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VIOLÊNCIA DOMÉSTICA CONTRA A MULHER:
ALGUMAS CONSIDERAÇÕES1
JÂNIA CAPRA2
RESUMO:
Reunimos neste trabalho dados sobre a discriminação e a violência contra a mulher, destacando a situação em
Barra do Garças. Dividimos em quatro partes este trabalho: Na primeira reunimos estudos sobre a discriminação
da mulher ao longo da História. Na segunda parte, juntamos alguns dados e pesquisas sobre a violência
doméstica de um modo geral, na terceira parte, partimos para a análise específica de caso da violência doméstica
em Barra do Garças e na quarta, falamos sobre a Lei Maria da Penha e sua importância nos casos de agressão
contra a mulher. Portanto, nossa tarefa específica é chamar a atenção para o caso da violência contra a mulher e
debater este problema. Essa é a gênese desta pesquisa.
PALAVRAS-CHAVE: violência, mulher, discriminação, sociedade, Maria da Penha.
RESUMEN:
juntamos em este trabajo, informaciones de discriminación y violência cuentra la mujer, salientando la situación
em Barra de Garças en el período 2000, 2001 y 2002. Repartimos em três porciones este trabajo: en la primera,
juntamos estudios de discriminación de la mujer en la Historia. En la segunda porción, juntamos algunas
informaciones y pesquisas de la violência domestica de forma general, y em la tercera porción, analisis
solamente de la violência domestica en Barra de Garças. Entonces, nuestra tarea es llamar la atención para el
caso de violência cuentra la mujer y discutir este problema. Esta es la genesis desta pesquisa.
PALABRAS CLAVES: violência, mujer, discriminación, sociedad, Maria de la Pena.
“A mulher que amamos terá sempre razão.”(Alfred Musset)
“Pensando que Deus criou o homem antes de criar a mulher,
lembrem-se que artistas fazem modelos antes de fazerem as
obras primas.” (Autor desconhecido)
INTRODUÇÃO
A questão da violência contra a mulher é um tema relevante em nossa sociedade
que precisa ser discutido, uma vez que essa violência vai refletir diretamente na nossa
sociedade, já que a mulher é considerada a base da família.
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Esse artigo modificado faz parte da monografia de especialização “Introdução à violência doméstica Contra a
Mulher em Barra do Garças; TRIÊNIO 2000, 2001, 2002,” apresentada à UFMT, Campus Universitário de
Rondonópolis, Instituto de Ciências Humanas e Sociais, Departamento de História.
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Graduada em História pela PUC-RS Campus de Uruguaiana RS. Especialista em Teoria da História e História
Regional pela UFMT Campus de Rondonópolis MT. [email protected]
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O fenômeno da violência e dos maus tratos no seio familiar tem como vítima
preferencial à mulher. A frieza das estatísticas demonstra que, na maioria dos casos a vítima é
ela.
Muitas mulheres agredidas sentem-se constrangidas em procurar as DEAMS, pois
são comuns procedimentos nos quais as vítimas são transformadas em culpadas.
O que nos propomos aqui é tão somente mostrar, de maneira simplificada, pontos
básicos de um tema que ainda é tabu. Para a maioria das pessoas, ora é tratada com
indiferença, ora com ironia. O ponto que nos parece fundamental é a explicitação dessa
violência, que permanece na maioria dos casos, velada, reclusa entre quatro paredes.
DISCRIMINAÇÃO CONTRA A MULHER
O Prof. Dr. Flávio da Silva Nascimento assinala que:
não existe nenhuma justificativa científica para a discriminação contra a
mulher e as explicações religiosas que defendem isso são toscas e
conservadoras, inadequadas para a vida social de hoje, por espelharem a
experiência política e moral de povos que viveram há milhares de anos
atrás e em condições radicalmente distintas das nossas”.
(NASCIMENTO, 1998, p. 34)
É inacreditável que em pleno século XXI ainda nos deparemos com situações
discriminatórias contra a mulher que ainda lembrem o período medieval, por exemplo, da
História.
Apesar das conquistas femininas a partir de 1979 com a explosão do feminismo, o
controle legal da procriação pela contracepção e aborto, ainda há muitos desafios a serem
vencidos pelas mulheres, como por exemplo, superar os dogmas da Igreja que é contra os
métodos
contraceptivos,
a
discriminação
no
mercado
de
trabalho
e
outros.
(FREITAS,1998,P.231). Rastreando um pouco a História da mulher, citamos Mary Del Priore
que, parafraseando Simone de Beauvoir, argumenta: “as mulheres não tinham História, não
podendo conseqüentemente orgulhar-se de si próprias.”(FREITAS,1998,P.217). Na verdade a
História das Mulheres foi contada até o século XX por homens, e, é claro, por toda uma ética
masculina discriminatória e castradora.
