6
COMPOSTOS ORGANOMETÁLICOS
PARA MOCVD
6. Compostos organometálicos para CVD
98
6. Compostos organometálicos para CVD
6.1 Introdução
Os compostos organometálicos, como precursores para processos de MOCVD,
permitem depositar materiais cujos halogenetos não são reactivos ou voláteis.
São vários os critérios para que um composto seja adequado para os processos de
MOCVD [178]:
1– ter pressão de vapor preferencialmente superior a 10 Pa a 100°C;
2– possuir estabilidade térmica durante os processos de evaporação e de transporte em
fase gasosa;
3– manifestar estabilidade no armazenamento por longos períodos de tempo;
4– possuir pureza elevada, ou facilidade de purificação;
5– apresentar pirólise limpa sem contaminar o filme com carbono;
6– não ser tóxico nem explosivo, bem como os seus produtos de decomposição;
7– estar disponível comercialmente ou ser sintetizável a baixo custo;
8– ser preferencialmente líquido, em vez de gás, ou sólido.
Os organometálicos dos processos de MOCVD são compostos em que o catião metálico
está ligado a β-dicetonas, a radicais alquilo ou a radicais fenilo.
6.2 Compostos da família das β-dicetonas
Na família das β-dicetonas, a letra grega indica a posição relativa dos dois grupos
carbonilo na cadeia.
O
O
R2
R1
α
O
O
R1
O
R2
R2
R1
β
γ
O
Figura 6.1 - Designação por alfabeto grego das dicetonas [244].
As β-dicetonas são geralmente ligandos bidentados que podem formar complexos com
praticamente todos os elementos metálicos e metalóides da tabela periódica. A presença dos
grupos β-carbonilo, com um ou dois protões no átomo de carbono intermédio, permite um
equilíbrio tautomérico entre as formas cetónicas e enólicas, sendo esta a característica mais
99
6. Compostos organometálicos para CVD
importante destes compostos. Sob a forma enólica, formam complexos com os metais (figuras
6.2 e 6.3) [245].
H
O
O
R1
O
R2
H
O
R1
O
R2
forma cetónica
R1
O
R2
formas enólicas
Figura 6.2 - Tautomerismo das β-dicetonas [244, 245].
De acordo com os grupos R1 e R2, as β-dicetonas dão origem a organometálicos com
propriedades diferentes e que podem ser investigadas com vista à optimização da deposição.
A volatilidade dos complexos normalmente aumenta com R1 e R2 de maiores dimensões (por
exemplo, substituindo um hidrogénio por um grupo metílico), saturando a esfera de
coordenação e blindando o ião metálico[178]. Assim, as β-dicetonas mais simples, derivadas
da 2,4-pentanodiona (acac - cf. tabela 6.1), são mais fáceis de sintetizar, mas, eventualmente,
dão origem a organometálicos pouco voláteis e instáveis no tempo. A utilização de
β-dicetonas fluoradas [246] aumenta a volatilidade e a estabilidade, diminuindo o número de
pontes de hidrogénio, embora seja necessário remover o flúor do filme após a deposição, para
não degradar as propriedades supercondutoras[247].
As β-dicetonas de bário são particularmente pouco estáveis e, em certa medida,
também as de estrôncio. O Ba(tmhd)2, em contacto com o ar, sofre uma decomposição rápida,
devido a hidrólise, oligomerização e à formação de carbonatos, pelo que este composto tem de
ser armazenado em vácuo, ou em azoto seco, e a baixa temperatura. Turnipseed [248]
demonstrou que, como resultado da hidrólise, o Ba(tmhd)2 se transforma em
Ba5(tmhd)9OH(H2O)3.
100
6. Compostos organometálicos para CVD
Tabela 6.1 - Fórmulas e abreviaturas de algumas β-dicetonas passíveis de serem usadas na
síntese de organometálicos para MOCVD [7, 245, 249-254]. As abreviaturas e os nomes triviais estão
entre parêntesis. A β-dicetona utilizada neste trabalho está realçada.
