ISSN: 1984 -3615
UNIVERSIDADE DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO
NÚCLEO DE ESTUDOS DA ANTIGUIDADE
I CONRESSO INTERNACIONAL DE RELIGIÃO
MITO E MAGIA NO MUNDO ANTIGO
&
IX FÓRUM DE DEBATES EM HISTÓRIA ANTIGA
2010
O CRISTIANISMO COPTA: UMA FACE PARTICULAR DO
MULTICULTURALISMO CRISTÃO
Angela Cristina Sarvat de Figueiredo1
Quando nos deparamos com estudos da História da Igreja nos primeiros séculos do
Cristianismo, devemos considerar, primordialmente, uma época em que a Igreja viveu no
âmbito da cultura greco-romana. Do nascimento de Cristo até fins do século VII quando do
sínodo de Trulano de Constantinopla, época denominada Antiguidade Cristã, o cristianismo
havia se difundido por todo o Império Romano e já ganhava também novos espaços fora das
fronteiras do Império. Se na África romana contavam-se muitas sedes episcopais no fim do
século I, no Egito há referências importantes sobre a Igreja de Alexandria que teria sido
fundada por São Marcos. O fato inegável é que Alexandria foi um pólo refletor importante de
cultura cristã, tanto que se achavam em mais de 100 dioceses episcopais, no decorrer do
século III na região, segundo o sínodo de Alexandria de 318. 2
O Império Romano que se estendia da Síria até a Espanha, do rio Nilo ao Danúbio,
mesmo tendo criado uma vasta organização política enlaçada por um mesmo sistema jurídico
e administrativo, nunca deixou de congregar culturas bastante distintas entre si. Mesmo na
África, se Cartago foi um centro importante de fé cristã, impregnado de cultura e língua latina
e que teve em Tertuliano (155-220) um timoneiro original porque deu à linguagem teológica
uma ênfase latina bem diferente do estilo oriental, em Alexandria, centro do helenismo cristão,
o universo cultural era bem diferente. Enquanto na África latina a fé se orientava para a ação,
no Egito, e especialmente em Alexandria, florescia uma cultura refinada carregada de
tradições mitológicas e religiosas, uma literatura especulativa que buscava unir pontos
1
Angela Cristina Sarvat de Figueiredo é doutoranda em história, pelo Programa de Pós-Graduação em História
da Universidade do Estado do Rio de Janeiro, sob a orientação da Prof.ª Maria Teresa Toríbio B. Lemos. E-mail:
[email protected]
2
BIHLMEYER, Karl e TUECHLE. Herman. História da Igreja. Vol. I Antiguidade Cristã. São Paulo: Edições
Paulinas. p.74.
15
ISSN: 1984 -3615
UNIVERSIDADE DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO
NÚCLEO DE ESTUDOS DA ANTIGUIDADE
I CONRESSO INTERNACIONAL DE RELIGIÃO
MITO E MAGIA NO MUNDO ANTIGO
&
IX FÓRUM DE DEBATES EM HISTÓRIA ANTIGA
2010
distantes, e inclusive, tinha-se a preocupação de sintetizar a filosofia grega com o espírito
evangélico. Assim, o Egito era permeado de deuses, sincretismos, antagonismos e até mesmo
de aparentes contradições filosófico-religiosas. Daí ser um lugar tão interessante e merecedor
de um olhar mais apurado.
A religião tradicional dos egípcios foi uma das grandes expressões do mundo antigo.
Os antigos egípcios criaram várias teorias sobre a criação da vida, assim como sobre o mundo
dos deuses e sua influência no pensamento humano; modelaram os aspectos divinos da realeza
e identificaram características humanas nas divindades; definiram o papel dos sacerdotes na
comunidade e, acima de tudo, afirmaram outra dimensão dos homens ao crerem na eternidade
e na vida além-túmulo. Essa profunda experiência do pensamento religioso no Egito Antigo
foi tão importante que produziu uma identidade religiosa-cultural transportada por milênios,
assim como influências e reconhecimento duradouros sobre o mundo exterior. Para a História
Religiosa, é particularmente visível a influência religiosa egípcia sobre certos aspectos das
religiões do mundo greco-romano, como se pode constatar através do prestígio e popularidade
da deusa Ísis e do seu culto em diversas partes do mundo grego, como a antiga Mesopotâmia,
e do Império Romano como em templos na Inglaterra.
