Faculdade de Medicina da Universidade do
Porto
Serviço de Fisiologia
Aula Teórico-Prática
REGULAÇÃO DO TONO VASCULAR
Texto de Apoio
Dr. Tiago Henriques Coelho
Sílvia Marta Oliveira
Prof. Doutor Adelino Leite Moreira
Porto, Ano Lectivo 2002 / 03
2
ÍNDICE
INTRODUÇÃO ........................................................................................................................ Pg. 3
VASOCONSTRIÇÃO ............................................................................................................... Pg. 6
1. MECANISMOS SUBCELULARES ................................................................................ Pg. 6
2. FACTORES EXTRÍNSECOS......................................................................................... Pg. 8
ADRENALINA E NORADRENALINA ....................................................................... Pg. 8
NEUROTRANSMISSORES NÃO ADRENÉRGICOS, NÃO COLINÉRGICOS .............. Pg. 11
ANGIOTENSINA II................................................................................................ Pg. 12
VASOPRESSINA .................................................................................................... Pg. 15
3. FACTORES DERIVADOS DO ENDOTÉLIO................................................................ Pg. 16
ENDOTELINA ....................................................................................................... Pg. 16
OUTROS FACTORES CONSTRITORES DERIVADOS DO ENDOTÉLIO ................... Pg. 19
VASODILATAÇÃO ................................................................................................................ Pg. 21
1. FACTORES EXTRÍNSECOS....................................................................................... Pg. 21
ACETILCOLINA .................................................................................................... Pg. 21
NEUROTRANSMISSORES NÃO ADRENÉRGICOS, NÃO COLINÉRGICOS .............. Pg. 23
CININAS ............................................................................................................... Pg. 24
2. FACTORES DERIVADOS DO ENDOTÉLIO................................................................ Pg. 26
ÓXIDO NÍTRICO .................................................................................................. Pg. 26
PROSTAGLANDINAS ............................................................................................ Pg. 29
EDHF................................................................................................................... Pg. 30
OUTROS FACTORES VASODILATADORES DERIVADOS DO ENDOTÉLIO ............ Pg. 31
3. SHEAR STRESS ........................................................................................................ Pg. 31
4. PEPTÍDEOS NATRIURÉTICOS……………………………………………………… Pg. 34
5. SISTEMA DOPAMINÉRGICO……………………………………………………….. Pg.36
6. NOVOS PEPTÍDEOS………………………………………………………………… Pg. 36
APELINA………………………………………………………………………... Pg. 36
GRELINA……………………………………………………………………….. Pg. 37
ADRENOMODULINA…………………………………………………………… Pg. 38
SUMÁRIO.............................................................................................................................. Pg. 40
SINOPSE................................................................................................................................ Pg. 41
BIBLIOGRAFIA.......................................................................................................... Pg. 42
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INTRODUÇÃO
The vasculature is a complex organ capable of sensing its environment,
transducing signals to cells within the vasculature or to the surrounding tissues,
and synthesizing local mediators that promote functional or structural responses.
Dzau et al., 1993
O Tónus Vascular, i.e., o grau de contracção sustentada do sistema vascular, regula a resistência
vascular periférica e contribui para a carga contra a qual o coração tem que bombear (Pós-Carga). Podemos
afirmar que “o coração é o órgão de ejecção enquanto que o sistema vascular é o órgão de recepção”.
O Sistema Vascular Periférico, para além de conduzir o sangue do coração para os capilares e destes
novamente para o primeiro, desempenha funções de regulação do tónus arterial, da resistência vascular
periférica (RVP) e do fluxo sanguíneo. Responde com vasoconstrição e hemóstase ao trauma e com
hipertrofia e crescimento à hipertensão luminal. A circulação periférica é regulada por dois mecanismos
principais: um central, o Sistema Nervoso e um periférico, mediado por Factores Humorais. A importância
relativa de cada um difere tendo em conta a região anatómica. A regulação nervosa predomina nas
circulações cutânea e esplâncnica, enquanto que os factores humorais são os principais agentes reguladores
das circulações cerebral e coronária. A interface entre os mecanismos neuronais e humorais é o Endotélio.
As células endoteliais desempenham um papel crucial na regulação do tónus vascular, através da libertação
de substâncias vasoconstritoras e vasodilatadoras, bem como de factores de crescimento e de diferenciação
de células da parede.
A regulação do sistema vascular periférico está dependente da modificação do diâmetro (diminuição
ou aumento) dos vasos de resistência (predominantemente as arteríolas), i.e., da vasoconstrição e da
vasodilatação, respectivamente. Estes processos conhecem um estrito controlo a vários níveis.
A regulação sistémica tem como efectores os nervos que enervam as arteríolas e os factores
vasoactivos circulantes. Na parede dos vasos sanguíneos (à excepção dos capilares e das vénulas) há células
musculares lisas que possuem receptores específicos sobre os quais actuam directamente os
neurotransmissores do Sistema Nervoso Autónomo (SNA). Os factores vasoactivos circulantes são
hormonas que modificam o Sistema Vascular Periférico (SVP) e têm acção vasodilatadora ou
vasoconstritora. Quanto ao seu modo de acção classificam-se em dependentes ou independentes do
endotélio concorde o factor actue directa ou indirectamente (via endotélio) sobre as células musculares lisas
da parede vascular (Fig.1).
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Factores Circulantes
Vasodilatadores
(Dependentes do Endotélio)
R
CE
Factores Relaxantes
derivados do Endotélio
VASODILATAÇÃO
CML
R
Neurotransmissores
Factores Circulantes
Vasoconstritores
R
CE
Factores Constritores
derivados do Endotélio
R
CML
VASOCONSTRIÇÃO
R
Neurotransmissores
Figura 1 – Mecanismos gerais dos fenómenos de vasoconstrição e de vasodilatação. CE – célula endotelial; CML
– célula muscular lisa; R – receptor.
Localmente, o endotélio pode induzir vasodilatação ou vasoconstrição pela secreção (parácrina ou
autócrina) dos denominados factores relaxantes ou constritores derivados do endotélio em resposta ao shear
stress e a variados factores circulantes, modulando o controlo neuronal e humoral do tónus vascular. Os
factores derivados do endotélio actuam, por sua vez, sobre a musculatura vascular lisa estimulando ou
inibindo as proteínas contrácteis.
Da intensa investigação dos mecanismos fisiológicos que regulam a circulação periférica e das
modificações que ocorrem durante estados patológicos (hipercalcemia, acidemia, etc.), surgiram vários
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grupos de fármacos capazes de mimetizar ou de bloquear a acção de substâncias endógenas que participam
no normal controlo da circulação periférica.
O Endotélio assume uma posição anatómica estratégica na parede vascular uma vez que se localiza
entre o sangue circulante e a musculatura lisa vascular, ocupando uma área de 1000 m2. De facto, mais do
que uma presença estática é uma entidade dinâmica, produzindo substâncias vasoactivas, factores de
crescimento e citocinas. Por estas razões é considerado um verdadeiro órgão endócrino. O endotélio funciona
como um mecanotransdutor que é sensível ao fluxo e à pressão e modula o tónus vascular em conformidade.
De particular importância é o facto do endotélio ser uma fonte de inúmeros mediadores que modulam o
estado contráctil e as respostas proliferativas das células musculares lisas, a função plaquetária, a coagulação
e a adesão de monócitos (Quadro I). A produção de substâncias pelo endotélio pode ser estimulada por
células como os leucócitos e as plaquetas e também por forças físicas como o shear stress.
O endotélio vascular está funcionalmente perturbado na Aterosclerose, na Diabetes Mellitus, na
Hipercolesterolémia, na Hipertensão Arterial (HTA), na Menopausa, na Senescência e no Tabagismo. Esta
disfunção endotelial contribui para a vasoconstrição, adesão das plaquetas e leucócitos, proliferação e
migração das células musculares lisas, fenómenos implicados no desenvolvimento da aterosclerose.
Quadro I – Funções propostas para o Endotélio Vascular.
Função
Exemplos
Libertação de Factores Vasoconstritores
Endotelina-1
Libertação de Factores Vasodilatadores
Óxido Nítrico, Prostaciclina
Efeito Anticoagulante
Superfície resistente à formação de trombos
Efeito Antiagregante
NO e Prostaciclina
Função Imune
Secreção de Interleucina I
Actividade Enzimática
Enzima de Conversão da Angiotensina
Protecção do músculo liso vascular
Libertação de Factores de Crescimento Vascular
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VASOCONSTRIÇÃO
Os factores circulantes vasoconstritores incluem as catecolaminas (como a Adrenalina, a
Noradrenalina e a Dopamina), a Angiotensina II (AII) e a Vasopressina. A Noradrenalina é o
neurotransmissor vasoconstritor por excelência. As Endotelinas, o Tromboxano A2, a Prostaglandina E2
e D2 e o Ião Superóxido são os factores constritores derivados do endotélio descritos até ao momento.
3. MECANISMOS SUBCELULARES
Os estímulos para a vasoconstrição actuam sobre receptores presentes na membrana da célula muscular
lisa, como a angiotensina II ou a endotelina. Estes receptores são os responsáveis pela transdução do sinal em
resposta mecânica e têm em comum o facto de utilizarem o sistema do fosfatidilinositol como segundo
mensageiro (Fig. 2).
O trifosfato de inositol (IP3) e o tetrafosfato de inositol (IP4) actuam intracelularmente no sentido de
aumentarem a concentração de cálcio citosólica, de modo a iniciar o ciclo de contracção no músculo liso
vascular. Pensa-se que actuam através de um receptor específico presente no retículo sarcoplasmático.
O diacilglicerol (DAG) forma-se também quando o fosfatidilinositol é degradado pela fosfolípase C.
Estimula a proteína cínase C (PKC) a qual induz uma contracção tónica, provavelmente pela fosforilação
das proteínas contrácteis caldesmona e calponina. A caldesmona liga-se à actina e à calmodulina,
provocando inibição da interacção actina-miosina por competição com a cabeça de miosina. Esta inibição é
revertida aquando da fosforilação da caldesmona. A fosforilação da calponina remove a sua inibição sobre a
ATPase da miosina.
A contracção necessita de ser sustentada para permitir que o tónus do músculo liso vascular tenha
efeito na regulação da pressão arterial. Deste modo, a contracção vascular é do tipo tónico e pode ser
explicada pelo mecanismo de formação das latchbridges. Após a ligação inicial da miosina com a actina,
estas proteínas têm que se manter unidas e só relaxam quando é enviado outro sinal. Deste modo, a geração
da tensão inicial requer cerca do dobro do nível de cálcio citosólico do necessário para manter a tensão
subsequente. À medida que aumenta o ião cálcio citosólico, vai-se ligando, na razão de 4/1, à proteína
calmodulina. Esta sofre alterações conformacionais e activa a cínase de cadeia leve de miosina, que permite
a interacção entre a actina e a miosina. A activação desta cínase é revertida por acção da fosfatase da
miosina de cadeia leve.
As células musculares lisas vasculares possuem dois tipos de canais da cálcio sujeitos a diferentes
estímulos. Os canais de cálcio dependentes da voltagem (VOC) operam em resposta à estimulação
adrenérgica, à despolarização induzida pelo potássio e à automaticidade espontânea. Os canais de cálcio
dependentes de receptores (ROC) respondem à estimulação dos receptores da endotelina, da angiotensina II
e α1. De salientar o mecanismo de acção duplo destes agonistas (via IP3 e via ROC). Por fim há que
considerar um padrão de contracção vascular que ocorre sem elevação do cálcio intracelular . A denominada
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contracção independente do cálcio parece ocorrer pela acção da fosfolípase C sobre precursores
membranares diferentes do fosfatidilinositol que libertam DAG sem formação de IP3. Interessante é a
hipótese de que o estiramento do músculo vascular sensibilize a maquinaria contráctil à PKC.
Os Bloqueadores dos Canais de Cálcio inibem os canais de cálcio dependentes da voltagem (ou
VOC) presentes no músculo liso vascular, causando vasodilatação periférica. A nível coronário têm também
um papel importante na medida em que aumentam o fluxo sanguíneo e diminuem as resistências vasculares
coronárias. A nível cardíaco têm um efeito inotrópico negativo. A Hipertensão Arterial é uma das possíveis
aplicações terapêuticas deste grupo de fármacos.
α1
ΑΙΙ
...
ET
2+
Ca
2+
Ca
Ext
PIP2
RECEPTOR
MC
PLC
Gq
DAG
Cit
IP3
2
Ca
2+
Ca
Calmodulina
Cínase da
cadeia leve
da Miosina
P
Actina
Miosina
Fosfatase
P
Figura 2 – Mecanismos subcelulares da vasoconstrição.
