Travestis e Prisões
seres humanos. No entanto, eles foram utilizados, na maioria das vezes,
como ferramentas de reflexão e de fortalecimento de alguma autonomia
dos sujeitos entrevistados.
***
Este livro está organizado em cinco principais capítulos. O segundo
deles, que sucede esta introdução, é um inventário a respeito de como as
categorias de gênero, corpo, sexo e sexualidade vêm sendo materializadas
no campo do social no decorrer da história. Longe de apresentar um levantamento pormenorizado, a intenção é privilegiar acontecimentos e narrativas que contribuam para produzir uma ideia sobre as construções sociais
das travestilidades no Brasil. Assim, o ponto de partida é o movimento
feminista. Buscando afirmar uma análise queer marxista para o estudo
sobre travestilidades do ponto de vista materialista-histórico, o capítulo
pretende demonstrar como essas duas vertentes teóricas – o materialismo
histórico e dialético e a teoria queer – se aproximam enquanto bases filosóficas dos sujeitos que pretendem falar de seus lugares de subalternos,
questionando as estabilidades e normalizações interpostas pelos sistemas
hegemônicos de poder e propondo a superação das regulações sobre identidades, comportamentos e desejos.
O terceiro capítulo pretende analisar teoricamente o lugar das prisões na sociedade brasileira, utilizando os aportes teóricos da criminologia
crítica. Tomando por referência a questão prisional como instrumento de
domesticação e de organização do que a sociedade considera como resto
e como inapropriado, propõe debater sobre como os padrões do aprisionamento aprofundam vulnerabilidades de gênero e sexualidade já experimentadas antes do cárcere e como essas determinações, aliadas às de
classe social e raça/etnia, produzem experiências distintas e únicas às travestis. A intenção é demonstrar, desde uma criminologia queer, os reflexos
das regulações da prisão nas experiências das travestis, assim como já foi
feito com relação às mulheres presas a partir da criminologia feminista.
O quarto capítulo apresentará os dados empíricos da pesquisa de
maneira mais expressiva. É aqui que as experiências sociais específicas das
travestis e seus companheiros privados de liberdade em regime fechado
em Porto Alegre serão analisadas pelos aportes teóricos já elencados. Essas experiências, como se verá, se referem às relações familiares, com policiais, técnicos e gestores do sistema penitenciário e com os companheiros
de cela, à escassez de materiais de provimento das necessidades básicas,
à produção de identidades, às disputas de poder, ao anseio por ações edu-
29
Download

seres humanos. No entanto, eles foram utilizados