Competências em Ação de Gestores Escolares:
um Estudo na SEEC da Paraíba
Autoria: Verônica Bezerra de Araújo Galvão, Emmanuelle Arnaud Almeida Cavalcanti
Resumo
O presente artigo tem como principal objetivo verificar até que ponto as competências
mobilizadas em ação por gestores de escolas públicas estaduais acompanham as competências
sugeridas na Lei de Diretrizes e Bases da Educação Brasileira, no Regimento Escolar e nas
Orientações de Funcionamento das Unidades Escolares publicadas pela Secretaria da
Educação e Cultura do Estado da Paraíba. O fio condutor da análise partiu da investigação da
literatura sobre o conceito de competência, passando à exploração do vínculo entre
competências exigidas e mobilizadas através da realização de um estudo de caso que
subsidiasse, inclusive, a possível identificação de competências que extrapolassem o escopo
inicial. O estudo foi realizado em sete escolas, destacando-se por realizarem processo
democrático de escolha de seus gestores e estarem vivenciando o momento em que a
educação brasileira colocou a gestão como um dos quatro eixos prioritários de investimento,
por meio do Plano de Desenvolvimento da Educação e do Compromisso Todos Pela
Educação. Os resultados apontam que, além das competências exigidas para o exercício da
função, os gestores escolares mobilizam outras competências técnicas, sociais/contextuais e
comportamentais no contexto da ação profissional.
Palavras-chave: Gestão escolar. Educação pública. Competências.
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Introdução
Estudos da UNESCO (2007) registram que na América Latina, e de modo especial no
Brasil, um conjunto de esforços vem sendo empreendido visando ao aumento da educação
obrigatória, à melhoria da infraestrutura, ao desenho de currículos significativos, além da
formação inicial e continuada de professores. Nessa perspectiva, o Decreto Presidencial nº
6.094 de 24 de abril de 2007 anuncia uma nova regra para a educação brasileira, privilegiando
o compromisso com resultados. A orientação que desponta traz um indicador máster nacional,
o IDEB – Índice de Desenvolvimento da Educação Básica, que firma a relação entre o fluxo
escolar e o desempenho do aluno. Por essa lógica, os sistemas de educação passam a
incorporar dois fundamentos: a performance dos alunos em avaliações nacionais e o tempo
consumido pela escola para gerar essa condição.
O decreto operacionaliza a chamada nacional intitulada “Plano de Metas
Compromisso Todos pela Educação” e propõe que a ação educativa seja articulada em regime
de colaboração pela União, Estados e Municípios. Subsidiariamente, esse esforço também
compreende a fundamental participação das famílias e da comunidade.
O Ministério da Educação, em 2007, intensificou o estímulo à constituição de arranjos
educativos envolvendo, inclusive, as universidades públicas. Essas composições buscam
potencializar diferentes atores e suas contribuições para elevação da qualidade do trabalho
escolar. Hoje, esforços pedagógicos, administrativos e econômicos combinam-se para conferir
um novo sentido ao direito de aprender. Espera-se que a escola desenvolva competências em
cada aluno para que possa participar ativamente do seu mundo e construir projetos de vida
digna em relação aos outros.
Como garantir essa articulação? O que faz a escola funcionar melhor?
O cotidiano escolar é rico nas pistas que oferece. No interior dos processos, é possível
observar como a responsabilidade direta de cada ator impacta a questão educativa. Em outras
palavras, as políticas públicas são traduzidas em rotinas conduzidas por todos que geram
movimento no interior da escola. Nesse sentido, a sociedade exige, cada vez mais, a
competência dos gestores escolares.
Como alerta Xavier (1996), sabe-se hoje que a escola faz diferença, sim, no
desempenho dos alunos, e que sua adequada gestão é indiscutível para chegar aos objetivos.
Há provas contundentes de que a gestão é uma componente decisiva da eficácia escolar.
Inúmeros estudos, no Brasil e no exterior, vêm comprovando que escolas bem dirigidas e
organizadas promovem resultados relevantes.
A ideia de gestão eficiente, nesse caso, envolve um sentido de competência que se
traduz em sucesso da organização. Mas por trás dos resultados queremos verificar como se dá
a contribuição direta de um protagonista em especial: o diretor da escola.
Cada vez mais, espera-se que os diretores escolares demonstrem competência para
planejar, controlar, avaliar, coordenar, delegar atribuições, motivar de equipes etc. Contudo,
ainda que tais competências sintetizem o perfil exigido do gestor, será que o dia-a-dia
confirma tais prescrições? Há outras competências mobilizadas pelos gestores?
O objetivo do presente estudo é investigar a correspondência existente entre as
competências exigidas do gestor escolar e aquelas que efetivamente são postas em ação em
um grupo de escolas do sistema de educação estadual paraibano. Entender a atuação desses
gestores apresenta-se, portanto, como uma questão de grande relevância para os estudos
acadêmicos e as práticas organizacionais.
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Competências Profissionais
A noção de competência surgiu nos últimos anos como forma de repensar as
interações entre duas categorias: de um lado as pessoas, com seus saberes e capacidades e de
outro as organizações e suas demandas no campo dos processos de trabalho essenciais e
processos relacionais – relações com clientes, fornecedores e os próprios trabalhadores
(RUAS, 2001). De forma geral, a competência pode ser vista sob dois prismas, um que
enfatiza as características que o indivíduo possui, ou seja, os inputs das pessoas, como
conhecimento, habilidades e atitudes requeridas para a prática profissional, o qual surgiu a
partir de estudos norte-americanos. Em uma perspectiva pragmática, a competência pode ser
entendida como uma característica profunda do indivíduo que resulta em uma performance
superior em uma tarefa (BOYATZIS, 1982; SPENCER; SPENCER, 1993 apud GOMES et
al., 2008).
