Sobre
Comportamento
e Cognição
Desafios, soluções e questionamentos
Volume 24
Organizado por Regina Christina Wielenska
ESETec
Editores Associados
2009
Capítulo 19
O desenvolvimento de comportamentos
de civilidade e a orientação de
pais na psicoterapia infantil.
Myrna Elisa Chagas Coelho-Matos
UEL, IACEP
Mauricio dos Santos Matos
USP-Ribeirão
1. Considerações iniciais
Os problemas de conduta anti-social em crianças fazem parte das queixas
mais freqüentes no cotidiano clínico. Muitos pais buscam a psicoterapia com a expectativa de que o psicólogo possa ajudá-los a entender as causas dos comportamentos
anti-sociais de seus filhos e fornecer orientações sobre como lidar com esses comportamentos, já que, muitas vezes, os pais não conseguem exercer um efetivo controle
sobre seus filhos.
O termo “problemas de conduta” pode ser considerado um termo polissêmico
referindo-se, geralmente, a problemas de baixo autocontrole, incluindo comportamentos agressivos e oposicionais, hiperatividade, acessos de raiva, lamentações, irritação
e discussões excessivas (Kazdin,1991). Esses comportamentos podem variar significativamente quanto ao tipo e à severidade, variando desde um comportamento indócil
de crianças pequenas até a delinqüência entre adolescentes sentenciados (Stoff,
Breiling, & Maser, 1997; Kazdin, 1991).
Marinho, & Caballo (2001), baseados em pesquisas sobre o tema, corroboram com esta idéia e afirmam que há evidências sugerindo que condutas de oposição,
como desobediência, sejam precursoras do desenvolvimento de formas mais graves
de comportamento anti-social. Estes autores afirmam que os problemas de conduta
tendem a progredir dos comportamentos relativamente menos graves (como desobedecer, gritar) para outros mais disruptivos (agredir, roubar); dos explícitos (como desafiar, agredir) para os ocultos (como mentir, roubar); e do ambiente familiar para a escola
e para outros contextos da comunidade.
A análise de centenas de casos nas últimas décadas (Patterson, 1986;
Patterson, De Baryshe, & Ramsy, 1989; Patterson, Reid, & Dishion, 1992) tem indicado
que os membros familiares, inadvertidamente, provêem contingências reforçadoras
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para o comportamento infantil coercitivo e falham em prover suporte para os comportamentos pró-sociais. À medida que o problema torna-se mais freqüente e mais extremo,
generaliza-se para outros ambientes sociais da criança.
Esses estudos propõem que o início do processo ocorre com uma falta na
efetividade parental em disciplinar seu filho, favorecendo um incremento nas trocas
coercitivas entre criança e demais membros da família. Esta prática leva a criança a
descobrir que comportamentos aversivos, tais como choramingar, lamuriar-se, gritar,
agredir ou ter acessos de raiva, são efetivos em cessar os comportamentos aversivos
dos outros membros da família, podendo, além disso, produzir diretamente reforço
positivo.
Dessa forma, a orientação de pais, dentro da análise do comportamento, é
considerada uma parte fundamental para se conseguir uma mudança no comportamento da criança. O cotidiano clínico tem demonstrado que, quando se consegue a
colaboração e o envolvimento verdadeiro dos pais no processo terapêutico de seus
filhos, os resultados são visivelmente mais satisfatórios, tanto em termos de mudanças de conduta quanto ao tempo reduzido em que essas mudanças ocorrem. É nesse
panorama que este trabalho busca sistematizar aspectos relevantes associados a esta
problemática, emergidas das experiências acumuladas nos últimos anos nas atividades
de supervisão clínica no Núcleo de Psicologia da Universidade Estadual de Londrina
(UEL) e no Instituto de Análise do Comportamento em Estudos e Psicoterapia (IACEP),
detalhando etapas e momentos relacionados às intervenções do terapeuta junto aos
pais no trabalho clínico comportamental em terapia infantil.
