SPALDING, Marcelo. Alice do livro impresso ao e-book: adaptação de Alice no país das maravilhas e de Através do
espelho para iPad. Porto Alegre: UFRGS, 2012. Tese (Doutorado em Letras), Instituto de Letras, UFRGS, 2012.
1.4 E-BOOKS, E-READERS E OS NOVOS SUPORTES DE LEITURA
Kindle, iPad, Android, iBooks, EPUB, PDF, AZW, Sony Reader, DRM… As
siglas, invariavelmente americanas, tomaram conta do noticiário sobre o livro digital,
causando muitas dúvidas e apreensões numa sociedade acostumada com o milenar
códice, primeiro manual e depois impresso. Mas o que singifica essa profusão de
aparelhos, formatos, siglas? O Kindle é a mesma coisa que o iPad? O tablet é um leitor
de livro digital? Um livro digital feito em determinado formato roda em todos os
aparelhos?
Antes de investigarmos os novos suportes de leitura, é importante fazermos uma
distinção entre o que são os leitores de livro digital (e-readers), os aplicativos de leitura
e os livros digitais propriamente ditos (e-books). A confusão ocorre porque o livro
impresso é ao mesmo tempo o leitor e o livro em si, sem a necessidade de um
aplicativo. O livro impresso, afinal de contas, é material, físico, átomo.
Já o livro digital é um arquivo digital, bits, um conjunto de zeros e uns, como
vimos no capítulo anterior. Há vários formatos de arquivos de livro digital, como o
PDF, o EPUB e o AZW. Para comparar, o formato do arquivo do Microsoft Word é o
DOC, o formato do Power Point é o PPT e o formato universal hoje utilizado para
músicas é o MP3. Para abrirmos um arquivo DOC, precisamos ter o Word ou um
software compatível. Mesma coisa para os arquivos de livro digital, para abrir um
arquivo PDF, EPUB ou AZW, é preciso ter um software (ou aplicativo) compatível. Por
sua vez, para rodar um aplicativo é preciso ter um hardware (ou aparelho) compatível,
como é o caso do PC com Windows para rodar o Word. Pois bem, vale o mesmo para
os aplicativos que leem livros digitais: é preciso ter um aparelho compatível com o
aplicativo que lê determinado tipo de arquivo.
O problema é que como o livro digital ainda está engatinhando se comparado à
música digital, cujo formato MP3 está universalizado, e, além disso, os detentores de
direitos autorais estão preocupados que ocorra com o livro a mesma onda de pirataria
que ocorreu com a música, hoje existem aparelhos que rodam apenas o seu aplicativo e
o seu formato de arquivo.
O caso mais notório é o do Kindle. O Kindle, lançado em 19 de novembro de
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2007, não é o primeiro e-reader ou e-book, como bem lembra Ednei Procópio. O autor
divide o que chama de Reading Devices nos de primeira geração, “que não conseguiram
compor um bom modelo de negócios para o livro” (2010, p. 48), e os de segunda
geração, onde estaria o Kindle. Entre os de primeira geração, Procópio destaca o Rocket
eBook, que inclusive foi comercializado na Amazon.com: “foi com este aparelho que a
Amazon aprendeu a vender o Kindle” (2010, p. 79). É curioso notar, a propósito, que o
livro presente na estante virtual do aparelho em seu lançamento, em 1998, era
exatamente uma versão eletrônica de Alice no País das Maravilhas.
Entretanto, assim como iPad formou o mercado dos tablets, foi o Kindle que se
tornou o primeiro e-reader popular e inicou esta revolução do mercado editorial1. O
aparelho foi desenvolvido pela Amazon, a maior livraria online do mundo, que tinha
como objetivo vender versões digitais de seus livros e, com isso, zerar o custo de
distribuição. Não bastava para a empresa vender livros digitais em formatos comuns
para PCs, como PDF, pois as pessoas poderiam copiá-los facilmente e o negócio
fracassaria, motivo pelo qual a empresa optou por desenvolver um aparelho próprio,
com um aplicativo próprio que só aceitava arquivos no formato AZW, formato de livro
digital vendido pela Amazon.
