Diego Moraes Gomes
Psicólogo, sócio diretor do Centro de Estudos Sistêmicos: Família e Indivíduo –
CESFI em Santa Maria.
Como entende o conceito de família? Que referencial você utiliza em seu
trabalho como terapeuta familiar? Como as diferentes relações e
configurações familiares aparecem em sua prática?
Para conceituar família, primeiro é necessário abordar o conceito “sistema
aberto”, como sendo um conjunto delimitado, que mantem relações com seus
componentes e através disso se mantem integrado. Ele é aberto por ter a
característica de trocar informações, energia e matéria com outros sistemas ao
seu redor. Nenhum dos elementos pode ser modificado, sem provocar uma
modificação nos demais. Prima-se pelo funcionamento do todo, e não as partes
separadamente.
Assim posso postular a família como um sistema aberto onde os laços afetivos
e históricos o tornam diferente de outros grupos sociais. Gradualmente, elabora
suas normas, recebendo influências do meio externo e influenciando o mesmo,
também. Esse sistema desenvolve regras que regem o seu funcionamento e a
forma como se darão as relações de seus membros. Ela é formada por outras
partes, subsistemas, como o parental, o fraternal e o conjugal. Entra-se em
uma família através de nascimento ou contrato (adoção, casamento, união
estável), e apenas se deixa a mesma através da morte.
Sigo o referencial Sistêmico Familiar. Me aventurei nele desde o primeiro ano
de estágio obrigatório, ainda na graduação; Descobri nele uma forma de
trabalho muito ampla e rica no modo de intervir e de oferecer suporte as
famílias que chegavam a mim. Logo, busquei me formar como terapeuta de
famílias e de casais, com o objetivo de ter bases teóricas e experiências que
me capacitassem a oferecer um bom serviço.
De que forma o contexto familiar se relaciona com os demais aspectos da
vida de uma pessoa? Essa relação pode ser diferente para cada um?
Essa relação é ampla e se expande em diversos aspectos. Posso citar que
essa influência ressoa em seus julgamentos; na forma como encara suas
relações, seja de trabalho, amizade, relacionamentos íntimos ou consigo
mesmo. Tudo o que se agrega no sistema familiar, em todas as fases da vida,
tem um grande peso nas experiências do ambiente externo a família. Também
é importante considerar o contexto familiar como um ponto de apoio na grande
rede social onde nos inserimos (escolas, unidades de saúde, organizações
sociais ou políticas...); e nisso considera-se o potencial de trocas de
conhecimento entre estes sistemas. A literatura especializada na área de
terapia de famílias corrobora essa visão, mostrando que o conteúdo familiar de
uma pessoa irá influenciar o meio em que vive, assim como o meio também irá
influencia a família.
Não existe uma fórmula pronta e igual para explicar o funcionamento, ou o
prognóstico de uma família em determinados sistemas. Diversas variáveis
(cultura familiar, raça, religião, papel dos membros, origens geográficas,
educação formal, questões de saúde ou doença, ideologias) fazem surgir uma
incógnita se nos aventurarmos a explicar como determinada família ou sujeito
reage com o meio em que vive.
Nos últimos anos, o que a Psicologia tem produzido de conhecimento na
área da família, especialmente a partir das teorias sistêmicas?
Muitos eventos têm sido realizados para abordar essa modalidade de
atendimento, e isso vem precedido de diversas pesquisas realizadas por
universidades, faculdades e cursos de formação. As associações de terapia
familiar tem se fortalecido e marcado presença para a categoria.
Se você fizer uma busca por artigos na internet, encontrará um número
significativo de publicações. A literatura técnica também tem se tornado
referência, tanto por pesquisadores brasileiros, como também estrangeiros, os
quais, com frequência têm estado presentes nesses eventos voltados para a
terapêutica de famílias.
Em que aspectos a Psicologia, como ciência e profissão, precisa avançar
no que se refere ao trabalho com famílias, considerando o momento
histórico e o contexto social em que vivemos?
Em minha experiência, vejo muitos profissionais capacitados para o trabalho
individual, com grande aporte teórico e prático para tal. No entanto precisam
recorrer sozinhos a literatura sobre técnicas para as abordagens com famílias.
Os cursos superiores reservam uma pequena carga horária para a intervenção
familiar. Alguns oferecem uma base segura no que tange o trabalho com
instituições voltadas para o bem estar de famílias e políticas públicas. No
entanto o trabalho clínico precisa ser mais enfatizado. Expresso isso tendo em
vista a realidade aqui no interior do Estado, onde o trabalho clínico individual
ainda é imperativo.
O projeto de lei que tramita na Câmara dos Deputados que discute
o Estatuto da Família (PL 6.583/13) pode comprometer avanços
conquistados por famílias LGBT, inclusive no que se refere à adoção de
crianças. Você tem acompanhado essa discussão? O que pensa a
respeito?
Vejo que essas discussões estão permeadas por princípios religiosos e
elaboradas por políticos que carregam esses mesmos preceitos, e não por
princípios sociais ou com bases científicas; isso já é algo suficiente para que
um grupo de pessoas seja beneficiado em detrimento a outro grupo. Não só
acompanho as discussões políticas sobre o assunto, como também pesquisas
sobre diversas configurações familiares. Preciso estar embasado em
questionamentos e em conhecimentos atuais, não apenas com o propósito de
dar conta das demandas que surgem, mas também com a finalidade de estar
de acordo com o código de ética da profissão.
Como sua prática como psicólogo/a pode contribuir na desconstrução de
conceitos sobre modelos ideais de família?
Embora estejamos norteados pelo mesmo código de ética, cada psicólogo tem
a sua forma peculiar de “ser terapeuta”. Minha prática é regida por um forte
senso de continência e de acolhimento, até o momento em que eu possa
desafiar à mudança e desacomodar formas de agir, até então cristalizadas; não
apenas no consultório, mas também nas discussões que surgem no dia a dia.
Minha prática permite ver a grande miríade de configurações familiares, o que
flexibiliza para mim mesmo a realidade de família que carrego comigo. Isso
possibilita que eu suscite ideias e novas problemáticas, tanto em minha
instituição de ensino, como em um dos grupos de estudo que participo na
Universidade Federal de Santa Maria.
Como a terapia de família é algo um tanto recente aqui na região, busco
divulgar o trabalho realizado, através de eventos acadêmicos, seminários
clínicos e através de contatos com vários profissionais, não apenas psicólogos,
mas também médicos, assistentes sociais, advogados, professores, haja vista
que esses profissionais encontram-se em constante trabalho com famílias e
suas questões; e é através deles que muitos pacientes vem encaminhados
para atendimento.
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Entrevista na íntegra de Diego Moraes Gomes