O GOVERNO FHC E A POLÍTICA DE RADIODIFUSÃO
Ivete Cardoso C. Roldão1
A reformulação no processo de concessões de TVs abertas, ocorrida durante o
governo Fernando Henrique Cardoso, a partir do decreto nº 2.108/96, que estabelece as
licitações públicas e define como critérios principais de julgamento a proposta técnica e o
preço, será analisada neste trabalho, bem como, a forma burocrática como continuam
sendo feitas as renovações de concessão pelo Congresso Nacional.
Na seqüência, a pesquisa mostra que o aval do poder executivo para as
transferências de ações das emissoras vem sendo, mais recentemente, utilizado como uma
"moeda forte" nas negociações políticas. Ou seja, mostra as relações de compra e venda
de emissoras recebidas do próprio governo, tendo como exemplo principal a TV Record.
É possível detectar também, nesse período, a lentidão com que está se dando a
discussão sobre a nova Lei de Radiodifusão e a falta de interesse da maioria dos
Congressistas em efetivar o Conselho de Comunicação Social.
Ao analisar a questão da radiodifusão no período da Nova República, Caldas
(1995, p. 194) conclui que
a possibilidade de uma política democrática
sem uma
mudança real na estrutura do poder revela-se muito pouco viável. Segundo ela: “O
latifúndio da terra foi ampliado com o latifúndio do ar, onde o coronelismo de enxada e
voto se expande e se moderniza, transformando em coronelismo eletrônico”.
Atualmente os dados apontam para uma realidade não muito diferente desta. As
leis se sobrepõem ao mesmo tempo que limitam a ação dos poucos políticos que têm
interesse em fazer avançar a democratização da comunicação no Brasil. E dentro desse
contexto, o governo FHC, em alguns momentos se omite e em outros toma atitudes que
deixam clara a sua posição no que se refere a esse que ainda é o principal meio de
informação de uma enorme parcela da população brasileira.
Reportagem publicada no Jornal "Meio e Mensagem" (23/02/98, p.26) dá conta de
que, desde 1995,
as emissoras de TV avançaram 5,4 pontos percentuais no bolo
1
Professora do Curso de Jornalismo da Puc-Campinas e Doutoranda em Ciências da Comunicação pela
ECA/USP.
1
publicitário brasileiro, respondendo por 60,2% do faturamento total dos meios de
comunicação, sendo que a TV paga responde por apenas 1,7% do faturamento televisivo.
Mesmo com o avanço das novas tecnologias, (Internet, TVs por assinatura, etc.)
esses dados confirmam o que os concessionários e os sucessivos governos brasileiros já
sabem há muito tempo: ter a concessão de uma emissora de televisão, significa muito
poder.
A nova "velha" história:
As concessões e permissões2 das emissoras de TV abertas no Brasil ainda são
submetidas
a
documentos
legais
que
se
referem
ao
Código
Brasileiro
de
Telecomunicações-CBT, (Lei nº 4117 de 27 de agosto de 1962) e ao Regulamento dos
Serviços de Radiodifusão (Decreto nº 52.795, de 1963) e a diversos decretos baixados,
principalmente, pelo atual governo.
Em nível constitucional, a regulamentação está no Capítulo V do Título VIII da
Carta de 1988, cujo título é Comunicação Social. Mas é o artigo 49-XII, que trouxe uma
inovação ao sistema tradicional, ao conferir competência exclusiva ao Congresso Nacional
para "apreciar os atos de concessão e renovação de concessão de emissoras de rádio e
televisão".
No entanto, a Constituição de 1988 poderia ter avançado mais, de acordo com
Vera M. de O. Nusdeo Lopes, (1997, p. 285/6) "se tivesse instituído um órgão de
representação democrática para tal mister, inclusive com parlamentares de todas as
tendências e representantes da sociedade civil".
A atual Constituição, promulgada em 1988, ao definir que as concessões e
renovações devem passar pelo Congresso, mudou apenas formalmente esta política. Fica
2
Concessão é a autorização dada pelo presidente da República, com aprovação do Congresso Nacional,
para geração de serviços de radiodifusão de caráter regional ou nacional. Permissão é a autorização
para a retransmissão de serviços de radiodifusão de caráter local, concedida pelo ministro das
Comunicações. As retransmissoras são apenas um conjunto de equipamentos para propagar os sinais
emitidos pelas geradoras.