O Kindle, assim, pode ser definido como um hardware, um software e uma rede
que utiliza conexão sem fio para que os usuários comprem, baixem e leiam livros,
jornais, revistas ou blogs. Como em outros Reading Devices, ou e-readers, para a tela
foi utilizado o chamado papel eletrônico, uma tecnologia que torna a leitura em sua tela
muito mais agradável do que nas telas dos microcomputadores.
1
A revolução digital chega à palavra impressa. Terra. 2008. Disponível
<http://tecnologia.terra.com.br/interna/0,,OI3323639-EI4799,00.html>. Acesso em: 16 fev. 2011.
em:
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Figura 1 - Kindle, e-reader da Amazon
O termo papel eletrônico designa uma gama de displays com tecnologia que
procura simular a aparência da tinta e do papel numa tela eletrônica. A tela funciona
com milhares de pixels que podem estar ligados ou desligados (como os zeros e uns) e a
cada troca de página ele desliga todos os pixels e liga apenas os necessários para formar
as letras. Sua origem remonta ao PARC (Xerox's Palo Alto Research Center), quando
Nick Sheridon produziu, ainda nos anos 70, um papel eletrônico chamado Gyricon, que
consistia numa fina camada de plástico transparente com milhões de pequenas esferas,
como se fossem partículas de toner.2 Diferentemente do que ocorre nas telas de plasma
utilizadas pelos microcomputadores, o papel eletrônico reflete a luz como o papel
comum, permitindo a leitura em qualquer ângulo e mesmo em ambientes abertos e sob a
luz do sol.3
Além do papel eletrônico, o modelo de negócios adotado pela Amazon foi
fundamental para popularizar o aparelho e o transformar num grande negócio para a
empresa: o usuário compra o aparelho por um valor relativamente baixo (em fevereiro
de 2012 estava anunciado a US$ 139,00 na versão wi-fi e US$ 189,00 na versão 3G +
2
PARC. Disponível em: <http://www2.parc.com/hsl/projects/gyricon/>. Acesso em: 16 fev. 2011.
O Kindle utiliza o E-Ink, papel eletrônico fabricado nos laboratórios do MIT (Massachusetts Institute of
Technology).
3
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wi-fi4) e tem acesso livre à rede, sem precisar contratar um plano de telefonia. Na loja
virtual, o usuário encontra mais de 630 mil livros, como best-sellers a US$ 9,90 e uma
grande quantidade de clássicos disponíveis gratuitamente. A versão em português de
Alice no País das Maravilhas, por exemplo, custa US$ 2,995, mas a versão original, em
inglês, é gratuita.6
Além de acessar a loja, a rede mundial gratuita permite que o usuário faça
backup (cópia de segurança) dos livros adquiridos nos servidores da Amazon para o
caso de perda ou dano no aparelho. Também é possível acessar a Wikipedia, ler blogs,
jornais e revistas.7
A leitura em si é como a de um livro tradicional, com páginas exibidas
sequencialmente e botões para avançar ou retroceder. Nas configurações, o usuário pode
escolher o tamanho da fonte, o contraste e a rotação da tela. Também é possível fazer
anotações, assinalar trechos do livro e visualizar quais foram os trechos mais
assinalados pelos leitores daquele livro. Além disso, a função Text-to-Speech transforma
textos escritos em textos falados, ou seja, lidos em voz alta pelo aparelho para o leitor.
Inicialmente, o Kindle só abria arquivos AZW, uma extensão exclusiva da
Amazon que não pode ser utilizada em outros aparelhos ou num computador sem um
programa específico da empresa. Esses arquivos trazem consigo um DRM, Digital
Rights Management, que detecta quem acessa cada obra, quando e sob quais condições,
inibindo a cópia do arquivo para outros usuários e dificultando a pirataria. A
exclusividade dos arquivos AZW, que comercialmente viabilizou o Kindle e o tornou já
em 2009 o produto mais vendido da história da Amazon8, foi também alvo de muitas
críticas, até que numa versão posterior, lançada em 6 de maio de 2009, o aparelho
tornou-se compatível com arquivos PDF, TXT e MP3. Na versão em PDF, como o
arquivo vem fechado para o aparelho, o usuário não pode editar o tamanho da fonte,
assinalar trechos ou fazer anotações, mas pode mudar o zoom da imagem, o contraste e
4
Amazon.com. Disponível em: <http://www.amazon.com>. Acesso em: 22 fev. 2012. O preço é o
mesmo de um ano atrás, o que muda é o aparelho, cada vez com mais funções.
