CENTRALIDADE DA TECNOLOGIA NO CURRÍCULO ESCOLAR: COMO
SE PROCESSA ESSA RELAÇÃO?
FERREIRA, Maira – UNILASALLE/UFRGS – [email protected]
WORTMANN, Maria Lúcia C. – UFRGS/ULBRA – [email protected]
EIXO: Currículo e Saberes / n.02
Sem financiamento
Introdução
A orientação dos Parâmetros Curriculares Nacionais (PCNs) sobre a inserção de
temas que envolvam a vida social dos sujeitos tem sido bastante discutida na escola e
em cursos de formação de professores. Na educação escolar, a ênfase ao tratamento de
“novos” temas vem acompanhada da ênfase na abordagem da Tecnologia como questão
que deve permear o ensino, sendo possível perceber esse movimento no modo como vão
sendo incorporadas essas orientações, em diferentes produções da cultura utilizadas
como materiais didáticos.
Não é de hoje que se observa, também, nos meios de comunicação de massa
uma preocupação em abordar aspectos que envolvem Ciência e Tecnologia, sendo a
associação entre ciência, tecnologia e sociedade, um aspecto recorrente no discurso
midiático, bem como nos discursos científico e pedagógico. Essa abordagem,
possibilitada pelas tecnologias de informação, se configura, hoje, como uma forma
alternativa de gerenciamento da vida e um modo de organização da sociedade. Vattimo
(1994) caracteriza a sociedade pós-moderna como a sociedade dos meios de
comunicação e afirma que esses meios posicionam a sociedade como mais transparente,
mas mais complexa e mais caótica (p. 13), sendo esse relativo caos o que estabeleceria
condições para a aceitação do efêmero, do fragmentário, do descontínuo e do próprio
caótico.
E é nessa direção que encaminho a argumentação de que vivemos em uma
sociedade globalizada, na qual a prática do consumo não se limita aos bens materiais
(embora seja inerente a esses), mas se institui como modo de vida. A educação escolar,
em especial a educação em ciências, tem recorrido com freqüência à associação entre
ciência e tecnologia como uma possibilidade de atualização e de transposição dos
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conhecimentos científicos à vida cotidiana. Assim, na indicação de mudança
pretendidas na educação, salienta-se a centralidade que a tecnologia vem tomando em
diferentes discursos e na produção de materialidades que, por sua, vez reforçam a
valorização do desenvolvimento tecnológico na educação escolar.
Essa pesquisa consistiu em examinar textos e imagens de uma revista de
divulgação científica – a Revista Superinteressante –, na intenção de localizar
abordagens de ciência/tecnologia e o modo como a associação entre tecnologia e a
produção de bens e serviços, se apresenta como forma de “atualizar” os conhecimentos
que, muitas vezes, são incorporados aos conteúdos escolares.
Vemos essa busca de “atualização”, também, nos materiais didáticos e nos
documentos que instituem os Parâmetros Curriculares Nacionais quando nos deparamos
com enunciados do discurso pedagógico que recorrem à associação entre ciência e
tecnologia como “novidade” a ser incorporada à educação escolar. Normalmente, é
salientada a necessidade de considerar-se às aplicações da ciência e do desenvolvimento
tecnológico à vida social, incentivando-se o uso de diferentes recursos materiais que
contemplem essa abordagem, tais como jornais e revistas. Mas, seriam esses materiais
apenas materialidades que veiculam o conhecimento científico-tecnológico que
queremos ensinar, ou são artefatos que, também, constroem a Ciência e a Tecnologia
que veiculam?
Metodologia do trabalho
A busca de entendimento de como são construídos os textos da mídia e a forma
como esses constroem verdades acerca do que é adequado aos sujeitos conhecerem, nos
fez olhar com maior atenção para a valorização do jornalismo científico da Revista
Superinteressante, especialmente pela importância atribuída a temas que focalizam a
tecnologia associada à produção de bens e serviços. A escolha dessa revista e do
jornalismo científico que compõe suas matérias foi uma opção, em meio a outras,
devido ao reconhecimento dessa mídia por professores/as e estudantes como material de
"apoio" para a realização de algumas atividades escolares. A revista é considerada uma
das mais importantes revistas de divulgação científica dirigida ao público brasileiro e se
propõe a facilitar o entendimento da ciência e da tecnologia através de uma linguagem
simples e clara.