Foi a partir dos anos 60 com a onda do movimento feminista que se começa a
escrever realmente uma História das mulheres onde se observa, por exemplo, a situação da
mulher na sociedade ocidental em diferentes épocas.
Durante a Idade Média Ocidental, a participação social da mulher e seu prestígio
se elevaram, em algum período com relação à antigüidade clássica. Principalmente a partir do
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feudalismo, quando os homens se ocupavam de inúmeras e intermináveis guerras. Passaram a
participar
de corporações de ética, tornaram-se algumas delas grandes comerciantes e
freqüentaram parcialmente as universidades nascentes. A partir daí então, saem das quatro
paredes de seus lares e alcançam o mundo da intelectualidade. Passam a tornar-se conhecidas
e, evidentemente, despertam o interesse por parte dos estudiosos.
A História passa a enxergar a mulher de uma forma um pouco mais respeitosa , já
que as mesmas agora não estão mais aprisionadas em seus “casulos”, e também porque
passam a representar uma ameaça ao saber masculino da época.
As mulheres, por meio de sua constante luta, passam a ser reconhecidas, não ainda
como gostariam, mas já há um grande progresso nesse sentido. Os homens já as consideram
como seres capazes de transformar.
Percebe-se aí, a preocupação dos historiadores em situar a mulher dentro da
sociedade destacando suas conquistas.
A partir do século XIV, porém, a Igreja move profunda repressão contra as
pessoas que, segundo ela, desobedeciam ou não aceitavam seus dogmas.
A inquisição vitimou então milhares de pessoas, na grande maioria mulheres,
acusadas de bruxaria, simplesmente por praticarem a medicina popular ou outras
manifestações místicas que não fosse o cristianismo.
A Igreja ainda ressuscita mitos como o de Adão e Eva (a mulher teria sido criada
a partir de uma costela de Adão).
A tentação da maçã e a perda do paraíso terrestre. Esses mitos eram (e são)
discriminatórios e reforçam a inferioridade social da mulher.
Já na Idade Moderna, Spinoza insiste em sublinhar a irracionalidade da mulher e
no seu Tratado da Autoridade Política acaba por deixar inacabada a demonstração da exclusão
das mulheres na vida pública. (FREITAS,1998,p.219). Os humanistas, por se colocarem no
centro de tudo (antropocentrismo), desqualificavam a razão feminina, a qual para eles não era
algo lógico porque segundo eles, à mulher faltava o auto controle que o homem tinha de
sobra. As mulheres eram apaixonadas e movidas por essa paixão sem limites, tornavam-se
desequilibradas e, conseqüentemente, descontroladas.
No início da Idade Contemporânea, à época da Revolução Francesa, as mulheres
destacavam-se nas jornadas populares quando elas iam para as ruas clamar por pão e trabalho.
Destacam-se aí várias ativistas como: Olympe de Gouges, Pauline Leon, Claire Lacombe,
entre outras. Muitas destas mulheres foram executadas pelas autoridades conservadoras,
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embora tivessem como lema: “Liberdade, Igualdade, Fraternidade”, ou seja, novamente a mão
pesada da discriminação entra em cena.
Quanto à posição da mulher na sociedade capitalista, é importante deixar claro
que é bastante diferente das sociedades anteriores. Seu papel sofreu alterações necessárias à
sua adequação ao modo de produção vigente.
Na sociedade primitiva o trabalho doméstico exercido pela mulher era uma função
pública tão necessária e importante quanto a atividade masculina de prover alimentos, uma
vez que não existiam classes sociais e que se produzia para a coletividade. Não havia
hierarquia, até que a troca passou a determinar o que é o trabalho produtivo. Nesse instante a
mulher torna-se inferior ao homem por não produzir excedente para a troca com o trabalho
doméstico.
Eis a origem da discriminação da mulher que assume características específicas
na sociedade capitalista, nesta o capitalista pode explorar todos os membros da família.
A exploração da mulher que antes era a exploração pelo marido, pois dependia
dele para tudo, com a grande indústria a mulher passa a ser explorada também diretamente
pelo capital.
A educação escolar através dos livros didáticos reforça a visão discriminatória
sobre a mulher, uma vez que inculca no aluno, desde pequeno, essa visão machista e
castradora.
A discriminação acontece também nos livros didáticos voltados às séries iniciais.
Poucas vezes a mulher não aparece como mãe e daí ela tem alguma profissão.