5
Amazon.com. Disponível em: <http://www.amazon.com/s/ref=nb_sb_noss?url=search-alias%3Ddigitaltext&field-keywords=alice&x=0&y=0>. Acesso em: 16 fev. 2011.
6
Amazon.com. Disponível em: <http://www.amazon.com/Alices-Adventures-in-Wonderlandebook/dp/B000JQV3QA/ref=sr_1_1?ie=UTF8&m=AGFP5ZROMRZFO&s=digitaltext&qid=1297817235&sr=1-1>. Acesso em: 16 fev. 2011.
7
O jornal O Globo e os jornais do Grupo RBS (Zero Hora, Diário Catarinense, Jornal de Santa Catarina,
Diário de Santa Maria, A Notícia e O Pioneiro) estão disponíveis para assinatura no Kindle. Disponível
em: <http://www.amazon.com/>. Acesso em: 16 fev. 2011.
8
Kindle se torna o produto mais vendido da história do Amazon.com. O Globo. 2009. Disponível em:
<http://oglobo.globo.com/economia/mat/2009/12/27/kindle-se-torna-produto-mais-vendido-da-historiado-amazon-com-915375400.asp>. Acesso em: 16 fev. 2011.
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a rotação da tela.
Na terceira versão do aparelho, lançada após o surgimento dos tablets, em julho
de 2010, o Kindle tornou-se ainda mais fino e leve, melhorou seu contraste, criou a
possibilidade de o usuário reproduzir um trecho de sua leitura nas redes sociais
(Facebook ou Twitter), incorporou novos tipos de fontes, integrou um dicionário para os
textos em inglês, ampliou seu armazenamento para até 3500 livros e a autonomia da
bateria para até cinco dias, reforçando a ideia de que um leitor de livros digitais deve ser
extremamente portátil, rápido e capaz de carregar toda uma biblioteca em poucos
gramas. Há projetos, ainda, de criar uma rede social entre os leitores, permitindo que se
divida com amigos as impressões sobre as obras lidas no Kindle e se acesse observações
e destaques feitos por eles.9
Embora num primeiro momento o leitor habituado com o livro tradicional
estranhe a espessura e a forma de passar as páginas com cliques desse tipo de e-reader,
estudiosos afirmam que é uma questão de treino: “se você foi treinado a guiar uma
caneta com seu indicador, observe a maneira como os jovens usam o polegar em seus
celulares e perceberá como a tecnologia penetra o corpo e a alma de uma nova geração”
(DARNTON, 2010, p. 14).
Com o sucesso do Kindle, outras grandes livrarias passaram a adotar um modelo
de negócios semelhante em busca desse mercado digital. A tradicional livraria novaiorquina Barnes&Noble, maior livraria varejista dos EUA, lançou em 30 de novembro
de 2009 o Nook, e um ano mais tarde o Nook Color, leitor de livros digitais com tela
sensível ao toque, visor colorido e capacidade de armazenamento de 6000 livros.
Segundo depoimento de William Lynch, CEO da empresa,
com o NOOKcolor, nós combinamos a funcionalidade e conveniência de um
tablet portátil e wireless de sete polegadas com a centralização na leitura de
um e-reader dedicado, empregando uma avançada tecnologia de tela colorida
que irá maravilhar os consumidores. (…) NOOKcolor permite navegação por
Wi-fi, acesso a músicas, jogos e muito mais, mas ler qualquer coisa nas suas
cores brilhantes é o grande foco do produto. Por $249, NOOKcolor oferece
uma tremenda vantagem, particularmente se comparado com tantos outros
tablets de 7 polegadas que têm chegado ao mercado com o dobro do preço e,
muitas vezes, exigindo caros planos de dados. O mais importante,
NOOKcolor foi desenhado diferenciado para o que Barnes & Noble conhece
melhor: a leitura.10
9
Kindle ganha novos recursos. Zero Hora, Porto Alegre, p. 3, 16 fev. 2011.