A religião foi um dos domínios, no mundo e na cultura helenística de Alexandria, em
que a impregnação egípcia foi surpreendente. Nos últimos séculos antes da era cristã, por
exemplo, havia se estabelecido uma certa fusão de deuses gregos e divindades egípcias, a
ponto de existir uma tríade formada por Serápis como Deus-Pai, Ísis como Deusa-Mãe e
Harpócrates como Deus-Filho. Em Alexandria, Serápis, antigo deus Osíris ou Osírapis, era
representado por um velho barbudo similar a Zeus. Ísis, deusa primordial do Egito, era
apresentada com uma túnica grega; e, Harpócrates, nome grego de Hórus, o filho de Isis, era
posto como uma criança. Essa tríade era de tamanha importância que seu alcance se estendeu
às ilhas do Egeu, como também a terras muitos distantes do mundo grego. Principalmente a
figura de Ísis foi venerada em todo o mundo greco-romano, desde a Gália, Irlanda, Espanha,
Alemanha até a Ásia Menor e parte do Oriente. Com o advento do cristianismo, já na era
16
ISSN: 1984 -3615
UNIVERSIDADE DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO
NÚCLEO DE ESTUDOS DA ANTIGUIDADE
I CONRESSO INTERNACIONAL DE RELIGIÃO
MITO E MAGIA NO MUNDO ANTIGO
&
IX FÓRUM DE DEBATES EM HISTÓRIA ANTIGA
2010
romana, podemos constatar a magnitude da influência egípcia com a sobrevivência de Ísis,
identificada em estátuas que serviam como imagens da Madona.
Se a preponderância da cultura egípcia, inclusive no âmbito religioso, já vinha
declinando há algum tempo, a derrota de Cleópatra e Marco Antônio para César, na Batalha de
Actium em 31 a.C., ao garantir a supremacia política da Roma Imperial também representou
uma derrota dos deuses egípcios. Entretanto, se gradativamente o Egito viu-se infiltrado cada
vez mais pela cultura romana, representou , também, um espaço privilegiado para a
propagação de uma outra religião de salvação: o Cristianismo. Assim, a experiência religiosa
tradicional egípcia posta na paixão de Osíris, o luto de Ísis e a ressurreição de seu esposo,
aliados às preocupações com a vida além-túmulo, foram fatores preponderantes para
disseminação do cristianismo, na medida em que, em alguns aspectos, as duas religiões uniamse, como no ideal de esperança para os sofredores e no reconhecimento de identidade dos seus
deuses/deus com a natureza humana.
A assimilação do Cristianismo em Alexandria, não foi um fenômeno do acaso. Nesta
parte do Egito, desde a fundação da cidade, havia uma cultura multiétnica. Várias línguas
eram faladas na cidade: o grego, em seus vários diletos, era a mais difundida; o egípcio era a
língua falada nas comunidades nativas, enquanto que entre os judeus predominava o hebraico
“clássico” e o aramaico, além de outras línguas semíticas. Além disso, importa lembrar que a
forte presença judaica em Alexandria foi razão suficiente para a tradução grega do texto da
Bíblia, conhecida como “Septuaginta” e elaborada entre os séculos III e I a.C. Essa tradução
da Bíblia hebraica para o grego koiné foi tão importante que serviu de base para várias
traduções bíblicas latinas, foi utilizada para versões para o eslavo eclesiástico e para Héxapla
de Orígines, e como fonte direta para as versões para as línguas orientais como o armênio e
copta do Antigo Testamento. Portanto, podemos facilmente explicar pelos fundamentos
bíblicos dos habitantes alexandrinos as razões da rápida assimilação e difusão do cristianismo
naquela cidade.