A pesquisa foi desenvolvida na vertente teórica dos Estudos Culturais e busca
problematizar o modo como se confere legitimidade à ênfase dada ao papel da
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tecnologia como eixo central na educação escolar. Esse campo de estudos – os Estudos
Culturais – possibilita tratar as ações desenvolvidas pela mídia como práticas culturais,
ampliando a discussão sobre o papel da cultura nas práticas sociais. No caso que
estamos examinando, isso se refere a olhar para as revistas de divulgação científica
como práticas sociais ligadas à cultura, uma vez que constituem ações articuladas no
social, no político, no econômico e no pedagógico, entre outros, que se dão pelos e nos
discursos. Stuart Hall (1997a) afirma que “toda prática social tem condições culturais ou
discursivas de existência. As práticas sociais, na medida em que dependam do
significado para funcionarem e produzirem efeitos, se situam ‘dentro do discurso’, são
discursivas” (p. 34).
Assim, os Estudos Culturais se apresentam na contemporaneidade como uma
perspectiva intelectual importante, pois tomam a cultura, ao mesmo tempo, como objeto
do estudo e como substrato onde a investigação se dá, articulando-os mutuamente.
Nesse sentido, a análise que fizemos de enunciados do discurso midiático da Revista,
implicou considerar a linguagem como constituidora dos significados que dão à ciência,
tecnologia e consumo um caráter que, no nosso entendimento, configura mudanças
curriculares na educação brasileira.
O trabalho, vinculado às abordagens curriculares que lidam com a produção
cultural do conhecimento escolar, tal como procede Popkewitz (1994) em seus estudos
no campo do currículo, visou mostrar como a Revista Superinteressante dá visibilidade
às aplicações da tecnologia na vida social. Para tal, analisamos textos e imagens em
edições mensais da Revista, nos anos de 1997 e 1998. Nesses textos procuramos
categorizar alguns temas – tais como os cuidados com a saúde/aparência ou com o meio
ambiente – que possibilitam a associação entre ciência, tecnologia e consumo de
produtos e serviços, e indicar como esses são anunciados como atuais e
contemporâneos, o que justificaria sua inclusão aos conteúdos escolares.
Assim, buscou-se compreender o modo como a Revista Superinteressante tem-se
constituído como espaço de ensino que interage e cria novos significados à educação
escolar, instituindo processos cujo caráter "extra-escolar" pode-se configurar naquilo
que Giroux (1995) chama de pedagogia cultural. Para Silva (1999), "os processos
escolares tornam-se comparáveis aos processos de sistemas culturais extra-escolares,
mesmo que esses últimos careçam do objetivo explícito de ensinarem um corpo de
conhecimentos" (p. 139). Com essa compreensão, procuramos ver as condições de
emergência dos enunciados que compõem os discursos do jornalismo científico nas
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temáticas que a mídia põe em destaque, reconhecendo alguns desses enunciados no
discurso pedagógico que “elege” temas para educação escolar, cujo conhecimento passa
a ser "imprescindível" para que as pessoas "compreendam e utilizem a Ciência como
elemento de interpretação e intervenção, e a Tecnologia como conhecimento sistemático
de sentido prático" (BRASIL, 2000, p. 29).