Mas é apenas citada em listas de profissões tipicamente femininas: enfermeira, bordadeira,
vendedora, bibliotecária, professora, datilógrafa, costureira, cozinheira, diretora de escola,
babá. (FARIA, 1994, p. 45)
A mulher é sempre lembrada no dia das mães. Nesta função a mulher é sempre
valorizada. Desta forma o livro didático apresenta a mulher como reprodutora da força do
trabalho seja enquanto procriando, seja enquanto cuidando da manutenção do lar. Mesmo
quando apresenta fora de casa trabalhando, não lhe dá destaque nem a valoriza.
A afirmação da mulher realmente começa nos anos 60 e 70.
O ativismo feminino nos anos 60 e 70 originava-se em parte, da percepção de que
mesmo numa atmosfera política radical as mulheres eram relegadas a uma posição secundária.
A idéia de que o lugar da mulher da classe média era no lar havia sido contestada pela
crescente utilização de mulheres no mercado de trabalho.
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Ao fim da década de 70, a mulher em alguns países europeus bem como nos
EUA, já haviam conquistado o direito ao aborto e o controle legal da procriação pela
contracepção. Só que aí surgem outros desafios a serem vencidos. Um deles era superar os
métodos contraceptivos, assim como enfrentar todos os elementos apresentados pelos países
subdesenvolvidos em relação aos métodos de contracepção e aborto.
VIOLÊNCIA CONTRA A MULHER
Em 2006 vai ser publicada a Lei Maria da Penha. Esta, passa a ser um instrumento
poderoso na punição dos maridos e companheiros agressores. Embora muito discutida,
polemizada e, algumas vezes não cumprida, é indiscutível a importância desta lei.
A violência contra a mulher deve ser entendida como toda a violência que
provoque dano físico, moral, sexual e/ ou psicológico.
De acordo com a convenção interamericana para prevenir, punir e erradicar a
violência contra a mulher de 1998, esta violência pode ocorrer de diversas formas, como:
• Dentro da família ou do espaço doméstico ou em qualquer outra relação em
que o agressor conviva ou tenha convivido com a vítima, e que inclui, entre outros, estupro,
maus-tratos, violação e abuso sexual.
• Na comunidade e ser praticada por qualquer pessoa incluindo, entre outros
atos, violação, abuso sexual, tortura, maus-tratos, tráfico de mulheres, prostituição forçada,
seqüestro e assédio sexual no local de trabalho. A prática da violência pode acontecer em
instituições educacionais, estabelecimentos de saúde ou em qualquer outro lugar.
A violência doméstica contra a mulher inclui:
• Violência física, verbal, moral, psicológica, e/ou sexual praticada pelo parceiro
íntimo ou pessoa com quem a vítima mantém, ou manteve relação de afeto/aproximação.
• É um conjunto de comportamentos deliberados, autoritários e impositivos,
repetidos e progressivos, que se manifesta através de ameaças e agressões verbais ou físicas
contra as mulheres.
• Produz dano físico, moral e psicológico à vítima e às crianças presentes no
ambiente familiar.
• É muito mais do que socos e pontapés. A violência física é a forma mais
visível de violência doméstica e quase sempre acontece depois de repetidas discussões,
agressões verbais e ameaças.
Quanto às formas de violência doméstica contra a mulher temos:
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• A violência emocional: tratar a mulher com descaso, fazer acusações,
intimidar, diminuir, humilhar, xingar, usar os filhos para fazer chantagem, provocar confusão
mental e levar a mulher a duvidar de suas próprias atitudes, fazer com que se sinta culpada,
ameaçar de violência e de morte, isolar a mulher de amigos e parentes, praticar abuso sexual,
controlar, reter, confiscar dinheiro, destruir objetos e documentos, induzir a mulher ao
suicídio.
• A violência física: empurrar, bater, atirar objetos, sacudir, esbofetear, espancar,
estrangular, chutar, usar ou ameaçar com arma branca ou de fogo.
• A violência sexual: forçar (com ou sem violência física) as relações sexuais
quando a mulher não quer, quando a mulher está dormindo ou está doente, forçar a mulher a
praticar atos que lhe desagradam, obrigar a mulher a olhar pornografia ou fazer sexo na frente
de outras pessoas ou dos filhos.
Todas as três formas são bastante comuns em nossa sociedade. E é a certeza da
impunidade que faz com que o agressor se sinta muito à vontade para praticar tais atos.
