O Sistema Monetário Nacional
Instituições e seus incidentes
Gustavo H. B. Franco
(PUC-Rio)
ECO 1673, 2010-1
Tese
A moeda é uma instituição
(John Hicks)
O Sistema Financeiro Nacional
(Lei 4.595/65, CF Art. 192)
Lei 4.595/65, ementa:
Dispõe sobre a política e as instituições monetárias,
bancárias e creditícias, cria o CMN e dá outras
providências
A tese completa:
A organização do Sistema Monetário Nacional
(moeda, câmbio e bancos) foi distorcida para
“servir” ao financiamento inflacionário do Estado
A inflação é uma receita do Estado
decorrente da pintura de pedaços de papel,
e também de inúmeros efeitos “contábeis”
(aplicação desigual de correção monetária em
ativos e passivos, rendas e despesas)
A inflação se tornou o combustível principal do
Desenvolvimento “liderado” pelo Estado,
gerando (talvez) a maior inflação da História
e uma
tragédia distributiva
Pergunta difícil:
Estamos tratando de uma forma (a inflação)
ilegítima, ou mesmo ilegal, de intervenção do
Estado na economia?
Se a inflação pode ser vista como um imposto
(Keynes) que incide principalmente sobre o pobre,
como é possível que não tenha sido ilegal?
Quem autorizou? Como?
Quem é responsável?
CPI?
Ministério Público?
Lembrar que a hiperinflação ocorre DURANTE a
transição para a Democracia.
Curioso, não?
Democracia faz aparecer a intolerância com relação
a esta forma de tributação,
e via generalização das “defesas”, chegamos ao raro
fenômeno da hiperinflação
Sim,
hiperinflação
a hiperinflação foi uma espécie de revolta contra o
“imposto inflacionário”.
Sabemos que as leis econômicas, às vezes, agridem
as “leis jurídicas”, e vice versa
(e. g. congelamento de preços)
Mas, às vezes, o “ordenamento jurídico” cria (e
determina) os canais para a catástrofe econômica,
como parece ter sido o caso da organização do
nosso sistema monetário
Este é nosso roteiro
3 construções
1933
1965
1994
1933: A ordem “getulista”
Era uma reorganização institucional por
conta do colapso do Padrão Ouro
Padrão Ouro: A unidade monetária
corresponde a xpto gramas de ouro fino
Era uma regra de política monetária e
cambial.
O crédito era governado pela prudência dos
bancos, mal existia banco central.
PO: 4 pilares
1. Primado da Natureza
- 2. Câmbio fixo
3. Moeda bancária “exceção”
4. BC grande banco comercial
-
-
1933: os 4 pilares da ordem getulista
Na verdade 3 criações e uma omissão
1. DL 23.501 – moeda fiduciária de
“curso forçado”
2. DL 23.238 – controle cambial
3. DL 23.626 – lei da usura, era uma
espécie de estatização do crédito
3. (bis) Usura era um assunto de
regulação bancária
4. A ausência de um banco central
Qual o problema?
A moeda passava a ser apenas um pedaço
de papel, sem nenhuma conexão com a
“Natureza”, e não havia nenhum
“contrapeso” ao poder do Estado de
abusar do papel moeda de curso forçado
Outras democracias fortaleceram seus BCs
para melhor proteger seus cidadãos dos
abusos do papel moeda ...
Aqui não
Strictu sensu talvez tenhamos sido o último
país deste planeta a criar um BC
Mas isto não criou problema nos anos 1930
e 1940 ...
Inflacionismo “anestesiado” porque o mundo
estava em deflação, ou em guerra
No Brasil prevalece a crença na indisciplina
fiscal como “virtude”, ou mesmo
“redenção”
Governo bom faz
OBRA
Resumo: a ordem getulista em 4 pilares

1. DL 23.501 - “Moeda fiduciária”, um pedaço de papel sem
conexão com a “Natureza”, todo poder ao Estado para criar papel
moeda de curso forçado; nominalismo

2. Ausência do Banco Central. Outras democracias fortaleceram
BC, mesmo na Am. Latina; no Brasil nenhum “contrapeso” ao
novo poder do Estado

3. DL 23.238 “Controles cambiais”, definição de “operação
legítima” conforme interesses do governo. (Separação
(autonomia) circunstancial entre política monetária e cambial,
ambas sob estrito controle estatal; possível no ambiente de
restrições.)

