A EDUCAÇÃO FÍSICA COMO VEÍCULO DE ACESSO À SAÚDE
Edvaldo de Farias, MSc.
Mestre em Educação
Especialista em Educação Física
Especialista em Gestão de Pessoas
Professor e Pesquisador na Universidade Estácio de Sá
Consultor em Gestão de Negócios, Formação e Desenvolvimento Profissional
Coordenador do GENES – Grupo de Estudos em Gestão de Negócios e Empreendedorismo em Saúde
Sócio-Diretor da Movimento Humano Treinamento e Desenvolvimento
Na perspectiva da saúde enquanto estado completo de bem estar físico, mental e
social, superando, portanto a visão da ausência de doenças, a Declaração dos Direitos da
Criança anunciada pelas Nações Unidas destaca como um dos seus pressupostos basilares
que toda criança tem o legítimo direito ao desfrute da educação plena, alimentação
adequada, habitação digna, assistência médica eficiente e acesso pleno e efetivo ao
entretenimento por intermédio dos jogos, esporte e lazer. Estes pressupostos são, em
última análise, metas adicionais do Sistema Educacional e que, no caso da nossa Educação
Física, de acordo com as diretrizes sugeridas pelos Parâmetros Curriculares Nacionais PCN´s, têm o papel de introduzir e integrar as crianças na cultura corporal do movimento
com o propósito do lazer, expressão dos sentimentos, afetos e emoções além da
manutenção e melhoria das condições de saúde (BRASIL, 1998).
No que diz respeito à Educação Física Escolar, e levando em conta o seu papel de
promover a aquisição de hábitos saudáveis e o gosto pela prática regular de exercícios
físicos, contribuindo assim para a agregação de valor à vida dessas pessoas torna-se
portanto, por força de conseqüência, papel do Profissional de Educação Física, nas suas
diversificadas formas de intervenção, agir como sustentáculo dessa responsabilidade no que
diz respeito à especificidade de sua formação. Levando em conta o que se apresenta de
forma explícita nos PCN´s de que o Professor de Educação Física é, no âmbito da escola, o
maior detentor do acervo de conhecimentos relacionados à saúde, cabe-nos neste momento
refletir sobre tal função e dimensão desta responsabilidade, no que tange ao seu papel
enquanto via de acesso à saúde e bem estar.
Assim, o papel das instituições educacionais e seus atores, enquanto agentes
promotores da saúde de seus sujeitos (alunos) mostra-se fundamental na medida em que
funcionando como espaço convergente de diferentes segmentos sociais tem a possibilidade
ímpar de socializar as informações relacionadas à aquisição de hábitos e atitudes individuais
e coletivas em relação à saúde, criando não mais uma relação de dependência protegida
mas sim proporcionando a autonomia e consciência crítica enquanto elementos básicos para
a gestão da própria saúde, em todas as suas dimensões.
Levando em conta o fato de que na construção desta base de conhecimentos, para
que sejam significantes para aqueles aos quais se destina, os profissionais do ensino em
geral e os de Educação Física em particular precisam conhecer com um nível maior de
profundidade as condições de vida dos seus alunos e suas inter-relações multidimensionais,
mostrando-se mais uma vez que é essencial estabelecer uma intimidade relacional
professor-aluno com o propósito de conhecermos melhor as condições objetivas e o estilo
de vida dessas pessoas, permitindo-nos saber em que medida nossas práticas e condições
cotidianas são agregadoras de valor à saúde deles e, por extensão, de seus familiares. Sob o
ponto de vista do planejamento do ensino este conhecimento transforma-se em dado
estratégico, na medida em que é a partir dele que o professor pode dimensionar não
somente “o que fazer”, mas também e principalmente “como” fazer e “pra que fazer”.
