VOTO
PROCESSO: 48500.006210/2014-19.
INTERESSADAS: Distribuidoras, Geradores, Comercializadores e Consumidores Livres.
RELATOR: Diretor Tiago de Barros Correia
RESPONSÁVEL: Superintendência de Regulação Econômica e Estudos de Mercado – SRM e
Superintendência de Regulação dos Serviços de Geração - SRG.
ASSUNTO: Proposta de abertura de Audiência Pública para o recebimento de contribuições visando efetuar a
discussão conceitual do Generation Scaling Factor (GSF).
I – RELATÓRIO
1.
Em um sistema predominantemente hidrelétrico, como o brasileiro, a capacidade de geração
varia em função de condições hidrológicas. E, para que haja certo grau de confiabilidade na oferta de energia,
é preciso dimensionar o parque gerador de forma a atender à demanda, diversificando fontes de modo a
suportar eventuais insuficiências do parque hidrelétrico.
2.
Cabe ao Operador Nacional do Sistema Elétrico – ONS a tarefa de gerenciar o despacho do
Sistema Interligado Nacional − SIN, que considera as disponibilidades de cada usina, a quantidade de água
disponível para as usinas hidrelétricas, as restrições operativas e a expectativa de custo de atendimento
futuro, entre outras variáveis.
3.
Assim, para que os riscos hidrológicos dos agentes hidrelétricos fossem compartilhados, uma
vez que não lhes cabe, individualmente, a decisão de quanto ou quando gerar, foi criado, por meio do Decreto
nº 2.655, de 2 de julho de 1998, o Mecanismo de Realocação de Energia – MRE.
4.
Neste sentido, a Associação Brasileira dos Produtores Independentes de Energia Elétrica –
APINE e a Associação de Brasileira das Empresas Geradoras de Energia Elétrica – ABRAGE protocolaram
nesta Agência, em 18 de novembro de 2014 e 5 de março de 2015 1, respectivamente, propostas para
mecanismo de ajuste para compensação dos efeitos da substituição da geração das usinas hidrelétricas
pelas usinas termelétricas fora da ordem de mério de custo.
5.
Em 4 de maio de 2015 o assunto em referência foi a mim distribuído.
6.
Em 19 de maio de 2015, por meio da Nota Técnica nº 038/2015-SRG-SRM/ANEEL, as
Superintendências de Regulação Econômica e Estudos de Mercado – SRM e de Regulação dos Serviços de
1
Cartas PRE 352/14 e Carta nº 018/2015.
Geração – SRG abordoram aspectos conceituais da proposta para mitigação do deslocamento de geração
hidrelétrica apresentada pelos agentes.
7.
É o relatório.
II – FUNDAMENTAÇÃO
8.
Esta seção está dividida em três subseções. A primeira apresenta o entendimento da área
técnica quanto à origem do deslocamento da geração hidrelétrica, a segunda subseção visa abordar a
dimensão econômico-financeira do risco hidrológico e a terceira apresenta os principais questionamentos
acerca do tema.
II.1 RAZÕES PARA O DÉFICIT DE GERAÇÃO HIDRÁULICA EM RELAÇÃO À GARANTIA FÍSICA
9.
O sistema elétrico brasileiro foi estruturado com base na complementaridade hidrotérmica, no
qual uma decisão ótima individual de despacho não necessariamente corresponde à melhor decisão global.
10.
O Decreto nº 2.655, de 1998, estabeleceu que o MRE incluiria regras para a alocação, entre os
seus membros, da energia efetivamente gerada, que deveriam levar em conta as perdas de transmissão e se
basear em parâmetros tais como: I - energia assegurada da usina2; II - capacidade instalada da usina; III geração efetiva de energia de cada usina.
11.
Adicionalmente, pelo MRE, cada agente proprietário de usina hidrelétrica garante que
receberá, a cada período de comercialização, independentemente de sua própria geração, uma fatia da soma
da energia gerada de todas as usinas participantes do mecanismo, proporcional à sua garantia física.
12.
