CENTROS DE ATENÇÃO PSICOSSOCIAL: BREVES CONSIDERAÇÕES SOBRE O
ATENDIMENTO EM SAÚDE MENTAL
Lívia Sales Cirilo1, Pedro de Oliveira Filho2
1
Universidade Estadual da Paraíba/Departamento de Psicologia, Rua Paulino Maia de Souza 36, CruzeiroCampina Grande-PB. CEP: 58107-343, [email protected]
2
Universidade Federal de Pernambuco, Avenida Prof. Moraes Rego, 1235 Cidade Universitária 50670-901 Recife, PE, [email protected]
Resumo- Este trabalho analisa os discursos de usuários de um Centro de Atenção Psicossocial e seus
familiares sobre o tratamento oferecido pelo serviço.Foram entrevistados 15 usuários e 15 familiares. Os
discursos dos usuários sobre o funcionamento do CAPS avaliaram em sua totalidade o atendimento
oferecido como bom e excelente. Foi constatado que tanto os usuários como os familiares entrevistados
realizaram comparações entre o CAPS e o tratamento oferecido no hospital psiquiátrico, atribuindo
sentimentos negativos ao último. Sendo assim esse trabalho vem a reforçar os princípios da Reforma
Psiquiátrica, dentro dos preceitos da luta antimanicomial, contra a hospitalização e a favor do tratamento em
serviços abertos.
Palavras-chave: saúde mental, CAPS, hospital psiquiátrico
Área do Conhecimento: psicologia
Introdução
Esse trabalho tem como objetivo analisar os
discursos e a produção de sentidos de usuários de
um Centro de Atenção Psicossocial e seus
familiares sobre a participação familiar no
tratamento e o grupo de família.
Por acreditar que é possível dar voz a esses
tão experientes interlocutores, pelas suas
convivências com o transtorno mental e pela
importância que tem a transmissão dessas
experiências é que optamos pela coleta de um
conjunto de discursos, analisando-os
na
perspectiva de evidenciar conceitos e debater
novas questões.
Diante da crise do modelo de assistência
centrado no hospital psiquiátrico, o debate acerca
do destino social do portador de transtorno mental,
adquire impulso e começa a repercutir entre os
setores sociais, que se manifestaram sobre os
efeitos das práticas manicomiais. Assim a partir da
década de 80 passaram a ser implantados no
Brasil, serviços substitutivos de saúde mental,
como o CAPS- Centro de Atenção Psicossocial,
cujo objetivo principal é substituir a internação
psiquiátrica e oferecer um tratamento mais digno e
humano( BRASIL, 2006).
Amarante( 1995) nos diz que atualmente o
que se configura é a construção de um novo modo
de lidar com o sofrimento mental, acolhendo e
cuidando efetivamente dos sujeitos, e a
construção, conseqüentemente de um novo lugar
para a diversidade, a diferença e o sofrimento
mental.
Metodologia
A presente pesquisa foi realizada no município
de Campina Grande- PB. A saúde mental em
Campina Grande atualmente é composta por um
CAPS III( 24 horas)I, um CAPS II, dois CAPS
Infantis , um CAPS Álcool e Drogas, uma
Emergência
Psiquiátrica,
um
Centro
de
Convivência e sete Residências Terapêuticas.
A pesquisa foi realizada no CAPS II, a escolha
por esse serviço transcorreu devido ao fato deste
ser o primeiro serviço substitutivo implantado no
município, ocupando um lugar estratégico no
contexto da Reforma Psiquiátrica local.
Inaugurado em Dezembro de 2003, O CAPS II
trouxe para o município de Campina Grande, uma
nova perspectiva de atendimento ao portador de
transtorno mental, rompendo com longos anos de
um modelo exclusivamente hospitalocêntrico e
excludente( CIRILO,2006).
O CAPS atende atualmente 350 usuários, a
maioria deles com histórico de internação
psiquiátrica. Este Serviço oferece atendimento
médico e psicológico, individual e grupal, ações de
serviço social e diversas oficinas terapêuticas,
conforme o disposto na portaria 336 do Ministério
da Saúde( BRASIL, 2004)
Participaram da pesquisa 15 usuários regulares
do CAPS( aqueles que freqüentam o serviço
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semanalmente, pelo período mínimo de um mês) e
15 familiares participantes do Grupo de Família.