2
difícil imaginar os parlamentares votando contra si próprios ou seus colegas, já que está
comprovado que uma grande parcela dos parlamentares possui emissora de rádio ou TV.
Alguns políticos se escondem atrás dos chamados “testas de ferro”, pessoas da
família ou de sua confiança oficialmente colocados como proprietários das emissoras. Em
março de 1995, segundo o próprio Ministério das Comunicações, 83 deputados federais e
13 senadores tinham concessões de rádio e TV. É notória também a propriedade de fato
de emissoras de rádio e televisão por parte de nomes famosos na política brasileira, como
Antônio Carlos Magalhães e José Sarney, entre tantos outros3.
Atual governo: Discurso x prática
Em fevereiro de 1997, pela primeira vez, no governo Fernando Henrique Cardoso,
foi anunciado o lançamento de editais para emissoras de TV (regionais), rádios FM e
AM. Segundo o governo seriam utilizados critérios técnicos e econômicos nas concessões.
Mas, ao fazer o discurso de que estava abrindo mão de um instrumento político poderoso
e que estava se promovendo uma renúncia em nome do compromisso eleitoral de
Fernando Henrique Cardoso, o Governo tinha conhecimento de que as concessões mais
importantes já haviam sido todas dadas.
E portanto sabia também que precisariam ser verificadas outras formas para que
esta "moeda forte" não perdesse o seu valor de troca na vida política brasileira. Além das
concessões regionais abertas pelo Ministério das Comunicações, a outra possibilidade
existente, atualmente, para a ampliação de abrangência
é a compra de emissoras, como
está fazendo a Igreja Universal do Reino de Deus, com o aval do próprio presidente.
Durante esse governo, todas as medidas foram tomadas via decretos, atos e
portarias, sem nenhuma consulta à sociedade e os dispositivos sobre as comunicações
fixados na Constituição de 1988 ainda não foram regulamentados. Assim, continua se
3
Antonio Carlos Magalhães e sua família são concessionários da Rede Bahia, um conjunto de oito
emissoras - retransmissoras da Globo espalhadas pelo estado e donas de 80%, em média, da opinião
pública. Isso sem contar que ele controla mais de 120 emissoras rádios doadas no Estado a amigos ou
aliados políticos. José Sarney é concessionário da Globo do Maranhão e também controla uma vasta
rede de meios de comunicação local.
3
mantendo a comunicação nas mãos de alguns poucos grupos privilegiados, como já
alertava há três anos, Américo Antunes, presidente da Fenaj-Federação Nacional dos
Jornalistas, no artigo “A protelação do Conselho de Comunicação”, (Folha de S. Paulo,
opinião,14.08.96, p.3):
“...Enquanto isso o Ministério das Comunicações vai definindo, por meio
de portarias e atos do Executivo, o novo perfil do mercado de comunicações
e telecomunicações no Brasil.... Agora, como no passado, a construção
desse novo modelo está sendo feita exclusivamente pelo Poder Executivo,
que, dessa forma, cria situações de fato beneficiando os grupos de sempre”.
Em decorrência dos interesses desses grupos, as mudanças na legislação, no
sentido de ampliar qualquer espaço democrático da política de comunicação, são
extremamente morosas e complicadas. Segundo Caldas (1998, p. 2), por exemplo, o expresidente José Sarney foi o principal articulador recente contra a composição
democrática do Conselho, obstruindo qualquer acordo que garantisse uma representação
da sociedade civil.
De acordo com artigo 224 da Constituição de 1988, o Conselho de Comunicação
Social,
seria um órgão auxiliar do poder legislativo com abrangência sobre todo o
capítulo da Comunicação Social. O Conselho, oficialmente, já foi instituído de acordo com
a Lei nº 8.389 em 30 de dezembro de 1991, pelo então presidente Fernando Collor.
Uma das funções do Conselho, conforme o artigo 2º, item l, da lei que o institui,
seria "a realização de estudos, pareceres e recomendações sobre a outorga e renovação
de concessão, permissão ou autorização de serviços de radiodifusão sonora e de sons e
imagens."