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2. FACTORES EXTRÍNSECOS
ADRENALINA E NORADRENALINA
O controlo neuronal da circulação depende essencialmente do Sistema Nervoso Autónomo (SNA) que
funciona independentemente da consciência. Tem duas grandes divisões, cujas funções se opõem. O componente
Simpático (SNS) ou adrenérgico liberta adrenalina e noradrenalina, em simpatia com estados excitatórios, como o
exercício físico e o pânico. O sistema Parassimpático (SNP) ou colinérgico actua paralelamente ao Simpático,
libertando acetilcolina.
Síntese e receptores
A adrenalina e a noradrenalina (ambas da família das catecolaminas) são os mediadores do SNS.
A classificação e propriedades dos diferentes tipos de receptores adrenérgicos reveste-se de particular
importância para a compreensão dos diversos efeitos das catecolaminas. Os receptores adrenérgicos
constituem uma família de proteínas relacionadas estrutural e funcionalmente com outros hormonas e
neurotransmissores associados a proteínas G. Todos os subtipos de receptores adrenérgicos encontram-se
associados a proteínas G.
Três subtipos de receptores β estão actualmente clonados no Homem. Genericamente, os receptores
β 1 localizam-se no miocárdio e a sua activação tem efeitos inotrópicos, cronotrópicos, dromotrópicos e
lusitrópicos positivos, i.e., aumentam a força de contracção, a frequência cardíaca, a velocidade de condução
e a velocidade de relaxamento. Localizam-se também nas células justaglomerulares renais onde aumentam a
secreção de renina. Os receptores β 2 distribuem-se ao músculo liso vascular, brônquico, gastrointestinal e
genitourinário, causando vasodilatação. Os receptores β 3 localizam-se no tecido adiposo onde promovem a
lipólise.
Os receptores α subdividem-se em dois grandes grupos: α1 e α2. Os receptores α1 localizam-se nas
células musculares lisas (são pós-sinápticos) e a sua activação causa vasoconstrição. Os receptores α2 podem
ser pós-sinápticos ou pré-sinápticos e reduzem a libertação basal da própria NA.
Quadro II – Receptores adrenérgicos envolvidos na regulação do tónus vascular.
Receptores
α1
α2
β1
β2
Localização
Resposta
Músculo liso vascular
Músculo liso vascular
Terminais nervosos pré-sinápticos
Músculo cardíaco (+++)
Músculo liso vascular (+)
Músculo liso vascular (+++)
Músculo cardíaco (+)
Constrição
Constrição
↓ da libertação de NA
Efectores
Gq → ↑ fosfolípase C
Gi → ↓ adenilcíclase
Gs → ↑ adenilcíclase
Dilatação
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Transdução do sinal
Os receptores β estimulam a adenilcíclase pela interacção com a proteína Gs, conduzindo à formação
de AMPc. Segue-se a inibição da cínase de cadeia da cadeia leve de miosina por intermédio da cínase ª
Os receptores adrenérgicos α1 actuam essencialmente por activação da fosfolípase C (com formação
de IP3 e de DAG) via proteína Gq. No músculo liso vascular, são capazes de activar canais de Ca2+ através de
uma proteína G, aumentando a concentração intracelular de Ca2+ e activando a calmodulina e a cínase da
cadeia leve da miosina.
Os receptores adrenérgicos α2 associam-se a vários sistemas efectores sendo o principal a inibição da
adenilcíclase via proteína Gi. A inibição dos canais de K+ via proteína Gi, a inibição dos canais de Ca2+
dependentes da voltagem via proteína G0 e a estimulação das fosfolípases C e A2 são vias de sinalização
alternativas cuja importância não está ainda totalmente determinada.
O número de receptores por unidade de área do sarcolema, ou densidade de receptores, bem como a
sua actividade não são fixos e variam em resposta a situações fisiológicas ou patológicas particulares. A
Dessensibilização refere-se à diminuição da actividade dos receptores sem alteração do seu número total. A
Downregulation implica diminuição da densidade de receptores e pode resultar da internalização com
destruição lisossómica, da diminuição da síntese ou da degradação não-lisossómica de receptores. Desta
forma, a exposição contínua a catecolaminas ou a agonistas simpáticos leva a uma dessensibilização dos
β -ARK) que fosforila o
receptores. A estimulação β prolongada activa a cínase do receptor dos agonistas β (β
receptor, desconectando-o funcionalmente da proteína Gs (os receptores podem ser ressintetizados por acção
de uma fosfatase). Alternativamente, o receptor pode sofrer internalização por sequestração (i.e., formação
de uma vesícula interna a partir de uma porção membranar que contém o receptor) ou por downregulation
verdadeira (com degradação do receptor).
Efeitos vasculares
A estimulação adrenérgica tem efeitos complexos sobre o sistema vascular que diferem com o
subtipo de receptores activado e com a região vascular considerada. Os efeitos vasoconstritores da NA via
receptores α1 são contrabalançados pela adrenalina circulante que estimula os receptores β 2 e causa
vasodilatação. As arteríolas esplâncnicas são uma excepção, uma vez que a adrenalina é sinérgica com a NA
e estimula os receptores α1, causando vasoconstrição e condicionando uma redistribuição do sangue de áreas
não-musculares para áreas musculares. Apesar da NA poder estimular os receptores β 2, o seu efeito global é
vasoconstritor porque os receptores α1 são em maior número e estão anatomicamente mais próximos do local
de libertação da NA do que os β 2 (Quadro III).
Quadro III – Efeitos da adrenalina e da NA no tónus vascular.
NORADRENALINA
Libertada pelos terminais nervosos
Vasoconstrição
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Circulante
Vasoconstrição cutânea, esplénica e renal
Venoconstrição
ADRENALINA CIRCULANTE
Efeito β 2 Vasodilatador
Arteríolas musculares
Efeito α Vasoconstritor
Outros vasos de resistência e veias
A angiotensina II, vasoconstritor circulante que participa no controlo da circulação arterial, tem o
efeito neuromodulador positivo mais potente sobre a libertação de NA pelo terminal pré-sináptico, para além
do seu efeito directo sobre o músculo liso vascular. Os neuromoduladores negativos diminuem a libertação
de NA pelo terminal sináptico e incluem o óxido nítrico e a adenosina. O aumento da actividade
parassimpática (ex. durante a noite), diminui a libertação de NA por intermédio de receptores muscarínicos
pré-sinápticos M2, presentes na varicosidade nervosa.
Correlações clínicas
Os Agonistas α são fármacos que mimetizam a actividade simpática sobre os receptores
adrenérgicos α e o seu principal interesse clínico prende-se com os seus efeitos ao nível do músculo liso
vascular. A sua utilidade clínica é limitada mas de grande interesse em situações de hipovolémia ou de
choque, uma vez que aumenta a RVP e mantém ou eleva a pressão arterial. A fenilefrina é um exemplo de
um vasoconstritor directo com actividade selectiva α1. Alguns agonistas selectivos α2 (ex. clonidina), são
usados no tratamento da Hipertensão Sistémica. Este parece incongruente com a existência de receptores α2
nos vasos sanguíneos associados a vasoconstrição. Esta propriedade resulta principalmente da activação de
receptores adrenérgicos α2 a nível do tronco cerebral onde suprime o fluxo simpático. Exerce também um
efeito de feedback negativo sobre a libertação de NA no terminal pré-sináptico.
Os agonistas β são utilizados quase exclusivamente no tratamento da broncoconstrição dos doentes
com asma. A Isoprenalina é um potente agonista adrenérgico β com baixa afinidade para os receptores α
Deste modo, reduz a RVP e a pressão arterial.
Os Bloqueadores β (ou antagonistas dos receptores β-adrenérgicos), receberam uma enorme atenção
devido à sua eficácia no tratamento da Hipertensão, da Doença Cardíaca Isquémica e de certas Arritmias. O
Propranolol é o protótipo deste grupo. Actua sobre receptores β1 e β2, não têm a actividade agonista nem
bloqueia os receptores adrenérgicos α. As suas aplicações terapêuticas devem-se sobretudo aos seus efeitos
cardiovasculares. A nível cardíaco diminui a frequência e a contractilidade cardíacas. A nível vascular, inibe
a vasodilatação e potencia a resposta constritora da adrenalina. Um dos seus efeitos laterais (arrefecimento
das extremidades ) resulta desta vasoconstrição periférica.
Os Bloqueadores α, ou os antagonistas dos receptores adrenérgicos α, têm a sua principal aplicação
clínica no sistema cardiovascular. Os antagonistas selectivos dos receptores α1 inibem a vasoconstrição e
causam vasodilatação das arteríolas de resistência e das veias, reduzindo assim a pressão arterial. Deste
modo, poderão ser utilizados em situações de Hipertensão. Os antagonistas α2 exercem os seus efeitos
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cardiovasculares actuando no SNC e nos terminais dos nervos simpáticos. Aumentam o fluxo simpático, e
potenciam a libertação de NA pelos terminais nervosos.
NEUROTRANSMISSORES NÃO-ADRENÉRGICOS, NÃO-COLINÉRGICOS
A neurotransmissão autonómica é encarada actualmente de uma forma ampla e envolvente.
Considerando-se que, para além dos neurotransmissores autonómicos clássicos (Acetilcolina e
Noradrenalina), são libertadas outras substâncias, como purinas, eicosanóides e peptídeos, que funcionam
como co-transmissores, neuromoduladores ou mesmo como transmissores. Constituem a designada
transmissão não-adrenérgica, não-colinérgica.
Os nervos simpáticos pós-ganglionares noradrenérgicos contém também o Neuropeptídeo Y que
tem uma acção sinérgica à noradrenalina, i.e.; está envolvido na manutenção do tónus vascular e tem uma
acção vasoconstritora potente e prolongada (os pequenos vasos são os mais sensíveis). Vários subtipos de
receptores do NPY foram identificados e clonados mas todos parecem funcionar via proteínas G.
O ATP encontra-se armazenado em grânulos conjuntamente com as catecolaminas. A libertação de
noradrenalina e de ATP pelos terminais adrenérgicos da vasculatura causam excitação, embora o ATP
desencadeie uma resposta rápida e a noradrenalina uma resposta lenta. A adenosina, resulta do metabolismo
do ATP exerce efeitos inibidores na libertação do neurotransmissor, modulando os seus efeitos.
ANGIOTENSINA II
O sistema renina-angiotensina (SRA) participa na regulação imediata e sustentada da pressão arterial
e é activado por factores que reduzem o volume circulante efectivo.
A Renina é uma enzima sintetizada e armazenada pelas células granulares justaglomerulares,
localizadas na parede das arteríolas aferentes renais e é segregada para a circulação. Tem como principal
substrato o angiotensinogénio. O Angiotensinogénio é uma α2-globulina circulante, sintetizada de forma
contínua pelo fígado. Várias hormonas como os glucocorticóides, a hormona
tireóide e a própria
angiotensina II estimulam a sua síntese. É convertido no decapeptídeo Angiotensina I pela renina.
A Angiotensina I é convertida no octapeptídeo Angiotensina II pela Enzima de Conversão da
Angiotensina (ECA). Esta enzima decompõe também dipeptídeos com sequências variadas de aminoácidos
não sendo, por isso, específica para a angiotensina I. Dada a sua semelhança com a Cinínase II, a ACE
degrada a bradicinina (potente activador do sistema L-arginina – óxido nítrico) nos seus componentes
inactivos. Localiza-se, predominantemente, na superfície luminal do endotélio vascular (principalmente
pulmonar) mas pode também encontrar-se no próprio plasma, no fluído cerebrospinhal, nas células epiteliais
do rim, do tracto gastrointestinal e urogenital, bem como nas estruturas epiteliais e neuronais do cérebro.
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Para além destas enzimas clássicas, foram identificadas inúmeras outras que participam em vias
alternativas para a síntese de angiotensinas.
A Angiotensina I (AI) é rapidamente convertida em angiotensina II (AII) mas per se tem uma
potência relativa sobre o músculo liso, coração e córtex adrenal inferior a 1% à da AII.
A Angiotensina III induz (qualitativamente) uma resposta similar à AII. Têm uma potência similar
na estimulação da secreção de aldosterona mas a AIII é muito menos potente na elevação da pressão
sanguínea e na estimulação da medula supra-renal.
A Angiotensina (1-7), ao contrário da AII, não induz vasoconstrição, libertação de aldosterona, sede
nem facilita a neurotransmissão noradrenérgica. A libertação de vasopressina, a estimulação da síntese de
prostaglandinas são acções que partilha com a AII. Tem também um efeito natriurético e reduz a resistência
vascular renal, pelo que foi proposto que a angiotensina (1-7) actue por forma a contrabalançar as acções da
AII.
A AII tem como principal função o suporte ou o aumento da pressão arterial e a manutenção da
filtração glomerular. A vasoconstrição e a libertação de aldosterona em resposta à AII ocorrem em casos de
hemorragia, desidratação ou alterações posturais e estão actuantes em segundos ou minutos. Outras acções
como o crescimento vascular ou a hipertrofia ventricular demoram dias ou semanas e estão implicados na
patogénese das doenças cardiovasculares hipertensivas crónicas.