2. Adesão dos pais ao processo terapêutico dos filhos: contatos iniciais com os pais
A adesão dos pais ao processo terapêutico constitui-se como etapa determinante
para o sucesso do trabalho clínico realizado pelo psicólogo junto aos pais. Muitos dos
aspectos que interferem na adesão dos pais à terapia de seus filhos podem estar fora
do controle do terapeuta, podendo citar: características pessoais pouco colaborativas,
padrões de comportamentos refratários a mudanças e horários de trabalho inflexíveis,
entre outros fatores. Porém, há outros aspectos relevantes que mostram-se mais
suceptíveis ao controle do terapeuta e que devem ser considerados em qualquer trabalho clínico que envolva essa problemática. Neste trabalho, serão descritos três desses
aspectos que foram considerados de maior relevância na prática clínica: acolhimento,
cumplicidade/parceria e responsabilização.
O acolhimento é um dos principais aspectos na prática clínica em psicoterapia
infantil, correspondendo à forma inclusiva com que os pais são recebidos pelo terapeuta
nas sessões de avaliação. Essa forma de recepção possibilita ao terapeuta a criação
de um ambiente de aceitação e acolhimento incondicional dos sentimentos dos pais,
viabilizando espaços para a livre expressão de suas angústias, temores, dificuldades e
fraquezas na educação de seus filhos.
É comum, nos casos clínicos, em que a queixa principal dos pais se referem às
condutas anti-socias de seus filhos, que eles estejam sendo, há algum tempo, submetidos a condições estressoras relacionadas a essas condutas que geram comportamentos de irritação e intolerância. Nesse contexto, há a necessidade de uma comunicação aberta com os pais que envolva compreensão e empatia e que demonstre, por
meio de análises funcionais breves, que todos esses sentimentos são naturais, pois
são frutos das contingências aversivas que estão sendo vivenciadas. Além disso, cabe
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ao terapeuta diferenciar comportamentos encobertos de outras manifestações públicas desses sentimentos, já que pais que se encontram nessa condição tendem a ser
menos responsivos aos comportamentos adequados de seus filhos e altamente punitivos, tanto verbal quanto fisicamente, em relação aos comportamentos inadequados.
Em outro extremo estão os pais exageradamente permissivos ou que se encontram em estado de desamparo aprendido, caracterizado pelo sentimento de incapacidade e fracasso, devido ao esgotamento dos recursos e estratégias pessoais para
resolver o problema da conduta anti-social dos filhos.
A cumplicidade/parceria caracteriza um segundo aspecto fundamental nos
contatos iniciais do terapeuta com os pais, trazendo tranqüilidade e a oportunidade de
ressaltar aspectos positivos de suas condutas como pais, apontando acertos e estabelecendo a terapia como uma possibilidade de novos aprendizados e de crescimento
para toda a família. Neste caso, o psicólogo age como um facilitador deste processo e
não como alguém que se utiliza de seu conhecimento teórico e prático para subjugar os
pais. O psicólogo infantil deve buscar uma aliança com os pais que possibilite a aprendizagem de todos os envolvidos. Para isso, é essencial que seja repassado um maior
número de informações possíveis sobre como se dará a condução do processo, quantas
sessões de avaliação serão feitas com a criança, quando se dará a devolutiva, quantas
sessões mensais os pais precisarão fazer, etc.
A responsabilização dos pais em relação à sua importância na participação da
terapia aparece como o terceiro aspecto a ser considerado. Nessa direção, o terapeuta
possui um importante papel na busca de uma maior participação, engajamento e
conscientização dos pais em relação ao seu papel na determinação e manutenção dos
comportamentos dos filhos, alertando sobre as implicações negativas que um baixo
envolvimento dos pais podem trazer ao processo, já que pais e mães exercem papéis
particulares e intransferíveis na educação dos filhos.