Da mesma forma, a nova Lei de Radiodifusão, que deve substituir o Código
Brasileiro de Telecomunicações em vigor desde 1962,
“internamente” desde o início do governo FHC.
também está sendo discutida
O primeiro debate sobre a que agora
passou a ser denominada de "Lei de Comunicação Eletrônica de Massa", foi chamado
pelo governo nos dias 04 e 05 de junho de 1998 em Brasília. Segundo informações
4
publicadas no site do Observatório da Imprensa (20.05.98), foram convidados para a
discussão representantes dos diferentes grupos de interesse, como o próprio governo, os
empresários da comunicação, as entidades patronais, os profissionais da mídia,
pesquisadores nacionais e internacionais, além de observadores da mídia. Mas nenhum
resultado desse debate foi divulgado.
O atual ministro Pimenta da Veiga, quando assumiu a pasta, solicitou aos técnicos
do Minicom algumas mudanças na Lei. Ele quer que fiquem claros os papéis do Ministério
e da Anatel e também deseja modificações na questão do controle de qualidade da
programação. Em entrevista à revista Tela Viva (março/99) o ministro disse que esperava
ter o projeto pronto para discutir com a sociedade a partir do mês de abril, antes de enviálo ao Congresso Nacional. No entanto, até o término deste trabalho não havia sido aberto
nenhum tipo “real” de debate com a sociedade civil.
Entre os princípios desta lei, anunciados pelo governo,
que agora abrangerá
também os serviços de tv por assinatura, estão: a promoção da diversidade das fontes
disponíveis para o público, observando-se que o cidadão deve poder escolher a fonte de
informação e entretenimentos que mais lhe convém e a diversidade de propriedade dos
meios. Mas isso será possível, na medida que o mercado já se encontra quase que
totalmente loteado pelos mesmos grupos empresariais que sempre dominaram o setor?
Além do que, pelo que já pudemos observar até então, são esses grupos que estão, de
fato, participando da discussão sobre a nova lei.
Essa situação se agrava na medida em que entram em cena as novas tecnologias
como a TV a cabo e TV com captação por satélite, entre outras, e, conseqüentemente,
novos interesses dos já conhecidos grupos de comunicação.
Fica evidente que, nos últimos quatro anos, a grande preocupação dos
responsáveis pela política de comunicação desse Governo foi garantir a privatização do
setor de Telecomunicações, deixando a discussão sobre Radiodifusão em segundo plano.
As concessões:
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No final de dezembro de 1996, o Executivo baixou o Decreto nº 2.108/96, no qual
estabelece que todas as concessões de rádio e televisão, a partir daquele momento,
deveriam ser submetidas à licitações públicas. "A partir desse decreto o interessado na
instalação de uma nova emissora pode pedir a abertura do edital, mas apenas o Ministério
das Comunicações pode decidir se abre ou não e dele deve ser cobrada qualquer
irregularidade ou possível favorecimento". (TelaViva, 01/97, p. 44)
O então ministro das Comunicações Sérgio Motta, anunciava em grande tom que
haveria uma verdadeira revolução nas comunicações. Mas, medidas como aquela que
impede os políticos em exercício de mandato eletivo ou pessoas em cargo ou função
pública
de participarem da direção de empresas de radiodifusão, recebidas com
entusiasmo pela opinião pública, eram, nada mais, que o cumprimento da Constituição de
1988 e do próprio Código de 1962.
Com base nesta legislação reformulada, a portaria nº 62, de 05 de fevereiro de
1997, assinada pelo então ministro Sérgio Motta, autorizou a publicação de 61 editais
que colocavam em concorrência pública 122 outorgas de concessão ou permissão, sendo
80 emissoras de rádio FM, 30 emissoras de rádio OM e 12 geradoras de TV. Depois deste
primeiro lote de editais, lançado em 18 de abril desse mesmo ano, já foram lançados mais
três lotes, totalizando 517 outorgas, sendo 48 para televisão.
Estas são as primeiras outorgas de rádio e de geradoras de TV colocadas em
licitação no país. O critério anterior delegava ao ministro das Comunicações e ao
presidente da República a escolha das concessionárias. Os últimos atos de outorgas para
estes serviços datam de 14 de março de 1990.
Para se entender melhor como funcionam os atuais critérios, usamos como
exemplo as primeiras concorrências abertas para emissoras de televisão. São elas em oito
capitais: Rio Branco, Maceió, Macapá, Fortaleza, Recife, Porto Velho, Boa Vista e
Palmas, além de quatro importantes pólos regionais: Santos e Mogi das Cruzes (SP) ,
Joinville (SC) e Divinópolis (MG).