O outro prisma evidencia a competência sob a perspectiva da entrega do indivíduo,
considerando-a um output na medida em que o indivíduo mobiliza-se para a realização do
trabalho. Neste sentido, de acordo com pesquisadores franceses, como Le Boterf (2003), a
competência é saber agir de forma responsável e reconhecida, implicando, assim, saber
mobilizar, integrar e transferir conhecimentos, recursos e habilidades em um determinado
contexto profissional. Na tentativa de integrar as duas visões, Fleury e Fleury (2000)
conceitua a competência como um saber agir responsável e reconhecido, implicando
mobilizar, integrar, transferir conhecimentos, recursos e habilidades que agreguem valor
econômico à organização e valor social ao indivíduo.
Le Boterf (2003) define a competência como sendo o resultado do cruzamento de três
eixos: a formação da pessoa – sua biografia e socialização –, sua formação educacional e sua
experiência profissional. Ruas (2000) acrescenta que a questão da competência se coloca em
um espaço de interação entre as pessoas e seus saberes, capacidades e demandas das
2
organizações no campo dos processos de trabalho essenciais e relacionais. Nesta perspectiva,
Zarifian (2001) apresenta três dimensões para a competência: tomar iniciativa e assumir
responsabilidade em situações profissionais; utilizar a inteligência prática nas situações
apoiada em conhecimentos adquiridos; e ter a capacidade de mobilizar pessoas e compartilhar
desafios.
A fim de melhor elucidar estas questões, o Quadro 1 apresenta algumas das diversas
noções de competências presentes na literatura.
Autor
Noção de Competência
BOYATZIS (1982),
SPENCER; SPENCER (1993)
Característica profunda do indivíduo que resulta em uma performance
superior em uma tarefa.
Capacidade de agir eficazmente em um determinado tipo de situação,
PERRENOUD (1997)
apoiada em conhecimentos, mas sem limitar-se a eles.
Saberes que compreendem um conhecimento capaz de produzir
BARATO (1998)
determinados desempenhos e de assimilar e produzir informações.
Saber agir responsável e reconhecido, implicando mobilizar, integrar,
FLEURY E FLEURY (2000)
transferir conhecimentos, recursos e habilidades que agreguem valor
econômico à organização e valor social ao indivíduo.
Tomar iniciativa e assumir responsabilidade diante de situações
ZARIFIAN (2001)
profissionais com as quais se depara. A competência só se manifesta na
atividade prática.
Capacidade de mobilizar, integrar e colocar em ação conhecimentos,
RUAS (2002)
habilidades e atributos, a fim de atingir/superar desempenhos
configurados nas atribuições.
Saber agir de forma responsável e reconhecida, implicando, assim, saber
LE BOTERF (2003)
mobilizar, integrar e transferir conhecimentos, recursos e habilidades em
um determinado contexto profissional.
Não é um modismo. Saber ser e saber mobilizar o repertório individual
DUTRA (2004)
em diferentes contextos.
Quadro 1 – Noções do conceito de competência
Fonte: elaboração própria com base em pesquisa bibliográfica.
Como se pode ver através do Quadro 1, inicialmente o conceito de competência era
associado ao desempenho superior que o indivíduo poderia alcançar em sua tarefa. Em um
segundo momento houve um descolamento do foco inicial, que passou a centrar-se no
comportamento do indivíduo e em suas atitudes que o tornam capaz de saber agir.
Paulatinamente essas duas vertentes foram se integrando e o conceito de competência passou
a contemplar tanto a perspectiva do desempenho, através da atividade prática, quanto das
atitudes, através da mobilização de diversos recursos cognitivos em sinergia.
Para Dutra (2004), o conceito de competência não é um modismo; ao contrário, tem-se
mostrado muito adequado para explicar a realidade vivida pelas empresas na gestão de
pessoas. Zarifian (2001) define três principais mutações ocorridas no mundo do trabalho, as
quais justificam o modelo de competência para a gestão das organizações:
• a noção de evento – aquilo que ocorre de maneira imprevista, não programada,
vindo a perturbar o desenrolar normal do sistema de produção, ultrapassando a
capacidade rotineira de assegurar sua autoregulação;
• comunicação – comunicar implica compreender o outro e a si mesmo; significa
entrar em acordo sobre objetivos organizacionais, partilhar normas comuns para
sua gestão; e
• a noção de serviço, de atender a um cliente externo ou interno da organização,
precisa ser central e estar presente em todas as atividades; para tanto, a
comunicação é fundamental.
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Pode-se verificar que, ao contrário dos modelos pragmáticos, a noção de evento
implica que a competência não pode estar contida apenas nas predefinições da tarefa, pois o
indivíduo precisa estar sempre mobilizando recursos para resolver as novas situações de
trabalho. Neste âmbito, a noção de competência surge como uma forma renovada de pensar o
papel e o desempenho do trabalho nas organizações (RUAS, 2001). Le Boterf (2003) aponta
que a economia das competências não se reduz à economia dos saberes. E vai além. Sugere
que as competências reais dos profissionais não podem ser objeto senão de antecipações
probabilísticas, pois não há uma maneira única de ser competente em relação a um problema.