Receptores
As angiotensinas exercem o seu efeito através de receptores específicos presentes nas membranas
celulares. Até ao momento, encontram-se caracterizados dois subtipos principais de receptores das
angiotensinas: AT1 e AT2, os quais se distribuem heterogeneamente nos vários tecidos.
Os Receptores AT1 caracterizam-se, tal como outros receptores hormonais, por Saturabilidade (têm
capacidade de ligação limitada), Alta Afinidade e Elevada Especificidade estrutural. Executam a transdução
do sinal (convertem a interacção com as angiotensinas em resposta celular) e regem-se por up e downregulation. Pertencem à superfamília dos receptores com sete domínios transmembranares acoplados a uma
proteína G (Gqα e Giα) e são codificados a partir de um gene presente no cromossoma 3. Estão presentes no
sistema vascular, coração, rins, cérebro, SNA e na supra-renal. As acções medidas por este subtipo de
receptores pode ser avaliada na Quadro IV.
Os Receptores AT2 são ainda largamente desconhecidos sob o ponto de vista estrutural e funcional.
Têm uma distribuição ubiquitária e abundante nos tecidos fetais. No adulto apenas se distribuem à suprarenal, ao ovário, ao endotélio vascular e a locais específicos do cérebro. Especula-se, actualmente, sobre o
seu eventual papel no desenvolvimento e diferenciação celular. É codificado por um gene presente no
cromossoma X. Pertence à família dos receptores com sete domínios transmembranares ligados à proteína G
mas possuem uma homologia na sequência de aminoácidos de apenas 32-34% com os receptores AT1.
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Quadro IV – Acções da Angiotensina II e a distribuição dos seus receptores.
Localização
Sistema Vascular
Coração
Rins
Cérebro
SNA
Supra-Renal
AT1
AT2
Inibição da angiogénese
Vasoconstrição
Hipertrofia Vascular
Angiogénese
Inibição da colagenase
↑ da contractilidade
Hipertrofia Ventricular
↓ Fluxo arterial renal, Efeito variável sobre a taxa de
filtração glomerular
Contracção das células mesangiais e síntese de colagénio
Inibição da libertação de Renina
↑ transporte proximal de sódio
Libertação de Vasopressina e PGE2
Estimulação β-adrenérgica
Biossíntese de Aldosterona
Secreção de Catecolaminas
Transdução do sinal
A ligação da AII ao Receptor AT1 conduz à cascata de transdução do sinal descrita previamente
(vide supra). A AII aumenta também a entrada de cálcio para o interior da célula através de canais de cálcio
tipo L presentes na membrana celular. O cálcio e o DAG activam a proteína Cínase C (PKC) e as Cínases
cálcio-calmodulina, as quais catalisam a fosforilação de proteínas que regulam, por último, a resposta
celular. Estes mecanismos completam-se em segundos ou alguns minutos e são responsáveis pela resposta a
curto-prazo das angiotensinas. As respostas a médio e longo-prazo incluem o crescimento vascular e a
hipertrofia ventricular. Deste modo, as angiotensinas actuam segundo vias celulares comuns aos factores de
crescimento, nomeadamente a via da Cínase da MAP (Mitogen-Activated Protein) e da Jak-Stat (Signal
transducers and activators of transcription), proteínas estas que activam a transcrição de vários protooncogenes, como o c-fos, c-jun, c-myc e o egr-2. Os produtos dos dois primeiros, FOS e JUN, formam o
heterodímero AP-1 que regula a transcrição de genes codificantes de factores de crescimento e proteínas de
matriz extracelular. A activação dos receptores AT1 estimula, também, a Fosfolípase D e a Fosfolípase A2.
Esta metaboliza a fosfatidilcolina em ácido araquidónico (AA) que por sua vez é convertido em
prostaglandinas e tromboxano pela cicloxigénase e em leucotrienos e hidroxieicosatetraenóicos ácidos pela
lipooxigénase, modulando assim a sinalização celular.
Os Receptores AT2 regulam os canais de K+ através da proteína Gi, inibem os canais de cálcio tipo T
através de uma via não identificada e possuem vias independentes das proteínas G. Em condições
fisiológicas, uma das funções dos receptores AT2 é a inibição da angiogénese, pelo que, em condições
patológicas, a expressão destes vem aumentada dado o excessivo crescimento mediado pelos receptores AT1
ou outros. Ressalta deste facto, que a AII pode exercer efeitos antagónicos sobre o crescimento, dependendo
dos subtipos de receptores para as angiotensinas expressos por uma dada célula.
As angiotensinas, actuando sobre alguns tecidos, estimulam directamente substâncias de
contrarregulação como prostaglandinas vasodilatadoras e óxido nítrico (NO). Pelo contrário, os órgãos-alvo
podem amplificar os efeitos tipo angiotensina (angiotensin-like), como sejam as catecolaminas, a endotelina
e os factores de crescimento.
14
2+
Ca
A II
A II
Ext
AT1
AC
Gi
PIP2
PLC
Gq
IP3
MC
PLD
DAG
ATP
AMPc
AT1
PLA2
Cit
PK
AA
TKi
Ca
PGs TXA2 HETEs LTs
MAP Cínase
MODULAÇÃO
TKa
DA
SINALIZAÇÃO
Ca
Calmodulina
STAT
Cínase da
cadeia leve
da Miosina
Calponina
Caldesmona
STAT
PO4
PO4
↑c-fos, ↑ c-jun, ↑ c-myc, ↑ egr-1
Vasoconstrição
Síntese de Aldosterona
Facilitação da Neurotransmissão
Efeitos Cardíacos, Renais e CNS
RESPOSTAS IMEDIATAS
↑ FOS, ↑ JUN
↑ AP-1
↑
(↑
!" Factores de Crescimento
β)
bFGF, ↑PDGF, ↑ TGFβ)
!" Proteínas da Matriz
↑ Colagénio, ↑
extracelular (↑
Fib
ti
↑T
i
)
CRESCIMENTO CELULAR
Figura 3 – Transdução do sinal dos receptores AT1.
O sistema Renina-Angiotensina desempenha um papel crucial na regulação da pressão arterial, a
curto e a longo-prazo. A resposta constritora rápida da angiotensina deve-se a um aumento da resistência
vascular total. Apesar da AII aumentar directamente a contractilidade miocárdica (pela abertura de canais de
cálcio dependentes da voltagem nos miócitos) e indirectamente, aumentar a frequência cardíaca (pela
facilitação do sistema simpático), o rápido aumento da pressão arterial activa o reflexo barorreceptor que
diminui o tónus simpático e aumenta o tónus vagal. Decorre deste facto que a AII pode aumentar, reduzir ou
não alterar a frequência e o débito cardíacos, dependendo do estado fisiológico prévio. Mais importante que
a resposta rápida, é a resposta constritora lenta da AII que contribui para a estabilização da pressão arterial a
15
longo prazo. É mediada pela diminuição da excreção renal de Na+ e água e pelo aumento da excreção de K+.
Para além destas alterações (agudas e crónicas) sobre a pressão arterial, a AII altera a morfologia do sistema
cardiovascular causando hipertrofia das células cardíacas e vasculares.
Correlações clínicas
Os Inibidores da Enzima de Conversão da Angiotensina (IECAs) têm como principal acção no
sistema Renina-Angiotensina, a inibição da conversão da AI em AII pela ACE. Os seus efeitos clínicos
parecem dever-se à supressão da síntese de AII mas também ao aumento da bradicinina, ( a qual estimula a
biossíntese de prostaglandinas), uma vez que a ECA tem vários substratos. Por outro lado, ao interferirem
com as ansas de feed back negativo existentes sobre a renina, provocam um aumento desta bem como um
aumento de AI. Consequentemente, há activação das vias metabólicas alternativas, com aumento da
produção de peptídeos activos como a angiotensina (1-7). A sua principal aplicação terapêutica é no
tratamento da Hipertensão Arterial.
Os Antagonistas dos Receptores AT1 (os ‘sartans’), são dotados de elevada especificidade e
selectividade para o subtipo de receptores AT1, sendo desprovidos de qualquer actividade intrínseca. São um
novo instrumento terapêutico para a Hipertensão Arterial. Actuam por inibição da vasoconstrição e por
diminuição da libertação de vasopressina e de aldosterona, da retenção renal de água e sódio e do
crescimento celular a nível cardíaco, vascular e renal.
VASOPRESSINA
A Vasopressina (VP) ou Hormona anti-diurética é sintetizada nos corpos celulares dos neurónios
magnocelulares localizados nos núcleos supra-óptico e paraventricular, juntamente com a VP-neurofisina
(ou neurofisina II) e VP-glicopeptídeo (ou copeptina). A VP-neurofisina liga-se à vasopressina e é crucial
para um correcto processamento, transporte e armazenamento de VP. O transporte axonal de VP é rápido e
tem como destino não só os botões terminais na neurohipófise mas também a zona externa da eminência
mediana onde entra na circulação porta-hipofisáia, actuando como factor libertador de corticotrofinas. O
principal estímulo fisiológico para a secreção de VP é a hiperosmolalidade plasmática. A
hipotensão/hipovolémia grave constitui um forte estímulo para a sua secreção. A dor, as náuseas e a hipóxia,
bem como certas hormonas endógenas (acetilcolina, histamina, dopamina, glutamina, aspartato,
colecistocinina, neuropeptídeo Y, substância P, peptídeo intestinal vasoactivo (VIP), prostaglandinas e
angiotensina II) podem estimular a secreção da VP. Pelo contrário, o peptídeo atrial natriurético (ANP), o
ácido gama-aminobutírico (GABA) e os opióides inibem a secreção de VP.
Receptores
Os efeitos celulares de VP são mediados pelos receptores V1 e V2 (Quadro V). O Receptor V1
realiza, entre outras funções, a contracção da musculatura lisa vascular e a estimulação da síntese de
prostaglandinas e da gluconeogénese hepática. A activação destes receptores estimula a via do
16
fosfatidilinositol. Estimula também a fosfolípase D que conduz à activação da proteína cínase C via DAG,
com fosforilação de proteínas chave. Por último, conduz também à formação de metabolitos do ácido
araquidónico pela activação da fosfolípase A2. Os Receptores V2 são responsáveis pelas acções renais da
VD e talvez pela sensibilização do reflexo barorreceptor na área postrema. Activam proteínas G, estimulando
a produção de AMPc que activa a proteína Cínase ª
Quadro V – Acções da Arginina-Vasopressina e a distribuição dos seus receptores.
Receptores
V1 V1a
V1b
V2
Distribuição
Acções
Músculo liso vascular, miométrio, bexiga, testículos, adipócitos,
hepatócitos, plaquetas, células intersticiais medulares renais, vasa recta da
microcirculação renal, células epiteliais dos ductos colectores corticais,
baço e muitas estruturas do SNC.
Adenohipófise
Células principais dos ductos colectores renais
Vasoconstrição, crescimento
das células musculares lisas,
gluconeogénese, agregação
plaquetária, libertação de
ACTH
Aumento da permeabilidade
do ducto colector à água
Efeitos vasculares
Apesar de ser um potente vasoconstritor, como é desencadeada uma redução compensatória do
débito cardíaco, o seu efeito sobre a pressão arterial é diminuto. Este facto deve-se, sobretudo, à vasopressina
circulante que actua nos receptores V1 inibindo os eferentes simpáticos e potenciando os barorreflexos,
aumentando a actividade parassimpática no tronco cerebral. Em certos vasos, os receptores V2 causam
vasodilatação, possivelmente por libertação de NO pelo endotélio vascular. Tem interesse como Hormona de
Stress em situações de hipovolémia uma vez que os níveis plasmáticos de VP são elevados e permitem a
manutenção da perfusão tecidual.
3. FACTORES DERIVADOS DO ENDOTÉLIO
ENDOTELINAS
Os três membros da família, Endotelina-1 (ET-1), Endotelina-2 (ET-2) e Endotelina 3 (ET-3), são
peptídeos com 21 aminoácidos produzidos em vários tecidos. Actuam como moduladores do tónus vascular,
da proliferação celular e da produção de hormonas.
São sintetizadas na forma de pré-pró-endotelinas que são convertidas por endopepetidases em próendotelinas (ou Big Endothelin 1, 2, 3) que originam as endotelinas 1, 2 e 3, respectivamente. Esta reacção é
catalisada pela Enzima de Conversão da Endotelina (ECE) presente no plasma, pulmão e rim. Encontramse clonados três tipos de ECE, a ECE-1, a ECE-2 e ECE-3, apesar das duas últimas ainda não terem sido
identificadas no Homem.
A ET-1 é a única endotelina produzida pelas células endoteliais, sendo também produzida pelas
células musculares lisas vasculares, células mesangiais e hepatócitos. A ET-2 é produzida
predominantemente pelo rim e intestino enquanto que a ET-3 está associada com os neurónios (atingindo
17
concentrações elevadas no cérebro) sendo também produzida no intestino, pulmão e supra-renal. Dos 3 tipos
de endotelinas a ET-1 é a que tem maior significado e importância para o sistema cardiovascular. Como a
ET-1 não é armazenada em grânulos de secreção, a sua secreção é regulada por factores que modificam a
transcrição do seu gene.