3. Intervenção Junto aos Pais: etapas fundamentais
Muitas são as possibilidades de atuação do terapeuta em ações de mediação
com os pais durante o processo terapêutico com crianças apresentando problemas de
conduta social. No entanto, as experiências acumuladas nos últimos anos, nas diferentes atividades desenvolvidas na UEL e no IACEP, possibilitaram o equacionamento e
sistematização de alguns procedimentos, que mesmo distante de serem prescritivos e
de assumirem aspectos generalizáveis e conclusivos, são apresentados neste texto na
perspectiva de servir como possíveis sugestões que se mostraram meritórias na condução de processos terapêuticos dentro de uma realidade particular.
Primeiro Momento: Informações e Análises Funcionais
Diferentes níveis de gravidade dos comportamentos delinqüentes emergem
gradualmente ao longo da infância e adolescência evoluindo em freqüência, intensidade e complexidade. Esses comportamentos iniciam-se na primeira infância e vão se
agravando com o passar dos anos, associando-se a outros comportamentos antisociais mais graves.
Sendo assim, é aconselhável que o terapeuta conscientize os pais sobre o
papel da determinação ambiental no desenvolvimento dos comportamentos anti-socais,
bem como sobre a sua gênese e evolução, de forma a esclarecer dúvidas e reestruturar
regras relacionadas ao determinismo interno.
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Por mais estranho e desajustado que se apresente um comportamento, este
deve ser analisado como se obedecesse a princípios ou leis gerais que se aplicam a
toda conduta humana (Gôngora, & Sant’ana, 1987), entendendo que o comportamento
humano é aprendido e ocorre em função não só de eventos antecedentes, como a
história de vida e os estímulos discriminativos, mas também em função dos eventos
conseqüentes, como os estímulos reforçadores e aversivos (Abib, 1997).
Neste ponto, é importante que sejam apresentadas as análises funcionais
relacionadas aos comportamentos da criança, enfatizando que o processo avaliativo é
dinâmico e que novas hipóteses podem ser aventadas a todo momento. Quanto a esse
procedimento, é importante certificar-se que os pais, de fato, compreenderam a explicação, pedindo que verbalizem sobre a análise feita e que dê suas opiniões sobre elas.
No entanto, a apropriação dessas informações só serão efetivas quando se concretizarem em atitudes que ilustrarão o emergir de uma nova competência na relação dos pais
com os filhos.
Segundo Momento: Orientações práticas que articulam e relacionam
pais e escola
A escola desempenha um papel importante, não só na formação cultural dos
alunos, como também na formação do seu comportamento moral e social. O
envolvimento da criança em atividades saudáveis que exploram suas habilidades cria
condições para o fortalecimento de sua auto-estima, autoconfiança, autocontrole e vínculo com o próximo.
Os pais precisam estar em cumplicidade com a escola e as regras de boa
conduta precisam ser compartilhadas e cobradas das crianças e adolescentes. Caso
haja infração do que foi previamente acordado é necessário que haja conseqüências.
Tais conseqüências são administradas pela escola e pelos pais e precisam ser proporcionais ao erro cometido, assim como, à maturidade da criança. Porém, mais importante que isso, é proporcionar à criança oportunidades para aprender comportamentos
alternativos e evitar que novos atos delinqüentes ocorram. Não basta punir o comportamento inadequado, é importante que ela se sinta valorizada pelos comportamentos
adequados que apresenta e pela pessoa que ela é. Caso contrário, comportar-se de
forma opositora passa ser a melhor forma de ser percebida e de obter atenção. Escola
e pais precisam ser cúmplices, trabalhando em uma mesma direção para ajudar a
criança a desenvolver condutas de civilidade.
Neste momento, é importante que se discuta com os pais as análises realizadas a partir das avaliações feitas na escola da criança (no caso esta já deverá ter sido
realizada). Considera-se adequado estimular os pais a entrar em sintonia com a escola, de forma que as conseqüências administradas na escola não entrem em atrito com
as escolhidas pelos pais. Caso os posicionamentos de pais e escola sejam muito
incompatíveis, cabe ao psicólogo entender as causas dessa incompatibilidade e verificar as possibilidades de harmonia. Caso isso não seja possível, a troca de escola pode
ser considerada levando em conta os sentimentos e o bem estar da criança envolvida.