17
ISSN: 1984 -3615
UNIVERSIDADE DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO
NÚCLEO DE ESTUDOS DA ANTIGUIDADE
I CONRESSO INTERNACIONAL DE RELIGIÃO
MITO E MAGIA NO MUNDO ANTIGO
&
IX FÓRUM DE DEBATES EM HISTÓRIA ANTIGA
2010
Outros aspectos também precisam ser considerados para a expansão da nova religião
cristã no Egito e em todo o mundo mediterrâneo. Temos que lembrar que havia uma crise
religiosa em todo o mundo não cristão, cujas religiões tradicionais não respondiam e
satisfaziam as necessidades espirituais dos povos da época. Na verdade, essa crise religiosa
crescia tanto no Egito como em outras partes do Império Romano. Muitos historiadores
explicam essa crise de identidade religiosa das populações com as várias religiões do Império
em função das desigualdades sociais e crises econômicas. A “felicidade” proporcionada pelas
riquezas materiais beneficiava, cada vez mais, uma minoria de privilegiados. Até no Egito,
convivia-se com uma concentração maior da propriedade das terras e consequente direito de
coletar impostos por esses proprietários. Essa tendência à formação de uma sociedade
dominada e organizada em torno dos grandes proprietários de terras opunha-se um aumento de
despossuídos que tendiam a se agrupar em torno desses potentados, acreditando na sua
proteção e em troca da disponibilidade de suas pequenas propriedades. Ao mesmo tempo,
inaugurava-se uma divisão maior no conjunto dos cidadãos entre humiliores e honestiores (os
humildes e os notáveis), ou seja, entre duas categorias segundo a fortuna e o nível social, fato
que conduzia a dois pesos e duas medidas em termos de justiça. Assim, podemos explicar a
crescente adesão a uma nova proposta religiosa cuja promessa de felicidade acolhia todos os
homens e, inclusive de forma inversa aos seus bens terrenos.
Não podemos deixar de recordar que a difusão do Cristianismo aconteceu no conjunto
da Bacia Mediterrânea onde vigorava uma economia fundamentada na escravidão. As
mulheres e crianças não afortunadas também eram penalizadas com a exclusão social na
sociedade greco-romana, marcadamente machista e brutal. Não era estranho, portanto, que o
Evangelho respondesse a uma expectativa profunda dos homens nos primeiros séculos da
nossa era.
A aparição e difusão do Cristianismo, no Egito, merecem ser analisada de forma
cuidadosa. Importa assinalar, sobretudo, que a adoção da língua copta pelo cristianismo foi
essencial na proliferação das comunidades cristãs na região, ao mesmo tempo em que relegou
18
ISSN: 1984 -3615
UNIVERSIDADE DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO
NÚCLEO DE ESTUDOS DA ANTIGUIDADE
I CONRESSO INTERNACIONAL DE RELIGIÃO
MITO E MAGIA NO MUNDO ANTIGO
&
IX FÓRUM DE DEBATES EM HISTÓRIA ANTIGA
2010
a segundo plano as religiões romanas, principalmente àquela fundamentada no culto ao
imperador. Na verdade, pouco ainda é conhecido por nós sobre a propagação do cristianismo
em terras egípcias, mas com certeza o cristianismo copta desempenhou um papel histórico
ativo, gerou inúmeros embates e exerceu notável influência sobre seus vizinhos.
Paradoxalmente, constatamos que as épocas onde ocorreram perseguições religiosas
mais duras aos cristãos foram também as épocas em que se afirmaram ou cresceram os
números de fiéis. No Egito, particularmente, foi na época do imperador Diocleciano (303),
quando o culto ao soberano atingiu o apogeu e quando as perseguições aos cristãos foram
implacáveis, que marcamos o nascimento da era copta. Na instância seguinte, sob o governo
de Constantino quando a tolerância religiosa foi instaurada, a história do cristianismo, no
Egito, definiu-se por uma estreita aproximação entre Alexandria e Constantinopla.
Se a paz da Igreja, estabelecida em 313 por Constantino, assinalou o início da “Igreja
Constantiniana”, ou seja, um novo modo de relações entre Igreja e Estado que se considerava
cristão, inaugurou-se ali, uma longa era de interdependências entre Estado e Igreja. A partir
daquele momento, seguiram-se múltiplas interferências recíprocas, mas para a Igreja
representou, especialmente, um aprisionamento a liames políticos governamentais e a
permanente contrapartida de sustentáculo ideológico para esses sistemas. Assim, a partir do
momento em que a religião cristã tornou-se oficialmente a religião imperial romana sob
Teodósio, em 380, o imperador tentou regulamentar os conflitos doutrinais, de modo a
sobrepor à unidade jurídica do Império uma uniformidade religiosa, entendida como
ortodoxia.