A partir do decreto nº 2.108/96, os processos licitatórios são obrigados a se
desempatar por meios de critérios objetivos e previamente conhecidos. Na concorrência
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para as novas outorgas estão sendo observados concomitantemente dois critérios de
julgamento: a proposta técnica e o preço.
No artigo 16 do Regulamento dos Serviços de Radiodifusão, modificado pelo
decreto, foram alteradas as pontuações para o julgamento das propostas técnicas. A partir
deste decreto ficou assim: o tempo destinado a programas jornalísticos , educativos e
informativos vale no máximo 15 pontos, assim como o tempo destinado a serviço
noticioso, que também vale 15 pontos. Os programas "culturais artísticos e jornalísticos a
serem produzidos e gerados na própria localidade ou município, à qual pertença a
localidade objeto da outorga," valem 30 pontos. O prazo para início da execução do
serviço vale 40 pontos. Se o Ministério "considerando características específicas do
serviço" quiser acrescentar no edital qualquer outro quesito, poderá fazê-lo, em valor não
superior a 20 pontos e diminuindo proporcionalmente o valor dos quesitos anteriores, de
modo a não ultrapassar 100.
Como último quesito, o Ministério concede pontos para a quantidade de outorgas
que o preponente já tenha em seu poder: se ele não tiver nenhuma, leva o máximo de
pontos: 14. Se tiver acima de 12 outorgas não contará com nenhum ponto nesse quesito.
No caso desse primeiro lote de editais, seriam consideradas classificadas as propostas que
obtivessem no mínimo 70 pontos para a TV Recife e 60 pontos para as outras. Ficou
mantido o sorteio para o caso de empate entre duas ou mais propostas.
Todo edital tem um valor mínimo. No caso das emissoras de televisão, do primeiro
lote, esse valor foi fixado entre o proposto para Recife-PE. e Fortaleza-CE.: R$ 900 mil e
o proposto para Palmas-TO., pouco mais de 16 mil. "Com o término das "doações" e o
começo da venda das concessões, o governo esperava à época, arrecadar com os dois
lotes pelo menos R$ 12 milhões aos cofres públicos" (Caldas, 1998, p.5).
Em novembro de 1998, um ano e meio após a sua abertura, chegou ao final o
primeiro processo de licitação de emissoras de radiodifusão no Brasil. Os outros três lotes
de editais ainda estão tramitando no Ministério das Comunicações.
Ao acompanhar o processo de distribuição dos novos canais de radiodifusão, pode
se perceber que os critérios técnicos e o preço a ser pago são os fatores principais para
definir quem são os concessionários escolhidos. Ou seja, estes critérios prevalecem sobre
7
o social. Como afirma Graça Caldas (1998, p. 2) "A nova política de concessões de
radiodifusão no país, longe de obedecer a preceitos democráticos, rende-se mais uma vez
a lógica do mercado e às conveniências de grupos já estabelecidos, em detrimento dos
interesses sociais".
Diferente da concessão que é assinada pelo presidente da República e deve passar
pelo Congresso Nacional, a outorga de permissão, que pode ser cancelada a qualquer
momento pelo governo, é assinada apenas pelo ministro das Comunicações. Segundo
reportagem da Revista Carta Capital, (30.09.98, p. 28), durante o governo Fernando
Henrique Cardoso 87 parlamentares receberam autorização para instalação de estações
retransmissoras de televisão. O que demonstra uma certa incoerência no discurso do
governo.
Um outro fato também levanta suspeitas sobre a transparência e a coerência dos
atos do Ministério das Comunicações. Em maio de 1997, o deputado federal do PFL,
Ronivon Santiago, até então desconhecido, afirmou ter recebido uma retransmissora de
TV do ministro Sérgio Motta, a qual ele teria registrado no nome de um amigo, como
pagamento de seu voto à emenda da reeleição. A denúncia se referia ao canal 40, em
Senador Guiomard, uma pequena cidade do Acre.
O então ministro Sérgio Motta, negou qualquer envolvimento no caso. O taxista,
Valcy de Souza Campos, que recebeu esse prêmio4 do governo também negou possuir
envolvimento com o deputado Ronivon Santiago.