Terceiro Momento: Alternativas e Novas Práticas Educativas Baseadas nos Princípios da Análise do Comportamento
Neste terceiro momento, o psicólogo deve apresentar aos pais alternativas
educativas, ou seja, novas estratégias que possam promover a redução dos comporta-
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mentos anti-sociais e aumentar comportamentos de civilidade. Uma possibilidade seria explicar sobre as formas de aquisição de comportamentos, descrevendo sobre as
aprendizagens comportamentais por meio de modelação, instrução verbal e modelagem. Na modelação, é necessário mostrar aos pais a importância desse aprendizado
e dos papéis deles como principais modelos para seus filhos. É importante que os pais
saibam que aqueles comportamentos que desejam que seus filhos apresentem sejam espelhados em sua própria conduta, já que serão imitados por seus filhos tanto
nos padrões adequados como nos inadequados. Na Instrução verbal, busca-se esclarecer aos pais que seus filhos aprenderão regras, valores e princípios através dos
diálogos com eles. Quanto mais fortalecido o vínculo parece que melhor se torna “o
peso das palavras” dos pais. Também se faz necessário ajudar os pais a entender que
seus discursos verbais precisam ser compatíveis a idade e ao grau de maturidade da
criança. E, por último, a modelagem implica em ensinar aos pais a administrarem de
forma consistente as conseqüências, estabelecendo regras nas quais as conseqüências descritas possam ser, de fato, cumpridas. Nesse processo, a explicação sobre a
importância do reforço positivo para elevar freqüências de comportamentos e o estímulo para a redução de padrões coercitivos de interação e aumento de interações positivas, são pontos importantes a serem trabalhados, assim como o uso do processo de
extinção para os comportamentos indesejáveis.
Além dos aspectos levantados no recorte estabelecido neste texto baseado em
experiências práticas desenvolvidas nos últimos anos num contexto específico, muitos
outros aspectos poderão ser considerados e tratados como relevantes em diferentes
perspectivas e dimensões no trabalho de psicoterapia infantil. A reflexão sobre a prática
desenvolvida sob a luz dos referenciais teóricos da psicologia comportamental mostra
que quando terapeuta e pais formam uma aliança de cumplicidade e comprometimento
genuíno para beneficiá-la, tornam-se eles grandes aprendizes e, conseqüentemente,
possíveis multiplicadores dessa aprendizagem, visando o bem estar da criança em
primeiro lugar.
Referências
Abib, J. A. D. (1997). Teorias do comportamento e subjetividade na psicologia. São Carlos: EDFSCAR.
Gôngora, M. A. N., & Sant’Anna, R. C. (1987). Uma proposta behaviorista no contexto clínico.
Conferência apresentada no I Congresso de Terapeutas Comportamentais de Brasília. Brasília (DF),
Departamento de Psicologia da FAFI-CEUB/DF.
Kazdin, A . E. (1991). Effectives of psychoterapy with children and adolescents. Journal of consulting and clinical psychology, 59 (6), 785-798
Marinho, M. L., & Caballo, V. (2001). Da desobediência infantil à personalidade anti-social em adultos.
Pediatria Moderna, 37, 94-99.
Patterson, G. R. (1986). Performance models for antisocial boys. American Psychologist, 41, 432444
Patterson, G. R., Debaryshe, B. D., & Ramsey, E. (1989). A developmental perspective on antisocial
behavior, American Psychologist, 44 (2), 329-335.
Patterson, G. R., Reid, J. B., & Dishion, T. J. (1992). Antisocial boys. Eugene, OR: Castalia.
Stoff, D., & Breinling, J., & Maser, I. D. (1997). Handbook of antisocial behavior research: an
introduction. New York, NY: John Wiley & Sons.
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