Conclui então que a competência não é um estado de formação educacional ou profissional,
nem tampouco um conjunto de conhecimentos adquiridos, não se reduz ao saber, nem ao
saber-fazer, mas a sua capacidade de mobilizar e aplicar esses conhecimentos e capacidades
em uma condição particular, em que se colocam recursos e restrições próprias à situação.
Neste sentido, percebe-se que o conceito de competência constitui-se na própria ação e
não existe antes dela, ou seja, para que haja competência é preciso colocar em ação um
repertório de recursos como conhecimentos, capacidades cognitivas, integrativas e relacionais
(RUAS, 2001).
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Competências em ação
Observa-se que as competências não são apenas conhecimentos ou habilidades, são
conhecimentos e habilidades em ação. Segundo Le Boterf (2003), a ação tem uma
significação para o sujeito. Assim, a competência é uma ação ou um conjunto de ações
articulado sobre uma utilidade, sobre uma finalidade que tem um sentido para o profissional.
De acordo com Dutra (2004), pode-se falar de competência apenas quando há competência
em ação, traduzida como saber ser e saber mobilizar o repertório individual em diferentes
contextos. Neste sentido, por seu caráter finalizado, contextual e contingente, a competência
só é compreensível, e suscetível de ser produzida, na ação (ANTONELLO; RUAS, 2005).
Assim, verifica-se que a competência geralmente não é desenvolvida de forma
descontextualizada do contexto da ação profissional.
Perrenoud (1999) observa que a competência ultrapassa a erudição e sugere que
mesmo para um sujeito que tenha se apropriado de numerosos conhecimentos não há garantia
de que vá mobilizá-los em certas situações. A competência parece estar além dos
conhecimentos e envolve uma construção que é inseparável da formação de esquemas de
mobilização.
Outro conceito presente na obra de Perrenoud é o de habitus, evocado de Bourdieu
(1972, p.178-179), definido como sendo
sistema de disposições duráveis e transponíveis que, integrando todas as
experiências passadas, funciona a cada momento como uma matriz de
percepções, apreciações e ações e torna possível a execução de tarefas
infinitamente diferenciadas, graças às transferências analógicas de esquemas
que permitem resolver os problemas da mesma forma.
Portanto, graças a esse conjunto de esquemas constituído em um dado momento da
vida é possível gerar várias práticas adaptadas a situações renovadas, sem que se cristalizem
princípios explícitos.
Para Zarifian (2001, p. 43), como a competência só se manifesta na atividade prática,
“existe uma parcela indispensável de iniciativa que provém do próprio indivíduo, que não
pode provir de prescritores nem da estrutura organizacional”. O agir profissional supõe, então,
certa vontade. Entre a atividade requerida e a atividade real instala-se a atividade redefinida,
ou seja, a definição que o indivíduo estabelece para si no que tange à atividade a efetuar. A
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intervenção humana, saber agir e reagir, permanece essencial para encarar as eventualidades e
as falhas (LE BOTERF, 2003).
Para ilustrar este processo, Retour (2005) apresenta um modelo de tipologia de
competências, o qual contém quatro níveis, conforme retrata a Figura 1.
competências
potenciais do
indivíduo
Competências requeridas
pelo emprego
competências
mobilizadas pelo
indivíduo
competências requeridas mas
não detidas pelo empregado
competências
detidas pelo
indivíduo
competências mobilizadas e
valorizadas pela empresa
Figura 1 – Tipologia de Competências
Fonte: Retour (2005)
As competências requeridas por um emprego remetem a algumas características:
procedimentos inseparáveis da noção de operação; caráter prescritivo; e estabilidade,
simbolizada na figura através do retângulo (RETOUR, 2005). O segundo campo é constituído
pelas competências mobilizadas pelo empregado no exercício da sua função. Segundo o autor,
outras investigações, nomeadamente em ergonomia, demonstram que muitas pessoas, no
exercício da sua função, exercem competências que, geralmente, ultrapassam o campo das
competências requeridas por um emprego. A zona seguinte refere-se ao conjunto das
competências detidas por um empregado em um momento dado. Na maior parte das situações,
esta terceira zona é mais larga que a segunda. Para ilustrar esta tipologia, o autor exemplifica
que um empregado que domine o alemão, mas que não tenha oportunidade na sua empresa de
exercer esta competência lingüística, detém esta competência, mas não a mobiliza. Por fim, o
quarto campo refere-se às competências potenciais de um indivíduo. Este é normalmente o
domínio da gestão dos potenciais de progresso na carreira.
Para Antonello (2006), é necessário também compreender como as competências são
desenvolvidas, considerando os seguintes aspectos:
• ligação existente entre a competência e a ação: a competência permite o agir e é ela
que adapta este agir. Ela não existe por si, independentemente da atividade, do
problema a resolver, do uso que dela é feito.
• contextualidade: a competência está vinculada a uma dada situação profissional e
corresponde, portanto, a um contexto.
• valor agregado: a competência adiciona valor às atividades da organização
(desempenho) e valor social ao indivíduo (auto-realização, sentimento ou experiência
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pessoal de ser competente). Neste sentido, o indivíduo também é responsável pelo
desenvolvimento, aprimoramento e consolidação de suas competências.
• interação e rede do trabalho: as competências se desenvolvem por interação entre as
pessoas, no ambiente de trabalho, formal ou informalmente.
• práticas de trabalho: enriquecimento de experiências e vivências e apropriação do
saber em ações no trabalho (saber agir). O conhecimento é construído e, ao mesmo
tempo, incorporado às atitudes, manifestando-se por meio de ações e práticas no
trabalho.