Barnes & Noble Introduces NOOKcolor™, The Ultimate Reading Experience. Barnes & Noble
Booksellers.
2010.
Disponível
em:
<http://www.barnesandnobleinc.com/press_releases/2010_oct_26_nook_color.html>. Acesso em: 21 dez.
2011. Tradução livre. No original: “with NOOKcolor, we’ve combined the functionality and convenience
of a 7-inch portable wireless tablet with the reader-centricity of a dedicated eReader, and employed a
10
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Figura 2 - Nook Color
Diferentemente do Kindle, que só suporta arquivos adquiridos na Amazom (e
posteriormente arquivos em PDF), o Nook é compatível com os formatos PDF e EPUB,
sendo este um formato de arquivo de livro digital que tem se tornado o preferido do
mercado.
A busca por um padrão aberto para livros digitais é antiga, pois já nas primeiras
gerações de e-readers ficou evidente a necessidade de interoperabilidade: “um livro
digital de Paulo Coelho, por exemplo, desenvolvido pela editora virtual X, que usa o
modelo de eBook X, não poderia ser lido num aparelho de eBook Y porque eles eram
aparelhos incompatíveis” (PROCÓPIO, 2010, p. 82).
Neste sentido, já em outubro de 1998, na Primeira Conferência Mundial do
Livro Eletrônico, foi anunciada a chamada Open eBook Initiative, cujo objetivo era criar
uma especificação técnica única. Na época, entretanto, isso não ocorreu, pois quem
dominava o conteúdo dos eBooks era o PDF (formato proprietário da Adobe), e tal
padronização também concorreria com formatos como o já citado AZW, da Amazon.
É difícil tentar impor um padrão de direito num campo em que as
inovações surgem rapidamente e no qual as empresas que compõem a
comissão de padronização são concorrentes. O mercado adota padrões porque
os usuários insistem na padronização. A padronização serve para garantir
intercâmbio operacional, para minimizar o treinamento do usuário e, claro,
para fomentar ao máximo a indústria… O mercado de verdade escolhe um
padrão que tenha um preço razoável e o substitui quando se torna obsoleto ou
caro demais. (GATES, 1995, p. 84)
breakthrough color screen technology that will wow customers. (…) NOOKcolor enables Web browsing
over Wi-Fi, music, games and much more, but reading anything and everything in brilliant color is the
killer app and squarely the product’s focus. At $249, NOOKcolor offers a tremendous value, particularly
in comparison to the many other 7-inch tablets coming to market at twice the cost and often requiring
expensive data plans. Most importantly, NOOKcolor is designed for and differentiated by what Barnes &
Noble knows best: reading”.
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O herdeiro da Open eBook Initiative é o formato EPUB (Electronic Publication).
Hoje diversos leitores de e-books são compatíveis com o EPUB, a Sony inclusive
abandonou seu formato proprietário (o BBeB) para ficar só no padrão EPUB.11
Diferentemente do PDF, que é lido pelos aparelhos como uma imagem fechada, um
arquivo EPUB tem cada letra reconhecida, o que permite ao leitor configurar tipo e
tamanho da fonte, fazer anotações, copiar um texto, consultar determinada palavra no
dicionário ou fazer buscas dentro do livro. O autor, por sua vez, pode criar um livro com
texto, imagens e hiperlinks, abrindo um enorme leque de possibilidades.
No Brasil, as Livrarias Saraiva e Cultura, que saíram na frente na
comercialização de livros digitais, optaram por vender os livros nos formatos EPUB e
PDF com DRM, não ficando vinculadas a um ou outro aparelho. Ainda assim o grupo
Positivo lançou, em meados de 2010, o Positivo Alfa, primeiro leitor de livros digitais
brasileiro. O Alfa é aberto, assim como o Nook, tem 8,9 milímetros de espessura, pesa
240 gramas, tem tela sensível ao toque e memória para 1500 livros.
