Para Que Serve A Apologética?
O significado da palavra ‘apologética’
A palavra ‘apologética’ vem do grego apologia que aparece cerca de oito
vezes no segundo testamento (NT) para mencionar a ideia de defesa e resposta
diante de uma acusação formal, ou não. Também vemos nas Escrituras gregas
cristãs o verbo apologeomai mencionado cerca de dez vezes sendo aplicado
também por Paulo, o apóstolo, no sentido de ‘desculpasse’ de alguma suposta falha
cometida (2 Co 12.19).
Pedro a usou, uma única vez, em sua epístola para mencionar o ato
obrigatório por parte de todo cristão de defender as suas crenças diante dos que se
opõe a razão (gr.lógon) da esperança vivenciada pela práxis cristã.
Mas pra que serve apologética? Seria ela apenas a busca do debate pelo
debate? Um meio de se contender com os pensadores opostos a doutrina cristã
ortodoxa? O debate intereligioso? Uma batalha no campo das idéias e do
pensamento teórico?
A apologética cristã do I Século
Lemos em Lucas 12:11,12 a promessa de Cristo informando aos discípulos
que ao serem conduzidos as sinagogas, diante dos governadores e das autoridades
do povo, seriam capacitados pelo Espírito Santo a darem a sua defesa (gr.
apologeomai). Esse texto nos mostra ao contrário do que se pensa popularmente
que a capacitação para a apologética repousa primeiramente na direção do Espírito,
e não apenas sobre o conhecimento teórico, e nem a perícia humana do debatedor.
Jesus afirma que a ‘apologética’ apostólica apesar de ‘limitada’ em sua
abrangência (no I século orbitava basicamente sobre a identificação de Jesus como
sendo o autêntico ‘Massiach’) era fundamental para que servisse de testemunho aos
ouvintes que se opunham veementemente a ‘nova’ fé a eles exposta. É sobre esse
testemunho ‘limitado’ em sua defesa, que o cristianismo cresceu se tornando a
maior religião praticada no planeta e uma das maiores forças de influência do
pensamento ocidental já conhecidas.
Nessa mesma linha de raciocínio e prática, o apóstolo Paulo fazendo uso da
‘apologética’ em defesa da crença agora vivenciada por ele, diante dos opositores
tanto judeus como romanos, expõe a razão de sua esperança (At 22:1; 25:13-16).
Paulo não via a necessidade do debate com os que se opuam a doutrina por ele
anunciada, como um meio de demonstração de conhecimento fortuito, mas para a
partir de uma exposição lógica das verdades reveladas, se anunciar as boas novas
de salvação, tanto a gregos, quanto a judeus ( At 17:1-4,10-12; 18:4).
Portanto a necessidade de uma ‘apologética cristã’ surgiu a partir da
exposição da pessoa de Jesus como o Messias prometido pelos profetas nas
Escrituras sagradas no primeiro testamento (AT). E não a partir da discussão
filosófica secular que será confrontada em meados do II século do cristianismo,
quando o mesmo teve necessidade de dar uma resposta racional, não mais a partir
da fé somente das Escrituras, mas fazendo uso também do pensamento filosófico a
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disposição dos interlocutores, e também dos pensadores cristãos intimamente
relacionados com o mundo greco-romano.
A apologética cristã do II século
O segundo século do cristianismo produzirá a primeira geração de apologistas
teóricos que farão uso profuso do pensamento filosófico grego em ‘harmonia’ com as
doutrinas cristãs. Pensadores cristãos fideístas como Tertuliano de Cartago
expuseram seu antagonismo a essa união perigosa ao declarar com certa ironia: “O
que Atenas tem realmente que ver com Jerusalém? Que concordância existe entre a
academia [platônica] e a Igreja?”. Mas ele será uma exceção a regra seguida pelos
apologistas diante do grande antagonismo agora vivido em maior intensidade dentro
do império romano.
Os apologistas do segundo século não devem ser visto como pensadores
pouco espirituais que estavam mais interessados pelo debate alimentado pelo
subjetivismo filosófico grego, do que pela conversão de pecadores a mensagem
cristã. Devemos compreender que diferente das necessidades encaradas pelos
apóstolos de Cristo ainda no primeiro século, esses homens se encontravam diante
de um mundo hostil que tentava enfraquecer o testemunho e consequentemente
barrar o crescimento da religião cristã através de uma refutação filosófica, e ‘mais
racional’ do ponto de vista secular e cultural.
Justino Mártir, considerado o mais importante apologista do II século, expõs a
sua ideia de Cristo como o ‘lógos cósmico’ e do cristianismo como a ‘verdadeira
filosofia’, abrindo assim a possibilidade de aceitação do pensamento cristão no
mundo greco-romano sem preconceito ou qualquer resquício de inferioridade com
relação aos pensamentos seculares. Esse ex-platonista se considerava um ‘filósofo
cristão’, e portanto um amante da sabedoria fundamentada nas Escrituras judaicocristãs. Segundo Eusébio de Cesárea, Justino Mártir continuo mesmo após sua
conversão fazendo uso de sua toga de filósofo, demonstrando talvez uma identidade
aparente com o pensamento anteriormente defendido por ele como meio de
aceitação pública de sua posição como pensador, para assim ser ouvido pelos
filósofos e pensadores romanos de sua época.
A primeira apologia de Justino mártir será direcionada ao imperador Antônio
Pio, conclamando uma postura mais justa no tratamento dos cristãos residentes no
império, demonstrando que não deveriam ser perseguidos pelo simples fato de não
seguirem as crenças ou filosofias comuns ao império, mas que deveriam ser
julgados apenas por sua postura social com relação as autoridade governamentais e
consequentemente o Estado romano.