Constituíram-se como critérios de exclusão: a
adequação em relação ao momento vivido ( se o
usuário estava em crise ou não)e outros aspectos
tais como: dificuldades de expressão verbal e
gruas de comprometimento devido ao transtorno
mental.
O instrumento utilizado na coleta de dados foi
um roteiro de entrevista semi-estruturada. As falas
dos usuários e familiares em resposta às questões
do roteiro foram gravadas e transcritas na íntegra.
Na ocasião, os participantes foram esclarecidos
sobre os objetivos e procedimentos de pesquisa e
solicitados a empenhar-se nas respostas.
O interesse e disposição dos entrevistados em
colaborar com a pesquisa foi de suma importância.
Participaram com muita dedicação, ainda que, em
alguns momentos das entrevistas, demonstrassem
algum sofrimento ao reviver lembranças dolorosas
de acontecimentos marcantes em suas vidas.
Após a transcrição das entrevistas foram
realizadas várias leituras do material transcrito,
com o objetivo de identificar as temáticas
presentes nos discursos.
Buscamos uma abordagem metodológica que
contribuísse na análise dos sentidos construídos
pelos usuários e seus familiares, situando no
âmbito da psicologia social, o estudo das
produções de sentidos a partir da análise das
práticas discursivas, como forma de conhecimento
filiada à perspectiva construcionista.
Para Spink e Medrado( 2000) a pesquisa
construcionista tem como foco de interesse o
conhecimento gerado a partir da produção de
sentidos no cotidiano, a partir de convenções que
utilizamos e das formas pelas quais alcançamos
uma compreensão do mundo e de nós mesmos.
Considerando, tais formas e convenções como
artefatos sociais, como conceitos socialmente
construídos, determinados historicamente e
culturalmente.
Resultados
Os discursos dos usuários sobre o
funcionamento do CAPS avaliaram em sua
totalidade o atendimento oferecido como bom e
excelente, conforme podemos observar no relato
de J.N: “É ótimo, é ótimo mesmo, é de boa
qualidade se não existisse o CAPS talvez pessoas
como eu e outras que já vi que entraram aqui
como eu entrei, não haveria recuperação. Aqui é o
tratamento todo, um conjunto: tem atenção de
psicólogos... outros, resumindo aqui é completo,
não tem outro centro de apoio que chegue perto
desse, mas ele ainda vai melhorar mais, aqui e só
o começo... pra mim ele é tudo.”
Podemos perceber que os sentimentos
desencadeados pela ausência familiar parecem
ser preenchidos pelas percepções de alguns
usuários em comparar o CAPS a uma família,
onde se sentem amparados, confortados e
compreendidos, como é possível identificar na fala
de M.R:“Aqui no CAPS eu encontrei uma família
que eu não tenho, eu não tinha família, eu sabia
batendo de medico em medico pra pegar minha
receita, não tinha dinheiro pra comprar meu
remédio, agora nem me preocupo mais com meu
Rivotril, aqui me dá, me dá meu diazepam, então
isso ai pra mim é uma bençao e o CAPs é minha
família, minha casa, é isso aqui.”
Já E.R associa a permanência do tratamento
no CAPS a não necessidade de internação em
hospital psiquiátrico assim nos diz:“É bom, só
quero falar de bem, se eu tivesse aqui há mais
tempo não teria sido internada: participo das
oficinas, durmo, é ótimo, excelente eu acho, não
tem melhor não, nenhum hospital.”
Essa concepção reforça o objetivo do CAPS
de se caracterizar como serviço substitutivo e não
complementar à internação psiquiátrica, assim as
usuárias salientam que se estivessem em
tratamento há mais tempo, não teriam sido
internadas.
Outro ponto que obteve destaque na
avaliação positiva do CAPS se refere ao
fornecimento gratuito da medicação, que devido a
condições sócio- econômicas limitadas, muitos
usuários não administravam a medicação prescrita
regularmente,por dificuldades na sua aquisição.
A avaliação do CAPS também foi citada a
partir das ações da equipe técnica do Serviço, no
que se refere ao bom atendimento alguns
entrevistados evidenciam que a atenção e
dedicação dos profissionais é um aspecto que
influencia o sucesso do tratamento dos usuários.