Assim, se os geradores participantes do MRE não produzirem energia suficiente para cobrir
toda a garantia física das usinas integrantes do mecanismo, esses terão um valor de energia alocada menor
que suas garantias físicas, ao passo que, se produzirem um valor maior, todos terão cobertos os seus
montantes de garantia física e ainda existiria uma sobra, chamada de energia secundária.
13.
Essa relação entre a energia hidráulica gerada e a garantia física do MRE é chamada nas
Regras de Comercialização da Câmara de Comercialização de Energia Elétrica – CCEE de Ajuste do MRE.
Anteriormente à versão das Regras de Comercialização de 2012, esse fator era chamado de GSF
(Generation Scaling Factor).
14.
Logo, se em determinado período de comercialização as usinas participantes do MRE geraram,
no total, 95% da garantia física total do MRE, o GSF é de 95% e o MRE ficou deficitário em termos de
geração. Do mesmo modo, se geraram 105% da garantia física total do MRE, o GSF será de 105% e o MRE
ficou, portanto, superavitário.
Naquela época a quantidade de energia que um agente proprietário de uma usina poderia vender era a energia assegurada, que
foi posteriormente substituído pelo conceito de garantia física.
2
15.
A seguir, estão apresentados na Figura 1 os valores de GSF médio anual dos últimos sete
anos. Verifica-se que o menor valor do GSF ocorreu em 2014, que corresponde ao 9º pior ano de todo o
histórico de Energia Natural Afluente – ENA3 para todo o SIN (81% da Média de Longo Termo – MLT4), 6º pior
para o subsistema SE/CO e o pior para o subsistema NE.
GSF médio anual
1,20
1,15
1,13
1,10
1,05
1,08
1,09
1,08
1,03
0,99
1,00
0,95
0,91
0,90
0,85
0,80
2008
2009
2010
2011
2012
2013
2014
Figura 1: GSF médio anual (Fonte: CCEE)
16.
A Figura 2, a seguir, mostra as três piores séries de ENAs do SIN, em comparação com as
ENAs referentes aos anos de 2001, 2014 e 2015 (verificadas até o mês de abril de 2015).
Figura 2: Piores Energias Naturais Afluentes do SIN em comparação com os anos 2014 e 2015
17.
Além disso, verifica-se que as Energias Armazenadas – EAR5 do SIN foram baixas durante
todo o ano de 2014 (Figura 3), chegando em novembro com a pior EAR já registrada, e iniciando o ano de
2015 com os mais baixos armazenamentos já registrados no período.
ENA: corresponde à valoração energética da vazão natural afluente dos aproveitamentos hidrelétricos.
MLT: média da ENA discretizada por mês com dados desde 1931.
5 EAR: energia elétrica associada ao volume armazenado em um reservatório, para cujo cálculo se considera a produtividade do
reservatório e das demais usinas hidroelétricas a jusante, descontando-se o volume morto.
3
4
Figura 3: Energias Armazenadas do SIN (%EARmáx) dos últimos 16 anos. Fonte: ONS
18.
Observa-se, assim, uma estreita relação entre as condições hidrológicas observadas em
2014 e 2015, com os baixos níveis de GSF registrados, indicando que os níveis de desempenho atuais do
MRE são resultados de baixa hidrologia.
III.2 O EFEITO DO GSF SOB A PERSPECTIVA ECONÔMICO-FINANCEIRA
19.
A existência do GSF é um fato, todavia, a mensuração dos efeitos econômicos e financeiros
da geração hidráulica abaixo da garantia física para os agentes não é trivial.
20.
Como relatado, o sistema elétrico brasileiro dispõe do MRE como instrumento para conciliar o
despacho centralizado do ONS e o atendimento pelos agentes geradores hidráulicos dos contratos de energia
firmados.
21.
Esse mecanismo serve ao compartilhamento do risco hidrológico e não à sua total mitigação,
haja vista que para determinadas situações ele é insuficiente para atender todos os compromissos dos
geradores hidráulicos6. Assim, a gestão do risco hidrológico é componente importante na análise de risco do
negócio de geração hidrelétrica no Brasil.
22.