A convivência da maior parte da sociedade, que muitas vezes acha isso tudo
normal, ou pelo medo da denúncia por parte da mulher, uma depreciação da mesma na
História ou, pelo fato de, numa sociedade autoritária como a nossa, o mais forte subjuga o
mais fraco, ou também por que na nossa cultura se vê a mulher como gênero fraco, faz com
que a violência doméstica contra a mulher cresça dia à dia, de acordo com as denúncias feitas
pelas mesmas.
Segundo as Delegacias de Defesa da Mulher, o ciclo dessa violência doméstica é
composta por três fases:
1. A tensão: que se caracteriza por agressões verbais e aparentemente menores,
crise de ciúmes, destruição de objetos e ameaças.
Nessa fase, a mulher procura acalmar o agressor, procura evitar discussões e vai
se tornando cada vez mais submissa e amedrontada. Muitas vezes a mulher sente culpa e se
acha responsável pela situação de violência que sofre.
As mulheres costumam relacionar ao cansaço e a bebida às atitudes agressivas e
violentas praticadas contra elas.
2. A explosão: que é marcada por agressões verbais e físicas graves e constantes,
provocando ansiedade e medo crescente.
3. Lua-de-mel: quando o agressor, após a violência física, se mostra arrependido,
sentindo culpa e remorso.
O agressor jura nunca mais agir de forma violenta e se mostra muito apaixonado.
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A orientação das Delegadas da Defesa da Mulher, é que as mesmas não esperem
as três fases acontecerem e que procurem ajuda assim que percebam que estão sofrendo
alguma forma de violência.
Para a mulher agredida, é muito difícil interromper este ciclo porque ela tem
relação afetiva com o agressor, tem medo de sofrer uma violência ainda maior, tem vergonha
das vizinhas, amigas e família, tem medo de prejudicar o agressor e os filhos, se sente culpada
e responsável pela violência que sofre ou porque muitas vezes não tem condições financeiras
para mudar o rumo de suas vidas.
No ano de 1986 foram criadas as DEAMS (Delegacia Especializada de
Atendimento à Mulher). A partir de setembro de 2001 com a resolução SSP: 476 a atribuição
legal das DEAMS foi ampliada.
A fase da chamada “lua-de-mel, indiscutivelmente é o que mais acontece nos
casos de agressão contra a mulher, e aproveitando-se da extrema sensibilidade feminina, o
agressor usa e abusa da mesma para tentar uma reconciliação com a companheira. O que mais
vemos nestes casos é a mulher dizendo que acredita que ele (o companheiro agressor) vai
mudar e que ela resolveu perdoar e dar uma segunda chance em nome do amor, pelos filhos,
pelo casamento de muitos anos, etc.
De acordo com as delegadas das DEAMS, este é o maior erro cometido pelas
mulheres. Perdoando e dando outra chance para o marido agressor, ela só vai piorar as coisas,
fazendo com que as agressões se repitam.
Quem agride uma vez, tende a agredir outras. E o homem que tem comportamento
agressivo com uma mulher tem com outras também.
Muitas vezes, a mulher vai morar junto, ou casa com um homem que tem um
histórico de agressão com outras mulheres. Acreditando estar ele “apaixonado”, a mulher
acha que jamais este vai agredi-la. Segundo a doutora Olga Haider, psicóloga do Posto de
Saúde local, este é um comportamento feminino errôneo, pois o comportamento agressivo
tende a se repetir, já que tal comportamento é considerado compulsivo e não cura se não for
devidamente tratado com o auxílio de profissionais. Portanto, a mulher deve esquecer um
pouco o coração, segundo a psicóloga Olga, e agir com a razão nesses casos, para evitar
desencadear atitudes violentas por parte do homem.
A criação dessas delegacias se tornou necessária pela dificuldade das mulheres
denunciarem violências sofridas, diante de policiais pouco sensíveis aos crimes contra elas
praticadas.
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As estatísticas das DEAMS já demonstraram que a maior parte do atendimento
feito nessas delegacias refere-se a crimes de lesões corporais e ameaças, praticadas
principalmente
por
maridos, companheiros
ou
namorados. A violência sexual é
Outro crime que, apesar de fazer parte das estatísticas, ainda é pouco denunciado pelas
vítimas. (HERMANN, 2002, p. 62).
A mulher vítima de agressão, quase sempre deixa claro o seu pavor e sua
humilhação. O agressor é freqüentemente visto pela vítima como superior, incapaz de sofrer
punição. Ao descrever como ele é inteligente, na verdade o que a vítima está transmitindo é
como se sente inferior e dependente, neste momento de baixíssima auto-estima.
Além do trauma e do terror de novas agressões, a vítima tem também que lidar
com as complexidades do relacionamento íntimo com o agressor, cujo comportamento é
muitas vezes até apoiado pela sociedade.