Renovações: apenas um ato burocrático
A renovação de concessões está regulamentada no decreto 88.066, de 26 de
janeiro de 1983, e deve ser feita a cada dez anos, no caso de rádio, e a cada 15 anos, no
caso de TV. Este deveria ser o momento em que a sociedade, através de seus
representantes no poder legislativo, se manifestasse sobre a utilização dos veículos. No
4
Na Amazônia, mesmo no caso de permissão, as emissoras podem cortar o sinal emitido pela geradora e
ocupar 15% do horário com programação e comerciais gerados localmente. É que aquela região tem um
regime especial, semelhante ao das retransmissoras de TV Educativa.(Folha de S.Paulo,brasil,15.07.98
p.6)
8
entanto, as renovações são verdadeiros atos burocráticos, sem nenhuma crítica, ou análise
sobre o real comportamento da emissora. Diferente da política de concessão de rádio e
TV que, mesmo com as críticas apontadas, sofreu algumas mudanças neste governo,
quando se trata de renovação das emissoras, nenhuma mudança pode ser constatada.
Na época da Constituição, pensava-se que ao fazer as renovações passarem pelo
Congresso Nacional estaria se garantindo a transparência do processo. No entanto, no
momento de renovação da outorga o Ministério, com base na legislação, cobra das
empresas apenas regularidades do desconto do Imposto Sindical dos últimos cinco anos,
tanto para o sindicato patronal, como para o dos trabalhadores. Além disso é juntado ao
processo o laudo de vistoria da estação e a lista de todas as penalidades sofridas pela
emissora. Aí então o processo de renovação é enviado ao Congresso, que exige uma
documentação mais completa. Mesmo assim "não temos nenhum exemplo de negativa do
Congresso em relação às renovações . Há apenas atrasos na tramitação quando os
interessados não apresentam a documentação exigida pela Comissão", conforme afirmou o
deputado Ney Lopes, então
presidente da Comissão de Ciências e Tecnologia,
Comunicação e Informática da Câmara dos Deputados, à revista Tela Viva, 05/97, p. 44.
O Conselho de Comunicação Social, que deveria existir de acordo com a
Constituição, serviria efetivamente como representante da sociedade no exercício esta
função. No entanto, mesmo que existisse um controle maior, para se aprovar a nãorenovação da concessão ou permissão, de acordo com a mesma Constituição de 88:
"dependerá de aprovação de, no mínimo , dois quintos do congresso Nacional, em
votação nominal". Ainda assim,
a participação da sociedade através do Conselho,
geraria uma discussão maior sobre o tema, o que
poderia forçar uma mudança de
comportamento dos parlamentares.
A prática que está ocorrendo no Governo FHC, com a conivência no Congresso
Nacional confirma o que já apontava Comparado (1992, p.304): " Não é preciso grande
acuidade de julgamento para perceber que os constituintes nada mais fizeram do que
aumentar a vinculação dos atos de concessão aos interesses mútuos do presidente e dos
congressistas, numa institucionalização do 'é dando que se recebe' ".
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Transferências: o caso Record
A transferência de controle acionário de empresas de rádio e TV é de
responsabilidade do presidente da República quando se trata de transferência de mais de
50%
das ações. Quando essa transferência é de até 50%, o próprio ministro das
Comunicações pode aprovar. Neste caso a concessão, que até 1996 era doada ao
concessionário é vendida à outro, obtendo-se um grande lucro na negociação.
Portanto, pode-se constatar aí dois problemas: O primeiro é que se um
concessionário não tem mais interesse na concessão, ela deveria ser tomada de volta pelo
governo, para que o "lucro" entrasse nos cofres públicos. O segundo problema é de ordem
política, pois neste caso "alguém" se torna concessionário com a autorização exclusiva do
presidente, como era antes da Constituição de 1988.
O próprio relatório da Comissão Especial de Análise da Programação de Rádio e
TV, do Senado, cujo relator foi o senador Pedro Simon, admite que a transferência, venda
ou mudança de controle acionário da empresa de comunicação ainda é um "senão" a ser
resolvido.
O caso mais conhecido de ampliação de rede através desse tipo de transferência é o
da TV Record. Com a autorização do governo FHC, até agosto de 1997, a Igreja
Universal do Reino de Deus já havia comprado dezoito emissoras ( das 259 existentes no
país na referida data) em nome de seus bispos. Entre elas, emissoras localizadas em
cidades importantes, como Rio de Janeiro, Brasília, Belo Horizonte e Florianópolis.