Dessa forma, ao enfatizarmos a relevância de abordar diferentes conceitos e
conhecimentos relacionados à saúde entre os conteúdos das aulas de Educação Física nada
mais fazemos do que atender a uma determinação legal expressa desde a Lei 5692/71 que
sinalizava para a Educação Física escolar com o propósito de orientar o desenvolvimento de
hábitos saudáveis quanto à alimentação, higiene pessoal, trabalho, prática esportiva e lazer,
e que corroborados pelo Conselho Federal de Educação – CFE em 1977 determinavam
exatamente que os programas relacionados à saúde não deveriam circunscrever-se a uma
disciplina, mas sim ao conjunto de saberes veiculados ao longo de todo o ensino
fundamental e seus subseqüentes, evitando a visão meramente fisiopatológica com estudos
sobre doenças, sintomas e profilaxia mas sim numa perspectiva multidisciplinar da saúde,
com ênfase nas demandas sociais e respectivas possibilidades de intervenção para mudança
desse contexto, por intermédio da prática regular de atividades físico-desportivas.
Com isso entendemos que o conjunto de ações do profissional de Educação Física
escolar deve contemplar as especificidades de seu público-alvo, em última análise seus
clientes diretos, de modo a fazer com que além de motivados, condição essencial à
participação significativa, tenham a percepção dos valores sociais, éticos, políticos e da
saúde, criando neles uma sensação de que “há algo a fazer”. Dessa forma nos baseamos nas
posições de Guedes e Guedes (1993) e Alves (2003) quando são unânimes em afirmar que o
planejamento educacional, na sua vertente curricular, enquanto compromisso de promover
o desenvolvimento em diferentes níveis em função do crescimento biológico das pessoas e
suas capacidades, precisa ser concebido da mesma forma para as aulas da Educação Física,
na medida em que nestas fases é importante que se façam presentes estímulos
diferenciados, geradores por conseguinte de hábitos e percepções distintas em relação a um
processo contínuo que é a preservação e melhoria das condições de saúde humana.
Ainda sobre tal aspecto Guedes e Guedes (1993) destacavam também a necessidade
de considerarmos o papel das aulas de Educação Física sendo deslocado para assumir como
uma de suas funções a geração de mudanças na sociedade sob o enfoque da saúde coletiva,
propiciando aos alunos acesso a conhecimentos que os levassem a fazer uso da prática
regular de atividades físicas como meio de promoção da saúde. Com isso, no seu processo
de desenvolvimento tal prática seria transformada na aquisição de um estilo de vida ativo e
uma aderência a diversificados hábitos saudáveis. Nessa visão, consideramos emergente que
os profissionais de Educação Física percebam a importância de sua inserção na vida de
crianças e jovens como reais interventores em educação e saúde, o que representa a
possibilidade concreta de contribuir para a mudança de suas vidas e para uma elevação do
padrão qualitativo delas. Tal fato, infelizmente, ainda não pode ser percebido no cotidiano
da maioria de nossas escolas, na medida em que a Educação Física ainda não é vista pelas
crianças e jovens dessa forma, mas tão somente com mero papel recreativo-desportivo. Tal
afirmativa é sustentada por recente estudo epidemiológico realizado por Gomes; Siqueira e
Sichieri (2001) que analisaram o comportamento sedentário da população no Rio de
Janeiro. Nele, ficou evidente que a maioria dela não praticava regularmente qualquer tipo de
exercício físico regular, lazer ou esporte, dedicando sim muito maior tempo a atividades
hipocinéticas como, por exemplo, assistir televisão.
Embora regionalizado, este resultado nos leva à uma percepção preocupante sobre
as práticas em Educação Física no âmbito escolar: há indícios da sua inadequação, ou mesmo
inutilidade, da forma como é concebida e conduzida, já que tanto em conteúdo quanto em
forma, quantidade e qualidade, não gera o interesse para além desses poucos momentos, o
que significa dizer pouca agregação de valor à vida de quem dela participa, ou seja, de
nossas crianças e jovens. Sobre isso Galvão (2004) relata que ao seu entender o professor de
Educação Física desempenha um papel ainda não muito claro no contexto educativo
cotidiano e, por isso mesmo, subvalorizado, o que de certa forma perpetua uma perspectiva
histórica de menos-valor dessa disciplina, suas práticas, propósitos e importância.