Grande parte das discriminações e violências cometidas contra as mulheres é
estimulada pela complacência e indiferença social frente às atitudes dos agressores e, apesar
de alguns avanços importantes implementados por ação governamental, em muitos casos o
Estado ainda mostra-se omisso diante do desrespeito aos direitos das mulheres e, mesmo,
diante da violência contra as mulheres.
A violência contra a mulher é um grave problema social, cuja erradicação
representa um desafio para a consolidação de uma sociedade democrática.
É preciso que não haja mais essa complacência da sociedade em geral com esse
tipo de crime. A conivência só faz aumentar o problema.
O respeito irrestrito de todos os direitos da mulher são condições indispensáveis
para seu desenvolvimento individual e para a criação de uma sociedade mais justa, solidária e
pacífica.
A violência doméstica, como já dissemos, é a violência perpetrada contra a
mulher no seio da família, por um membro desta, o marido ou o companheiro.
Esse tipo de violência é hoje preocupação de políticas públicas não só no Brasil,
mas em várias partes do mundo, sendo definido também como um problema de saúde pública
devido aos danos físicos e psíquicos que provocam na mulher, sem contar os reflexos danosos
nos filhos.
VIOLÊNCIA CONTRA A MULHER EM BARRA DO GARÇAS
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Em Barra do Garças, essa realidade não é diferente, os dados de violência contra a
mulher são alarmantes.
Pesquisamos alguns casos de violência contra a mulher na Delegacia da mulher
em Barra do Garças de janeiro de 2000 a janeiro de 2002 foram 348 inquéritos, incluindo
estupros, suicídios calúnias, difamações, atentados violentos ao pudor, maus tratos, abuso de
autoridade, corrupção de menores. De 2002 até 2008, os casos registrados em inquérito
triplicaram.
Estes são casos registrados na Delegacia da Mulher, mas sabemos que existem
muitos casos de violência doméstica que não são registrados em ocorrência policial.
Em pesquisa documental junto às duas rádios AM de Barra do Garças, durante
esse período, temos 20 casos de agressão, 2 homicídios e três estupros. Em 2008, temos o
dobro de casos.
Percebe-se que, na maioria dos casos onde há registros de queixa, são mulheres de
baixa escolaridade e de nível sócio-econômico também baixo, que sofrem agressões, ou que
pelo menos, registram queixa.
A causa, segundo o que apuramos, é o desentendimento causado principalmente
pela ingestão de bebidas alcoólicas e outras drogas ilícitas por parte dos companheiros.
Os casos de agressão em mulheres de escolaridade mais elevada e nível sócioeconômico também alto quase não aparecem nos registros embora seja do conhecimento de
muitos. Percebe-se aí a preocupação destas mulheres em esconder as agressões, por vergonha
de expor a família, ou por que são membros de famílias tradicionais que temem a exposição
pública.
Os casos de estupro são muitas vezes, praticados pelos próprios maridos ou exmaridos, que inconformados com a separação querem voltar a conviver com a mulher que,
normalmente pediu a separação justamente por ser vítima de agressão.
Esses ex-companheiros, também não aceitam que a mulher reconstrua sua vida
afetiva ao lado de outra pessoa, agredindo-a ou até mesmo cometendo homicídio.
Convém relatar alguns casos que chamam a atenção pela gravidade demonstrando
a capacidade das pessoas em suportar graus diferentes de violência. É o caso de V. S. , 38
anos, que em depoimento a uma rádio local, disse ter sofrido tantas agressões por parte de seu
ex-companheiro, que por sinal é um homicida foragido e procurado pela polícia, a ponto de
hoje estar andando em uma cadeira de rodas.
Nas nossas pesquisas, encontramos também o caso de uma jovem de apenas 22
anos e mãe de três filhos, que vivia em cárcere privado devido aos ciúmes do companheiro,
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sem contar as agressões que sofria nos dias em que ele chegava em casa tarde da noite e
embriagado.
Muitas vezes, as mulheres agredidas, desculpam seus agressores ou por medo, ou
por se dizerem impotentes para se sustentarem e a seus filhos também. Outras dizem que
sempre esperam que os companheiros “melhorem”, que aquela foi a última vez, etc. Os
próprios agressores prometem não reincidir.
Essa omissão e tolerância por parte de muitas mulheres certamente coopera com o
aumento de tal violência e de tal impunidade.