Figura 3 - Positivo Alfa
É nesse cenário de consolidação do livro digital como possibilidade de negócio,
11
Sony Plans to Adopt Common Format for E-Books. The New York Times. 2009. Disponível em:
<http://www.nytimes.com/2009/08/13/technology/internet/13reader.html?_r=4>. Acesso em: 16 fev.
2011.
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com editores reunidos em Frankfurt preocupados com o avanço da tecnologia 12,
escritores consagrados publicando versão impressa e digital13, livrarias tradicionais
pedindo falência14 e grandes grupos de mídia anunciando projetos de publicação de ebooks15 que a Apple entra no mercado com seu iPad, lançado em 27 de janeiro de 2010.
O iPad, conforme relatamos no capítulo anterior, segue a linha de portabilidade
do iPod e do iPhone, mas alia a isso as possibilidades e ferramentas dos computadores
pessoais, como acesso à internet, exibição de vídeos, jogos de última geração,
integração com redes sociais, envio instantâneo de email, etc. Esses aplicativos são
criados por milhares de desenvolvedores para a App Store, o que amplia sobremaneira
as possibilidades do aparelho. Na categoria de livros, o principal aplicativo é o iBooks.
Lançado em 25 de maio de 2010, o iBooks é um software desenvolvido pela
Apple para leitura de arquivos EPUB e PDF no iPad. Ele é integrado a iBookstore, onde
os usuários podem comprar diversos livros ou baixar gratuitamente clássicos de
domínio público ali disponibilizados, mas também permite que se adicione arquivos
próprios recebidos por email ou encontrados na internet. Sua tela inicial lembra a
estante de uma biblioteca.
12
PRODHAN, Georgina. Editoras buscam modelo de negócios com avanço do livro digital. G1. 2009.
Disponível
em:
<http://g1.globo.com/Noticias/Tecnologia/0,,MUL1336476-6174,00EDITORAS+BUSCAM+MODELO+DE+NEGOCIOS+COM+AVANCO+DO+LIVRO+DIGITAL.html
>. Acesso em: 16 fev. 2011.
13
FELITTI, Guilherme. Rubem Fonseca é o 1º autor brasileiro com livro em papel e no Kindle. PC
World. 2009. Disponível em: <http://pcworld.uol.com.br/noticias/2009/11/11/rubem-fonseca-e-o-1oautor-brasileiro-com-livro-em-papel-e-no-kindle/>. Acesso em: 16 fev. 2011.
14
BARBOSA, Daniela. Amazon, WalMart e e-books derrubam a Borders. Exame.com. 2011. Disponível
em:
<http://exame.abril.com.br/negocios/empresas/noticias/amazon-walmart-e-e-books-derrubam-aborders>. Acesso em: 17 fev. 2011.
15
Disney terá site de livros eletrônicos para crianças. Terra. 2009. Disponível em:
<http://tecnologia.terra.com.br/interna/0,,OI4010701-EI4802,00.html>. Acesso em: 16 fev. 2011.
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Figura 4 - iBooks, aplicativo para leitura de livros digitais da Apple
Assim como no Kindle, as funcionalidades da leitura de um arquivo do formato
EPUB são muito mais abrangentes do que a leitura no formato PDF. No formato EPUB,
a troca de páginas é feita simulando um livro tradicional, com a página sendo virada.
Também é possível ao leitor fazer marcações no texto, adicionar notas, destacar
determinadas páginas, ampliar ou diminuir o tamanho da fonte, mudar o tipo de fonte,
mudar a cor do fundo para sépia, mudar o contraste da tela, pesquisar uma palavra
dentro do livro, navegar através de hiperlinks, criar um sumário personalizado, consultar
dicionário, copiar um trecho do livro, entre outros.
Já no formato PDF, que é reconhecido como imagem, o usuário não pode
aumentar ou diminuir o tamanho da fonte, e sim aproximar ou afastar o zoom. As
páginas são deslizadas, sem o efeito de passar páginas, e não é possível fazer anotações
ou marcações, apenas mudar o contraste, pesquisar determinada palavra ou destacar
uma página. Por outro lado, os arquivos em PDF podem ser impressos ou enviados por
email, diferentemente do EPUB.