Fórmula química da β-dicetona
R1–COCH2CO–R2
R1
R2
CH3–
–CH3
Abreviaturas
comuns
(acac)
CF3–
–CH3
CF3–
–CF3
(CH3)2CH–
–CH(CH3)2
(CH3)3C–
–CH2CH3
(CH3)3C–
–C(CH3)3
(CH3)3C–
(CH3)3C–
(CH3)3C–
(CH3CH2)2C–
–C(CH3)2CH2CH3
–CF3
(CH3)3C–
–CF2CF2CF3
(CH3)2CHCH2–
– CH2CH(CH3)2
CH3(CH2)2–
–(CH2)2CH3
C6H5–
–CH3
C6H5–
–(CH3)3
C6H5–
–C6H5
(tfac)
hfpd
(hfac)
dhd / dmhd
(dibm)
(piprm)
thd / tmhd
(dpm)
edmod
tmod
(ptac)
(fod)
(divm)
(dbm)
(bzac)
(bzpm)
(dbzm)
Nome IUPAC
(Nome comum)
2,4-pentanodiona
(acetilacetanoato)
1,1,1-trifluoro-2,4-pentanodiona
(trifluoracetilacetanoato)
1,1,1,5,5,5-hexafluoro-2,4-pentanodiona
(hexafluoracetilacetanoato)
2,6-dimetil-3,5-heptanodiona
(diisobutirilmetanoato)
2,2-dimetil-3,5-heptanodiona
(pivaloilpropionilmetanoato)
2,2,6,6-tetrametil-3,5-heptanodiona
(dipivaloilmetanoato)
6-etil-2,2-dimetil-3,5-octanodiona
2,2,6,6-tetrametil-3,5-octanodiona
1,1,1-trifluor-5,5-dimetil-2,4-hexanodiona
(pivaloiltrifluoracetanoato)
1,1,1,2,2,3,3-heptafluoro-7,7-dimetil-4,6octanodiona
2,8-dimetil-4,6-nonanodiona
(diisovalerilmetanoato)
4,6-nonanodiona
(dibutirilmetanoato)
1-fenil-1,3-butanodiona
(benzoilacetanoato)
1-fenil-4,4-dimetil-1,3-pentanodiona
(benzoilpivaloilmetanoato)
1,3-difenil-propanodiona
(dibenzoilmetanoato)
6.3 Organometálicos para deposição de filmes de BSCCO
Para a realização de filmes do sistema BSCCO por MOCVD, são necessários
organometálicos contendo Bi, Sr, Ca e Cu.
Logo à partida, foram excluídos os organometálicos fluorados porque, apesar de
possuírem melhor volatilidade, exigem a introdução de vapor de água no reactor após a
deposição, para remoção dos vestígios de flúor.
Para o bismuto, seleccionou-se o Bi(C6H5)3 - trifenilbismutano, dado que possui um
ponto de fusão bastante baixo (p.f. = 76-80°C), boa estabilidade ao longo do tempo, e boa
volatilidade. Este composto é, presentemente, muito usado para a deposição de bismuto [7,
246, 255, 256], sendo o seu manuseamento menos perigoso que o trimetilbismutano,
Bi(CH3)3, anteriormente recomendado [212: p.239]. Numa experiência de sublimação, a
101
6. Compostos organometálicos para CVD
1000 Pa, o Bi(C6H5)3 passou rapidamente para a fase vapor à temperatura de 140°C,
depositando, no dedo frio, agulhas brancas brilhantes. O Bi(C6H5)3 está disponível
comercialmente (Merck, Fluka ou ABCR). O composto da ABCR apresentou agulhas
amareladas, indicativo da falta de pureza. O composto da Merck apresentou agulhas brancas,
tendo sido utilizado directamente sem mais purificações.
Os outros organometálicos utilizados para a deposição do estrôncio, cálcio e cobre
derivaram da 2,2,6,6-tetrametil-3,5-heptanodiona (tmhd) (tabela 6.1). Devido ao facto dos
organometálicos Sr(tmhd)2 (figura 6.3) e Ca(tmhd)2, disponíveis comercialmente (ABCR ou
Aldrich), se apresentarem impuros, aspecto amorfo, baços e deixando resíduos em solução e,
além disso, serem muito dispendiosos, optou-se pela sua síntese e purificação a partir do
tmhd. O Cu(tmhd)2 comercial (ABCR ou Aldrich, p.f. 198°C) apresentava-se cristalino, com
cristais azulados brilhantes e bem formados. Como termo de comparação, foi também
preparado o Cu(tmhd)2 tendo sido obtido um produto de qualidade equivalente ao comercial.