Outro fato que apuramos em nossas pesquisas é a violência psicológica que
muitas mulheres sofrem em casa. O fato, por exemplo, de a mulher ter um salário maior do
que o do marido ou companheiro, faz com que os mesmos passem a se sentir diminuídos e
inferiores, e, feridos em seu machismo, passam a agredir verbalmente suas companheiras. Há
casos inclusive de maridos que criam situações prejudiciais às companheiras no ambiente de
trabalho.
A violência perpetrada contra a mulher pode vir a prejudicar os filhos do casal.
Pesquisando, descobrimos alguns casos como o das menores O.M.S., e G.M.S. De 10 e 12
anos respectivamente. Ambas sofreram por muito tempo com o comportamento violento do
pai que, além de agredir fisicamente a mãe das meninas, obrigava-as a assistir filmes
pornográficos. Após, ambas eram forçadas a ver os pais manterem relações sexuais. O caso
acabou em homicídio. O pai assassinou a mãe com golpes de faca.
As menores desde então, (2000) são assistidas pela Dra. Olga Haider, psicóloga
do Centro de Regulagem local. Segundo os relatórios que pesquisamos junto à mesma, elas
trazem seqüelas do acontecimento até hoje. Uma tornou-se agressiva com os amigos e colegas
de sala de aula. A outra tornou-se fria, apática, passando a achar natural todo o tipo de
agressão.
As duas correm o risco de tornarem-se jovens sem perspectiva de um mundo
melhor.
Existem casos mais graves ainda, em que o filho ou filha do casal acaba
assassinando o pai agressor, que, em muitos casos, agrediu a eles também.
Esse quadro por certo é o de muitas crianças que presenciam cenas de violência
doméstica contra a mãe. Os reflexos estão na escola e na sociedade.
Em Barra do Garças, além da DEAM temos a AMIGAS (Associação de Mulheres
Gerando Amor e Solidariedade).
Percebemos que quase não existe apoio para as mulheres que sofrem agressão.
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Essa associação foi fundada em 05 de fevereiro de 2000 e tem por finalidade:
a) dar abrigo sigiloso para mulheres em situação de risco de vida iminente, bem
como vítimas de violência intrafamiliar.
b) Dar abrigo sigiloso e apoio psicológico à meninas (menores) vítimas de
estupro.
c) Dar apoio às mulheres e seus respectivos dependentes (criança) que sofrem, em
seus lares agressão e opressão de seus companheiros, e que eventualmente omitem os fatos
por medo, vergonha e principalmente por falta de apoio financeiro, psicológico, moral e
judicial.
d) Fazer gestão através de pessoas e instituições públicas e particulares, para
proporcionar às suas assistidas: emprego, moradia e educação.
e) Orientar para que as suas assistidas sejam auxiliadas a resgatarem sua cidadania
e sua dignidade, garantir melhor qualidade de vida para si e seus filhos.
f) Incentivar o preparo educacional, profissional e cultural para que as suas
assistidas e seus dependentes possam ter meios de participar de mercado de trabalho em
condições de igualdade e competitividade.
g) Promover atividades ocupacionais para os dependentes, a fim de evitar que se
transformem em menores sujeitos à corrupção e à marginalidade, orientando-os também, na
questão de igualdade de gêneros.
h) Incentivar atividades de integração social que proporcionem saúde e
desenvolvimento físico, mental e espiritual.
i) Incrementar a prática da cooperação mútua, solidariedade e assistência social.
Esta associação sobrevive por meio ou planos de ações, de recursos financeiros ou
prestação de serviços intermediários de apoio a outras organizações sem fins lucrativos e a
órgãos do setor público que atuam em áreas afins.
A AMIGAS possui uma casa de amparo às mulheres vítimas de agressão por parte
de seus maridos, bem como a seus filhos.
A sra. Mávia Maria Vieira é a presidente e, em entrevista concedida a nós, dissenos que foi vítima por cinco anos de agressão verbal e física por parte de seu ex-marido.
Sofreu calada, omitiu-se durante este tempo por medo e vergonha. Som ente depois de cinco
anos resolveu denunciá-lo à polícia.
Por ter sentido na pele todo esse sofrimento, resolveu fundar a AMIGAS.
Segundo Mávia, o objetivo da casa de amparo é reintegrar a família, incentivar e
apoiar a mulher no seu preparo profissional.
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Somente depois que registram queixa na DEAM é que as mulheres são
encaminhadas para a associação onde ficam por um período de três meses.
Durante o tempo que permanecem na casa, as mulheres participam de cursos
como:bordado, culinária, corte e costura, entre outros, pois 70% delas estão totalmente
despreparadas para sobreviver sozinha, sem depender de um provedor. A preocupação da
associação é, além de preparar as abrigadas profissionalmente, estruturá-las emocionalmente.
