uma melhoria na qualidade de vida
desses indivíduos.
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