Outro importante apologista cristão foi Teófilo de Antioquia, que apesar de se
declarar crítico da filosofia grega, fez uma exposição da ideia do lógos cristão em
termos muito próximos do pensamento grego corrente no império, fazendo com que
suas crenças pudessem ser ouvidas e aceitas por parte da população que via o
cristianismo apenas como uma superstição marginal importada da palestina, e uma
crença irracional e infantil. Sua contribuição a discussão dum universo ex-nihilo,
colidiu frontalmente com o pensamento filosófico e cultural aceito de um universo
eterno, e portanto indiretamente que dispensava um Deus necessário para sua
criação, manutenção e ordem.
Irineu de Lion foi também um dos mais importantes apologistas da História do
cristianismo. Discípulo do famoso Policarpo, bispo de Esmirna (discípulo de João, o
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apóstolo). Irineu dedicou grande parte de seu ministério a refutar e combater as
heresias gnósticas, também rejeitadas pelo apóstolo João ainda nos primórdios do
cristianismo (I Jo 2: 18,19; II Jo 7,8).
Após se encontrar com um ex-discípulo de Policarpo que havia aderido a
escola gnóstica de Valentino (o que muito o abalou), ele fará da questão gnóstica
um importante ponto de sua vida ministerial, a defesa e proteção do rebanho cristão
diante do misticismo tão sedutor e atrativo oferecido pelo gnósticos.
Uma das maiores contribuições de Irineu será a sua obra Contra heresias que
expõs de forma contundente o pensamento divergente do cristianismo oferecido
pelas várias correntes gnósticas.
Conclusão
O cristianismo desde a sua origem fez intenso uso da apologética, não
apenas como instrumento de infindáveis debates subjetivos tão comuns ao mundo
greco-romano, mas com as mais variadas abordagens, visando sempre a exaltação
do nome de Cristo, quer pela identificação de Jesus como o messias prometido
pelos profetas, quer pela proclamação do evangelho aos que desconheciam o
maravilhoso plano da graça. A resposta as falsas acusações dos opositores do
cristianismo e a proteção ao rebanho do Senhor, são importantes contribuições
oferecidas pela apologética praticada pelas primeiras autoridades do cristianismo
histórico.
Portanto cada nova situação enfrentada exigiu por parte dos apologistas o
desenvolvimento de novas técnicas que suprissem as necessidade e demonstrasse
respostas consistentes que fossem apresentadas a altura dos seus oponente.
Um dos melhores exemplos dos benefícios oferecidos pela apologética cristã
é a metodologia usada por Paulo ao abordar os pensadores atenienses, onde sem
fazer uso de qualquer texto das Escrituras judaicas (as Escrituras da época)
consegue expor a mensagem cristã mencionando os escritos de filósofos gregos
como Epimênides, Arato e Cleanto. Estabelecendo a partir dai um importante ‘ponto
de contato’ com a sua mensagem e o pensamento greco-romano (At 17:28).
Fazer uso do conhecimento adquirido de alguns aspectos religiosos,
filosóficos e epistemológicos relacionados aos pensamentos que se opõe ao
cristianismo ortodoxo, assim como fez Paulo, pode nos ser útil num diálogo que
evidencie mais frutos do que debates infindáveis com os críticos.
Conhecer aspectos práticos do pensamento por nós criticado como falso ou
arbitrário nos será de extrema utilidade para uma abordagem que será ouvida e
ponderada, visto que não trará no seu escopo a idéia da crítica mordaz, infundada e
vazia. Pois conversar com alguém na mesma ‘linguagem’, sempre nos abre
possibilidade de sermos ouvidos. Falar com os críticos de forma fundamentada
dentro do seu próprio campo (afinal de contas guerras só são vencidas quando
invadimos o território ‘inimigo’) sempre nos colocará em franca vantagem diante da
surpresa dos críticos ao perceberem a nossa disponibilidade em conhecer a
exposição de seu pensamento, não apenas a partir de autores que apoiam as
nossas crenças, mas também autores que no amago de exporem a verdade, nos
favorecem através de seu questionamento.
Analisar por exemplo a incompatibilidade prática da teoria da evolução, com as
últimas pesquisas na área de bioquímica como fez o cientista americano Michael
behe em seu fantástico livro, A Caixa Preta de Darwin, pode ser uma excelente
ferramenta para a demonstração de que a ideia do DI (Designer Inteligente) é
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compartilhada não apenas por religiosos mal informados, ignorantes e possuidores
de uma teoria fundamentada apenas na fé arbitrária.
A apologética portanto longe de ser sinônimo de debate e discussão subjetiva
pode e deve ser usada como importante meio de evangelização, fortalecimento,
atração e orientação aos que se opõe as verdades eternas do cristianismo bíblico,
‘arrebatando-os do fogo’ (Jd 22,23).
Bibliografia :
Novo Testamento Interlinear Grego/Português:SBB,2004
OLSON, Roger. História da Teologia Cristã: Vida, 2001
CESARÉIA, Eusébio. História Eclesiástica: CPAD, 2000
Concordância Fiel do Novo Testamento: Fiel,1994
Pr.Paulo Sérgio Batista
Diretor do CEKAP (Centro evangelístico Kairós de apologética)
Pesquisador, professor e palestrante na área de apologética cristã como técnica de
evangelismo pessoal.
Graduado em Teologia pelo Seminário Batista de São Paulo
Graduando em História pela Uni Sant’Anna / SP
Participante da equipe de produção e organização das notas de estudo da Bíblia
apologética (ICP) – SP
Autor das Obras:
Manual de Respostas Bíblicas
Sete Mitos do Adventismo
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