O Sr. Edson, atual esposo da presidente fundadora, presta auxílio espiritual na
reintegração familiar. Ele é evangélico e conversa com os agressores tentando mudar a visão
que os mesmos tem a respeito das mulheres.
De janeiro de 2001 a janeiro de 2002, a casa possuía 35 mulheres abrigadas, com
uma média de três filhos cada. De janeiro de 2002 a janeiro de 2003: 42 mulheres com a
mesma média de filhos.
Deve-se ressaltar que todas as casas de abrigo são de extrema necessidade.
Quando o caso requer assistência jurídica, médica ou alimentar, a mulher não é abrigada.
Com exceção da AMIGAS, não há em Barra do Garças outra casa de amparo ou
outro órgão civil organizado que cuide de mulheres agredidas.
Algumas igrejas de nossa comunidade prestam auxílio espiritual e até material em
casos de agressão .
Na Igreja Batista, entramos em contato com a Sra. Maria José, esposa do pastor.
Ela nos colocou que há a prestação de apoio material e espiritual por parte de um grupo de
fiéis da Igreja, e em caso de espancamento de mulheres por seus maridos ou companheiros.
Segundo ela, as agressões ocorrem muito por parte de ex-maridos inconformados com a
separação.
A Igreja Assembléia de Deus do Bairro Anchieta também presta este tipo de apoio
às mulheres agredidas. Somente quando não há como contornar a situação, os casos são
levados à justiça.
De acordo com a fala do pastor Joel Libanês Monteiro, os casos de agressão tem
aumentado nos últimos três anos (época em que realizamos esta pesquisa).Em contato co o
mesmo pastor no ano de 2008, tivemos a grata notícia de que os casos, se não diminuíram ,
praticamente estabilizaram. Entramos em contato também com a Igreja do Evangelho
Quadrangular do Bairro Santo Antônio e com a Igreja Batista renovada, que também possuem
um grupo de apoio às mulheres que sofrem violência doméstica.
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O que podemos notar é que segundo os pastores e pessoas envolvidas neste
trabalho. Nos bairros mais pobres há uma procura maior por parte das mulheres. Já nos
bairros de classe média e alta, a procura é mínima.
A Igreja Católica também participa no auxílio às mulheres que precisam de apoio.
De acordo com a Diocese de Barra do Garças, há um grupo de senhoras que vai até a
comunidade onde há casos de agressão. Elas também dizem ter aumentado o número de
agressão nos últimos três anos.
Porém isto ainda é pouco. Talvez se houvessem mais associações organizadas
como a AMIGAS ou talvez órgãos públicos preventivos para evitar que a situação de agressão
ocorresse, as coisas mudariam de figura. Na verdade, Barra do Garças não possui um
movimento que se pode caracterizar de grande repercussão na luta em benefício da mulher.
No ano de 2006 foi criada a lei 11.340/2006, a Lei Maria da Penha, batizada com
o nome da biofarmacêutica Maria da Penha Maia Fernandes, uma cidadã brasileira vítima de
agressões que deixaram marcas permanentes em sua alma e em seu corpo. “A lei nasceu da
luta desta mulher, para que outras mulheres não passem o que ela passou.” (BRUNI, Ana
Maria C. 2008). Esta lei já está modificando profundamente as relações entre mulheres
vítimas de violência doméstica e seus agressores, o processamento desses crimes, o
atendimento policial a partir do momento em que a autoridade tomar conhecimento do fato e
a assistência do Ministério Público nas ações judiciais.
Um balanço negativo sobre a Lei Maria da Penha feito em março de 2009 pelo
CNJ(Conselho Nacional de Justiça), mostra que apenas 2% dos processos concluídos pela
justiça resultaram em condenação dos agressores. Os números ainda não são definitivos, pois
nem todos os tribunais repassaram dados ao CNJ. Acontece que o fato de apenas 2% dos
casos terem resultado em punições, não significa impunidade, pois em muitas das situações, a
proteção da vítima ou mesmo o afastamento do agressor, já impossibilitam novos casos de
violência.
As mulheres ainda tem muito medo da represália, mas a lei trouxe um mecanismo
importante. A mulher se sente mais protegida à medida que as estruturas começarem a
funcionar melhor, as mulheres vão se sentir mais seguras para levarem a cabo suas
determinações. Mas é um processo ainda em construção. (ARDAILONN, 997, p. 46).
A criação da Lei foi algo muito positivo, pois antes dela não havia nenhum
mecanismo de proteção para a mulher vítima de violência. O que acontece é que devemos
esperar para que as pessoas se acostumem com a lei. Tudo é questão de tempo.