Mesmo em um ano de desempenho positivo, o MRE pode ser incapaz de evitar resultados
desfavoráveis para alguns geradores hidráulicos. A primeira razão para esse fato é que o resultado anual do
MRE não é distribuído de maneira uniforme durante todos os meses do ano. Isso ocorre porque os diversos
agentes participantes do mecanismo têm direito à sazonalização de sua garantia física de acordo com suas
estratégias individuais de gestão de portfólio.
23.
Além disso, a própria geração efetiva do MRE é sazonal, em função da alternância de
estações climáticas, de modo que mesmo na hipótese de a garantia física do MRE ser sazonalizada de
O Relatório SEM/Eletrobras, de 1997, que subsidiou a criação do MRE já alertava que o mecanismo poderia ser insuficiente para
determinadas situações.
6
maneira uniforme (a chamada sazonalização “flat”) ou de um agente sazonalizar pela média do mercado, o
comportamento do regime hidrológico ocasiona meses com resultado físico do MRE7 positivo ou negativo.
24.
A segunda razão é que o Preço de Liquidação de Diferenças – PLD, que define a potencial
valoração financeira dos resultados físicos do MRE, também alterna mensalmente, tendo relação inversa com
o regime hidrológico. Destaca-se que essa relação do preço com o regime hidrológico é natural e esperada,
pois quanto menor a geração hidrelétrica, menor a oferta de energia, implicando maior preço.
25.
Essa relação implica dizer que os riscos são assimétricos, ou seja, que o potencial dano
financeiro de um déficit físico não é compensado por uma sobra física de igual tamanho, pois o déficit
geralmente custa mais do que o valor de venda da sobra.
26.
E como os agentes do MRE podem mitigar esse risco de perda financeira? A partir de
decisões sobre o quanto comercializar da garantia física anual e sobre como sazonalizar a entrega dos
contratos vendidos e da garantia física ao longo do ano, de modo a limitar as perdas financeiras máximas e
aumentar os ganhos potenciais.
27.
Essas decisões são relevantes, pois a exposição financeira efetiva não depende da
comparação entre geração alocada pelo MRE e garantia física sazonalizada, mas entre essa geração e o
montante de energia destinado a entrega contratual, que, por sua vez, é limitado à garantia física anual. Ou
seja, o risco máximo de perda financeira é limitado pela garantia física, mas pode ser menor, caso o agente
não venda toda essa garantia.
28.
A realida, entretanto, é ainda mais complexa. Na gestão de riscos do negócio de geração,
inclusive do risco hidrológico, além da definição de quantidades e perfis de sazonalização, os agentes adotam
estratégias de mitigação que envolvem diversificação de fontes e de clientes, vendas em modalidades
contratuais diversas e administração de uma margem de segurança (hedge) para fins de comercialização que
podem envolver partes relacionadas e estratégias de conglomerado.
29.
A relação contratual de compra e venda de energia nada mais é do que uma relação de
alocação de risco entre comprador e vendedor, nos quais as partes chegam a um perfil de contratação
(modalidade contratual, prazo, preço e quantidade) compatível com as suas expectativas de maximização de
utilidade, manifestada no binômio risco retorno.
30.
Entretanto, a concretização do risco, enquanto efeito negativo a ser arcado por uma das
partes do contrato, é decorrente da efetiva execução contratual vis-à-vis do comportamento dinâmico do
objeto pactuado, neste caso, a energia elétrica.
31.
Assim, a efetivação do risco não deve ser suposta em tese, mas deve ser analisada
concretamente frente aos resultados gerados. Ainda que uma decisão pretérita diferente gerasse um
resultado melhor para a parte onerada, o ônus é a materialização da incerteza inerente à decisão tomada exante.
7
O resultado físico do MRE aqui considerado como a diferença entre a energia alocada e a energia sazonalizada para fins do MRE.
32.
Um agente de geração mais avesso ao risco, por exemplo, pode exigir contratos de venda
mais curtos para possuir maior flexibilidade de gestão ou pode optar deliberadamente por deixar parte de sua
energia descontratada para não se expor aos efeitos de períodos de crise hidrológica. Essa postura mais
avessa reduz a receita esperada, não obstante crie maior previsibilidade de despesas.
33.