H 3 C CH
3
H3C
CH 3
CH 3
H3 C
C
C
CH
Sr
HC
C
H3 C
H3 C
O
O
O
O
C
CH3
H 3 C CH
CH 3
3
Figura 6.3 - Fórmula de estrutura do Sr(tmhd)2.
O tmhd está disponível comercialmente (Merck pureza 97% ou Aldrich pureza 95%),
mas pode ser sintetizado segundo a técnica proposta por Adams e Hauser [257].
Na síntese dos organometálicos para este trabalho, seguiu-se a técnica recomendada
por Busch [258], derivada da técnica proposta inicialmente por Hammond [250]. Nesta
síntese, o tmhd foi dissolvido em solução aquosa de etanol e alcalinizado pelo NaOH. Esta
solução foi deixada cair gota a gota sobre uma solução de nitrato do metal pretendido. O
organometálico precipitou desta solução, sendo posteriormente filtrado e lavado com água
fria. Estas soluções foram preparadas com água destilada e desionizada recentemente fervida,
evitando, assim, a formação de carbonatos. A purificação dos organometálicos foi efectuada
por recristalização a partir de etanol em ebulição, ao qual se foi adicionando água, gota a gota,
a fim de diminuir a solubilidade dos organometálicos [250]. A adição de água foi
interrompida quando a gota adicionada provocou uma ligeira precipitação do organometálico.
102
6. Compostos organometálicos para CVD
O arrefecimento desta solução foi lento, permitindo a formação de cristais com elevada
qualidade. Depois de filtrados e lavados com água fria, os cristais foram secos durante alguns
dias em vácuo e com P4O10 como exsicante.
As soluções e concentrações utilizadas estão especificadas na tabela 6.2.
Tabela 6.2 - Compostos e soluções usados na preparação dos precursores. Adaptado do trabalho
de Busch [258].
Organometálico
Sr(tmhd)2
Ca(tmhd)2
Cu(tmhd)2
Solução A
Nitrato do metal
(g) (mmol)
Sr(NO3)2
1,693 (8)
Ca(NO3)2·4H2O
0,801 (8)
Cu(NO3)2
1,93 (8)
H 2O
(mL)
30
tmhd
(g) (mmol)
2,95 (16)
Solução B
NaOH
(g) (mmol)
0,64 (16)
H2O
(mL)
2
Etanol
(mL)
15
30
2,95 (16)
0,64 (16)
2
15
30
2,95 (16)
0,64 (16)
2
15
Com esta técnica, foram preparados os organometálicos Sr(tmhd)2 (rendimento da
síntese de η=68%), Ca(tmhd)2 (η=87%) e Cu(tmhd)2 (η=58%) necessários a este trabalho,
com um grau de pureza elevado. Os dois primeiros apresentaram agulhas brancas brilhantes e
o Cu(tmhd)2 apresentou cristais azulados bem formados. Para efeitos de cálculo do peso
molecular, considerou-se que o Sr(tmhd)2 estava sob a forma dihidratada, Sr(tmhd)2·2H2O.
Estes organometálicos, particularmente o Sr(tmhd)2, são relativamente instáveis,
podendo sofrer ataque pelo CO2 e pela humidade atmosférica. Por tal motivo, é importante a
forma de conservação destes compostos. O armazenamento por longos períodos foi feito no
exsicador com P4O10 e em vácuo [258].
6.4 Caracterização dos organometálicos
A investigação dos compostos organometálicos utiliza diversas técnicas de
caracterização que incluem a Ressonância Magnética Nuclear (RMN) [249], Espectrometria
de Massa (EM) [259, 260], Espectroscopia de Infravermelho (IR) [261], Espectroscopia
Ultravioleta/Visível (UV/Vis) [250], Difracção de Raios X (DRX) [249], Cromatografia
Gasosa (CG) [259] e Análise Termogravimétrica (ATG) [249, 260] complementada pela
Análise Térmica Diferencial (ATD) [262].
Neste trabalho, a análise centrou-se nas técnicas de caracterização que permitem
concluir sobre a qualidade dos organometálicos sintetizados, nomeadamente sobre a sua
103
6. Compostos organometálicos para CVD
volatilidade. Foram efectuadas determinações do intervalo de fusão, do espectro de
infravermelho médio e da curva termogravimétrica, nomeadamente para os dois
organometálicos mais instáveis, o Sr(thmd)2 e o Ca(tmhd)2.