Outros tablets mencionados aqui nesse estudo, como o Galaxy, da Samsumg, o
Playbook, da RIM, o Xoom, da Motorola e o Slate, da HP, utilizam o sistema
operacional Windows, da Microsoft, ou o Honeycomb, fornecido gratuitamente pelo
Google.
O Honeycomb, lançado em fevereiro de 2011 com o Motorola Xoom, é uma
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versão especial para tablets do Android, sistema operacional do Google para
smartphones. Assim como ocorre na Apple, há uma loja de aplicativos, a Android
Market, e uma loja de livros digitais, a Google Books for Android. Um diferencial desse
aplicativo é que ele disponibiliza os milhões de livros digitalizados no site Google
Books para acesso no Android.
Figura 5 - Tela inicial do Google Books for Android
É importante perceber, entretanto, que os livros de aplicativos como o iBooks e
o Google Books ou de leitores como o Kindle, o Alfa e o Nook são, na verdade, livros
digitalizados, e não livros digitais, pois foram textos criados para uma versão
impressa, com as características e limitações da versão impressa, convertidos para uma
mídia digital por questões logísticas ou comerciais. É uma variação dos projetos de
digitalização de livros descritos no capítulo anterior, como o Projeto Gutenberg e o
Domínio Público.
O livro impõe um modo característico de leitura, da esquerda para a
direita e de cima para baixo, a literatura apresenta determinada estrutura e
certa organização. Mesmo a poesia não consegue ultrapassar a dimensão da
página, a não ser que se converta em happening singular e ocasional. Impera
a linearidade, que, em modos mais ligeiros de ficção, se internaliza,
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transferindo-se para o desdobramento da trama. Os limites do livro são os da
criação literária, a que se somam as marcas impostas pela relevância
conferida ao autor. O resultado é a obra, produção eminentemente individual
que se manifesta por um objeto, ele mesmo circunscrito a um espaço fechado.
(ZILBERMAN, 2001, p. 114).
Por outro lado, as possibilidades do livro em geral – e da literatura em particular
– nos suportes digitais e multimídia vão muito além de páginas e páginas de textos
diagramadas em formato de códice, pois “gêneros tradicionais passam por
transformações quando migram do livro para a internet, gerando novas formas de
expressão” (LAJOLO & ZILBERMAN, 2009, p. 37).
Um exemplo significativo nesse sentido são as versões para iPad de histórias
conhecidas do grande público, como A Menina do Narizinho Arrebitado, Alice no País
das Maravilhas e Toy Story16. Essas versões são encontradas na seção de livros da loja
de aplicativos da Apple, e não na iBookstore, pois elas não são arquivos de livro digital
para serem lidos no iBooks, e sim softwares próprios que precisam do iPad para
funcionar e exploram ao máximo suas potencialidades e ferramentas, como tela sensível
ao toque e sensor de movimento.
Desenvolvido pela Disney Digital Books17 e lançado em abril de 2010, o
aplicativo Toy Story para iPad é gratuito18 e explora as potencialidades multimídia do
novo suporte, mas mantém o texto como centro da narrativa, aliando ao texto a contação
de história, tão importante para crianças em idade pré-escolar.
Ao virar cada página, o leitor se depara com uma animação sofisticada até que a
cena congela e surge o texto (em inglês, naturalmente). Então o texto é lido por um
narrador, enquanto as palavras que estão sendo lidas vão sendo destacadas na tela. No
menu de opções, o usuário descobrirá que ele pode gravar sua própria voz contando a
história (aí na língua e da forma que desejar) e depois reproduzir para seu filho,
sobrinho ou aluno ouvir a história salva na sua versão.
16
Neste caso, foi feita uma adaptação da história do filme, utilizando algumas imagens, músicas e
animações, mas narrando a história através de um texto e com paginação semelhante a de um livro.
17
Observe que o livro não traz o nome do autor, e sim o nome da editora, no caso uma subsidiária da
gigante do entretenimento Disney World.