4. DL 23.626 “Lei da Usura”, ao limitar juros, “exclui” bancos
privados do processo de criação de moeda (depósitos), reserva
de mercado de crédito para o Estado, prenúncio da criação de
sistema bancário público com recursos “fiscais”.
1965
1965: 4 pilares
3 decretos reciclados e uma frustração
1. DL 23.501/33 substituído pelo DL
857/65, para melhor acomodar
diversidade de “moedas de conta”
(Correção Monetária)
2. DL 23.238/33 + Lei 4.131: “Operação
legítima” e “registro” de CE compõe
sistema amadurecido de controle das
“naturezas” e das taxas & tributos de
cada relacionamento com o exterior.
3. DL. 23.626 “Lei da Usura” afastada
do SF via Lei 4.595, mas sem
prejuízo do impulso aos bancos
públicos com recursos “fiscais”; a
invenção do recurso “parafiscal”.
3. (bis) Orçamento Monetário ou
Parafiscal: “tributação disfarçada”
para bancos (compulsórios,
direcionamentos, carteiras
específicas) para financiamento de
políticas públicas.
3. (bis bis) O problema não é a usura,
mas quem pode compartilhar com o
Estado a capacidade de criar moeda.
4. Banco Central primeiro adiado (SUMOC)
depois “subordinado” ao BB (conta
movimento), ao “orçamento monetário” (às
necessidades de outros bancos oficiais
esp estaduais);
4. (bis) não era um BC, mas uma repartição
do BB, uma forma de guardar aparências
4. (bis bis) Permanece fortalecida crença na
indisciplina fiscal como “virtude”: um BC
“de verdade” seria um obstáculo ao
desenvolvimentismo;
4. (bis bis bis) e também a crença na
neutralidade da correção monetária, que
era, sempre foi, “seletiva” (reserva legal)
4. (bis bis bis bis) CM: “moeda estável
sintética” para os escolhidos do governo
Resumo: a ordem “desenvolvimentista” em 4 pilares

1. DL 23.501 - mantido no DL 857/67, para melhor acomodar a
“correção monetária”, de aplicação seletiva, causa e anestesia para
a inflação; valorismo

2. BC subordinado ao BB (conta movimento), ao “orçamento
monetário”, é mecanismo de financiamento (indireto e seletivo) ao
Tesouro.

3. DL 23.238/33 + Lei 4.131: Câmbio é assunto de Estado, e todas
as taxas são fixadas pela Autoridade conforme prioridades.