Considerando este mesmo autor entendemos haver uma parcela de
“responsabilidade endógena” nesse fato, na medida em que muitos destes profissionais não
percebem que sua preocupação deveria estar centrada no desenvolvimento global do ser
humano, nas suas múltiplas dimensões, e não apenas nos componentes relacionados as
habilidades motórico-desportivas, o que de acordo com Costa (2003) relaciona-se
diretamente ao cenário competitivo do século XXI no qual o foco maior está orientado ao
treinamento de habilidades e adestramento de tarefas específicas, com o único propósito de
um “rendimento em si”. Este mesmo autor destaca ainda a necessidade de rediscutir o papel
do profissional de Educação Física no âmbito escolar pelo fato de que a ele cabe,
exclusivamente, proporcionar aos alunos a experimentação múltipla de movimentos e
sensações geradas pela exploração máxima do ambiente, isso feito em função dos diferentes
níveis maturacionais e de modo a proporcionar desenvolvimento orgânico, psicológico e
social em todas as etapas da vida escolar, deixando como herança um estilo de vida mais
ativo e saudável.
Com isso, e sem a pretensão de esgotar a questão que aqui apresentamos, buscamos
dar foco a uma problemática atual da Educação Física escolar no sentido de que seja revisto
por nós mesmos o significado do que vem a ser educar para a saúde. Não obstante a todas
as demais funções atribuídas a esta área de intervenção profissional entendemos que, pelo
fato de constituirmos uma categoria profissional sobre a qual recaem as responsabilidades
tanto da educação quanto da promoção da saúde, somos obrigados enquanto interventores
sociais a repensar simultaneamente discurso e prática, na medida em que são nossas aulas
um espaço permeado pelo prazer, emoção, ludicidade e interação, o que significa dizer que
estão colocadas diante de nós todas as condições para uma efetiva “compra consciente” de
hábitos e práticas saudáveis tanto sob o enfoque biológico quanto sob o prisma das
demandas por transformações sociais.
Finalmente, e tomando como base a proposição de Nahas et al. (2000) quando
estabelece as bases conceituais para a avaliação do estilo de vida, ao que denominou
Pentáculo do Bem Estar, é de fácil percepção que em praticamente todas as dimensões
consideradas está implícita uma responsabilidade e função social do Profissional de
Educação Física, o que significa dizer que o Bem-Estar, a Qualidade de Vida e a Saúde,
enquanto um dos “apelos planetários” da sociedade contemporânea são, em síntese, a
garantia mercadológica de trabalho para que escolhe tal profissão, uma demanda crescente
na construção de um mundo socialmente mais saudável e finalmente um direito inalienável
de toda a sociedade.
REFERÊNCIAS:
ALVES, W. F. Educação Física e as Idéias Pedagógicas no Brasil: Breve Análise das concepções
que Embalaram o Séc. X e suas Repercussões na Formação do Professor. Revista Digital,
Buenos Aires, Año 9, n. 61, Junio de 2003.
BRASIL, Secretaria de Educação Fundamental. PCN’s - Parâmetros Curriculares Nacionais.
Secretaria de Educação. Brasília: MEC/SEF, 1998.
COSTA, A. J. S. Finalidades e Objetivos da Educação Física Escolar. Revista Virtual. Natal/RN.
v. 1, n. 1, Maio de 2003.
GALVÃO, Z. Educação Física Escolar: A Prática do Bom Professor. Natal/RN. v. 2, n. 14,
Novembro de 2004.
GOMES, V. B.; SIQUEIRA, K. S. e SICHIERI, R. Atividade Física em Uma Amostra Probabilística
da População do Município do Rio de Janeiro. Cadernos de Saúde Pública. V. 17, n. 4, Rio de
janeiro, jul/ago de 2001. p. 969-976.
GUEDES, D. P. e GUEDES, J. E. Educação Física Escolar: Uma Proposta de Promoção da Saúde.
Londrina, APEF. Revista da Associação de Professores de Educação Física de Londrina, V.7, n.
4, 1993.
NAHAS, M. V.; BARROS, M. G. de. e FRANCALACCI, V. (et al.). O pentáculo do bem estar –
Base conceitual para avaliação do estilo de vida em indivíduos ou grupos. Revista Brasileira
de Atividade Física & Saúde, v. 5, n.2, p. 48-59, 2000.
Download

EDUCAÇÃO FÍSICA ESCOLAR: EDUCAÇÃO PARA A SAÚDE