De acordo com Zarifian (2001) um aspecto sensível neste processo é que a
mobilização das competências de um indivíduo não pode ser imposta ou prescrita. A
competência se realiza na ação, não preexiste a ela. A competência não se exprime pela ação,
mas se realiza na ação; ela emerge mais do que precede (ANTONELLO; RUAS, 2005; LE
BOTERF, 2003). O que a empresa pode fazer é requerer competências, criar condições
propícias para seu desenvolvimento e validá-las. No entanto, as mesmas só serão utilizadas e
se desenvolverão como consequência de uma automobilização do indivíduo (ZARIFIAN,
2001). A competência profissional, sob esta perspectiva, não reside nos recursos
(conhecimentos, capacidades, etc.) a mobilizar, mas na própria mobilização desses recursos, a
qual não é uma simples aplicação e sim uma construção, sendo o profissional um produtor de
competências (LE BOTERF, 2003). Dessa forma, as competências mobilizadas pelo
indivíduo vão além do que é formalmente requerido pela organização, uma vez que o próprio
indivíduo já traz consigo uma bagagem que reúne suas experiências e competências prévias.
Após apresentar o aporte teórico acerca das competências profissionais e em ação que
ancoram esta pesquisa, torna-se oportuno tecer, na subseção que segue, algumas
considerações sobre o contexto da ação profissional que envolve os gestores de escolas.
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Competências gerenciais dos gestores de escolas públicas
A noção de gestão foi, durante certo tempo, conotada nos corredores dos cursos de
pedagogia como sendo sinônima das teorias de Taylor e Fayol. Mas essa concepção vem
sendo alterada, como publicou o Conselho Nacional de Secretários de Educação (CONSED,
1997, p.14):
A gestão pública escolar assume, mais uma vez, um significado que transcende o da
administração em sentido restrito. Exige-se, atualmente, dos gestores sociais em
geral e dos escolares, em particular, competências que são tanto técnicas quanto
políticas no bom sentido. Por um lado, é cobrada deles a responsabilidade social
pelos resultados da tarefa educativa, como também é cobrada de sua unidade,
qualidade dos serviços prestados. Por outro lado, estes gestores lidam
fundamentalmente com o humano, sendo gestores de pessoas (professores,
funcionários etc) tendo a missão de coordenar os esforços delas para o alcance dos
objetivos das unidades sob sua direção, e, conseqüentemente, do sistema
educacional como um todo.
Estudos sobre a gestão democrática na escola discutem temas como transparência,
responsabilidade educacional, divisão de tarefas, formulação de projetos, participação dos
conselhos, mobilização das famílias, construção de parcerias, prestação de contas etc. Forças
e contingências atravessam o contexto escolar impactando diretamente no perfil do gestor que
é demandado para corresponder a tais exigências. Paro (1993) reforça os limites do universo
escolar em que a relação educativa só pode dar-se mediante o processo pedagógico,
necessariamente dialógico, não dominador, que garanta a condição de sujeito tanto do
educador quanto do educando. Por sua imprescindibilidade para a realização históricohumana, a educação deve ser direito de todos os indivíduos enquanto viabilizadora de sua
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condição de seres humanos. Isso tudo acarreta características especiais e importância sem
limites à escola pública enquanto instância da divisão social do trabalho, incumbida da
universalização do saber. Esse é o chão do gestor escolar.
A abordagem sobre competências gerenciais ganha então um contorno específico
quando remetida ao contexto escolar, ainda mais quando essa escola faz parte do sistema
público. A educação pública brasileira, com a conferência de Dakari, intensificou a atenção
dedicada a problemática da gestão escolar construindo programas específicos em sua agenda
prioritária. Nessa perspectiva, assenta seus fundamentos sobre o desafio de mobilizar o
elemento humano, alavancando suas competências como pedra angular na construção da
qualidade da educação.
Os desafios emergentes, sejam eles de ordem pedagógica (parâmetros e referencias
curriculares nacionais), econômica (globalização da economia, competitividade e novas
demandas do mercado de trabalho), política (regime de colaboração, planos de ações
articuladas, programas de descentralização da gestão educacional, inclusive financeira),
metodológica operacional (consolidação do IDEB, novas tecnologias, monitoramento) exigem
que os gestores educacionais mobilizem competências para promover a educação de
qualidade. Tal mobilização segue a lógica assinalada por Le Boterf (2003) quando compara a
competência a um ato de enunciação que não pode ser compreendido sem que se façam
referências ao sujeito que o emite ou ao contexto onde está inserido. Dos gestores escolares é
esperado, portanto, que mobilizem saberes, habilidades e recursos materiais compondo a
equação dinâmica capaz de colocá-los em ato, movimento, ação.
Para efeito de estudo, alguns autores constroem a classificação das competências,
embora tal abordagem implique em dificuldades semelhantes às encontradas quando se tenta
definir o que é competência. Mitchell (2004) elabora a síntese apresentada no Quadro 2.
Autor
Tipos de Competência
RABAGLIO
Técnicas e Comportamentais
BENJAMINS
Específicas (Hard) e Sociais (Soft)
MARCKET
Técnicas e Comunicativas
ZARIFIAN
De processo, Técnico-Formativas, De Serviço e Sociais
GRAMIGNA
Diferenciais, Essenciais, Básicas e Terceirizáveis
FONSECA
Gerenciais, Técnicas e Sociais
Quadro 2 – Tipos de competência
Fonte: baseado em Mitchell (2004).