A hipóxia, o Shear Stress, a angiotensina II, a adrenalina, a insulina, a trombina (resultante do
processo de coagulação), os radicais livres (que se acumulam durante a isquemia e a reperfusão), o TGFβ e a
interleucina 1β são os principais estímulos para a sua libertação.
A prostaciclina e o NO inibem a produção de ET-1 por um mecanismo dependente do AMPc
enquanto que o peptídeo atrial natriurético (ANP) inibe a produção basal de ET-1 e é estimulada pela AII e
trombina. A ET1 e a big ET1 são segregadas em pequenas quantidades para o plasma mas na sua maioria são
libertadas para a média dos vasos, onde actuam de modo parácrino (Fig. 4).
Receptores
As endotelinas exercem as suas acções fisiológicas através de receptores específicos, constituídos
por sete domínios transmembranaras, acoplados à proteína G e à fosfolípase C. Estão clonados dois
receptores das endotelinas: ETA e ETB. Actualmente considera-se que os ETB medeiam a vasodilatação mas
tanto os ETB como os ETA causam vasoconstrição, dependendo da espécie ou do território vascular
considerado (Quadro VI).
Quadro VI – Acções da Endotelina e a distribuição dos seus receptores.
ETA
Afinidade
Localização
Acções
ETB
ET1=ET2>ET3
Células musculares lisas vasculares
Coração
Pulmão
Cérebro
Rim
ET1=ET2=ET3
Células musculares lisas vasculares
Cérebro
Pulmão
Coração
Intestino
Rim
Vasodilatação inicial mediada pela libertação do NO seguida de vasoconstrição sustentada
Vasoconstrição das artérias coronárias
↓ Taxa de Filtração Glomerular
Proliferação das células musculares lisas vasculares Inibição da bomba Na+/K+
Efeito inotrópico positivo
Proliferação das células mesangiais
Inibição da libertação de renina e estimulação da ACE
↑ Síntese de matriz mesangial
Modulação do volume sanguíneo pela libertação do
peptídeo atrial natriurético e de aldosterona
As endotelinas ligam-se aos seus receptores específicos acoplados à proteína G, tendo como
segundos mensageiros IP3 e DAG. O IP3 não parece ser responsável pelos efeitos contrácteis prolongados da
ET-1 que dependem sobretudo do cálcio extracelular. Este efeito parece dependente da interacção com
canais iónicos, uma vez que a ET-1 e a ET-3 abrem canais de Cl- e encerram canais de K+ insensíveis ao
ATP, despolarizando a membrana.
18
Efeitos vasculares
Quando segregadas em quantidades pequenas funcionam como vasodilatadores porque através dos
receptores ETB1 estimulam a libertação e a acção do NO. Esta vasodilatação transitória precede o seu
potentíssimo efeito vasoconstritor mediado pelos ETA.
Após lesão do endotélio vascular, há agregação plaquetária com libertação de TGFβ e trombina que
induzem libertação de endotelina, causando vasoconstrição. A ET-1 circulante encontra-se elevada em várias
situações patológicas como na Insuficiência Cardíaca Congestiva, após o Enfarte Agudo do Miocárdio, na
Hipertensão Essencial, na Insuficiência Renal Aguda e na Hipertensão Pulmonar, pelo que poderá
desempenhar um importante papel na fisiopatogenia destas doenças. A ET1 parece também desempenhar
funções relevantes no desenvolvimento embrionário, uma vez que a ausência do seu gene conduz a
anomalias craniofaciais graves e morte ao nascimento por insuficiência respiratória.
Catecolaminas
Angiotensina II
Shear Stress
Trombina
β
Interleucina 1β
β
TGF-β
Hipóxia
Radicais livres
Insulina
PROSTACICLINA
Óxido Nítrico
ANF
ETB
Promotor do
ECE
gene ET-1
↓
RNAm
preproET → PreproET→ProET→ET-1→
Endotelina-1
CE
ETA
Contracção
Crescimento
ETB
Relaxamento
CML
Figura 4 – Síntese, libertação e acção da Endotelina-1.
PGI2
NO
TXA2
19
Interacções
A ET-1 estimula a produção de factores relaxantes derivados do endotélio como o NO e a
prostaciclina, provavelmente por acção sobre receptores ETB. Este subtipo de receptor está também
associado com a libertação do factor hiperpolarizante derivado do endotélio que abre canais de K+ de
baixa condutância activados pelo Ca2+. Os ETA endoteliais podem mediar a libertação do prostanóide
constritor tromboxano A2.
A ET-1 estimula também a libertação do peptídeo atrial natriurético que inibe a produção e acções
da própria ET-1 e atenua a proliferação vascular de células musculares lisas induzida pela endotelina. O
peptídeo natriurético tipo-C tem acções similares ao anterior, co-localiza-se com a ET-1 nas células
endoteliais, contrabalançando as acções da endotelina local e sistemicamente.
Correlações clínicas
Os Antagonistas dos Receptores da Endotelina poderão ser úteis nas situações em que a
endotelina está anormalmente elevada.
OUTROS FACTORES CONSTRITORES DERIVADOS DO ENDOTÉLIO
Em certas condições patológicas, o endotélio produz outros factores constritores derivado do
endotélio (EDCFS). Destacam-se os prostanóides dependentes da ciclooxigenase, como o Tromboxano A2
(TXA2) e as Prostaglandinas D2 e E2 e os Aniões Superóxido.
O TXA2, produzido pelas plaquetas, induz vasoconstrição e agregação plaquetária, ao contrário da
Prostaciclina (PGI2) que é produzida na parede vascular e é vasodilatadora e anti-agregante plaquetária. A
PGH2.é o precursor de ambas, pelo que os dois eicosanóides representam os pólos opostos da interacção
entre as plaquetas e a parede vascular. A activação das plaquetas estimula fosfolípases membranares, com
formação de ácido araquidónico e a sua transformação em endoperóxidos de prostaglandinas e TXA2 que
causam agregação plaquetária.
20
Factores
Circulantes
Vasoconstritores
Angiotensina I
Adrenalina
Angiotensina II
ECA
A
Célula
Endotelial
ECE
COX
Endotelina
Factores
Constritores
derivados
do Endotélio
Tromboxano
Prostaglandinas D2 e E2
Ião Superóxido
A
E
DAG
PLC
Célula
Muscular Lisa
α
IP3
RS
2
Ca
Actina
Miosina
ATP
NPY
Neurotransmissores
Noradrenalina
VASOCONSTRIÇÃO
Fármacos Vasoconstritores
•
Agonistas α
•
Bloqueadores β
Figura 7 - Factores Vasoconstritores e Mecanismos de acção. A – Receptor da Angiotensina; ACE –
Enzima de Conversão da Angiotensina; COX – Cicloxigénase; DAG – Diacilglicerol. E – Receptor da
Endotelina; ECE - Enzima de Conversão da Endotelina; IP3 – Trifosfato de Inositol; NPY –
Neuropeptídeo Y; RS – Retículo Sarcoplasmático; α – Receptor adrenérgico α.
21
VASODILATAÇÃO
Os factores circulantes vasodilatadores incluem a Acetilcolina, a Bradicinina, a Trombina, a
Histamina, a Endotelina (via ETB), cuja acção depende essencialmente de factores relaxantes derivados
do endotélio, como o NO e a Prostaciclina. O NO funciona também como neuromodulador. O endotélio
produz ainda o factor hiperpolarizante derivado do endotélio (EDHF).
3. FACTORES EXTRÍNSECOS
ACETILCOLINA
O sistema nervoso parassimpático é constituído por dois componentes, o craniano e o sagrado. A
acetilcolina (Ach) é o neurotransmissor usado nas sinapses entre os neurónios pré e pós-ganglionares, como
também entre estes últimos e os receptores nos órgãos-alvo.
No que concerne aos vasos sanguíneos, eles recebem uma enervação parassimpática muito pobre e,
inclusivamente, os vasos do músculo esquelético e da pele não têm qualquer enervação parassimpática. Não
obstante, os vasos do músculo esquelético recebem fibras vasodilatadoras colinérgicas que caminham através
de nervos simpáticos, constituindo o designado Sistema Vasodilatador Simpático. Estas fibras,
anatomicamente simpáticas, libertam acetilcolina e medeiam um fenómeno de vasodilatação (que, no entanto
não é constante nem muito marcado), e que ocorre imediatamente antes ou no início do exercício físico.
Em termos gerais, a enervação parassimpática está topograficamente organizada: os vasos
sanguíneos da cabeça e dos órgãos torácicos são enervadas pelas fibras pós-ganglionares do componente
craniano, enquanto que do componente sagrado partem os nervos que suprem os vasos dos órgãos genitais,
bexiga e intestino grosso. Estas fibras colinérgicas, juntamente com as do sistema simpático, constituem
plexos na adventícia dos vasos e dos quais partem fibras que se dirigem à porção externa da camada média
dos mesmos. Os neurotransmissores atingem as regiões mais profundas da camada muscular por difusão e,
por sua vez, as junções de hiato permitem que se dê a propagação do sinal nervoso por todas as células.
Receptores
Existem dois tipos de receptores colinérgicos, os nicotínicos e os muscarínicos. Os receptores
nicotínicos são canais iónicos dependentes de ligandos, cuja activação por duas moléculas de Ach
desencadeia um rápido aumento na permeabilidade aos iões Na+ e Ca2+, conduzindo à despolarização da
estrutura pós-sináptica. Estes receptores localizam-se nas placas motoras, nas células cromafins da medula
supra-renal e nos gânglios vegetativos (onde medeiam as sinapses entre os neurónios pré e pós-ganglionares
dos sistemas simpático e parassimpático). Os receptores muscarínicos, em contrapartida, pertencem à
classe dos receptores ligados à proteína G. A sua resposta é lenta, podendo ser excitatória ou inibitória e não
22
está necessariamente relacionada com alterações da permeabilidade iónica. Existem cinco subtipos de
receptores muscarínicos, que apresentam localizações anatómicas e características bioquímicas diferentes.
No que concerne a sua distribuição, destacam-se os receptores M1, que se localizam no SNC e na mucosa
gástrica; os receptores M2, que predominam no miocárdio e na vasculatura; os receptores M3, situados no
músculo liso e nas glândulas exócrinas.
Terminal
Colinérgico
COLINA
AChT
COLINA
ACETIL
-CoA
ACh
Pool
sináptico
ACh
ACh
ACh
ACh
ACh
Ca2+
ACh
Exocitose
ACh
Colina
Acetil
Coa
AChE
ACh
ACh
ACh
R
Nic
R
Musc
ão
us
f
i
D
ACh
Estrutura Pós-sináptica
Figura 6 – Síntese de Acetilcolina.
Quanto aos sistemas de segundos mensageiros, os receptores M1, M3 e M5 activam a proteína Gq/1l,
enquanto que os receptores M2 e M4 interagem com a proteína Gi,.
A proteína Gq/1l é responsável pela estimulação da fosfolípase C que leva à hidrólise do fosfolípido
da membrana, fosfatididilinositol-4, 5-bisfosfato (PIP2), em diacilglicerol (DAG) e 1,4,5-trisfosfato de
inositol (IP3). O DAG, juntamente com o Ca2+, activa a proteína cínase C, que intervém na fase final da
resposta, enquanto que o IP3 actua num receptor do retículo sarcoplasmático, levando à libertação de Ca2+
nele armazenado. Deste modo, ocorrem fenómenos dependentes do Ca2+, como sejam a contracção no
músculo liso e a secreção nas glândulas exócrinas.
23
As proteínas Go e Gi inibem a enzima adenilcíclase, activam canais de K+ e suprimem a actividade
dos canais de Ca2+ dependentes da voltagem, o que, no caso concreto do miocárdio, explica os efeitos
inotrópico e cronotrópico negativos da Ach.
Efeitos vasculares
Tendo em consideração que no músculo liso se encontram receptores M3, cujo segundo mensageiros
é o IP3, esperar-se-ia que a Ach tivesse um efeito vasoconstritor, o que não acontece na realidade. Nos vasos
sanguíneos, há receptores M3 na camada muscular e receptores M2 no endotélio, e a Ach libertada pelos
terminais nervosos actua sobretudo neste últimos. A activação das células endoteliais pela Ach leva à síntese
de substâncias vasodilatadoras, nomeadamente o óxido nítrico (NO). Para além disso, existem receptores
pré-sinápticos M2 nos terminais axonais adrenérgicos, pelos quais a Ach exerce uma acção inibitória sobre a
libertação de noradrenalina, o que contribui para o seu efeito vasodilatador. É pertinente notar que em caso
de lesão do endotélio, este não é capaz de sintetizar substâncias relaxantes, pelo que a Ach ao interagir com
os receptores da camada muscular provoca vasoconstrição.