Para o Sr(thmd)2 e o Ca(tmhd)2 comerciais, não foi possível determinar o intervalo de
fusão, uma vez que durante o aquecimento (a 2 °C/min), os compostos sofreram degradação,
amarelecendo, e não sendo detectável uma verdadeira fusão.
Para o Ca(tmhd)2, preparado e recristalizado, foi obtido um apertado intervalo de
temperaturas de fusão, 218,5 - 218,7 °C (aquecimento a 2 °C/min), valor diferente do relatado
por Hammond [250], 224 °C, mas reprodutível com o composto preparado.
Para o Sr(tmhd)2, preparado e recristalizado, continuou a não ser possível observar
reprodutivelmente uma fusão, ou intervalo de temperaturas de fusão, sendo visíveis alterações
no composto a partir de 116 °C até aos 163 °C, quando parece estar completamente fundido.
Estes valores contrastam com o ponto de fusão de 200°C dado por Hammond. Os resultados
obtidos com o Sr(tmhd)2 poderão indicar um produto ainda com qualidade deficiente. Pelo
contrário, o Ca(tmhd)2 será de boa qualidade.
Na figura 6.4, apresentam-se os espectros experimentais de infravermelho para os
organometálicos utilizados e derivados do tmhd. Para a obtenção dos espectros foi utilizado
um espectrofotómetro de infra-vermelho com transformada de Fourier (FTIR), da UNICAM.
Nestes
compostos,
é
especialmente
característica
a
zona
dos
carbonilos
(1500-1600 cm-1), com o deslocamento para número de onda mais baixo relativamente ao
tmhd, o que denota o enfraquecimento da ligação C=O (cf. figura 6.3). Este pico é importante
porque indica que efectivamente se formou uma ligação em anel, com um electrão
compartilhado por vários átomos, nomeadamente pelo átomo metálico.
O maior ou menor teor de humidade nestes compostos revela-se na banda dos
3500 cm-1. É visível que o tmhd está bem seco, mas que os organometálicos possuem alguma
humidade residual. Se esta banda estiver demasiado intensa poderá ser um indicativo de que o
organometálico necessita de maior tempo de secagem, o que, na figura 6.4, ocorre com o
Ca(tmhd)2. A análise da evolução da banda a 3500 cm-1, no espectro de infravermelho, poderá
servir de critério para considerar um organometálico como seco (em equilíbrio com o P4O10),
se a intensidade da banda não variar em análises consecutivas.
104
Transmitância (%)
80
Transmitância (%)
80
Transmitância (%)
80
Transmitância (%)
6. Compostos organometálicos para CVD
80
60
40
Sr(tmhd)2
20
0
60
40
Ca(tmhd)2
20
0
60
40
tmhd
20
0
60
Cu(tmhd)2
40
20
3500 3000 2500
1750 1500 1250 1000
750
500
-1
nº de onda (cm )
Figura 6.4 - Espectros experimentais de infravermelho médio para os organometálicos
M(tmhd)2, M=Sr, Ca, Cu, obtidos após a recristalização, com 24 horas em
exsicador, e para a β-dicetona tmhd.
Uma vez que a utilização dos organometálicos em MOCVD pressupõe que estes
compostos possuam volatilidade elevada, os compostos sintetizados foram analisados por
Termogravimetria (ATG). Durante a análise, o organometálico pode reagir com o CO2 ou com
a humidade atmosférica. Para o evitar, a ATG deverá ser efectuada sob um gás inerte e seco
(N2 ou Ar) e à pressão de serviço do reactor de MOCVD (250-2500 Pa).
Em virtude da análise térmica dos organometálicos contaminar o equipamento de
ATG/ATD, foi montado um dispositivo consistindo num forno tubular vertical de alumina,
uma vareta de alumina assente no prato duma balança analítica digital e um termopar ligado a
um controlador de temperatura PID. Se, por um lado, a curva termogravimétrica não
corresponde às condições dentro do reactor de MOCVD, por outro lado, é indicativa da
qualidade do organometálico e, principalmente, da sua estabilidade em condições de
temperatura elevada.