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CONSIDERAÇÕES FINAIS
Conclui-se este trabalho com algumas considerações necessárias para melhor
esclarecimento das contribuições trazidas para o estudo do tema.
Barra do Garças não é uma cidade que oferece muitas opções de apoio às
mulheres que sofrem agressão por parte de seus companheiros.
De acordo com a análise das pesquisas, percebe-se que cerca de 80% dos casos de
violência doméstica contra a mulher, envolvem o consumo de bebida alcoólica ou outro tipo
de droga.
Outra causa da violência que pode ser apontada após este estudo, são os
problemas de ordem financeira que afligem muitas famílias em Barra do Garças. O alvo do
desabafo vai ser a parte considerada fraca, ou seja, a mulher.
Em nosso estudo, apuramos vários casos de agressão por parte de ex-maridos, ou
ex- companheiros, inconformados com a separação e, sem dúvida cerca de 70% dos casos
registrados na DEAM ou citados pela presidente da AMIGAS, são de agressão à mulheres de
classes sociais mais baixas e também de baixa escolaridade. Percebe-se também o medo ou a
vergonha de denunciar os casos de agressão doméstica por causa da exposição pública.
Fica claro também pelas pesquisas em ocorrências policiais ou dados levantados
junto à AMIGAS que houve um aumento de casos registrados, do ano de 2000 para 2002 e de
2002 para 2008. Isto nos faz concluir que as mulheres devem estar perdendo o medo e a
vergonha de denunciar, e que também estão confiando mais nas DEAMS.
Também podemos observar que, com a criação da Lei Maria da Penha em 2006,
as denúncias de casos de agressão contra a mulher aumentaram. Os agressores também
parecem estar tomando mais cuidado após a criação desta lei. Embora algumas DEAMS ainda
deixem a desejar quanto à providências que devem ser tomadas para aplicar a Lei Maria da
Penha, há um certo “pensar duas vezes “ por parte dos agressores antes de cometerem atos de
violência contra suas mulheres.
O que sentimos nesta pesquisa é a necessidade da criação de outros órgãos de
apoio à mulher agredida, pois ainda há muito pouca mobilização neste sentido.
A formação ideológica machista em que vivemos, a tradição histórica da
alienação e das estratégias econômicas do capitalismo atual, permitiram que a mulher fosse
discriminada ao longo da História. Essa mesma ideologia contribuiu também para a
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ridicularização, o desdém e o escárnio da sociedade com relação às agressões sofridas pelas
mulheres.
Na verdade, somente quando houver mudança da mentalidade da sociedade
através da educação, é que poderemos colocar fim a todo e qualquer tipo de discriminação
contra a mulher.
Mesmo com todos esses condicionantes para os problemas levantados por nossa
pesquisa, podemos vislumbrar esperanças, pois com uma tomada de consciência perante a
sociedade, a discriminação e a violência doméstica conta a mulher poderá acabar.
(AZEVEDO, 1993, p. 67). Essa mudança não acontecerá da noite para o dia, e este trabalho se
inclui neste conjunto de preocupações, apresentando uma contribuição para o melhor
entendimento do assunto.
Sabemos que hoje, a violência contra a mulher é denunciada e por não ser mais
aceita, passa a ser vista como um problema. Acreditamos que antes ela era maior, só que não
havia estatísticas que chegassem a essa comprovação.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
ARDAILLON, Danielle. DEBERT, Guita Grin. Quando a Vítima é Mulher: análise de
julgamento de crimes de estupro, espancamento e homicídio. Brasília: Conselho Nacional
dos Direitos da Mulher, 1987.
AZEVEDO, M. (org). Mulheres Espancadas- a violência denunciada. São Paulo: Cortez,
1985.
BRUNI. Ana Maria C. Cadernos de Justiça. Disponível em: <http:/jus.uol.com.br>.Acesso
em 24/05/2008.
Gênero e Direito. Cadernos Themis, vol.2. Porto Alegre: Themis, 2001.
CARDOSO, Ciro Flamarion. VAINFAS, Ronaldo. Domínios da História. RJ: Campus,
1997.
FARIA, Ana Lúcia G. de. Ideologia no Livro Didático. SP: Cortez, 1994.
FREITAS, Marcos Cezar de. Historiografia Brasileira em Perspectiva. SP: Contexto, 1998.
NASCIMENTO, Flávio Antônio da Silva. Introdução à discriminação contra a mulher.
Roondonópolis: HIS/ICHS/CUR/UFMT, 1998.
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violência doméstica contra a mulher: algumas considerações