CORRELAÇÕES
CLÍNICAS
Actualmente, encontram-se disponíveis vários fármacos que interferem com a transmissão
colinérgica, nomeadamente fármacos agonistas e antagonistas dos receptores muscarínicos e nicotínicos,
bem como inibidores das enzimas que medeiam a síntese de Ach. Todos estes agentes prefiguram-se como
importantes armas terapêuticas em situações clínicas tão diversas como o Íleo Paralítico, a Parésia Vesical,
o Glaucoma de ângulo fechado, a Miastenia Gravis e a Taquicardia Paroxística Supraventricular, entre
outros.
NEUROTRANSMISSORES NÃO-ADRENÉRGICOS, NÃO-COLINÉRGICOS
Vários mediadores não-adrenérgicos, não-colinérgicos participam na teia reguladora da circulação.
O NO actua como neuromodulador no Sistema Nervoso Central e Periférico paralelamente aos seus
efeitos directos nos vasos sanguíneos. A nível central, a libertação endógena de NO reduz a excitabilidade
simpática e parassimpática, com diminuição do fluxo eferente. Como neuromodulador periférico, o NO
exerce os seus efeitos vasodilatadores através da redução do tónus vascular mantido por acção adrenérgica,
miogénica e humoral. O NO opõe-se aos mecanismos vasoconstritores simpáticos, inibindo a libertação de
noradrenalina pelos terminais dos nervos pós-ganglionares e antagonizando intracelularmente a transdução
do sinal noradrenérgico. A importância da modulação da vasoconstrição simpática pelo NO é directamente
dependente da relevância relativa do simpático sobre a circulação.
A Adenosina, formada a partir da degradação do ATP, abre canais de K+, causa hiperpolarização e
inibe a entrada de Ca2+. Este efeito evidencia-se sobretudo a nível cardíaco, onde inibe a contracção e a
frequência cardíacas. A nível vascular é vasodilatadora via receptores A2.pré-sinápticos.
O Peptídeo Intestinal Vasoactivo (VIP) é armazenado em vesículas diferentes das de acetilcolina
mas tem uma acção sinérgica, condicionando vasodilatação.
24
O Peptídeo Relacionado com o Gene da Calcitonina (CGRP) é um neurotransmissor vasoactivo
cujo receptor se associa à proteína Gs que, via AMPc, causa vasodilatação.
A Dopamina é outro neurotransmissor vasodilatador que exerce os seus efeitos a nível pós-sináptico
através da activação da adenilcíclase (receptores DA1) e a nível pré-sináptico inibindo a libertação de
noradrenalina receptores DA2 pré-sinápticos.
CININAS
No nosso organismo existem dois peptídeos com grande capacidade vasodilatadora, a bradicinina e
a calidina (ou lisilbradicinina). Estas cininas têm como precursores os cininogénios de alto e baixo peso
molecular. São sintetizados sobretudo pelos hepatócitos, mas também as células endoteliais e as células
musculares lisas dos vasos têm a capacidade de os produzir e/ou armazenar.
O cininogénio de alto peso molecular, quando se encontra no plasma, está ligado à pré-calicreína e
ao factor XII, estando implicado na via intrínseca da cascata da coagulação. Quando ligados às plaquetas, os
cininogénios de alto e baixo peso molecular impedem que estas interajam com a trombina, um poderoso
factor pró-agregante. Para além das plaquetas, também as células endoteliais e as células musculares lisas
têm receptores para o cininogénio de alto peso molecular e quando os cininogénios estão ligados a estes
elementos celulares significa que estão prontos para a síntese de cininas.
A libertação dos peptídeos vasoactivos a partir dos seus precursores faz-se por acção de proteases –
cininogenases, nomeadamente proteases de serina e as calicreínas plasmática e tecidular. A calicreína
plasmática circula no plasma na sua forma inactiva, denominada de pré-calicreína. Esta última é activada
por fragmentos proteolíticos provenientes do factor XIIa. Por sua vez, a formação destes fragmentos a partir
do factor XIIa é catalisada pela plasmina e, por feed-back positivo, pela própria calicreína. Em contrapartida,
a calicreína plasmática e o cininogénio de alto peso molecular activam o factor XII. Conclui-se, portanto, que
existe uma intricada rede de activações recíprocas destes agentes. Por seu lado, a calicreína tecidular
localiza-se sobretudo na membrana apical de células envolvidas no transporte transcelular de electrólitos. É
encontrada nas glândulas sudoríparas e salivares, no pâncreas, na próstata, no intestino e nos rins. A
calicreína tecidular actua em ambos os cininogénios, dando origem à calidina, enquanto que a calicreína
plasmática processa o cininogénio de alto peso molecular, do qual deriva a bradicinina. Os inibidores de
proteases de serina, como sejam a α2-macroglobulina, a antitrombina III, o inibidor C1, controlam a
actividade da calicreína plasmática. Por outro lado, a α1-antitripsina e a kallikrein-binding protein inibem a
calicreína tecidular.
Ambas as cininas são metabolizadas em fragmentos inactivos por cininases, que se dividem em dois
grandes grupos: as cininases de tipo I, como é o caso das carboxipeptidases (que são as cininases mais
abundantes no plasma), e as cininases de tipo II, de que é exemplo a enzima conversora da angiotensina
(ACE), uma glicoproteína transmembranar de cadeia simples, localizada principalmente na superfície das
células endoteliais.
25
Receptores
Existem duas classes de receptores de cininas nos vasos, designados B1 e B2, ambos acoplados a
proteínas G. Os receptores B2 predominam nas células endoteliais, e tanto a bradicinina como a calidina são
potentes agonistas. O mesmo não sucede com os metabolitos que resultam da acção das cininases de tipo I e
II, cujo poder agonístico é muito diminuto ou é mesmo inexistente quando comparado com o dos seus
precursores. Nas células endoteliais, os receptores B1 apenas estão constitutivamente expressos em
determinados vasos, mas podem ser induzidos por endotoxinas em todos os vasos. Em alguns leitos
vasculares, os receptores B1 e/ou B2 podem mediar respostas vasomotoras independentes do endotélio,
conduzindo à produção de prostanóides vasoconstritores ou vasodilatadores pelas células musculares lisas.
Transdução do sinal
Os receptores B2 endoteliais estão acoplados a uma proteína G que activa a enzima fosfolípase C. Da
acção desta última resulta a libertação de DAG e IP3 que, respectivamente, conduzem à activação da
proteína C e à mobilização de Ca2+ a partir dos meios intra e extracelulares; o influxo de Ca2+ do meio
extracelular ocorre através de canais catiónicos não selectivos (activados pelo estiramento ou por polifosfatos
de inositol, como o IP4) segundo um gradiente electroquímico. A hiperpolarização é um fenómeno complexo
envolvendo a abertura de canais de potássio. Resulta da acção directa das cininas sobre receptores B2; do
próprio Ca2+ citosólico e da existência de substâncias que aumentam o AMPc, como é o caso da PGI2 (daí
que a prostaciclina venha a ter um efeito facilitador sobre a libertação de NO) e potencia a entrada de cálcio.
Bradicinina
Ca2
B
B
GT
GTP
PLC
PLA2
IP
IP
A
CO
EOX-
PGI2
Ca2+
R
EDHF
L-Arginina
GTP
B2
NO
NO
K
Figura 7 – Transdução do sinal da Bradicinina.
26
No citoplasma da célula endotelial, o Ca2+ desempenha um papel central na cascata de segundomensageiros desencadeada pelas cininas. De facto, ele vai activar a síntese de NO pela enzima constitutiva
NO síntase, contribui para a libertação de ácido araquidónico por acção da fosfolípase A2, isto para além dos
efeitos sobre a extrusão de K+ subjacente ao fenómeno de hiperpolarização anteriormente descrito. O ácido
araquidónico (AA) é, por sua vez, processado pela cicloxigénase em PGI2, a qual vai actuar sobre a célula
muscular lisa adjacente. Em contrapartida, o AA pode ser sujeito à acção da epoxigénase dependente do
citocromo P-450 dando origem ao EDHF, o qual pode provir ainda de uma via alternativa mediada pela
monoxigénase, assunto que será realçado mais à frente. Os inibidores da ACE, ao impedir a degradação da
bradicinina, potenciam os seus efeitos, sendo também capazes de aumentar a sensibilidade dos receptores das
cininas, bem como da cascata da transdução do sinal.
2. FACTORES DERIVADOS DO ENDOTÉLIO
ÓXIDO NÍTRICO
O NO é sintetizado a partir do aminoácido L-arginina, por uma reacção catalisada pela NO síntase. A
produção de NO pode ser inibida por substâncias análogas à l-arginina (nomeadamente o L-NAME e o LNMMA), que são reconhecidas pela NO síntase, funcionando deste modo como falsos substratos.
O NO tem uma semi-vida muito curta (apenas 5 seg.), sendo rapidamente inactivado por radicais
livres de oxigénio (o superóxido nítrico assim formado é altamente tóxico) e pelo grupo heme da
hemoglobina. Portanto, o NO praticamente não tem efeitos sistémicos, mas actua de forma parácrina e/ou
autócrina e o seu tempo de semi-vida é aumentado pela hipóxia. Não obstante, o NO pode ligar-se às
globinas da hemoglobina, dando origem a nitrosaminas. Estas, constituem uma via de transporte do NO, o
que lhe permite actuar em locais a jusante. A hemoglobina apresenta, então, uma relação ambivalente com o
NO: inactiva-o pelo grupo heme ou possibilita-lhe uma acção à distância ao combinar-se com as suas
globinas. É pertinente salientar ainda que o próprio NO é capaz de inibir a síntese dos radicais de oxigénio,
pelo que tem um carácter antioxidante. Se eventualmente aqueles já se tenham formado como consequência
do stress oxidativo, então o NO combina-se e dá origem a compostos muito nocivos.
Existem três isoformas da enzima NO síntase: o tipo I (ncNOS) expressa-se constitutivamente no
sistema nervoso central; o Tipo II (iNOS) é uma isoforma que é induzida , enquanto que o Tipo III (ecNOS)
é uma enzima constitutivamente expressa, sobretudo nas células endoteliais. Estas três isoenzimas diferem
não apenas no local onde são expressas, mas também quanto à sua dependência ao ião cálcio. Por um lado, a
actividade dos tipos I e III depende do complexo Ca2+-Calmodulina, enquanto que o tipo II é independente
da presença de Ca2+ intracelular, sendo regulado a nível da sua expressão genética por acção de citocinas e
outros mediadores inflamatórios.
O NO que é produzido nos macrófagos pela iNOS, vai ter uma acção bactericida ao combinar-se
com radicais livres de oxigénio, o que é particularmente importante para a actividade fagocítica daquelas
27
células.Por outro lado, a síntese de NO pela ncNOS é estimulada quando o glutamato se liga aos receptores
NMDA da estrutura pós-sináptica. A partir desta, difunde em direcção ao terminal pré-sináptico, onde actua
no sentido de aumentar a libertação daquele aminoácido. Deste modo, o NO tem uma acção reverberante na
saída de glutamato, amplificando circuitos neuronais centrais que são de particular importância no processo
de memorização. Para além disto, é também libertado nas sinapses mediadas pelos nervos não adrenérgicos e
não colinérgicos (NANC). Contudo, não é um verdadeiro neurotransmissor em virtude de não possuir um
receptor sináptico específico, e a capacidade de atravessar barreiras biológicas advém da sua grande
difusibilidade.
No que concerne a ecNOS, é estimulada por uma panóplia de substâncias, nomeadamente a Ach, a
bradicinina, a histamina, a serotonina, a trombina, substância P, o ADP, o shear stress. Fisiologicamente, há
uma libertação contínua de NO pelas células endoteliais, mantendo os vasos num estado dilatado, o que
assegura o fluxo sanguíneo basal. Exerce, também, uma acção antiagregante e impede a activação
plaquetária, ao aumentar os níveis intracelulares de GMPc. Desempenha ainda um importante papel na
função renal, nomeadamente na natriurese, na diurese e no fluxo renal plasmático.
Transdução do sinal
O NO é um gás que se difunde para a camada muscular subjacente ao endotélio, entra nos miócitos
lisos e activa a enzima guanilcíclase que se encontra livre no citosol. Dá-se a síntese de GMPc a partir de
GTP, o que despoleta o relaxamento do músculo e, por conseguinte, do vaso. Os mecanismos celulares
subsequentes à formação de GMPc e que, em última instância, provocam vasodilatação, são variados e
complexos. Por um lado, este segundo-mensageiro vai activar uma cínase dependente do GMPc, a PKG. Esta
enzima vai fosforilar e assim inactivar canais de Ca2+ ligando-dependentes e voltagem-dependentes. Em
contrapartida, a fosforilação de canais de K+ do sarcolema conduz à sua activação e a saída deste ião resulta
em hiperpolarização da membrana, o que diminui a entrada de Ca2+ pelos canais voltagem-dependentes. O
GMPc, por seu turno, bloqueia a libertação de Ca2+ armazenado no retículo sarcoplasmático induzida pelo
IP3, ao mesmo tempo que potencia a sua recaptação para dentro deste organelo celular ao activar, via
fosfolambam, o transportador Ca2+-ATPase, SERCA. Também a Ca2+-ATPase e o trocador Na+/Ca2+ do
sarcolema são activados pelo GMPc, tal como as fosfatases da cadeia leve da miosina. Todos este fenómenos
resultam na diminuição da fosforilação desta cadeia leve da miosina, da qual depende o aparelho contráctil
das células musculares lisas para ser activado.