4. DL 23.626 “Lei da Usura” afastada do SF via Lei 4.595, bancos
podem “criar moeda” via crédito, mas pagando “pedágio” e sem
prejuízo do incentivo ao sistema bancário público com recursos
“fiscais”
A Tragédia desenvolvimentista
Padrão Monetário
1 Cruzeiro
Início
Fim
Duração
(em meses)
Inflação
Acumulada
(%)
Inflação Média
Mensal
nov/42
jan/67
292
31,191
1.99%
2 Cruzeiro Novo
fev/67
mai/70
40
90
1.61%
3 Cruzeiro
jun/70
fev/86
190
206,288
4.10%
4 Cruzado
mar/86
dez/88
35
5,699
12.30%
jan/89
fev/90
15
5,937
31.44%
6 Cruzeiro
mar/90
jul/93
41
118,590
18.85%
7 Cruzeiro Real
ago/93
jun/94
11
2,396
33.97%
jul/94
fev/04
115
150
0.80%
5 Cruzado Novo
8 Real
20.759.903.275.651% nos 15 anos
anteriores ao Plano Real;
30000,0%
5.523.469.799.985.820%
A maior inflação do
mundo em 1961-94
140.096.086.793.549%
125.315.110.511%
25000,0%
432.023.945%
50.069.304%
20000,0%
6.387.293%
6.135.665%
15000,0%
915.704%
151.553%
109.433%
47.693%41.127%
7805%
10000,0%
6606%
5136%
5000,0%
4561%
3444%
2155% 2112%
África do Sul
Espanha
Filipinas
Grécia
Portugal
Costa Rica
Venezuela
Colômbia
Equador
Islândia
México
Turquia
Israel
Indonésia
Chile
Uruguai
Peru
Argentina
Brasil
0,0%
14,2 quatrilhões por cento em
1961-2006 (5,5 quatrilhões por
cento em 1961-94)
1994
1994: 4 pilares
1. Mantido DL 857/67, mas mitigado na
Lei 10.192/01, reserva a “correção
monetária” para o “contrato longo”,
elimina “unidades de conta”(Ufir, etc).
1. (bis) moeda estável para TODOS
2. DL 23.238/33 + Lei 4.131
amenizados por (novas Ress CMN)
com base Lei 4.595: Discricionaridade
usada para liberalizar, crescente
conversibilidade, controles apenas no
tocante a “compliance”, e tributação.
2. (bis) Câmbio é preço de mercado,
não tarifa pública.
2. (bis bis) uma operação bancária
como outra qualquer
3. Temas de regulação bancária (ou
temas para-fiscais):
3.1. Encolhimento dos bancos públicos
(de 45 para ½ dúzia, PROES);
3.2. Regulamentação prudencial
universalizada;
3.3. Usura, assunto menor ref CC art.
478
3.4. Recaptura do CMN, e controle do
“orçamento monetário”.
4. Banco Central de facto
independente, mas não de jure.
4. (bis) Falta: (i) mandatos; (ii) a
competência exclusiva.
4. (bis bis) “autoridade” do mercado
“alinha” o país com cânones
internacionais
4. (bis bis bis) Perigo:
El sistema monetario nacional debe propender al
logro de los fines esenciales del Estado
Socialista y el bienestar del pueblo, por encima de
cualquier otra consideración.
El Poder Ejecutivo Nacional, a través del Banco
Central de Venezuela, en estricta y obligatoria
coordinación, fijará las políticas monetarias y
ejercerá las competencias monetarias del Poder
Nacional.
Resumo: a ordem monetária ao final do sec. XX

1. DL 23.501 - mantido DL 857/67, mas mitigado na Lei 10.192/01
“Valorismo” mitigado, convivendo com teoria da imprevisão (CC art.478)
um “escape” à disciplina do contrato, “seletivo e redentor” como a JT;

2. Banco Central de facto independente. Impossibilidade de
desalinhamento internacional em normas e políticas. Falta LCs do novo
Art. 192: mandatos e competência. Criado a 3 anos do fim do sec. XX.

Ocaso do inflacionismo, mas sem maiores traumas;

3. DL 23.238/33 + Lei 4.131 amenizados por (novas Res CMN) Lei
4.595: Discricionaridade usada para liberalizar, crescente
conversibilidade, controles apenas no tocante a compliance, e
tributação. “Registro” se torna fato estatístico ex post.

4. Regulação bancária Encolhimento do sistema bancário público,
regulamentação prudencial universal, recaptura do CMN, e a usura
questão de desequilíbrio contratual.
Lições
Amarras institucionais no SFN
defendem os “interesses difusos” dos
abusos dos governantes através da
moeda
Instituições “fracas” incentivam (ou são
criadas para facilitar) a emissão
abusiva de moeda, e tributação do
pobre através da inflação
Hoje temos, não totalmente compostos,
os “contra-pesos” institucionais que
sempre faltaram
Hoje temos um Banco Central que
cumpre a sua função constitucional,
Constitucional ????
e pode não conseguir se não há
“responsabilidade fiscal”
Impasse clássico:
loose fiscal tight money
“não consigo governar sem gastar”
O resultado do impasse é a pressão
sobre a dívida pública e sobre o juro
Por que o Brasil é o campeão mundial
de juros?
“Dominância fiscal”
Faz parecer que o BC é o culpado
pelos juros altos
É o crime perfeito
O Sistema Monetário Nacional
Instituições e suas conseqüências
Gustavo H. B. Franco
(PUC-Rio, Rio Bravo Investimentos)
Por ocasião do Ciclo de Debates Justiça e Economia, e
do seminário “Eficiência da Justiça e sua eficácia na
Economia”, Instituto ETCO, São Paulo, 30.11.2007
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Slide 1 - PUC Rio