O presente estudo adotou como referencial a tipologia técnicas, comportamentais e
sociais por entender que envolvem o universo gerencial dos diretores escolares.
Em geral, as competências técnicas são alcançadas através da educação formal, inicial
e continuada, treinamentos e experiência profissional e têm relação com a capacidade de
aplicar, transferir e generalizar o conhecimento, bem como de reconhecer e definir problemas,
propondo soluções para os mesmos. Há de se considerar também o esforço residente nas
experiências em que mestres e aprendizes compartilham saberes modelados por relações
distintas daquelas que se dão no âmbito formal.
Já as competências comportamentais remontam às características de personalidade do
indivíduo. São importantes para demonstrar espírito empreendedor, capacidade para a
inovação, iniciativa, criatividade, liderança, vontade de aprender, abertura às mudanças,
capacidade para gerir conflitos, consciência das implicações éticas do seu trabalho etc.
7
Quanto às competências sociais, estas comumente envolvem atitudes que auxiliam o
estabelecimento da interface entre o particular e o coletivo, promovendo articulações que
agreguem valor ao ambiente escolar e ampliem as possibilidades educativas. Nesse grupo
estão os relacionamentos interpessoais de professores, gestores, alunos, pais; a capacidade de
construir alianças e parcerias com outras instituições, a conquista da família para participar
conjuntamente da educação escolar etc.
5
Metodologia
A abordagem metodológica selecionada para esta investigação baseou-se em uma
perspectiva qualitativa, na qual o pesquisador procura compreender as ações individuais,
grupais ou organizacionais em seu ambiente e contexto social. Em termos de caracterização
geral do estudo, esta pesquisa é exploratória, a qual, segundo Gil (1994), envolve o
levantamento do estado da arte, pela revisão bibliográfica e pelo estudo dos atores
relacionados com o processo pesquisado, para que a vivência com o problema possa estimular
e facilitar a compreensão do fato. Este tipo de pesquisa busca basicamente desenvolver,
esclarecer e modificar conceitos e idéias para a formulação de novas abordagens a posteriori.
A estratégia de coleta de dados está centrada na realização de entrevistas semiestruturadas com questões abertas que buscam extrair do pesquisado sua percepção acerca das
competências exigidas, as quais foram categorizadas em três grupos: técnicas,
sociais/contextuais e comportamentais. As entrevistas também buscaram verificar quais
dessas competências estão postas em ação e ainda se, na prática, esse conjunto de
competências inclui outras para além das inicialmente elencadas. Neste sentido, Roesch
(1999) afirma que, as entrevistas semi-estruturadas permitem ao pesquisador entender e captar
a perspectivas dos participantes da pesquisa, sem predeterminar sua expectativa através de
uma seleção prévia de categorias de questões. Sobre o campo de pesquisa, foi composto por
sete Escolas Estaduais de Ensino Fundamental e Médio localizadas em João Pessoa, com
sujeitos de investigação definidos com base nos seguintes critérios: escolas cujos gestores
tenham sido escolhidos através de processo de eleições diretas; escolas com matrícula em
1000 e 2000 alunos; escolas que prestam serviço em, no mínimo, dois turnos; escolas que
tenham professores efetivos e pro-tempore em seu quadro funcional; escolas de ensino
fundamental e/ou ensino médio; escolas cujos gestores tenham aceito participar da pesquisa
por meio de adesão, disponibilizando acesso e tempo; grupo de gestores contemplando
homens e mulheres.
Em termos de sistematização, o processo de tratamento dos dados coletados a partir da
pesquisa de campo constituiu-se na categorização dos assuntos abordados durante a
entrevista, descrição das categorias encontradas e elaboração de quadros comparativos entre
os perfis de competência dos gestores. Para não haver individualização dos dados de pesquisa,
a identidade dos participantes foi preservada, contudo, para permitir certa direção em relação
às escolas investigadas, após a identificação dos discursos dos pesquisados será indicada a
numeração correspondente à entrevista realizada.
A pesquisa foi realizada no mês de fevereiro de 2009.
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Apresentação e Discussão dos Resultados
A apresentação dos resultados foi dividida em duas partes: a primeira discute as dez
competências formais dos gestores escolares, exigidas em sua prática gerencial; e a segunda
apresenta as competências em ação identificadas na pesquisa.
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6.1
Competências exigidas
Os diretores foram inicialmente entrevistados acerca das competências técnicas que os
mesmos devem possuir, quais sejam, coordenar a elaboração do Projeto Político Pedagógico,
buscar e compartilhar informações, acompanhar criticamente os indicadores de aprendizagem
e delegar competências e atribuições a seus subordinados.
A investigação sobre a construção do PPP - Projeto Político Pedagógico mostrou que
todos os investigados revelaram ter envolvimento com essa etapa do planejamento escolar.
Apareceram referências ao POPE – Plano de Organização Pedagógica da Escola que é a
versão estadualizada do planejamento estratégico. Sendo POPE ou PPP foi possível ainda
perceber certa “terceirização” da competência pedagógica, considerando-a atribuição de
coordenadores pedagógicos, supervisores ou técnicos. Com bastante freqüência, os gestores
apontam o PDE - Escola, Plano de Desenvolvimento da Escola, como instrumento relevante
de organização, sobretudo por incluir um suporte financeiro, o PDDE – Programa Dinheiro
Direto na Escola, constituído por recursos federais e estaduais, que dão concretude aos
projetos de cada unidade escolar.