Correlações clínicas
A deficiência de NO contribui para a patogénese de várias doenças, incluindo a hipertensão, a
aterosclerose e a diabetes mellitus. Curiosamente, o NO inibe a mitogénese de fibroblastos e de células
musculares lisas, pelo que, esta acção anti-proliferativa previne a hipertrofia do músculo liso que ocorre
durante a instalação da aterosclerose. De igual modo, a diminuição da produção de NO pode ser responsável
pela impotência sexual observada em doentes diabéticos do sexo masculino. Uma vez que a impotência
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pode ser solucionada pela injecção intracavernosa de nitrovasodilatadores, tem-se especulado que o NO
libertado para o tecido muscular dos seios cavernosos, sobretudo o que provém de terminais nervosos e não
tanto o de origem endotelial, seja essencial para a função eréctil. Esta é a base do famoso Viagra, cujo
princípio activo (Sildenafil) é um inibidor da fosfodiestérase, reduzindo-se a degradação do GMPc, o
segundo-mensageiro do NO nas células musculares lisas, e que é produzido no decurso da estimulação
sexual. Outro exemplo da aplicação clínica do NO é representado pelo uso de trinitroglicerina nas situações
de crise de angina de peito, uma vez que esta substância é uma dadora de substrato para a NO síntase.
Os nitrovasodilatadores relaxam a maioria do músculo liso vascular das artérias e veias. A nitroglicerina em
baixas doses produz venodilatação que predomina sobre a dilatação arteriolar, resultando numa diminuição
da pré-carga para o ventrículo direito mas praticamente sem efeitos sobre a resistência vascular sistémica.
Pelo contrário, a resistência vascular pulmonar e o débito cardíaco reduzem ligeiramente.
Figura 8 – Vasodilatação mediada pelo NO.
29
PROSTAGLANDINAS
As prostaglandinas são compostos que derivam do ácido araquidónico (AA), um ácido gordo
insaturado mobilizado pela fosfolípase A2 (PLA2) a partir de fosfolípidos da membrana. Dentro da família
das prostaglandinas, salientam-se a prostaciclina (PGI2), o tromboxano A2 (TxA2), e os prostanóides PGD2
e PGE2, pelos seus efeitos na regulação do tónus vascular. Estas substâncias derivam todas da via da
cicloxigénase, mas o ácido araquidónico pode seguir um caminho alternativo mediado pela lipoxigénase.
Por acção desta enzima, formam-se leucotrienos, que são libertados pelos macrófagos e leucócitos (por
exemplo, nas reacções anafiláticas), os quais exercem uma poderosa acção vasoconstritora e
broncoconstritora.
A prostaciclina é a principal prostaglandina produzida pelas células endoteliais quando sobre esta
actuam factores mecânicos, nomeadamente, a pressão pulsátil, e substâncias endógenas derivadas do plasma,
como é o caso da bradicinina e da trombina, ou produzidas por plaquetas activadas, destacando-se a
serotonina, o factor de crescimento derivado das plaquetas (PDGF) e a interleucina-1.
A síntese de PGI2 inicia-se com a libertação de ácido araquidónico a partir dos fosfolípidos da
membrana citoplasmática por acção da PLA2, como atrás foi mencionado. De seguida, o AA é processado
pela enzima síntase de endoperóxidos de prostaglandinas (PGGH síntase, também conhecida por
Cicloxigénase ou Cox), a qual tem uma actividade de cicloxigénase (levando à produção de PGG2) e uma
actividade peroxidásica (conduzindo à formação de PGH2, qual é o precursor de todos os prostanóides).
Existem duas isoenzimas Cox: a Cox-1 é uma forma constitutiva, enquanto que a Cox-2 é induzida, sendo
característica dos estados inflamatórios. O último passo é catalisado pela prostaciclina síntase, obtendo-se a
PGI2.
Transdução do sinal
Fisiologicamente, a PGI2 actua de forma parácrina em receptores presentes em algumas células
musculares lisas dos vasos, em elementos figurados do sangue e em células endoteliais. Estes receptores vão
activar a adenilcíclase, conduzindo ao aumento da concentração intracelular de AMPc nas células alvo. Este
segundo mensageiro é responsável pelo relaxamento das células musculares lisas e pelo efeito
antiagregante nas plaquetas.
Nos miócitos, ocorre um fenómeno de interacção entre o GMPc e o AMPc: a elevação da
concentração de GMPc provocada pelo NO vai ter um efeito inibitório sobre a fosfodiestérase que degrada o
AMPc. Existe, então, uma potenciação da vasodilatação desencadeada pela PGI2 por acção do NO.
A prostaciclina impede que as plaquetas e outras células sanguíneas adiram à superfície endotelial;
estimula as enzimas que metabolizam ésteres de colesterol nos miócitos lisos vasculares, suprime a
acumulação destes lipídeos ao promover a sua fagocitose por macrófagos (inibe a aterogénese) e impede a
libertação de factores de crescimento que conduzem à hipertrofia da camada muscular da parede dos vasos.
Existem condições, algumas das quais patológicas, em que ocorre redução da capacidade de produção de
PGI2 pelo endotélio, aumentando o do risco de aparecimento de episódios de trombose ou desenvolvimento
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de aterosclerose. Dentro destas salientam-se o envelhecimento, a diabetes mellitus, a aterosclerose e a
nicotina do tabaco.
Correlações clínicas
A via metabólica descrita pode ser inibida por determinadas substâncias, o que pode trazer
repercussões clínicas relevantes. Os glicocorticóides induzem a formação da lipocortina, uma inibidora
endógena da PLA2. Deste modo, impedem a formação da PGI2, um importante mediador da resposta
inflamatória pela sua capacidade de exercer uma intensa vasodilatação. Também o ácido acetilsalisílico,
princípio activo da vulgar aspirina, bem como outros anti-inflamatórios não esteróides (AINEs), são
inibidores da Cox-1 e/ou da Cox-2. Este facto vai repercutir-se numa produção diminuída de PGI2 pela Cox1 da mucosa gástrica, e o efeito citoprotector que esta prostaglandina exerce pode estar prejudicado aquando
da administração daqueles fármacos. Os AINES têm utilidade nos estados inflamatórios, mas vai ter uma
acção nociva para a mucosa gástrica e na resposta hemostática, ao impedir a síntese de TxA2, um poderoso
pró-agregante plaquetário. É pertinente salientar que, enquanto a cicloxigénase das células endoteliais pode
ser continuamente ressintetizada, assegurando a libertação de PGI2, o mesmo não acontece com a Cox das
plaquetas que é responsável pela produção de TxA2. De facto, uma vez que são células anucleadas, a
regeneração da Cox plaquetária só se faz à custa da formação de novas plaquetas, processo que demora
alguns dias se tivermos em conta que o tempo médio de vida destas células é cerca de 8 a 11 dias.
Recentemente, foi descoberto um novo campo terapêutico de grande interesse para o ácido acetilsalicílico.
Pequenas doses deste salicilato inibem irreversível e selectivamente a Cox das plaquetas, sem ter repercussão
na mucosa gástrica, o que tem interesse na prevenção de fenómenos tromboembólicos.
EDHF
As células endoteliais quando metabolizam o AA pela monoxigénase citocromo P-450, dão origem
a um factor hiperpolarizante dependente do endotélio (EDHF), por exemplo quando são estimuladas pela
bradicinina. O NO também é capaz de provocar hiperpolarização das células musculares lisas vasculares por
um mecanismo independente do GMPc, e a própria PGI2 demonstra uma capacidade hiperpolarizante
similar. Não obstante, o aumento da diferença do potencial de membrana persiste mesmo após a
administração de inibidores da NO síntase e da Cox. Foi assim que se identificou o EDHF como uma
entidade autónoma, com origem no endotélio, e que se difunde para a camada muscular subjacente onde
induz a hiperpolarização das suas células. Sabe-se que esta hiperpolarização envolve a activação de canais
de K+, e vai traduzir-se no bloqueio de canais de Ca2+ dependentes da voltagem, na diminuição da
sensibilidade dos miofilamentos ao ião Ca2+ e na inibição da fosfolípase C, reduzindo a mobilização do Ca2+
armazenado no retículo sarcoplasmático. Por conseguinte, estes efeitos na cinética do Ca2+ provocam o
relaxamento células musculares. Em virtude da existência de junções gap entre os miócitos, há propagação
da hiperpolarização induzida pelo EDHF a todas as células musculares, incluindo as que estão mais
profundamente situadas.
31
O EDHF actua, portanto, sinergicamente com outras substâncias vasodilatadoras produzidas pelo
endotélio, como sejam o NO, a PGI2 e epoxieicosanóides (que derivam da metabolização do AA pela
epoxigénase), com o propósito de provocar o relaxamento da camada muscular e a consequente dilatação do
vaso.
OUTRAS FACTORES PRODUZIDAS PELO ENDOTÉLIO
A células endoteliais libertam radicais livres de oxigénio em resposta ao shear stress e a substâncias
químicas que sobre elas actuam. Isto tem implicações na função do endotélio uma vez que o anião
superóxido inactiva o NO. Daí que a enzima superóxido dismútase (SOD) potencia o relaxamento mediado
pelo endotélio ao impedir a degradação do NO.
Há também síntese do factor activador das plaquetas (PAF), a partir de fosfolípidos da membrana,
por acção da PLA2. A PGI2 inibe a produção de PAF, enquanto que os radicais de oxigénio a estimulam. Este
factor vai provocar a contracção do músculo liso vascular e induzir a dessensibilização dos receptores βadrenérgicos (que são mediadores da resposta vasodilatadora despertada pelas catecolaminas circulantes ou
libertadas pelos neurónios pós-ganglionares simpáticos). O PAF encontra-se igualmente envolvido na lesão
tecidular decorrente da reperfusão pós-isquémica, visto que induz a activação das plaquetas e a adesão dos
leucócitos ao endotélio (o que desencadeia, por seu lado, a libertação de radicais livres de O2).
O endotélio produz factores de crescimento que regulam a proliferação das células endoteliais e do
músculo liso subjacente, bem como a composição da matriz extra celular. Destes, destacam-se factores
β (que inibem a proliferação das células musculares dos vasos), o PDGF e o b-FGF
heparin-like e o TGF-β
(ambos estimulando o crescimento do endotélio e do músculo subjacente). As células endoteliais
desempenham, ainda, um papel fulcral na angiogénese ao sintetizarem o b-FGF e o VEGF. Estes dois
factores de crescimento vão induzir as células endoteliais a sintetizarem proteinases (que degradam a
membrana basal), a migrarem e a proliferarem, como também promover a formação de um novo tubo
vascular a partir desta população de células endoteliais que está a proliferar.
Há também produção de citocinas, importantes mediadores da resposta inflamatória, quando as
células endoteliais são activadas, quer por lesão directa, quer por acção de endotoxinas. Elas vão ser
responsáveis por um largo espectro de acções no endotélio, as quais são colectivamente designadas de
activação endotelial. Destas, destacam-se a estimulação da síntese de NO (que se traduz em intensa
vasodilatação, como acontece no choque séptico), aumento da trombogenicidade do endotélio, estimulação
da expressão de moléculas de adesão (favorecendo a adesão leucocitária) e a produção de mais citocinas e
factores de crescimento (particularmente IL-1, IL-8, IL-6 e PDGF).
3. SHEAR STRESS
In vivo, o endotélio vascular encontra-se continuamente sujeito a uma diversidade de forças
biomecânicas decorrentes do fluxo pulsátil do sangue ao longo da superfície luminal da camada íntima. Isto
deve-se ao facto do endotélio corresponder à interface entre a corrente sanguínea e a parede dos vasos.
32
Várias forças hemodinâmicas fazem-se sentir no endotélio e podem ser classificadas em três categorias. O
Shear Stress equivale a uma força de fricção aplicada na superfície endotelial pela passagem do sangue; o
Ciclic Strain, caracterizado pela elongação das células como resposta à distensão rítmica do vaso; e a
Pressão Pulsátil é uma força exercida tangencialmente sobre a superfície celular à medida que a onda de
pressão se propaga ao longo do vaso. As forças externas induzem uma série de alterações no citosqueleto e
nas cascatas de segundos mensageiros, pelo que o endotélio funciona como um autêntico
mecanotransdutor. Para além disso, a deformação mecânica influencia a libertação de determinados
agentes vasoactivos, como é o caso do NO, da endotelina-1 e da prostaciclina, pela regulação da expressão
dos genes envolvidos na sua síntese.