Jornalismo científico da Revista Superinteressante: Ciência, Tecnologia e
Consumo
Costa e Silveira (1998) em análise realizada na Revista Nova Escola, indicam
como nessa revista se processava de forma minuciosa a articulação de “mecanismos de
autolegitimação que a credenciam diante de seus leitores e leitoras como autoridade na
formulação de discursos válidos e relativos aos mais variados âmbitos e temáticas”
(p.351). Nesse sentido, também, a Revista Superinteressante articula alguns
mecanismos para legitimar a Ciência que descreve e que produz e, ainda, legitima-se
como dotada de autoridade para apresentar e cientificizar os assuntos que trata. A
importância da ciência e do desenvolvimento tecnológico, bem como as aplicações da
tecnologia à vida das pessoas é fotografada, desenhada, esquematizada de modo a
indicar sua constante atualização, sendo possível perceber o uso estratégico que se vai
fazendo nessa revista, tal como na Revista Nova Escola, de mecanismos nos quais “vai
sendo urdida uma representação do periódico apresentando-o como veículo do novo, do
válido, da competência” (COSTA e SILVEIRA, p. 35). Tais considerações de Costa e
Silveira, embora não estejam sendo referidas à revista na qual realizamos este estudo – a
Revista Superinteressante –, são pertinentes, pois, nesta revista também percebe-se o
uso de mecanismos para mostrar sua constante atualização ao tratar temas acerca da
ciência e da tecnologia, reforçando alguns enunciados que circulam na escola.
Considerando a importância que tem assumido o uso de revistas como material
de apoio ao material didático na educação, e considerando uma dada seleção de
temáticas em função da articulação dessas aos temas transversais dos PCNs, procuramos
ver as estratégias utilizadas pela Revista Superinteressante para dar visibilidade e status
de “cientificidade” a alguns temas “cotidianos”. Para isso, fizemos a análise de algumas
reportagens da Revista, buscando mostrar esse movimento de “atualização” dos
conteúdos, especialmente na educação em ciências, a partir da visibilidade dos temas e
de sua legitimação pelo uso de credenciais de especialistas. Assim, alguns assuntos,
antes considerados temas cotidianos por abordarem questões tidas como do “senso
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comum”, passam a ser tomados como científicos, ao serem submetidos a críticas ou ao
aval de especialistas.
A atribuição de uma dimensão “educativa” à tecnologia e à produção de
produtos e serviços é posta em destaque pela Revista Superinteressante em muitas de
suas matérias/reportagens. É interessante destacar que nelas estão articulados
enunciados bem próprios ao discurso científico, ao discurso médico, ao discurso
ecológico e ao discurso pedagógico, entre outros. No quadro que segue, apresentamos o
levantamento feito em matérias/reportagens de capa, nos anos de 1997 e 1998, com
temas que poderiam ser relacionados ao cotidiano dos sujeitos, especialmente, os que
tratam assuntos como meio ambiente e saúde, e que associam tecnologia ao uso de
produtos e serviços.
Quadro 1: Reportagens de capa da revista Superinteressante sobre meio ambiente e saúde, nos
anos de 1997 e 1998.
1997
• (JAN)
- COSMÉTICOS CIENTÍFICOS – Agora a beleza virou assunto de cientistas: Contra as rugas
(cápsulas minúsculas vão mais fundo, com rejuvenescedores cada vez mais potentes); Novos filtros
solares (eles não deixam a pele nem sequer esquentar e protegem por mais tempo).
• (MAR)
- Reabilitação: A medicina que até parece milagre
• (ABR)
- Cientistas brasileiros surpreendem o mundo com remédios de serpentes: O VENENO DO BEM
- Viver mais: como a Ciência quer prolongar a juventude
• (MAI)
- Vem aí o nariz artificial. Aqui, você vai saber tudo sobre ele – e vai entender como funciona o olfato.
Para começar...CHEIRE ESTA REVISTA. E veja se você reconhece o aroma
• (JUL)
- Cientistas alertam: cuidado com as academias
• (SET)
- NO FUNDO DO CORAÇÃO. Uma nova técnica brasileira que revoluciona as cirurgias cardíacas
• (OUT)
- Pior para o câncer: quimioterapia sem efeito colateral
• (NOV)
- O CURATIVO GENÉTICO. A medicina já começou sua maior revolução. Em breve com um
simples toque no DNA do paciente, ela será capaz de curar.
- El Niño – Entenda como e por que ele causa tanto pandemônio no clima mundial
1998
• (JAN)
- OS MARES ESTÃO SUBINDO – Será que todos vamos por água abaixo?