No Egito, a educação religiosa, milenarmente, exigia que a língua do país fosse
utilizada como língua litúrgica. Assim, tanto o cristianismo como outras religiões na região, a
partir da nossa era, adotaram o copta. A língua copta representou o último estado da antiga
língua egípcia, acrescida de algumas palavras gregas e latinas. Era escrita não em signos
hieroglíficos, mas em letras gregas. O alfabeto copta compreendia 24 letras gregas e sete
19
ISSN: 1984 -3615
UNIVERSIDADE DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO
NÚCLEO DE ESTUDOS DA ANTIGUIDADE
I CONRESSO INTERNACIONAL DE RELIGIÃO
MITO E MAGIA NO MUNDO ANTIGO
&
IX FÓRUM DE DEBATES EM HISTÓRIA ANTIGA
2010
signos derivados do Demótico (antiga escrita egípcia utilizada pelo povo) destinados a traduzir
sons próprios da língua egípcia. Surgida no século III da era cristã e adotada como língua
oficial do Cristianismo Copta, tanto ortodoxo como católico, a língua Copta ainda se mantém
como língua litúrgica no Egito do século XXI. O fato é que ter sido veiculado em língua copta
deu ao cristianismo espaços e status populares privilegiados. Isto porque presbíteros e
diáconos ao falarem em copta às classes mais humildes da população, àquelas que não tinham
acesso à cultura grega das classes dominantes e que também não gozavam pela Constituição
Antoniniana ou Edito de Caracala, de 212, do status de cidadãos do Império, galvanizaram-nas
para a fé cristã, como também, ao confrontarem o cristianismo às religiões romanas,
transformaram-nas em sinônimo de pagãs e de conotação pejorativa.
A partir do momento que o cristianismo ganhou status de religião oficial sob Teodósio,
a história religiosa do Egito vinculou-se diretamente à Constantinopla, ficando a cristandade
sob a égide dos imperadores que guardavam para si o direito de definir e validar os dogmas a
serem difundidos no Império. Na verdade, o cristianismo havia se caracterizado, desde os
primórdios de sua existência, por uma certa variedade de artigos de fé e que geraram, por sua
vez, divergências entre os fiéis em função de concepções e interpretações locais. Contudo,
enquanto o cristianismo mantinha-se como religião minoritária, nos quadros culturais do
Império, essas querelas não tinham expressão significativa, mas, ao tornar-se religião
expressiva senão majoritária, o cristianismo suscitou debates que se tornaram assuntos de
Estado no Império.
Se para os Imperadores, a discussão religiosa – a heresia – devia ceder lugar a uma
concepção ordenada e definitivamente reconhecida do que era verdadeiro e, em última
instância, legitimo, em Alexandria, essa determinação unificante deflagrou discussões e
tensões entre Constantinopla e o bispado, cada qual se colocando como detentor do primado
da verdadeira fé ou ortodoxia. Na verdade, em Alexandria, o cristianismo ganhou, desde os
primeiros séculos, um colorido muito próprio e até bem diferente de outras regiões do
Mediterrâneo.
20
ISSN: 1984 -3615
UNIVERSIDADE DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO
NÚCLEO DE ESTUDOS DA ANTIGUIDADE
I CONRESSO INTERNACIONAL DE RELIGIÃO
MITO E MAGIA NO MUNDO ANTIGO
&
IX FÓRUM DE DEBATES EM HISTÓRIA ANTIGA
2010
No Egito, se por um lado, foi modelada uma importante faceta do cristianismo
nascente quando pensadores locais procuraram infiltrá-lo na tradição clássica que para muitos
parecia incompatível com a doutrina cristã, por outro foi adotada uma concepção cristológica
que se tornou a heresia religiosa mais poderosa e popular da antiguidade cristã. Assim, no
Egito, difundiu-se uma importante tendência filosófica - teológica denominada Monofisismo.
O Monofisismo nasceu em Constantinopla por iniciativa de Eutiques, arquimandrita da
cidade. A tese defendida postulava que Jesus comportava originariamente duas naturezas: a
humana e a divina. Mas afirmava, também, que Jesus não subsistiu distinto em duas naturezas;
uma vez efetuada a Encarnação só se podia considerar uma natureza: a divina. Segundo os
seguidores dessa teoria, portanto, Cristo não era possuidor de um corpo igual ao nosso, mas
sim, divinizado. Apesar do Concílio de Calcedônia, em 451, ter rejeitado completamente o
postulado e declarado, firmemente, a existência das duas naturezas na pessoa de Cristo de
forma não confusa e não transformada, no Egito o monofisismo expandiu-se, trazendo no seu
bojo tendências nacionalistas cada vez mais antibizantinas.