Durante muito tempo, considerou-se que os principais mecanismos periféricos de controlo do tónus
vascular eram mediados por factores metabólicos libertados localmente e pela resposta miogénica das
células musculares lisas (caracterizada por uma relação inversa entre o raio e a pressão, o que implica que a
um aumento da pressão transmural está associada a vasoconstrição). Contudo, existe também uma reacção
dos vasos que é dependente do fluxo, i.e., subsequentemente a um aumento da velocidade do fluxo, existe
vasodilatação, fenómeno que é mediado pelo aumento do shear stress. Isto significa que alterações no shear
stress, decorrentes de variações do fluxo, induzem a libertação de factores vasorelaxantes pelo endotélio. A
dilatação do vaso repõe, deste modo, os níveis de shear stress por um mecanismo de feed-back negativo. De
facto, dos vários parâmetros reológicos que são influenciados pelo aumento do fluxo, nomeadamente um
maior aporte de substâncias vasodilatadoras; a remoção acelerada de agentes constritores; alterações na
pressão, na temperatura e/ou na viscosidade, o shear stress é aquele que é considerado como o principal
mediador da resposta vascular dependente do fluxo. Por sua vez, o shear stress (SS) depende, para além
da velocidade do fluxo sanguíneo (v), da sua viscosidade (η) e do raio do vaso ®, segundo a Lei de
Poiseuille: SS= ηdv/dr. Convém referir ainda que, se o endotélio se encontra lesado, um aumento na
velocidade do sangue não está associado a vasodilatação e o shear stress mantém-se elevado, isto porque não
há libertação de mediadores vasorelaxantes.
Transdução do sinal
O aumento do shear stress manifesta-se directamente na estrutura e na função das células endoteliais
(ao induzir uma maior produção de prostaciclina e de óxido nítrico e ao aumentar a expressão do gene da
endotelina-1). A maior produção de endotelina-1 pode, à primeira vista, parecer contraditório, mas ganha
sentido se tivermos presente que em situações fisiológicas o efeito da endotelina é vasodilatador (actuando
nos receptores EtB), enquanto que a que é libertada em grandes quantidades medeia fenómenos de
vasoconstrição. Na transdução do sinal que conduz à libertação destes agentes vasoactivos, o Ca2+ extra e
intracelular desempenha um importante papel. Uma subida de intensidade das forças hemodinâmicas,
sobretudo do shear stress, desencadeia, em primeiro lugar, a mobilização de Ca2+ das reservas
sarcoplasmáticas, o que se reflecte na subida da [Ca2+]i. Depois, dá-se a entrada de Ca2+ oriundo do meio
extracelular, o que sustém a subida inicial da [Ca2+]i. Os mecanismos que estão na base da cinética do Ca2+
envolvem, por um lado, a activação da fosfolípase C pelo shear stress (conduz à formação de IP3, que é
33
responsável pela libertação do Ca2+ armazenado no retículo sarcoplasmático) e, por outro, canais
mecanosensíveis e dependentes de ligandos. Através deles, o Ca2+ extracelular entra para a célula. Esta
movimentação é facilitada pelo gradiente eléctrico resultante da hiperpolarização provocada pela abertura
de canais de K+ activados pelo Ca2+.
↑ Shear Stress
SS = ηdV/dr
K
+
ATP
PLC
Citosqueleto
PLA2
IP3
2+
PKC
Ca
DAG
2+
[Ca ]
L-Arg
AA
PGI2
CE
NO
ATP
Ach
SP
BK
PGE2
+
↑ GMPc
Na
↑ AMPc
DILATAÇÃO
CML
↓ Shear Stress
Figura 9 – Transdução do sinal do shear stress.
A [Ca2+]i pode aumentar por acção directa do shear stress mas também por uma via indirecta que
passa pela libertação de determinadas substâncias pelas células endoteliais vizinhas, por exemplo de ATP, de
Ach, de substância P, de histamina ou de bradicinina que actuam de forma autócrina. Para além desta
cinética do Ca2+, há também um maior turnover de fosfolípidos da membrana por estimulação da enzima
fosfolípase A2 (PLA2) por acção da proteína cínase C (PKC), com a consequente libertação de ácido
araquidónico (AA). Em última instância, a subida da [Ca2+]i está correlacionada com o aumento da
actividade das formas constitutivas das enzimas síntase do óxido nítrico e cicloxigénase e por conseguinte da
síntese e da libertação de NO e prostaglandinas, como se observa na figura. Estes agentes vão desencadear,
por sua vez, ao nível das células musculares lisas, a formação de GMPc e AMPc, respectivamente, que são
os segundos mensageiros mediadores da vasodilatação (vide infra). Com base nestas cascatas, facilmente se
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infere que o aumento no shear stress despoleta mecanismos de transdução do sinal semelhantes aos que
resultam da acção de um agonista sobre um receptor ligado a uma proteína G.
Para além dos fenómenos atrás descritos, existe uma outra ligação entre forças mecânicas e
sinalização bioquímica, desta feita por acção de moléculas de adesão focal, situadas nas placas de adesão
focal, densas acumulações ao nível da fixação das células endoteliais à matriz extracelular subjacente. De
novo, o endotélio funciona como um verdadeiro mecanotransdutor uma vez que responde à transmissão
daquelas forças activando moléculas de adesão focal como sejam a paxilina, a talina e a cínase de adesão
focal (FAK), e que estão ligadas a uma cínase da tirosina. Também as integrinas podem agir como
mecanotransdutores pois ligam filamentos de actina à matriz extracelular através da paxilina ou da FAK. A
fosforilação da FAK ou da paxilina desempenha um importante papel na alteração da morfologia das células
endoteliais.
Efeitos vasculares
Várias são as funções fisiológicas do mecanismo de regulação da tonicidade dos vasos sanguíneos
dependente do shear stress. Por um lado, tem um efeito protector do endotélio, na medida em que grandes
variações do shear stress lhe são adversas. Desencadeia e sustenta a vasodilatação em situações de fluxo e
pressão elevados, contrariando a resposta miogénica e os mecanismos constritores que, de outro modo,
conduziriam a uma elevação da pressão sistémica. Mantém constante a pressão sanguínea ao longo da rede
vascular afim de assegurar as condições adequadas para as trocas entre os capilares e os tecidos. Por último,
mas não menos importante na manutenção da homeostasia, minimiza a perda de energia que ocorre no
decurso da circulação, pois grande parte desta provém da fricção entre a parede do vaso e o sangue
circulante.
Alterações no shear stress também conduz a efeitos reológicos, visto que afecta a permeabilidade do
vaso sanguíneo; a agregação e adesão dos leucócitos e a agregação dos eritrócitos. Mas estes efeitos
desencadeiam uma resposta circular pois, por um lado, o shear stress afecta as propriedades mecânicas e
funcioniais das células do sangue, mas estas, por sua vez, influenciam a viscosidade do sangue que, pela Lei
de Poiseuille, se vai repercutir no shear stress e na resistência vascular. Quando o endotélio se encontra
lesado, este mecanismo de regulação do fluxo não ocorre, o que traz implicações para o desenvolvimento de
situações patofisiológicas, nomeadamente a aterosclerose e a hipertensão.
4. PEPTÍDEOS NATRIURÉTICOS
A família dos peptídeos natriuréticos engloba o peptídeo natriurético auricular (ANP), o peptídeo
natriurético cerebral (BNP) e o peptídeo natriurético do tipo C (CNP). São agentes com reconhecidos efeitos
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vasodilatador, natriurético e diurético, bem como um papel protector na HTA e expansão do volume
plasmático.
O ANP foi o primeiro a ser descoberto, na década de 80, sendo produzido essencialmente pelas
aurículas. A sua secreção é directamente estimulada pela ET-1, catecolaminas e ADH, mas é o aumento do
volume intravascular que se repercute na tensão parietal auricular, o principal estímulo da sua libertação. O
BNP, por seu lado, localiza-se no tecido nervoso (onde foi primeiramente isolado) mas a sua produção
predomina nos ventrículos cardíacos. Os níveis de BNP sofrem um franco aumento em certas situações
patológicas, como é o caso da HTA e insuficiência cardíaca.
Estes peptídeos actuam através de 3 tipos de receptores, nomeadamente o A, o B e o C, estando os 2
primeiros acoplados à proteína G (e os seus efeitos subcelulares mediados pelo GMPc). Enquanto que o
receptor A, o mais abundante nos grandes vasos, tem como ligandos o ANP (de maior afinidade) e o BNP, o
receptor B (expresso sobretudo no cérebro, mas com expressão também ao nível do sistema vascular) é local
de ligação preferencial do CNP.
Em termos hemodinâmicos, o ANP é um agente hipotensor, o que em parte é explicado pela redução
da pré-carga que exerce ao desviar os fluidos intravasculares para o espaço intersticial. Esta diminuição do
volume circulante é fruto do aumento da permeabilidade vascular e da pressão hidrostática nos leitos
capilares. Por outro lado, o ANP condiciona um incremento da capacitância venosa e induz natriurese (o que
contribui igualmente para a espoliação de fluidos extra-celulares).
No que concerne à sua repercussão no SNA, o ANP provoca uma redução do tónus simpático na
vasculatura sistémica (via reflexo barorreceptor, com supressão da libertação de catecolaminas a nível
periférico e, sobretudo, central). No SNP, em contrapartida, diminui o limiar de activação dos aferentes
colinérgicos, suprimindo assim a taquicardia e vasoconstrição reflexas, o que assegura uma redução
sustentada da pressão arterial.
No que diz respeito ao BNP, as suas acções são sobreponíveis às do ANP, enquanto que o CNP
demarca-se pelo facto de ser mais potente como venodilatador.
Correlações clínicas
A importância dos peptídeos natriuréticos estende-se ao campo da patologia cardiovascular, com
implicações de reconhecido impacto na insuficiência cardíaca e HTA.
A hipertrofia miocárdica que acompanha a insuficiência cardíaca condiciona uma maior produção de
peptídeos natriuréticos, com particular realce para o ANP e o BNP. De igual modo, a sua secreção encontrase potenciada pelo estiramento das câmaras cardíacas do coração insuficiente, bem como pela AII e ET-1
(cujos níveis estão aumentados naquela situação clínica). Este aumento da disponibilidade de ANP vai
traduzir-se numa redução da pós-carga (por diminuição das RVP) e da pressão de enchimento auricular,
associadas a uma melhoria da contractilidade e limitação do remodeling miocárdico. A nível neuro-humoral,
há uma diminuição da libertação de catecolaminas, com igual atingimento do eixo renina-angiotensinaaldosterona e da ET-1. Tendo em conta o seu marcado envolvimento na patofisiologia da insuficiência
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cardíaca, estes peptídeos (sobretudo o BNP) são actualmente reconhecidos como factores prognósticos de
mortalidade, dado que os seus níveis séricos se correlacionam positivamente com o grau de disfunção
ventricular.
Quanto à HTA, revelam-se como protectores, na medida em que suprimem o tónus simpático e
exercem efeitos diurético e natriurético.
Dada a sua relevância clínica em condições clínicas tão prevalentes como é o caso das anteriormente
citadas, têm sido propostas novas estratégias terapêuticas envolvendo a manipulação destes peptídeos com o
intuito de controlar a manifestação/progressão de algumas doenças cardiovasculares.
5. SISTEMA DOPAMINÉRGICO
A dopamina pertence à família das catecolaminas, sendo um importante neurotransmissor central,
participando em funções tão diversas como sejam a actividade locomotora, a cognição, as emoções, a
ingestão calórica e a regulação endócrina. A dopamina desempenha também acções periféricas como
moduladora do sistema cardiovascular, regulação do tónus vascular, secreção hormonal e adrenérgica,
função renal e motilidade gastrointestinal.
Diversos são os receptores em que actua a dopamina, os quais podem agrupar-se em duas grandes
categorias com base nas suas semelhanças estruturais e funcionais. Por um lado, os receptores D1-like (D1 e
D5) estão acoplados à via da adenilcíclase, enquanto que os receptores D2-like (D2, D3 e D4) inibem aquela
via enzimática. Todos os receptores participam na modulação da cinética do cálcio, via PLC no caso dos
receptores D1-like, ou inibindo as correntes de cálcio, como sucede com os receptores D2-like. A dopamina
influencia igualmente a actividade dos canais de K+, ATPase Na+/K+, trocador Na+/H+ e PLA2.