• (ABR)
- Novas verdades sobre a MACONHA, uma droga perigosa, sim!
• (MAI
- HIPNOSE – Ela já foi condenada como um truque de charlatões. Hoje, comprovada pela ciência,
ajuda a medicina a curar muitas doenças.
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• (JUN)
- Transfusão do futuro: Pesquisadores em busca do sangue artificial
- Inflamável: Por que os incêndios ameaçam cada vez mais a Amazônia
• (JUL)
- APRENDENDO NO ÚTERO – Como a personalidade e as emoções começam a se formar antes do
nascimento.
• (SET)
- MUITO MAIS PRAZER – Depois do sucesso do Viagra, vêm aí novos tratamentos para ajudar
homens e mulheres a fazer amor.
• (OUT)
- Sua saúde em perigo – Os remédios que prometem tudo e não cumprem nada
• (NOV)
- Uma clínica americana inaugura serviço de escolha do sexo dos bebês. Em menos de vinte anos,
outros itens também serão opcionais. COMEÇOU A ERA DA SELEÇÃO ARTIFICIAL
- Cerco ao câncer – Novas drogas querem matar o tumor de fome
• (DEZ)
- Anticoncepcional: A pílula do dia seguinte
O estudo de análise de textos e imagens de reportagens da Revista nos
possibilitou ver que o tratamento das “descobertas” científicas e do desenvolvimento
tecnológico ali enfatizados, são complementados pela gama de informações sobre
produtos/serviços associados às tecnologias apresentadas. Especialmente os temas que
se referem a corpo/estética, medicamentos, drogas, alimentação, sexualidade e meio
ambiente, assuntos freqüentemente indicados como necessários e relevantes, são
legitimados pelo uso de “credenciais” conferidas aos especialistas chamados com
freqüência a legitimar pontos/contrapontos da argumentação, uma vez que, tal como
afirmam Costa e Silveira (1998): “quem ousaria discordar dos especialistas?” (p. 352).
Mesmo que muitos temas tratados em matérias jornalísticas gerem polêmicas em
função do título ou da argumentação utilizada, no caso do uso da tecnologia para a
melhoria da vida social parece haver uma intenção deliberada em instituí-las. É
interessante indicar que muitos argumentos encontrados nos textos da Revista
Superinteressante, colocam em circulação o entendimento de “especialistas” (médicos,
pesquisadores da área de medicamentos, educadores e cientistas), conferindo aos temas
credibilidade para que sejam apresentados, falados, discutidos e terem visibilidade.
Trago como exemplo a reportagem intitulada Cosméticos Científicos1, que tem
na própria chamada de capa o destaque: “agora a beleza virou assunto de cientistas”.
Essa matéria, inserida na seção Bioquímica, ocupa oito páginas da revista e os textos
apresentados, na seqüência da reportagem, trazem as seguintes expressões: “Tudo
1
Revista Superinteressante, jan/1997, p.38-45.
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7
beleza – a Ciência dos cosméticos” (p. 38), “Para a pele, todo dia é dia – limpar,
tonificar e hidratar são três cuidados diários indispensáveis para homens e mulheres” (p.
41), “O sol que aos poucos nos envelhece” (p. 42), “Espremeção geral – a celulite
aparece quando células de gordura malnutridas se deformam” (p. 43), “As conquistas
por um fio – os cabelos saíram ganhando como novos produtos de higiene e avanços nas
fórmulas de tintas” (p. 44). Em cada um desses enunciados pode-se reconhecer a
“oferta” de produtos e serviços associados ao desenvolvimento científico-tecnológico
que, por sua vez, tornam aparência e beleza um “indicativo” de saúde.