18
iTunes. Disponível em: <http://itunes.apple.com/br/app/toy-story-read-along/id364376920?mt=8>.
Acesso em: 17 fev. 2011.
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Figura 6 - Página do livro Toy Story
Além do texto, algumas páginas, quando congeladas, trazem um ponto indicando
a possibilidade de clique, e, se o usuário clicar, ouvirá vozes ou som das personagens,
algo complementar mas não necessário à história. Além disso, no topo da página o
usuário encontra um ícone, e, clicando ali, é remetido a uma ilustração para ser
colorida.19 Esses ícones especiais se repetem em outras páginas, dando acesso a outros
desenhos para colorir, jogos (com três níveis de dificuldade distintos) e clipes de
músicas. É interessante notar, porém, que nem todas as páginas têm esses ícones extras,
e eles não se repetem na mesma página, o que de certa forma não sobrecarrega o leitor.
Figura 7 - Ilustração para usuário colorir
19
Como exemplo da interatividade proposta pelo aparelho, para apagar a pintura o usuário deve sacudir o
iPad, imitando um famoso brinquedo (personagem de Toy Story) em que se riscava a tela e depois,
sacudindo, ela voltava ao normal.
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Abaixo da tela há um simpático Mickey lendo um livro, como se fosse o leitor, e
clicando sobre ele o usuário ativa um menu com diversas opções, como pular de página,
mudar a forma como as páginas são passadas (há inclusive a opção de virar a página
automaticamente), ouvir ou não o narrador, gravar sua própria narração, tutorial, acesso
direto aos jogos, às pinturas e às músicas.
A história em si repete o que já vimos nas versões cinematográficas de Toy
Story, mas é interessante notar como o texto conduz a narrativa e os jogos e animações
tornam-se complementares ao envolvimento com a história, cumprindo um papel que a
ilustração e, em alguns casos, a contação de histórias já têm feito.
Alice for iPad também foi lançado em abril de 2010 e tornou-se um símbolo das
possibilidades do livro digital, com ilustrações que se movem à medida que o leitor
balança o aparelho, trabalho gráfico cuidadoso e diversas animações que o transformam
numa emblemática releitura do clássico de Carrol para a era digital. Na loja da Apple há
duas versões, uma gratuita, com as páginas iniciais, e outra completa à venda por US$
8,9920. Diferentemente de Toy Story, Alice opta pela sobriedade, com um formato que
lembra o livro tradicional tanto na navegação quanto no visual, deixando a novidade
para os efeitos gráficos da ilustração. Abordaremos o livro de Alice com mais vagar na
segunda parte deste estudo.
Outra dessas primeiras versões digitais que merece referência é a adaptação de A
Menina do Narizinho Arrebitado, da obra de Monteiro Lobato, lançada pela Globo
Livros em dezembro de 2010, mês de lançamento do iPad no Brasil. O livro,
disponibilizado gratuitamente na AppStore21, segue a sobriedade de Alice, mas lança
mão de mais recursos nas suas páginas animadas, como o som do vento, do espirro ou
da água. Em determinada página, quando Narizinho entra no reino de Escamado, onde a
escuridão era pior do que a de uma noite sem estrelas, a tela fica escura e o usuário, para
conseguir ler o texto, precisa mover um vagalume pela tela, iluminando-a a partir de sua
intervenção, conforme ilustração abaixo.
20
iTunes. Disponível em: <http://itunes.apple.com/br/app/alice-for-the-ipad/id354537426?mt=8>. Acesso
em: 17 fev. 2011.
21
iTunes.
Disponível
em:
<http://itunes.apple.com/us/app/a-menina-do-narizinhoarrebitado/id396614333? mt=8>. Acesso em: 17 fev. 2011.
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SPALDING, Marcelo. Alice do livro impresso ao e-book: adaptação de Alice no país das maravilhas e de Através do
espelho para iPad. Porto Alegre: UFRGS, 2012. Tese (Doutorado em Letras), Instituto de Letras, UFRGS, 2012.