É interessante notar que alguns usuários
enfatizaram seus desejos de permanecer um
tempo maior no CAPS, como observamos no
relato de P.T: “Eu me sinto muito melhor do que
em casa. Se eu tivesse condições de ficar aqui e
fosse uma coisa que desse essa condição, eu ia
em casa só para visitar minha filha...”
Tais falas podem ser atribuídas a
caracterização positiva do CAPS como um espaço
de escuta e acolhimento e também para fugir de
conflitos no ambiente familiar e dificuldades
sociais, como condições financeiras precárias.
Ao falar sobre o CAPS uma entrevistada
enfatiza sua avaliação positiva comparando o
tratamento
deste
Serviço
aos
hospitais
psiquiátricos da cidade, afirmando que não há
outro Centro que ofereça um atendimento igual ao
do CAPS. Como este Serviço foi o primeiro CAPS
do município, e considerando que até então a
única modalidade de atendimento em saúde
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mental se centralizava nos hospitais psiquiátricos,
foram
presentes
nos
discursos
dos
participantes,comparações entre o
modelo
hospitalocêntrico e o CAPS.
No que se refere aos familiares, estes
também apresentaram uma avaliação positiva
sobre o funcionamento do CAPS, assim nos
mostra o discurso de R.S: “o tratamento é
ótimo, muito, bom porque antes meu filho era
muito pior, depois desse tratamento no CAPS
ele melhorou 80 % , antes de ele era bem
pior.”(...) ele era bem doente antes de vim pro
CAPS depois do CAPS ele recuperou bastante,
não tomava banho, não fazia barba, não
cortava as unhas, não saia sozinho, agora ele
já faz.È muito gratificante, não é...” Assim
alguns familiares reconhecem mudanças
positivas com o tratamento, principalmente no
que diz respeito à realização das atividades
diárias dos usuários.
Foram recorrentes ao longo das entrevistas
as comparações realizadas pelos entrevistados
entre o hospital psiquiátrico e o atendimento
realizado no CAPS. Para os entrevistados o
hospital psiquiátrico representa um lugar de
isolamento, medo e uso exagerado de medicação,
enquanto descreveram as mudanças positivas
relacionadas ao fato de estar em tratamento no
CAPS, principalmente no que concerne à
remissão
de
crises,
acompanhamento
regularizado e realização de atividades e hábitos
de rotina.
Discussão
Para Cirilo( 2006) o início do processo da
Reforma Psiquiátrica no Brasil é contemporâneo
da disseminação da Reforma Sanitária, em favor
da mudança dos modelos de atenção nas práticas
de saúde, defesa da saúde coletiva, equidade na
oferta dos Serviços, e protagonismo dos
trabalhadores, usuários e outros atores nos
processos de gestão e produção de novas formas
de cuidado.
No contexto de luta pela cidadania do
portador de transtorno mental, partindo do
principio de inclusão social e dos pressupostos de
uma clínica antimanicomial, que a década de 1980
assiste
ao
surgimento
de
experiências
institucionais bem sucedidas na arquitetura de um
novo tipo de cuidado em saúde mental: os CAPSCentro de Atenção Psicossocial. Desde a primeira
experiência (CAPS Luis Cerqueira-Santos, 1988),
a idéia de CAPS vem mexendo com o ideário
nacional, ampliando os horizontes da clínica para
incorporar a dimensão psicossocial.
Podemos apontar ainda como de suma
importância a aprovação da Lei n. 10.216 da
Reforma Psiquiátrica, a publicação da Portaria n.
336/02 e da Portaria n. 189/02 que incorporam os
avanços ocorridos na condução dos equipamentos
substitutivos, a realização da III Conferência
Nacional de Saúde Mental, que, entre outras
coisas, consolidou o novo modelo assistencial dos
CAPS e, finalmente, a experiência acumulada nos
mais de dez anos de existência desses serviços
como fatores decisivos na história recente para um
substancial incremento dos CAPS no Brasil e para
a relativização do papel (ainda) hegemônico dos
hospitais psiquiátricos na atenção em saúde
mental ( Brasil, 2004).
Amarante( !995) nos diz que o processo
denominado Reforma Psiquiátrica tem entre outros
objetivos, a abertura e implementação de serviços
de saúde mental abertos, de base territorial,
atualmente centrado no modelo CAPS.