A contar pelo ritmo das compras implantado pela emissora, hoje este número já
deve ser muito maior. Até porque, a TV Record (Igreja Universal) também entrou na
disputa para obter diversas concessões apresentadas nos quatro lotes de licitações
lançados pelo governo entre abril de 1997 e janeiro de 1998.
As compras da TV Record (Igreja universal do Reino de Deus), chamadas de
transferências pelo governo, movimentam grandes valores. Para se ter uma idéia, só em
1997, a TV Itapuã (BA), foi comprada por R$ 30 milhões, e a TV Norte Fluminense
(RJ), por R$ 4 milhões.
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Além disso, a mesma emissora obteve do ministro das Comunicações Sérgio Motta
a autorização para instalar retransmissoras em Porto Alegre (RS), Vitória (ES), Fortaleza
(CE) e Belém (PA). “O objetivo do grupo é fazer com que os sinais da Record sejam
recebidos em todas as capitais” (Folha de S. Paulo, brasil, 11.08.96-p.12).
Na mesma reportagem a Folha de S.Paulo conta que as autorizações foram
comemoradas
pela direção da Record. "Segundo Dermeval
Gonçalves, diretor
superintendente da empresa, elas provam que a empresa conseguiu montar uma estratégia
de compra de emissoras 'a prova de devassas' da Receita e da Polícia Federal".
É que, neste mesmo período, a Igreja Universal do Reino de Deus e as empresas
registradas em nome de seus “pastores e bispos”, em especial a TV Record, estavam
sendo alvo de uma devassa por parte da Receita Federal. A investigação fiscal incluiu,
além de auditoria na emissora, a quebra de sigilo bancário de dezenas de pessoas e a
análise detalhada das declarações de Imposto de Renda de todos os envolvidos, de 1990 a
1994. A devassa aberta por determinação da Procuradoria da República "ainda é um
reflexo da compra da TV Record de São Paulo realizada em 90. Na época Edir Macedo
pagou US$ 45 milhões pela Record e justificou a origem dos recursos como empréstimos
da Igreja". (Folha de S.Paulo, brasil, 15.08.98, p. 8). Ao final das investigações, a
conclusão foi a de que o dinheiro era “limpo” e constava das declarações de Imposto de
Renda de Edir Macedo.
Coincidentemente, foi neste mesmo agosto de 1996, que o então ministro das
Comunicações Sérgio Motta, obteve da cúpula da Igreja Universal o apoio à candidatura
de José Serra (PSDB) à prefeitura paulistana. A Igreja até então apoiava a candidatura de
Celso Pitta. Esse acordo causou, inclusive, um "mal estar" entre aqueles bispos que já
estavam mais envolvidos com o candidato do PPB de Paulo Maluf.
Considerações Finais:
Fatos como: a forma como foram feitas as transferências de ações no caso da Rede
Record; a falta de empenho em discutir e aprovar uma nova Lei de Radiodifusão; o
Conselho de Comunicação Social que até agora não foi composto;
11
aliados à falta de
iniciativa em se abrir uma "real" discussão sobre a democratização da comunicação com a
sociedade provam que, o Governo FHC, não está interessado em mudar quase nada, ou
mesmo efetivamente nada, no que se refere à esta questão.
Concordamos com Herz (1997-p.2) “... a área das comunicações, que é estratégica
para a construção da democracia e para o desenvolvimento econômico do país, está
sujeita ao apetite de grupos políticos e econômicos e submetida a um quadro de
descumprimento e ausência de leis...”
Foi feito muito barulho, principalmente num primeiro período, quando Sérgio
Motta era o ministro das Comunicações, mas o que mudou, de fato? Tudo o que foi feito
no que se refere às políticas de concessão de TV aberta durante o primeiro mandato de
FHC (1995-1998), foi trocar o critério político pelo econômico. Nenhuma regra para
garantir melhora de qualidade na programação, na hora da concessão, teve prioridade.
Na verdade, a prioridade do governo foi a flexibilização das telecomunicações, ou
seja, garantir a privatização do sistema de telecomunicações, como já indicava o seu
programa de governo "Mãos às Obras Brasil" nas eleições de 1994. Nas seis páginas
destinadas à área de comunicação, não havia qualquer preocupação com relação
à
democratização do processo de distribuição de emissoras de rádio e TV, e isso se
comprova na prática, quando depois de mais de quatro anos, a nova Lei de Radiodifusão,
continua sendo lentamente amarrada no Palácio do Planalto.