Quando questionados sobre a busca e o compartilhamento de informações, todos os
entrevistados elencaram uma série de canais de comunicação utilizados por eles para divulgar
notícias, eventos e outras informações consideradas importantes. O meio mais utilizado é a
reunião, seja de planejamento, avaliação ou mesmo extraordinária. Também foram citadas
diversas outras formas de comunicação: sistema de rádio, quadros de avisos, carro de som,
cartazes, ofícios, ligação telefônica, comunicado ao presidente de turma e aos professores.
Os gestores divergiram bastante quanto ao acompanhamento sistemático do IDEB –
Índice de Desenvolvimento da Educação Básica. Apesar da nova política educacional
brasileira assumir o IDEB como indicador máster nacional, não apareceram indícios de que os
gestores estejam fazendo a ponte entre a avaliação e o re-planejamento da prática docente.
Apenas dois gestores estimulam o acompanhamento, sendo que um deles, o gestor 4,
potencializa a iniciativa a partir de outra ação, conforme salienta: “Aproveitamos os
profissionais que têm a metodologia da Correção de Fluxo”. Cinco entrevistados não
priorizam o acompanhamento, destacando-se o gestor 7 que demonstrou desconhecimento do
significado do IDEB.
No que se refere à delegação de competências e atribuições aos subordinados, a
maioria dos diretores das escolas afirmou que as tarefas e competências são atribuídas de
forma participativa, primando pelo diálogo e pela alocação das pessoas com base na aptidão
existente em cada um, conforme se percebe na fala de um dos entrevistados:
há diversidade de cada um enquanto grupo, as aptidões são visíveis,
notáveis, então a gente tem aproveitado cada profissional aqui naquilo que
mais ele se sente bem em fazer e em que ele, de certa maneira, por sentir-se
bem e fazer com prazer, ele, realmente, termina dando um resultado
satisfatório, excelente (gestor 2).
O segundo grupo de competências investigado, o social/contextual, é composto por
três competências, a saber: promover a integração da família na escola, buscar alianças e
parcerias e promover a inovação e a mudança. Todos os diretores apontaram atividades em
que procuram promover a participação familiar, tais como gincanas, festivais de arte, projetos
de preservação ambiental, caminhadas, além de festividades em datas comemorativas e
reuniões bimestrais de avaliação da aprendizagem. Para um dos diretores, “uma escola aberta
traz a comunidade até a escola (...). Nós podemos, com um contato maior com esse aluno,
trabalhar valores, trabalhar a cidadania, a construção dessa cidadania do alunado” (gestor
2). No entanto, percebeu-se, durante a entrevista, que os entrevistados não têm domínio sobre
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a efetividade destas ações, uma vez que não sabem o real grau de integração das famílias e
não conseguem acompanhar a continuidade da participação.
Em relação à busca por alianças e parcerias com outras instituições, os achados de
campo mostram que todas as escolas entrevistadas já possuem algum tipo de parceria com
organizações públicas ou privadas, conforme demonstra o Quadro 3. Porém, o interesse por
buscar mais parcerias e ampliar a capacidade da escola não é o mesmo para todos, já que
alguns se mostraram mais atuantes que outros.
Ação
Cursos de qualificação profissional
Instituição parceira
SENAC, Instituto Federal de Educação
Tecnológica
Dinamização de laboratórios (química, biologia,
Universidade Federal da Paraíba
matemática, física)
Educação por meio do esporte
Fundação Alpargatas
Educação Ambiental (reflorestamento)
Fundação Bradesco
Educação em tempo integral (projetos
Institutos Arcor, C&A e Vitta
envolvendo leitura e arte)
Oferecimento de estágios
Centro de Integração Empresa-Escola
Prevenção à saúde
Postos de Saúde da Família
Quadro 3 – Parcerias estabelecidas entre as escolas e outras instituições
Fonte: pesquisa de campo (2009)
Para Le Boterf (2003, p. 40), “é mais o saber inovar do que o saber que se tornou
rotina que caracteriza o profissional”, o qual deve tomar iniciativas em tempo oportuno para
antecipar e resolver disfunções. No quesito incentivo à inovação e à mudança, os gestores
atuam de forma diferente em sua gestão. Três deles promoveram mudanças significativas,
como a expansão da escola de ensino fundamental para médio, a criação de laboratórios,
bibliotecas e outros espaços funcionais de aprendizagem para o aluno e a defesa da escola
pública na tentativa de valorizar o que é público, conforme coloca uma das diretoras: “tudo
quanto é mudança eu aceito e procuro trabalhar” (gestor 4). Os demais se portaram de
forma mais passiva em sua atuação, apenas afirmando que a inovação e mudança são
importantes, mas sem identificar algo de concreto que tenham incentivado.
O terceiro e último grupo reúne as competências comportamentais dos gestores
escolares: trabalhar em cooperação com professores, assumir riscos em situações em que tem
que gerenciar conflitos e liderar professores. Em relação à primeira competência
comportamental, o trabalho em cooperação, cinco dos sete diretores afirmaram que os
professores participam das atividades, realizando além do que está formalmente prescrito. Os
entrevistados afirmaram ainda que os professores desenvolvem atividades extra-classe,
debatem assuntos de interesse coletivo e auxiliam na execução das tarefas, como se percebe
neste depoimento: “aqui, muitas atividades acontecem com a cooperação, com a
participação dos professores. Nós programamos em cada período atividades para fugir dessa
aula que é tida como a normal do dia a dia” (gestor 2). Os outros diretores encontram
dificuldades quando buscam a cooperação dos professores, pois, em suas escolas, apenas
alguns querem ajudar, conforme observa a primeira entrevistada: “é difícil colocar um projeto
para funcionar quando a gente tem dentro do ambiente, por exemplo, nessa escola, 105
professores, mas num evento 30 participam” (gestor 1).