No sistema cardiovascular, os receptores D1-like (em localização pós-sináptica na túnica média das
artérias) exercem um efeito vasodilatador mediado pelo AMPc. Esta acção é compartilhada pelos receptores
D2-like, mas por um mecanismo dissemelhante, envolvendo a inibição pré-sináptica dos terminais
adrenérgicos da adventícia vascular (o que, em termos miocárdicos, se repercute na diminuição da
contractilidade). É de salientar que este efeito no SNS parece ser explicado pelo bloqueio de canais de cálcio
e não propriamente pela frenação da adenilcíclase. A nível renal, a dopamina é um potente natriurético,
diurético e vasodilatador.
É actualmente consensual que as situações disfuncionais do sistema dopaminérgico se encontram
implicadas na patofisiologia da HTA essencial, enquanto que na HTA secundária e nas situações formadoras
de edema (de que é exemplo o síndrome nefrótico) os dados recentes apontam para um papel igualmente
relevante desta catecolamina.
6. NOVOS PEPTÍDEOS
APELINA
A apelina, recentemente descoberta a partir de células gástricas (Tatemoto, 1998), é o ligando
endógeno do receptor APJ. A apelina resulta do processamento do terminal-C da preproapelina, codificada
37
no cromossoma X, e apresenta grandes semelhanças com a AII, nomeadamente no que concerne o padrão de
sequenciação e de expressão. Para além disso, o próprio APJ, pertencente à superfamília dos receptores com
sete domínios transmembranares acoplados à proteina G, revela ter também semelhanças com os receptores
AT1/AT2. Sendo assim, estes factos sugerem que a apelina compartilha alguns dos efeitos fisiológicos da
AII, a qual reconhecidamente participa na regulação da pressão arterial e no balanço hidroelectrolítico.
Contudo, a apelina diminui a pressão arterial sistólica e diastólica (ao contrário da AII, que é vasoconstritora)
por um mecanismo dependente do NO. Tem, igualmente, um efeito inotrópico positivo (pensa-se que
mediado pela PLC, PKC, trocadores NCX e NHE do sarcolema).
Para além dos seus efeitos cardiovasculares directos, a apelina intervém em eixos endócrinos (a título
de exemplo, promovendo o consumo hídrico), na regulação da resposta imunitária e no ritmo circadiano.
Outra área em que se tem revelado igualmente promissora é na patofisiologia do síndrome da
imunodeficiência humana adquirida (SIDA). De facto, a entrada celular do vírus HIV parece ser bloqueada
pela apelina na medida em que o APJ é um co-receptor daqueles vírus. Este resultado pode constituir uma
potencial via de abordagem dos doentes seropostivos.
GRELINA
A grelina é um peptídeo libertador da hormona de crescimento (GH) recentemente isolado a partir
das células oxínticas gástricas (Kojima, 1999), sendo o ligando endógeno do receptor dos secretagogos da
hormona de crescimento (GHSR, acoplado a uma proteína G). É produzida em vários tecidos para além do
estômago, nomeadamente o hipotálamo e a hipófise, encontrando-se em elevadas quantidades no plasma. De
igual modo, o seu receptor tem uma vasta distribuição, incluindo o sistema cardiovascular. Apesar de em
termos temporais a sua história ser curta, a grelina tem sido alvo de inúmeros estudos e em áreas muito
diversas. Por um lado, é consensual o seu efeito no eixo hipotálamo-hipofisário-supra renal, promovendo a
libertação não só da GH, como de prolactina, ACTH, cortisol, vasopressina, adrenalina e neuropeptídeo Y
(utilizando a via da PLC). Intervém igualmente como orexiante (sendo considerado o principal regulador
fisiológico do apetite), influencia a motilidade e actividade secretória do trato gastrointestinal.
A nível cardiovascular, a grelina tem efeitos mediados pela GH, exercendo um papel benéfico em
indivíduos com insuficiência cardíaca. Foi igualmente demonstrado que a grelina é capaz de exercer efeitos
cardiovasculares directos, isto é, independentes da GH. Entre estes, é de salientar a sua acção hipotensora
(vasodilatação lenta), sem aumento da frequência cardíaca. Ao reduzir a pós carga, condiciona um aumento
do débito cardíaco e da contractilidade miocárdica.
Tem-se especulado a utilidade da grelina na abordagem dos doentes com insuficiência cardíaca,
fundamentado no facto de que ela possa condicionar uma inibição do sistema adrenérgico durante a
hipotensão. Noutro processo patológico, como é a aterosclerose, os receptores da grelina e do TxA2
encontram-se aumentados, o que leva a pensar na utilidade potencial do uso de agonistas/antagonistas,
respectivamente, nesta situação.
38
ADRENOMODULINA
Com uma história um pouco mais longa que os novos agentes vasodilatadores atrás citados, a
adrenomodulina (descoberta em 1993), corresponde a um peptídeo com funções autócrinas/parácrinas e
hormonais produzida essencialmente por células endoteliais e miócitos lisos. Ao nível cardiovascular,
prefigura-se como um potente peptídeo vasodilatador, diurético e natriurético, tendo uma acção inotrópica
positiva, aumentando a contractilidade miocárdica e o débito cardíaco. Para além do seu contributo para o
tónus vascular (sendo o seu papel vasodilatador mediado pelo AMPc e PKA e, via endotélio, pela síntese de
NO), intervém também na regulação da proliferação, diferenciação e migração de diferentes tipos celulares,
incluindo as células musculares lisas.
Em modelos animais sujeitos a enfarte agudo do miocárdio, a adrenomodulina revela ter efeitos
benéficos ao nível do turnover e remodeling celulares. Por outro lado, os seus níveis plasmáticos encontramse elevados em várias condições patológicas (como é o caso da HTA, insuficiências cardíaca e renal, choque
séptico), tendo-se especulado o seu papel em termos de patogénese/resposta fisiológica compensatória. De
facto, a adrenomodulina condiciona uma exacerbação da resposta inflamatória, o que, juntamente com o seu
efeito vasodilatador, pode ter implicações nefastas no choque séptico. Em contrapartida, a vasodilatação que
provoca revela-se hemodinamicamente favorável na HTA e na insuficiência cardíaca (onde o aumento da
contractilidade cardíaca apresenta um peso significativo). Por fim, contribui para um efeito protector à
isquemia ao aumentar a perfusão tecidular e demonstrou-se, recentemente, que protege as células endoteliais
da apoptose.
39
Factores
Circulantes
Vasodilatadores
(dependentes do
endotélio)
Trombina
Histamina
ADP
Serotonina
Ach
Shear Stress
Endotelina (ETB)
Bradicinina
R
R
Célula
Endotelial
NOS
Factores
Relaxantes
derivados
do Endotélio
COX
Óxido Nítrico
(NO)
GC
GMPc
Célula
Muscular Lisa
Prostaglandina I2
(Prostaciclina)
Factor
Hiperpolarizante
derivado do
Endotélio
AC
AMP
Cínase da Cadeia
Leve de Miosina
Neurotransmissores
B2
NO
Dopamina
Adenosina
VIP
Substância P
CGRP
VASODILATAÇÃO
Fármacos Vasodilatadores
•
Dadores de NO
•
Inibidores da ECA
•
Bloqueadores α e Agonistas β
•
Bloqueadores dos Canais de Ca
•
Inibidores dos Receptores AT1
•
Inibidores dos Receptores da Endotelina
2+
Figura 8 - Factores Vasodilatadores e Mecanismos de acção. AC – Adenilcíclase; CGRP – Peptídeo
Relacionado com o gene da Calcitonina; COX – Cicloxigénase; GC – Guanilcíclase; NOS – Síntase do
NO; R – Receptor.
40
SUMÁRIO
Tornou-se evidente a existência de inúmeras e poderosas forças vasoconstrictoras e vasodilatadoras que
actuam sobre o tónus vascular, com delicadas e estreitas interacções.
A nível do Sistema Nervoso Autónomo, a libertação de acetilcolina pelos neurónios colinérgicos é
vasodilatadora enquanto que a libertação de noradrenalina é vasoconstritora. A adrenalina circulante, com
origem sobretudo na supra-renal em resposta ao stress agudo, tem um efeito predominantemente
vasodilatador. A actividade dos neurónios terminais é basicamente vasoconstritora pela libertação de
noradrenalina mas pode sofrer neuromodulação pela acetilcolina que a inibe.
Os receptores vasculares podem ser vasodilatadores ou vasoconstritores. Os primeiros respondem à
estimulação adrenérgica-β2, à adenosina e às prostacidinas. A PGI2 é a prostaglandina vasodilatadora
libertada pelo endotélio em resposta à bradicinina circulante. Os receptores vasoconstritores respondem à
estimulação α-adrenérgica, à AII e à endotelina.
Os sistemas de segundos mensageiros também diferem. Os receptores vasodilatadores activam a
adenilcíclase, através de proteínas G, que forma o AMPc. Este activa a proteína cínase A que inibe a cínase
de cadeia leve de miosina. Os receptores vasoconstritores, através de proteínas G, activam a fosfolipase C
que conduz à formação de IP3 e à libertação de cálcio do retículo sarcoplasmático.
O endotélio liberta o EDRF vasodilatador (NO) em resposta à acetilcolina ou ao shear stress que
actua sobre a guanilcíclase formando o GMPc que é vasodilatador. A PGI2 estimula a formação de AMPC.
Em resposta ao trauma, o endotélio pode libertar a endotelina que causa elevação do cálcio citosólico das
células musculares lisas vasculares.
41
SINOPSE
Mecanismos subcelulares envolvidos na contracção/relaxamento do tecido muscular liso
Vasoconstrição
Vasodilatação
Canais de Ca2+ dependentes da voltagem (VOC)
Canais de K+ dependentes da voltagem
Despolarização → abertura dos VOC → entrada de
Ca2+ → ↑ [Ca2+]i
Despolarização → abertura canais K+ dep-volt →
hiperpolarização → encerramento de canais de Ca2+
(ex: VOC) → ↓ [Ca2+]i
Canais de Na+ dependentes da voltagem
Canais de K+ dependentes do ATP
Despolarização → abertura dos canais Na dep-volt
↓ [ATP]i → abertura canais de K+ dep-ATP →
hiperpolarização → encerramento de canais de Ca2+
(ex: VOC) → ↓ [Ca2+]i
+
→ despolarização mais intensa → abertura dos VOC
→ entrada de Ca2+ → ↑ [Ca2+]i
Canais de Ca2+ dependentes de receptores (ROC)
agonista→ abertura dos ROC → entrada de Ca2+ →
↑[Ca2+]i
Receptor do NO (guanil cíclase solúvel)
NO → ↑ actividade guanil cíclase → ↑ [GMPc]i →
↑ actividade PKG → fosforilação da KCLM → ↓
actividade KCLM → ↓ fosforilação da CLM
Receptor β 2-adrenérgico
Canais catiónicos dependentes do estiramento
Estiramento → abertura dos canais →
despolarização→abertura dos VOC → entrada de
Ca2+ → ↑ [Ca2+]i
Agonista (ex: Ad) → receptor β 2 → activação da
proteína G → ↑ actividade adenil cíclase → ↑
[AMPc]i → ↑ actividade PKA → fosforilação da
KCLM → ↓ actividade KCLM → ↓ fosforilação da
CLM
Receptores α1-adrenérgicos
Prostaciclina
Agonista (ex:NA) → receptor α1 → activação da
proteína G → ↑ actividade PLC → ↑ [IP3] e [DAG]
→ ↑ [Ca2+]i
PGI2 → ↑ actividade adenil cíclase → ↑ [AMPc]i →
↑ actividade PKA → fosforilação da KCLM → ↓
actividade KCLM → ↓ fosforilação da CLM
Receptor histaminérgico H2
Receptor ETA
Histamina → receptor H2 → activação da proteína G
ET-1 → ETA → activação proteína G → ↑ actividade → ↑ actividade adenil cíclase → ↑ [AMPc]i → ↑
PLC → ↑ [IP3] e [DAG] → ↑ [Ca2+]i
actividade PKA → fosforilação da KCLM → ↓
actividade KCLM → ↓ fosforilação da CLM
Receptores purinérgicos
Receptor purinérgico
ATP → receptor P2x (ROC) → entrada de Ca2+ →
↑[Ca2+]i
Trocador Na+/Ca2+
Despolarização → abertura dos canais de Na depvolt → entrada Na+ → ↑ [Na+]i → lentificação da
troca Na+/Ca2+ → ↑ [Ca2+]i
+
Adenosina → receptores A1, A2A e A2B → abertura
canais de K+ dep-ATP → hiperpolarização →
encerramento de canais de Ca2+ dep-volt → ↓ [Ca2+]i
ATP → receptor P2Y → activação da proteína G → ↑
actividade PLC→ ↑ [Ca2+]i → ↑ NOS → ↑ NO
Bomba Na+/K+
Activação da bomba Na+/K+ → ↓ [Na+]i → activação
do trocador Na+/Ca2+ → ↓ [Ca2+]i
PKA: proteína cínase A; PKG: proteína cínase G; KCLM: cínase da cadeia leve de miosina; CLM: cadeia leve de
miosina; NOS: NO síntase; Ad: adrenalina.
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