Nesse sentido, um outro aspecto que tem sido associado à saúde é a necessidade
imperiosa da prática de atividades físicas. A reportagem intitulada Cientistas alertam:
cuidado com as academias2, inserida na seção Boa Forma, traz as seguintes chamadas:
“A Ciência manda pegar leve” (p. 36), “Um Brasil de mil formas e vaidoso derretendo a
gordura” (p. 38), “Suor até debaixo d’água – a corrida na piscina surgiu para reabilitar
atletas lesados, agora ganha praticantes saudáveis que desejam entrar em forma sem
correr riscos” (p. 38), “Os aparelhos definem os músculos – Ataques aos pneus e
máquinas torneiam as coxas” (p. 39), “Basta se mexer no dia-a-dia” (p. 40). Nessa
reportagem, desde o seu título e passando pelos destaques feitos ao longo da matéria,
muitas são as explicações e considerações feitas por médicos e professores de Educação
Física, na direção de indicar o que deve ser feito para preservar a saúde e deixar, ao
mesmo tempo, os corpos esculpidos, belos e com músculos bem distribuídos, tal como
indicam as imagens que ilustram a reportagem: fotos de jovens com corpos magros e
musculatura bem definida.
Essas são situações que fortalecem modos de representar a saúde associando-a
aos cuidados com o corpo, na verdade a algumas especiais representações de corpos,
que se constituem a partir de “recordes de calorias conquistadas ou eliminadas e de
muita massa muscular delineada” (SANT’ANNA, 2000, p. 54). Nelas também se
configura, o quanto a tecnologia e a “necessidade” de consumo não estão associadas
apenas à aquisição de alguns produtos, mas também a aquisição de alguns modos de
vida, sendo um dos mais frequentemente destacados o que implica freqüentar academias
de ginástica, procedimento que passa a ser configurado como uma necessidade para as
pessoas de modo geral e, em especial para os jovens.
2
Revista Superinteressante, jul/1997, p. 36-41.
7
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Na direção que estamos indicando, pode-se ver, também, a centralidade da
tecnologia em aspectos e questões referentes ao meio ambiente. A reportagem de capa
intitulada Os mares estão subindo – será que todos vamos por água abaixo?3, inserida
na seção Ambiente, associa “prováveis” inundações catastróficas no planeta à poluição
atmosférica e explica que a grande causa do desequilíbrio ambiental seria, então, o
chamado efeito estufa, uma vez que “o manto de poluição, ao impedir a dispersão do
calor terrestre, esquenta os oceanos, causando o aumento do nível do mar” (p.32). Desse
modo, apresentam-se diferentes cenários – alguns menos, outros mais catastróficos –
para indicar que o uso da tecnologia permite prever o aumento do nível do mar e
apontar as causas desse desequilíbrio ecológico: a poluição atmosférica que teria como
conseqüência o alagamento de zonas costeiras e/ou de todo o planeta (p. 33).
Por outro lado, há, hoje, toda uma discussão apontando o “preço” do
desenvolvimento tecnológico em termos ambientais, com indicação de que “a melhoria
das condições de vida é, assim, uma conseqüência natural do aumento e
aperfeiçoamento dos conhecimentos científicos” (ALMEIDA, 2002, p.69). Em
discussões como essa, freqüentemente, é enfatizado a necessidade de contar com esse
desenvolvimento, mas apontando como “ameaça” possíveis situações de calamidade.
Pode-se ver, então, que uma das regularidades observada nessas reportagens é o
desafio do que é usualmente tomado como “verdade”. Podemos citar como exemplo, as
compreensões sobre a responsabilidade individual com relação aos cuidados que
podemos ter com nosso corpo, nossa aparência e nossa saúde e, também, com relação ao
meio ambiente. No caso da Revista Superinteressante, se mesclam discursos do
cotidiano aos discursos: científico, médico, pedagógico e ecológico, legitimando de
certo modo, alguns assuntos como temas que, muitas vezes, ganham espaço na
educação escolar.
Talvez precisemos pensar que ao utilizarmos textos de revistas em sala de aula,
não estamos apenas diversificando os recursos, estamos trazendo para a sala de aula as
“verdades” que esses textos instituem, sendo necessário termos informações para lidar
com o conhecimento científico e tecnológico acerca desses assuntos, de modo a
promover a discussão e reflexão sobre o que está sendo apresentado como “verdade”
nos textos da mídia.