Se configura como de grande importância a
escuta aos usuários e seus familiares acerca das
questões que envolvem o transtorno mental e o
tratamento realizado, levando em consideração o
que nos diz Basaglia( 1985) que somente através
da tomada de consciência do fato de ter sido
excluído e rejeitado o doente mental terá
condições de se reabilitar do estado de
institucionalização a que foi forçado.
O que se espera através da Reforma
Psiquiátrica não é apenas o fechamento do
hospital psiquiátrico ou desativação de leitos,
transferindo o paciente para seu domicilio e lá
deixando-o confinado. Almeja-se muito mais,
principalmente o resgate ou aquisição da
cidadania, o respeito á sua subjetividade, o
incentivo a conquista da sua autonomia, ou seja, à
reintegração do individuo á família e ao meio
social (GONÇALVES e SENA, 2001).
Obter uma boa avaliação dos usuários e
familiares acerca do tratamento oferecido, reforçar
a função desse serviço que se caracterizar como
um serviço substitutivo a internação psiquiátrica.
Ao compararem o modelo centrado no hospital
psiquiátrico e o atendimento realizado no CAPS os
entrevistados
caracterizam
a
internação
psiquiátrica como algo extremamente negativo,
reforçando as concepções alvos de reivindicações
do movimento da Reforma Psiquiátrica.
Assim esse estudo nos possibilita uma
reflexão sobre o que Furtado e Campos( 2006)
nos aponta que para que CAPS venham a ser
realmente novos serviços, rompendo com a
estrutura teórica e prática do modelo hospitalar
hegemônico, faz-se necessário que o atendimento
ali ofertado esteja comprometido com necessárias
rupturas de ordem ética, política e epistemológica
em relação ao status quo representado pela
atenção tradicionalmente prestada pela rede
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pública e conveniada de saúde mental, sobretudo
nos ambulatórios e hospitais psiquiátricos.
Conclusão
SPINK, M.J.P. & MEDRADO, B. Produção de
sentidos no cotidiano: uma abordagem teóricometodológica
para
análise
das
práticas
discursivas. In:SPINK, M.J. (org.) Práticas
Discursivas e produção de sentidos no
cotidiano.2ªed.São Paulo: Cortez, 2000
A partir dessa avaliação positiva, por parte dos
usuários e familiares o CAPS têm o seu papel de
Serviço estratégico, substitutivo, dentro da rede de
saúde mental, potencializado. O que reforça a
necessidade de uma extrema vigilância em suas
práticas, para que estas não se tornem
segregadoras ou estimulem uma relação de
dependência dos usuários e familiares com o
Serviço e sua equipe técnica, podendo tornar-se
um obstáculo à conquista de autonomia e
reinserção social do usuário.
Referências
AMARANTE, P. Loucos pela vida: a trajetória da
reforma psiquiátrica no Brasil. Rio de Janeiro,
SDE/ENSP, 1995.
BASAGLIA, F. A instituição Negada. 3ª ed. Rio
de Janeiro: Edições Graal, 1985.
BRASIL, Ministério da Saúde. Saúde Mental no
SUS: Os Centros de Atenção Psicossocial.
Brasília, 2004.
BRASIL, Ministério da Saúde. Secretaria de
Atenção à Saúde. DAPE-Coordenação de Saúde
Mental. Saúde Mental em dados. Ano I n º. 1,
Junho
de
2006.
Disponível
no
site:
www.saude.gov.br, acesso em 20/07/06.
CIRILO, L.S. Novos Tempos: Saúde Mental,
CAPS e Cidadania nos discursos de usuários e
familiares. Campina Grande: UEPB, 2006.
FURTADO, J.P CAMPOS, R.T.O. Entre a saúde
coletiva e a saúde mental: um instrumental
metodológico para avaliação da rede de Centros
de Atenção Psicossocial (CAPS) do Sistema Único
de Saúde. Cadernos de Saúde Pública vol.22
no.5 Rio de Janeiro Maio 2006
GONÇALVES, A.M, SENA R.R. A Reforma
Psiquiátrica no Brasil:Contextualização e reflexos
sobre o cuidado com o doente mental na
família.Revista
Latino
Americana
de
Enfermagem, vol.9 nº.2 Ribeirão Preto. Mar/Abril,
2001.
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Breves considerações sobre o atendimento em saúde mental