No Egito, os monofisistas são precisamente os coptas. Adotaram e conservam ainda
hoje o nome de coptas, este derivado das três consoantes da palavra grega Aigyptos (g / k, p,
t) e se identificam como os cristãos da velha estirpe egípcia. Existem também na Etiópia, pela
proximidade com o Egito. O Monofisismo, por sua vez, mantêm-se, também, na Armênia,
Síria e outros países, totalizando cerca de 16 milhões de fiéis.
Ao longo de sua história, os coptas sofreram inúmeras influências culturais. Nascido
num universo greco-romano, mas tendo como berço o mundo egípcio, o cristianismo copta
conserva até hoje viva sua especificidade que se manifesta na vida litúrgica, nas artes e
práticas culturais. Se mesmo a dominação romana não chegou a impedir os egípcios de
manifestarem suas devoções às divindades tradicionais, muitas vezes veneradas de forma
velada sob o manto dos cultos dos deuses greco-romanos, o advento do cristianismo também
absorveu muito das culturas e tradições anteriores. Alguns autores chegam a acreditar que as
21
ISSN: 1984 -3615
UNIVERSIDADE DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO
NÚCLEO DE ESTUDOS DA ANTIGUIDADE
I CONRESSO INTERNACIONAL DE RELIGIÃO
MITO E MAGIA NO MUNDO ANTIGO
&
IX FÓRUM DE DEBATES EM HISTÓRIA ANTIGA
2010
tendências influenciadas pelo neoplatonismo desenvolvido em Alexandria abriram caminho
para o monoteísmo cristão. Ao mesmo tempo, devemos levar em consideração a permanente
presença das divindades tradicionais egípcias seja na aparente identificação com a trindade
cristã ou mesmo na arquitetura, artes e aspectos litúrgicos coptas. Até nas orações coptas
podemos identificar as preocupações egípcias pela abundância da água do Nilo, com a
fertilidade e com as colheitas. As esculturas e objetos ligados às tradições religiosas e
funerárias trazem ainda a marca das tradições locais como a cruz Ansata ou “Chave do Nilo”
que simbolizava a vida no Egito antigo.
Durante 5.000 anos no Egito, mumificaram-se os homens à imitação da forma
mumificada de Osíris. Os homens acreditavam que seus corpos venceriam o poder da morte, o
túmulo e a decomposição, porque Osíris os vencera. Embora o cristianismo não aprovasse a
mumificação dos corpos por ser prática pagã, o processo continuou a ser usado muitas vezes
entre os cristão coptas. Ao mesmo tempo, uma certa identificação de Cristo com Osíris teve
lugar entre os cristãos coptas e foi posta, principalmente, na vigorosa arte paleocristã. A
mensagem de transcendência cristã à vida terrena havia sido prontamente assimilada pelas
massas ao ligarem a idéia de ressurreição e de vida eterna ao culto tradicional egípcio de
Osíris.
Os inúmeros lugares santos coptas nos remetem, até hoje, a acontecimentos bíblicos
locais. Assim, a Igreja de El Mouallaga sinaliza o lugar onde José e Maria descansaram
quando da fuga para o Egito, empreendida pela perseguição de Herodes. A denominada “gruta
do menino Jesus” marca, por sua vez, o local onde a sagrada família teria vivido no período do
exílio. Do período romano, no Egito, o cristianismo copta absorveu não só a arte, mas
inclusive, o registro de uma das repressões mais rigorosas que se abateu sobre os cristãos
instaurada pelo imperador Diocleciano. Assim, o ano litúrgico é calculado de acordo com a
“era dos mártires” e datado a partir de 29 de agosto de 284, quando do início do reinado desse
imperador.
22
ISSN: 1984 -3615
UNIVERSIDADE DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO
NÚCLEO DE ESTUDOS DA ANTIGUIDADE
I CONRESSO INTERNACIONAL DE RELIGIÃO
MITO E MAGIA NO MUNDO ANTIGO
&
IX FÓRUM DE DEBATES EM HISTÓRIA ANTIGA
2010
Um aspecto fundamental do espírito e das práticas religiosas egípcias influenciou o
cristianismo dos primeiros tempos e proporcionou uma experiência inovadora que se revelou
fundamental para o desenvolvimento da Igreja: o monaquismo.