Por outro lado, uma postura de apetite ao risco induziria a uma venda maior, menor
flexibilidade e deveria ser acompanhada de maior preço, assumindo que a premissa de maximização de lucro
é aplicável a qualquer decisão de negócios. A receita esperada seria maior em compensação a uma queda
na previsibilidade das despesas e, portanto, dos resultados.
34.
a seguir.
Essa discussão é importante para que se avaliem algumas questões fundamentais, descritas
II.3 DISCUSSÃO CONCEITUAL
35.
Com o objetivo de permitir um amplo debate com os agentes envolvidos e com a sociedade e
obter subsídios adicionais sobre o tema, afigura-se pertinente submeter a tese em tela à Audiência Pública
para o recebimento de contrinuições visando efetuar a discussão conceitual do GSF, em torno da avaliação
das seguintes questões:
a) Existe dispositivo legal ou contratual que estabeleça limitação à responsabilidade dos agentes
geradores hidrelétricos de suportar o risco hidrológico sistêmico? Em não havendo tais
dispositivos, faz sentido estabelecer um limite de exposição ao risco hidrológico no futuro? Qual
seria esse limite?

As áreas técnicas entendem que não há dispositivo legal ou regulamentar que
estabeleça limitação ao risco hidrológico e que tampouco faria sentido inserir essa
limitação aos contratos vigentes, dados os mecanismos de gestão disponíveis aos
geradores e o respeito as condições pactuadas na alocação desse risco entre
consumidores e geradores. (Seção III.2 da Nota Técnica nº 038/2015-SRGSRM/ANEEL).
b) Os agentes de geração dispõem de instrumentos comerciais para gerir ou mitigar o risco
hidrológico sistêmico? Qual o custo de oportunidade associado aos instrumentos de gestão do
risco?

As áreas técnicas entendem que o agente dispõe de alternativas de mitigação de risco,
tais como definição de preços, prazos e quantidades vendidas. Essas alternativas
representam uma escolha sob risco, de modo que se houver custo, ele é decorrente de
uma postura de agressividade ou aversão ao risco, ou seja, eventual perda ou ganho de
uma decisão é manifestação do binômio risco-retorno. (Seção III.2 da Nota Técnica nº
038/2015-SRG-SRM/ANEEL).
c) Faz sentido separar o risco hidrológico das demais decisões comerciais dos agentes de geração,
como a sazonalização da garantia física ou a não consideração de perdas de transmissão, por
exemplo?

As áreas técnicas entendem que essa separação não faz sentido, tendo em vista que a
gestão do risco pelo agente envolve diversas ferramentas, como diversificação de fontes,
escolha de modalidades contratuais, contrapartes, preços, prazos e quantidades de
venda. (Seção III.2 da Nota Técnica nº 038/2015-SRG-SRM/ANEEL).
d) Qual deveria ser a fórmula de cálculo do impacto econômico do risco hidrológico sistêmico sobre
os geradores hidrelétricos?

Segundo as áreas técnicas, não haveria uma fórmula capaz de aferição o impacto
isolado do risco hidrológico, tendo em vista que a manifestação do ônus decorrente de
uma conjuntura hidrológica desfavorável só se dá caso a estratégia comercial do agente
seja levada em consideração. Como cada agente possui sua estratégia, o efeito do
cenário hidrológico desfavorável só pode ser aferido caso a caso. (Seção III.2 da Nota
Técnica nº 038/2015-SRG-SRM/ANEEL).
III – DIREITO
36.
A presente análise foi realizada com observância dos seguintes diplomas legais: (i) Lei n°
9.427/1996; (ii) Lei nº 10.848/2004; (iii) Decreto nº 2.335/1997; (iv) Decreto nº 5.163/2004; e (v) Decreto nº
5.177/2004.
IV – DISPOSITIVO
37.
Do exposto e do que consta no Processo nº 48500.006210/2014-19, voto pela abertura de
Audiência Pública, por intercâmbio documental, no período entre 28 de maio a 26 de junho de 2015, com o
objetivo de receber contribuições a respeito dos questionamentos apresentados na Subseção II.3 deste voto,
visando efetuar a discussão conceitual do Generation Scaling Factor (GSF).
Brasília, 26 de maio de 2015.
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