Mas o que poderia se esperar de um governo que tem como principais aliados os
mesmos velhos personagens que marcaram negativamente a história da Radiodifusão em
nosso País! Entre eles, e principalmente, o PFL, de Antonio Carlos Magalhães, que a
cada dia, parece ser muito mais que um aliado: "Quem manda no governo é Fernando
Henrique Cardoso. Mas o governo é uma coisa e o establishment é outra, bem menor,
mais complexa e decisiva. Da mesma forma que o espírito de Fernando comanda o
governo, o País é comandado pelo espírito do PFL". (Carta Capital, 19/03/97, p.26).
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BIBLIOGRAFIA:
CALDAS, Graça. O Latifúndio do Ar (Mídia e Poder na Nova República). Tese
de Doutorado em Ciências da Comunicação, apresentada à Escola de
Comunicações e Artes da USP-Universidade de São Paulo, 1995.
_____
A radiodifusão e a lógica de exclusão do governo FHC. Congresso
Brasileiro de Ciências da Comunicação-Intercom/1998 - Recife-PE.
COMPARATO, Fábio Konder. É possível democratizar a televisão? in NOVAES,
Adauto (org.), Rede Imaginária Televisão e Democracia. São Paulo:
Secretaria Municipal de Cultura/Companhia das Letras,1992, p. 300-8.
Constituição da República Federativa do Brasil, Senado Federal, Brasília,
Centro Gráfico, 1988.
HERZ, Daniel. A História Secreta de Rede Globo. Porto Alegre: Ed. Ortiz, 1989.
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A deterioração das políticas de comunicação do governo FHC: a
acentuação do arbítrio, da oligopolização e da exclusão. Congresso Brasileiro de
Ciências da Comunicação-Intercom/1997 - Santos-SP.
LOPES, Vera M. de O. Nusdeo. O Direito à informação e as Concessões de
Rádio e Televisão. São Paulo, Ed. Revista dos Tribunais, 1997.
Rádio & TV no Brasil - Diagnósticos e Perspectivas. Relatório da comissão
Especial de análise da Programação de rádio e TV, instituída em atendimento
ao Requerimento nº 470/95. Relator: Senador Pedro Simon
13
Periódicos:
ANTUNES, Américo. A Protelação do Conselho de Comunicação. Jornal Folha de
S.Paulo, opinião, 14.08.96, p. 3.
As Concessões de rádio e TV no mundo. Revista Imprensa, abril/95, nº 91. São
Paulo, Feeling Editorial, (encarte).
Brasil é o 6º maior produtor de TVs. Jornal Folha de S. Paulo. TV Folha,
26.05.96, p. 6.
Como Pimenta da Veiga vê TV. Revista Tela Viva, nº 79, Março de 1999, São
Paulo, Editora Glasberg, p. 12-4 .
FHC autoriza transferência de Tvs da Igreja Universal. Jornal Folha de S.Paulo.
brasil. 11.08.96, p. 12.
Jornal Meio & Mensagem, nº 796, 23.02.98, São Paulo, Ed. Meio & Mensagem
Ltda., p.26
O Decreto que faltava. Revista Tela Viva, nº 55, Janeiro de 1997, São Paulo,
Editora Glasberg, p. 44 .
O Espírito da Coisa. Revista Carta Capital, nº 44, 19.03.97, São Paulo, Carta
Editorial, p. 24-30.
14
Poder é o canal. Revista Carta Capital, nº 83, 30.09.98. Carta Editorial, p.28-34.
O Processo de Renovação de Outorgas de TV. Revista Tela Viva, nº 58, Maio
de 1997, São Paulo, Editora Glasberg, p. 42-6.
Receita faz 'Superdevassa' na Universal. Jornal Folha de S.Paulo. brasil.
15.08.96, p. 8.
Ronivon diz em gravação que recebeu uma tv de Sérgio Motta. Jornal folha de
S.Paulo, brasil, 15.05.97, p. 6
Universal prepara compra de mais 9 TVs. Jornal Folha de S.Paulo, brasil,
02.05.97, p. 8.
Site do ministério das Comunicações: http://www.mc.gov.br
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