105
6. Compostos organometálicos para CVD
A curva experimental obtida para o Ca(tmhd)2 (figura 6.5) revela uma perda gradual de
massa a partir dos 250°C e um resíduo não volátil de cerca de 20% à temperatura de 500°C.
Para o Sr(tmhd)2, observa-se perda de massa a temperaturas inferiores a 260°C e que é
interpretada como perda de água adsorvida (até aos 120°C) ou como perda da água de
cristalização (até aos 260°C). O resíduo não volátil é de cerca de 20% à temperatura de
500°C. Como termo de comparação, apresenta-se a curva termogravimétrica publicada por
Aarik, et al [260], obtida à pressão de 700 Pa, para o Sr(tmhd)2. Nesta, verifica-se uma
acentuada perda de massa entre 250 e 300°C, com um resíduo final não volátil de apenas
10%.
A curva obtida para o Cu(tmhd)2 é equivalente à publicada por Kim, et al, à pressão
atmosférica [262], com uma brusca perda de massa entre os 230 e os 250°C, e praticamente
isenta de resíduo não volátil. Este composto não apresenta problemas de volatilidade.
As curvas termogravimétricas obtidas com o Sr(tmhd)2 e Ca(tmhd)2 comerciais
registaram resíduos não voláteis, a 500°C, da ordem dos 40 a 50%, o que, por comparação
com o resíduo de 10-20% dos compostos sintetizados, indica uma menor volatilidade,
corroborando a melhor qualidade dos produtos sintetizados.
Este resíduo não volátil atribui-se à existência de compostos carbonatados ou
hidrolizados no produto original, ou pode resultar de reacções de oligomerização ao longo do
aquecimento.
100
80
Ca(tmhd)2 ao ar
TG (%)
60
40
20
Sr(tmhd)2 ao ar
Sr(tmhd)2 a 700 Pa [390]
0
Cu(tmhd)2 ao ar
50
100
150
200
250
300
350
400
450
500
550
T (ºC)
Figura 6.5 - Curvas termogravimétricas experimentais para os organometálicos M(tmhd)2,
M=Sr, Ca e Cu, após purificação por recristalização. Aquecimento a 10°C/min ao
ar. Como comparativo, apresenta-se a curva termogravimétrica do Sr(tmhd)2 a
700 Pa [260].
106
6. Compostos organometálicos para CVD
Fuflyigin et al [263] investigaram as cinéticas de vaporização do Sr(tmhd)2 e do
Ca(tmhd)2, a diferentes temperaturas, mas com fluxo constante de gás de arrasto (argon). A
velocidade de vaporização isotérmica do Sr(tmhd)2 foi praticamente constante ao longo de
duas horas, no intervalo de temperaturas de 225-240°C (tabela 6.3). A 245°C, verificaram
uma diminuição apreciável da velocidade de vaporização ao longo do tempo. A velocidade de
vaporização isotérmica do Ca(tmhd)2 foi constante ao longo das duas horas, para o intervalo
de temperaturas de 180-210°C.
Tabela 6.3 - Velocidades de vaporização isotérmicas dos precursores organometálicos
Sr(tmhd)2 e Ca(tmhd)2, com fluxo constante do gás de arrasto (argon) [263].
Sr(tmhd)2
T (°C)
225
230
240
Ca(tmhd)2
T (°C)
180
190
210
rv (µmol/min)
1,7
3,9
10,0
rv (µmol/min)
0,74
4,4
10,3
Os autores verificaram uma dependência linear da velocidade de vaporização dos
precursores com o fluxo de argon, indicando que este fica saturado com o vapor dos
organometálicos. Nessa base, calcularam a dependência da pressão de vapor com a
temperatura e a respectiva entalpia de vaporização (tabela 6.4).
Tabela 6.4 - Pressão de vapor, log p (Pa) = A - B / T (K) e entalpia de vaporização, ∆H, para os
precursores organometálicos [263].