Com relação à disposição para assumir riscos, três gestores relacionaram “risco” ao
cenário de violência do mundo atual que também é reproduzido na escola. Nesse sentido, os
gestores buscam parceria com a família, polícia, conselho tutelar e ministério público para o
enfrentamento da questão. O gestor 6 respondeu de modo evasivo, ainda assim positivamente.
Os participantes 4, 5 e 7 foram enfáticos quanto à importância que tem o gestor de fazer a
gestão dos conflitos que sempre estão presentes no dia a dia , assumindo os “riscos”
10
decorrentes de suas escolhas e orientações. Como ressalta o gestor 4, “Se não tiver risco, não
tem vida”.
Todos os entrevistados sinalizaram afirmativamente quanto ao quesito liderança.
Como fatores essenciais para o exercício dessa competência foram apontados o trabalho de
conquista, a prática dialógica, a busca da transparência, o clima de liberdade e respeito. Em
100% dos casos foi pelo crivo das eleições diretas que os participantes tornaram-se gestores,
sendo esse um sinal de liderança que reforça o jogo democrático.
6.2
Competências em ação
Segundo Le Boterf (2003), o profissional competente sabe tomar iniciativas e
decisões, negociar e arbitrar, fazer escolhas, assumir riscos, reagir a contingências, inovar no
dia-a-dia e assumir responsabilidades. No contexto escolar não é diferente. É do encontro do
cotidiano dos gestores com as expectativas anunciadas na Lei de Diretrizes e Bases da
educação, regimento escolar e demais orientações que as competências ganham uma nova
dimensão. O relato dos entrevistados, enriquecido pelas contingências próprias de um
ambiente tão dinâmico, extrapola o escopo inicial da investigação. Sendo assim, a seguir
serão apresentadas, através do Quadro 4, as competências exigidas e as mobilizadas pelos
gestores escolares.
Competências
Técnicas
Sociais/
Contextuais
Comportamentai
s
Exigidas
• Coordenar a elaboração do Projeto
Político Pedagógico.
• Buscar e compartilhar informações.
• Acompanhar criticamente os
indicadores de aprendizagem.
• Delegar competências e atribuições a
seus subordinados.
• Promover a integração da família na
escola.
• Buscar alianças e parcerias com outras
instituições públicas ou privadas.
• Promover a inovação e a mudança na
gestão escolar.
• Trabalhar em cooperação com
professores.
• Assumir riscos em situações em que
tem que gerenciar conflitos.
• Liderar professores.
Em ação
•
•
•
•
•
•
Administrar finanças.
Dominar aspectos legais.
Delegar competências.
Aprender continuamente.
Organizar a escola.
Potencializar os recursos
existentes na escola.
•
•
•
•
Buscar alianças e parcerias.
Valorizar a escola pública.
Construir estratégias.
Resolver questões políticas.
•
•
•
•
•
•
•
•
Liderar professores.
Utilizar bem o tempo.
Assumir compromisso.
Saber relacionar-se.
Trabalhar com amor.
Disciplinar a equipe e os alunos.
Respeitar as pessoas.
Resolver conflitos.
Quadro 4 – Competências em ação dos gestores escolares
Fonte: pesquisa de campo (2009)
As quatro competências técnicas exigidas confirmaram-se em diferentes gradações,
mas outras pronunciaram-se como é o caso da administração das finanças, o domínio de
aspectos legais, a predisposição para aprender continuamente, a capacidade de potencializar
os recursos existentes na escola além da abrangente organização da escola.
No eixo social/contextual ganhou relevo a competência de lidar com o conceito de
coisa pública e sua relação direta com a valorização da escola pública. Nesse domínio aparece
a importância de estimular a construção de estratégias, demanda que sugere a aproximação de
11
aspectos técnicos e contextuais/sociais. A competência para resolver questões políticas
também aparece, embora haja sinais de que o processo de eleições diretas para gestores
escolares, instituído desde 2004, esteja alterando a relação entre os agentes políticos e os
diretores de escola. Uma nova cultura vai-se estabelecendo com base nesse modelo de relação
em que o gestor é “autorizado” pela comunidade a que pertence, fortalecendo sua a autonomia
e capacidade de escolha. Na intervenção do gestor 5: “sou eleito, não sou colocado por
político, é eleição (...). Se pedir, eu só atendo se tiver condição; se não tiver, explico o
motivo”. A relação de subordinação hierárquica à Secretaria da Educação também aparece
segundo a perspectiva de jogo democrático com a abertura de fóruns, seminários, audiências
públicas e espaços de debate e interação dos atores.
Das competências comportamentais emerge uma preocupação explícita com a
construção de relacionamentos entre gestores e equipes primando pela clareza e transparência,
em consonância com o que afirma Ruas (2000) acerca do contexto relacional em que a
competência se desenvolve, qual seja, um espaço de interação entre as pessoas e seus saberes,
capacidades e demandas das organizações. Ao longo do tempo, a própria alteração do arranjo
escola-família pronunciou no contexto escolar novas fronteiras para temas como disciplina,
responsabilidades compartilhadas, violência, combate ao uso de drogas, sexualidade etc.
Cabendo aos gestores, como constatado nas entrevistas, articular espaço e tempo para a gestão
de conflitos. Como faz referência o gestor 5, “o essencial é cuidar do relacionamento. Manter
o clima de liberdade e transparência”.