3
Revista Superinteressante, nov/1998, p. 30-37.
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9
Considerações finais
Nos textos e imagens examinados, percebe-se haver nos temas abordados pela
mídia uma “sintonia” com os temas tratados na escola, especialmente na educação em
ciências, evidenciando modos de invocar a atualização dos temas “científicos”
associados à tecnologia que, por sua vez, deve possibilitar o uso de “novos” produtos e
serviços pela sociedade.
Aliás, essa é também a ênfase nos textos dos Parâmetros Curriculares Nacionais
(PCNs), já que esses incluem fortemente a tecnologia como abordagem central nas
diferentes áreas de conhecimentos. Os PCNs destacam a necessidade do
desenvolvimento de mecanismos para que os estudantes compreendam os processos
científico-tecnológicos em uma perspectiva interdisciplinar; destacam, também, a
relação entre desenvolvimento científico-tecnológico e aspectos sócio-político-culturais.
Nesse sentido, o documento dá destaque à necessidade dos conteúdos escolares serem
tratados no âmbito científico e tecnológico, transcendendo a prática imediata e
desenvolvendo conhecimentos de alcance mais universal, de modo a promover a
sensibilização dos sujeitos para as problemáticas globais ou questões econômicas
continentais, em um aprendizado com caráter multidisciplinar e interdisciplinar
(BRASIL, 2000, p. 9).
No caso da Revista Superinteressante, é possível dizer que essa mídia, muitas
vezes utilizada como recurso didático, dá visibilidade à Tecnologia associando-a às
necessidades da vida cotidiana. Nela são abordados assuntos, que também os livros
didáticos têm abordado, como, por exemplo, o uso da “tecnologia” para a manutenção
da beleza, da juventude e de uma estética corporal. A justificativa é que desse modo
poderíamos tornar os sujeitos críticos e responsáveis para cuidar da sua saúde, manter
seu corpo em forma, cuidar da aparência, saber lidar com as novas tecnologias da
informação, e desenvolver ações individuais para a preservação ambiental, entre outros.
Esse olhar para o modo como a Revista dá visibilidade aos assuntos que trata,
pode mostrar que as indicações de atualização de temas a serem tratados na educação
escolar é determinado pela instituição da “necessidade” de falar-se/ensinar-se aquilo que
é de interesse dos alunos, o que, de certo modo, passa a ser definidor da seleção dos
conteúdos escolares, em diferentes épocas. Os materiais didáticos que utilizamos em
sala de aula são processados em diferentes discursos que instituem “verdades” acerca do
papel da ciência e da tecnologia, e precisamos problematizar o uso desses materiais –
livros, revistas, filmes, etc,. – que recomendamos aos professores, em cursos de
9
10
formação inicial ou continuada, ou que utilizamos em sala de aula com os alunos na
educação básica, uma vez que esses não apenas representam a ciência e a tecnologia que
ensinam, eles, também, são produtores dessa ciência e tecnologia.
Ou seja, tanto nos Parâmetros Curriculares Nacionais, como nas revistas, há uma
“valorização” da ciência e da tecnologia e uma preocupação com a constante
atualização dos temas “científicos” associados à tecnologia, com destaque para a
importância de seu uso no desenvolvimento de “novos” produtos e serviços que podem
ser consumidos pela sociedade. Talvez precisemos ampliar essa discussão em cursos de
formação de professores, especialmente na área de ciências, no que se refere, por
exemplo, às implicações econômicas e políticas da produção de bens e serviços nas
sociedades de consumo, configurando outras compreensões à associação entre ciência e
tecnologia, considerando seus efeitos na vida social. Finalizando, poderíamos nos
perguntar: como estamos lidando com esse apelo ao consumo feito pelas produções
culturais – entre essas estão as revistas de divulgação científica e os livros didáticos que
utilizamos ou recomendamos que sejam utilizadas –, a partir do tratamento que dão à
ciência e tecnologia?
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10
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