Substância
Intervalo de
A
B
∆H
temperatura
(K)
(kJ/mol)
Bi(C6H5)3
10,5
5090
97
373-393
16,3
9100
174
493-513
Sr(tmhd)2
Ca(tmhd)2
16,2
8500
163
453-483
Cu(tmhd)2
11,5
6010
115
398-413
6.5 Selecção do solvente para MOCVD assistido por aerossol
O solvente escolhido em função dos precursores organometálicos tem de garantir a
compatibilidade entre solvente e soluto. Os principais critérios na escolha do solvente são:
i)
solubilidade aceitável dos organometálicos escolhidos, e compatibilidade com
estes, isto é, os organometálicos em solução devem permanecer estáveis no tempo
sem se degradarem. O solvente deve estar isento de água e de CO2;
107
6. Compostos organometálicos para CVD
ii) ponto de ebulição suficientemente elevado por forma a que a pressão de vapor à
temperatura ambiente seja baixa, permitindo assim que o reactor funcione a
pressões totais reduzidas. No entanto, à temperatura da zona de pré-aquecimento e à
pressão do reactor, o solvente deverá vaporizar-se facilmente;
iii) baixa viscosidade permitindo formar facilmente o aerossol;
iv) baixo teor em carbono, e elevada temperatura de decomposição, impedindo a
formação de carbonatos nos filmes;
v)
baixa toxicidade e inflamibilidade.
Para fabricar filmes de YBa2Cu3O7-x por MOCVD assistido por aerossol, Matsuno [264]
propôs o tetrahidrofurano (THF) como solvente para os organometálicos, tendo usado
concentrações de 0,03 mol/L para o Y(tmhd)3, de 0,087 mol/L para o Ba(tmhd)2 e de
0,081 mol/L para o Cu(tmhd)2. No entanto, a nebulização foi efectuada à pressão atmosférica,
uma vez que o THF é relativamente volátil (p.e. 66°C).
Zhang [265] experimentou adicionar ao THF o isopropanol e a tetraglima numa
proporção de 8:2:1. O THF permite dissolver bem os organometálicos, enquanto os outros
dois compostos aumentam o ponto de ebulição da solução e a estabilidade do Ba(tmhd)2.
Chung [266] testou o álcool etílico e soluções aquosas de ácido benzóico, mas o
primeiro revelou-se demasiado volátil e os organometálicos são pouco solúveis no segundo.
Este autor excluiu o uso, como solventes, do tetracloreto de carbono (CCl4), por motivos de
toxicidade, e da N,N-dimetil formamida devido à sua reactividade.
Para poder efectuar a nebulização a pressões reduzidas, Weiss [183, 189] propôs a
utilização do éter dietilenoglicoldimetílico (p.e. 162°C), designado por diglima, deixando em
aberto as sugestões para o uso do n-decano (p.e. 174°C), do n-dodecano (p.e. 216°C) ou do
álcool benzílico (C6H5CH2OH) (p.e. 205°C).
Deschanvres [267] encontrou dificuldades na utilização do álcool benzílico, ao
pretender depositar filmes de ZrO2. Apesar do álcool benzílico dissolver bem o Zr(acac)2 (até
0,2 mol/L), não se depositou qualquer filme. Apenas com uma mistura a 50% de álcool
benzílico e de 2,4-pentanodiona (acac) conseguiu obter boas deposições.
Decker [268] efectuou um estudo comparativo entre o uso do n-hexano, do n-decano, do
n-butanol, da diglima e da N,N-dimetilformamida para a deposição de filmes do sistema
YBaCuO. Considera que a diglima e o n-decano são os melhores solventes, possuindo baixa
viscosidade, pontos de ebulição suficientemente elevados e capacidade de dissolver os
108
6. Compostos organometálicos para CVD
organometálicos derivados do tmhd. Verificou, no entanto, um aumento da temperatura do
substrato poucos segundos após ligar o aerossol, indicando a oxidação do solvente. Esse efeito
dependia do solvente usado, da temperatura inicial do substrato e da pressão do reactor. Neste
aspecto, a diglima revelou-se superior ao n-decano uma vez que não provocava aumento da
temperatura do substrato desde que a temperatura deste não ultrapassasse os 800°C e a
pressão os 2,1 kPa. Acima destes valores, a diglima oxida, provocando um aumento da
temperatura do substrato superior a 100°C.
A diglima satisfaz bem os critérios definidos, tendo como principal limitação ser
bastante higroscópica.