Figura 8 - Usuária demonstra edição de Reinações de Narizinho para iPad
Não por acaso os três exemplos citados são livros infanto-juvenis. PerroneMoisés, num texto dos anos 90, já alertava para o fato de que “para concorrer com os
outros meios de comunicação, os livros atuais e futuros precisarão ter mais atrativos do
que aqueles ocultos pelas letras” (1998, p. 178).
Esse tipo de “atração para além das letras” permitida pelas ferramentas digitais
começou a surgir na literatura com a chamada poesia eletrônica, “uma poesia que se
serve dos recursos eletrônico-digitais da informática para ambientar a palavra no
contexto potencial da sua verbo-voco-moto-visualidade” (ANTONIO, 2008, p. 28), e
cuja origem remonta aos anos 60. No Brasil, há uma experiência interessante nesse
sentido, desenvolvido no ano 2000 pelos gaúchos Ana Cláudia Gruszynski e Sérgio
Capparelli e publicados no site <http://www.ciberpoesia.com.br>.
É nos Estados Unidos, porém, que surge a primeira instituição para reunir e
fomentar essa produção, a Electronic Literature Organization, fundada em 1999. A ELO
é uma entidade sem fins lucrativos que reúne escritores, artistas, professores, estudantes
e desenvolvedores. Seus objetivos, descritos no site da entidade, são:
1. Chamar a atenção de autores, educadores e desenvolvedores para a
literatura nascida digitalmente, além de alertar uma geração de leitores de que
o livro impresso não é mais o único meio de educação ou prática estética.
2. Construir uma rede de organizações filiadas na academia, nas artes
e nos negócios.
3. Coordenar a coleta, preservação, descrição e discussão dos
trabalhos em fóruns acessíveis, de acordo com padrões peer-to-peer
[tradução literal do inglês de "par-a-par" ou "entre pares", mas mais
conhecido como “ponto a ponto”] e melhores práticas tecnológicas.22
22
About the ELO. Disponível em: <http://www.eliterature.org/about>. Acesso em: 17 fev. 2011.
Tradução livre. No original: “1. To bring born-digital literature to the attention of authors, scholars,
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SPALDING, Marcelo. Alice do livro impresso ao e-book: adaptação de Alice no país das maravilhas e de Através do
espelho para iPad. Porto Alegre: UFRGS, 2012. Tese (Doutorado em Letras), Instituto de Letras, UFRGS, 2012.
Em outubro de 2006, a entidade publicou uma coletânea de projetos de literatura
digital, disponível em CD-ROM e pelo site <http://collection.eliterature.org/1/>. A obra
traz 60 textos “com um aspecto literário importante que aproveita as capacidades e
contextos fornecidos por um computador independente ou em rede” (HAYLES, 2009,
p. 21).
Chegamos, assim, à era da literatura digital, um tipo de texto produzido para as
mídias digitais e que não pode ser publicado em livro sem prejuízo da concepção
original. Esse tipo de experiência lembra os aplicativos para iPad, então podemos dizer
que, se o iPad pode ser considerado também um e-reader, o microcomputador, seja ele
um desktop, notebook ou netbook, também pode ser um e-reader, à medida que ele
permite a leitura de livros digitais nos mais variados formatos, desde arquivos em PDF
até esses textos da Coleção Literatura Eletrônica.
Nesse aspecto, uma questão se torna primordial em estudos sobre a literatura
digital, chamada pelos norte-americanos de “literatura eletrônica”: “a literatura
eletrônica é realmente literatura?” (HAYLES, 2009, p. 20). É sobre essa questão que
iremos tratar no próximo item, aproveitando para demonstrar alguns projetos de
literatura online que, embora se afastem do conceito tradicional de livro, são projetos de
literatura digital, um tipo de gênero que deve conviver com os gêneros tradicionais da
literatura a partir da era digital.
developers, and the current generation of readers for whom the printed book is no longer an exclusive
medium of education or aesthetic practice; 2. To build a network of affiliated organizations in academia,
the arts, and business; 3. To coordinate the collection, preservation, description, and discussion of works
in accessible forums, according to peer-to-peer review standards and technological best practices.”
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