Considerando a vida mundana como fonte e ocasião do pecado, os cristãos do Egito
dos séculos III e IV cultivaram, de modo sistemático, a prática de isolar-se mundo, tanto
sozinhos como em comunidades religiosas pequenas. A inspiração para essas experiências e
comunidades parece ter sido encontrada em vivências religiosas no Egito pagão e entre alguns
judeus da região. Mas o fato é que essas práticas passaram a ser o pilar de um novo
movimento conhecido como monasticismo.
Podemos distinguir muitas etapas e personagens na história do monasticismo. Embora
não tenhamos como objetivo nos determos sobre elas, vale citarmos Paulo de Tebas (234-347)
como um eremita importante que agrupou alguns anacoretas; Santo Antão (251-356)
considerado o grande “patriarca” do monaquismo por ter fundado algumas comunidades
vinculadas pelo prestígio de um líder; e Pacômio (276-349), tido como inaugurador do
cenobitismo, movimento que submetia homens e mulheres a uma rigorosa disciplina, vida
voltada ao trabalho e orações. Essas comunidades estavam organizadas em torno de uma
figura central denominado abade, obedeciam a regras e executavam tarefas pré-determinadas.
O monaquismo cristão, tendo suas raízes fincadas no próprio cristianismo egípcio ou
copta, aos poucos se transformou no grande baluarte do monofisismo copta frente às decisões
impostas por Constantinopla a um Egito relutante em aceitá-las. Poderíamos mesmo entender
o monasticismo como o grande foco de resistência às pressões bizantinas, a ponto de garantir à
Igreja monofisista o papel de única igreja oficial durante anos, no Egito.Ao longo do tempo,
também, o monaquismo foi adquirindo outros coloridos nas várias regiões por onde se
alastrou, como na Síria, Palestina e Ásia Menor, até a ponto de ganhar características bem
marcantes como no sistema desenvolvido, posteriormente, na Europa medieval.
23
ISSN: 1984 -3615
UNIVERSIDADE DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO
NÚCLEO DE ESTUDOS DA ANTIGUIDADE
I CONRESSO INTERNACIONAL DE RELIGIÃO
MITO E MAGIA NO MUNDO ANTIGO
&
IX FÓRUM DE DEBATES EM HISTÓRIA ANTIGA
2010
Não é possível, no âmbito deste breve relato, desvendar inúmeros aspectos do
cristianismo africano egípcio. O fato mais importante é que ali inúmeras culturas e correntes
se encontraram: a egípcia, greco-romana, bizantina e até a muçulmana pelo estabelecimento
dos árabes na África do Norte. Todas elas se interligaram, se misturaram e, até hoje, se
confundem. O mais interessante é que o cristianismo copta deixou um legado de simbiose e de
pluralidade cultural à cristandade de todos os tempos que é de uma riqueza muito pouco
conhecida por nós.
24
ISSN: 1984 -3615
UNIVERSIDADE DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO
NÚCLEO DE ESTUDOS DA ANTIGUIDADE
I CONRESSO INTERNACIONAL DE RELIGIÃO
MITO E MAGIA NO MUNDO ANTIGO
&
IX FÓRUM DE DEBATES EM HISTÓRIA ANTIGA
2010
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
AMARAL, Emanuel d’Able do, Dom. Introdução à História Monástica. Salvador: Edições
São Bento, 2006.
AUBERT, Roger. Nova História da Igreja. Vol.I. São Paulo: Vozes, 1968.
BIHLMEYER, Karl; TUECHLE, J. História da Igreja: A Antiguidade cristã. Vol. I. São
Paulo: Paulinas, 1964.
COMBY, Jean. Para ler a História da Igreja: das origens ao século XV. São Paulo: Loyola,
1993.
GUILLAUMONT, A. Aux Origens du monaquisme chrétien. Belle-fontaine: Bégrolles,
1979.
HAMMAN, A.G. La vie quotidienne en Afrique du Nord au temps de Saint Augustin.
Paris: Hachette, 1979
MOKHTAR, G (coord.). História Geral da África: A África Antiga. Vol. II. São Paulo:
Ática, 1983.
PIERINI, Franco. Curso de História da Igreja: A idade Antiga. Vol. I. São Paulo: Paulus,
2004.
PIERRARD, Pierre. História da Igreja. São Paulo: Paulus, 1983.
25
Download

O CRISTIANISMO COPTA - Núcleo de Estudos da Antiguidade