A diglima possui as seguintes propriedades fisico-químicas:
– Fórmula molecular: C6H14O3
– Fórmula química: CH3-O-CH2-CH2-O-CH2-CH2-O-CH3
– Peso molecular 134,18 g mol-1
– Ponto de ebulição: 162,05°C à pressão atmosférica
– Pressão de vapor a 25°C: 308 Pa [269, 270]
– Ponto de fusão: -64°C
– Densidade 937 kg m-3
– Entalpia padrão de vaporização ∆H°vap = 44,69 ± 0,17 kJ mol-1 [270]
– Miscível com a água em todas as proporções, formando um azeótropo
– Aparência incolor e de odor não desagradável
– Riscos para a saúde: não carcinogénico; moderadamente irritante para a pele; vapores
podendo provocar náuseas.
– Riscos de acidentes: moderadamente inflamável.
– Solubilidade
dos
organometálicos:
limitada
pela
menor
solubilidade
do
Cu(tmhd)2 ≈ 0,1 mol/L
– Número de registo CAS: 111-96-6
Este solvente impôs-se nas investigações sobre MOCVD assistido por aerossol, sendo
usado em reactores deste tipo [163, 164, 227, 229].
A influência do solvente no processo da deposição traduz-se por[163]:
i) uma diminuição inicial da temperatura na zona de pré-aquecimento devido à entalpia
de vaporização;
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6. Compostos organometálicos para CVD
ii) um efeito térmico nas zonas de alta temperatura do reactor produzido pela oxidação
do solvente;
iii) decomposição das moléculas de solvente, originando contaminações pelo carbono;
iv) aumento da pressão parcial de CO2, com a consequente diminuição da pressão
parcial de O2, principalmente ao nível do substrato e das zonas quentes do reactor;
v) adsorção de moléculas do solvente na superfície do filme.
Os processos ii) a iv) são importantes nos reactores de parede quente, sendo estes efeitos
atenuados nos de reactores de parede fria. Com efeito, neste segundo tipo de reactores, não se
verifica, na prática, a decomposição e combustão da diglima, sendo a pressão parcial de CO2
cerca de uma a duas ordens de grandeza inferior à encontrada nos reactores de parede quente
(figura 6.6) [163]. Esta propriedade justifica a opção pela diglima, uma vez que a
decomposição e combustão é muito mais pronunciada em outros solventes como o n-decano
ou o n-dodecano [183].
3
10
pressão parcial CO2 (Pa)
(a)
2
10
(b)
10
1
0
2
4
6
8
10
12
14
razão molar O2/diglima
Figura 6.6 - Dependência da pressão parcial de CO2 relativamente à razão molar de
oxigénio/diglima para reactores de (a) parede quente e (b) parede fria. Medidas
efectuadas por espectrometria de massa [163].
6.6 Conclusões
A utilização de organometálicos com boa volatilidade e estáveis com o tempo é de
grande importância para a deposição por MOCVD, conferindo reprodutibilidade à
estequiometria dos filmes. Os organometálicos seleccionados para este trabalho foram o
Bi(C6H5)3, trifenilbismutano, e os derivados da β-dicetona 2,2,6,6-tetrametil-3,5-heptanodiona
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6. Compostos organometálicos para CVD
(tmhd), Sr(tmhd)2, Ca(tmhd)2 e Cu(tmhd)2. Sendo o organometálico de estrôncio o que mais
problemas de pureza e volatilidade apresenta, condiciona igualmente a selecção da
temperatura da zona de pré-aquecimento do reactor de aerossol-MOCVD. Com base na curva
termogravimétrica publicada na literatura, à pressão de 700 Pa, e nos estudos de velocidade de
vaporização de Fuflyigin [263], é aconselhável uma temperatura da zona de pré-aquecimento
do reactor superior a 240°C para que o Sr(tmhd)2 passe facilmente para a fase vapor. As
temperaturas superiores a 300°C poderão provocar decomposição dos organometálicos dando
origem a espécies não voláteis. Conclui-se que se deverá usar uma temperatura à volta de
270°C para a zona de pré-aquecimento do reactor.
Conclui-se igualmente que a diglima é o solvente com melhor balanço de propriedades,
sendo de evitar o uso de temperaturas de deposição superiores a 800°C, o que incrementaria a
sua decomposição e combustão.
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6. Compostos organometálicos para CVD
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COMPOSTOS ORGANOMETÁLICOS PARA MOCVD