7
Considerações Finais
O sentido atribuído como propósito maior do estudo foi investigar a correspondência
existente entre as competências exigidas do gestor escolar e aquelas que efetivamente são
postas em ação em um grupo de escolas do sistema de educação estadual paraibano.
Uma primeira aproximação permitiu identificar que as competências exigidas
ganharam esse estatuto a partir de documentos e orientações formais legalmente constituídas.
Mesmo assim, o processo de escolha dos gestores por meio de eleições não explicita tais
exigências nem as transforma em condição sine qua non para a formação das chapas.
Pôde-se perceber que nem todos os gestores detêm as competências requeridas pelo
cargo, uma vez que alguns demonstraram dificuldade de coordenar ou mesmo acompanhar
projetos, indicadores, intervenções pedagógicas, fato que corrobora com a lacuna existente
entre as competências requeridas e as detidas pelo indivíduo, apresentada no modelo de
Retour (2005). Colhe-se explicitamente no discurso dos gestores o reconhecimento dos
limites individuais e a busca por formação que amplie sua capacidade de mobilização. Sinais
que remontam à competência enquanto resultante que entrelaça não só um saber agir, mas um
querer e um poder agir. “O saber agir pode ser desenvolvido pela formação, pelo treinamento
que consolidará a faculdade de mobilizar, combinar e transpor” (LE BOTERF, 2003, p. 159).
Apesar das dificuldades, os resultados mostram que, em maior ou menor grau, os
diretores têm atuado em favor da escola, esforçando-se para que a aprendizagem dos alunos
seja sempre aprimorada. Em geral, constatou-se que as competências requeridas fazem parte
do cotidiano da escola e dos diretores.
Através dos achados de campo também foi possível identificar uma série de
competências técnicas, sociais/contextuais e comportamentais que estão em ação no ambiente
escolar. O estudo de caso favoreceu aberturas agregando densidade ao exercício da reflexão,
sobretudo pelos elementos que situaram o ofício de diretor no eixo contínuo de mudanças
regido pela a cultura escolar e políticas públicas determinantes das competências postas em
ação.
12
No grupo das competências técnicas constam com maior frequência: administrar
finanças; dominar aspectos legais; aprender continuamente; organizar a escola e potencializar
recursos existentes na escola. Percebe-se que o dia a dia dos diretores é em grande parte
preenchido por necessidades que envolvem saberes operatórios, “esses saberes operatórios
descrevem procedimentos, métodos, modos operatórios. [...] São conjuntos de instruções a
serem realizadas em uma ordem estabelecida” (LE BOTERF, 2003, p.99). Questões
administrativas freqüentemente emergem com força no contexto escolar e tendem a consumir
a maior parte do tempo dos diretores, muitas vezes engessando-os para ações que privilegiem
aspectos pedagógicos.
Entre as competências sociais/contextuais mobilizadas foi posta em destaque a
capacidade de valorizar a escola pública. A própria restauração dos conceitos de coisa pública
e de serviço público, guardam uma relação direta com a performance do diretor. Se a escola
está sob seu comando, ele tem responsabilidade direta na formação desse conceito. As
competências sociais/contextuais têm esse apelo de colocar o gestor na vitrine, pois implicam
em contato direto com seu público alvo, professores, alunos, família, exigindo equilíbrio para
a construção de relações pessoais. Entre outras observações dessa área, mais duas
competências se associam para reforçar a idéia de contexto: estimular a construção de
estratégias e resolver questões políticas.
As competências comportamentais guardando certa proximidade com as sociais
reservam lugar especial para mobilizações como: utilizar bem o tempo; assumir compromisso;
saber relacionar-se; trabalhar com amor; respeitar as pessoas. Destaque quase unânime para a
competência referida ao disciplinamento da equipe e dos alunos. Em pesquisa apoiada pela
UNESCO, Abramovay (2002) identifica um vínculo entre indisciplina e violência
considerando o registro crescente dessa temática no dia a dia de gestores que têm o dever
imperativo de desenvolver alternativas e estratégias para enfrentar fenômenos urgentes que
marcam a crônica escolar como nos casos de bullying.
Por fim, é possível concluir que as escolas constituem-se fartamente de desafios e
oportunidades que se lançam para além das competências formalmente exigidas, provocando
os diretores no rumo da mobilização de outras diversas competências em favor de meninos e
meninas que têm seu futuro colocado entre o desafio de se fazer escola e a disposição de cada
gestor em viabilizar competentemente esse futuro.
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13
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ZARIFIAN, P. Objetivo competência: por uma nova lógica. São Paulo: Atlas, 2001.
14
i
Entre 26 e 28 de abril de 2000, realizou-se em Dakar, Senegal, o Fórum Mundial de Educação organizado por
cinco agências internacionais: Banco Mundial, Fundo de População das Nações Unidas (FNUAP), Programa das
Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD), Organização das Nações Unidas para a Educação, Ciências e
Cultura (UNESCO) e o Fundo das Nações Unidas para a Infância (UNICEF). O Fórum teve o objetivo de
apresentar as ações realizadas durante a década de 1990 dentro da iniciativa “Educação para Todos”, bem como
de organizar um novo documento contendo metas e prazos. Governos, Sociedade Civil e Comunidades de 181
países adotaram estratégia de ação comprometendo-se a conseguir uma educação básica de qualidade para todos,
com ênfase na educação de meninas.
15
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Competências em Ação de Gestores Escolares: um Estudo