AS KOMBIS SÃO METROPOLITANAS, SENHORES.
O ressurgimento recente do fenômeno cíclico das kombis, não marcou apenas pelo doloroso
desgaste da hesitante operação policial adotada. Notabilizou-se, muito mais, por reacender o
persistente equívoco do gerenciamento dos serviços metropolitanos. Sim, porque as kombis
sendo metropolitanas, não podem ser regulamentadas em âmbito local. Nem as kombis, nem
os táxis.
Há quase trinta anos que se vem acumulando uma experiência gerencial para a cidade metrópole, sem que as autoridades compreendam que se os serviços são metropolitanos, não podem prevalecer regulamentos locais. O transporte público é metropolitano, porque sua abrangência é a da cidade metrópole, cuja unidade ocupa, territorialmente, o espaço de vários municípios. O critério para sua regulamentação deve ser essa cidade, pois o usuário do transporte
público se desloca dentro dela, até sem perceber que atravessa um ou mais municípios.
As autoridades insistem em não observar a realidade por esse ângulo, perpetuando um equívoco institucional em razão de um poder local, absolutamente ultrapassado. Os prefeitos de
municípios situados em regiões metropolitanas precisam estar atentos para essa realidade,
praticando suas decisões em fóruns mais apropriados. Infelizmente, criou-se um cacoete deletério, que transfere para o Estado as responsabilidades por todos os serviços de abrangência
metropolitana. Os prefeitos sentem perda de poder com a estadualização dos serviços comuns,
fruto de conceito autoritário que se cristalizou nas nossas metrópoles. A experiência desses
trinta anos passados permite que se subverta, agora, esse entendimento, com profundas reformas na estrutura institucional metropolitana. As kombis mostram, muito bem, que a operação do transporte público não pode ser pulverizada entre regulamentos municipais, a pretexto
de se assegurar poderes aos prefeitos.
A boa gestão metropolitana já se revela cristalina numa concepção institucional onde as responsabilidades caiam sobre os municípios, conjunta e solidariamente. A mesma experiência de
trinta anos mostra que ao Estado cabe, apenas, o papel de catalisador do processo. Não o de
gestor, como ainda se insiste. Se os órgãos metropolitanos fossem entes intermunicipais, o
velho cacoete desapareceria e os prefeitos cresceriam com o novo papel de gestores metropolitanos. Com assento nos conselhos, eles passariam a tomar decisões conjuntas, para eles
próprios executarem, diferentemente de hoje, onde eles são apenas ouvidos. No modelo vigente, terminadas as reuniões, toca ao Estado a execução das decisões tomadas, como se fosse
uma atribuição do governo estadual, a operação de serviços eminentemente urbanos.
Os municípios se sublimam nas metrópoles, justamente em razão dessas novas responsabilidades que devem ser assumidas pelos seus prefeitos. Para isso, um novo desenho institucional precisa ser elaborado e aperfeiçoado. O modelo vigente já caducou e suas rugas são irretocáveis. O cidadão metropolitano merece mais atenção com a qualidade dos serviços que lhe
são ofertados e essa qualidade tem uma vertente gerencial muito forte. Não são convênios
frágeis ou consórcios salvadores que vão garantir êxito à gestão dos serviços comuns. Tais
acordos podem, no máximo, facilitar a execução de algumas obras ou serviços, que tenham
começo, meio e fim. A gestão pública é uma atividade contínua, imprópria para ser exercida
através desses instrumentos.
Não é difícil redesenhar a estrutura institucional metropolitana, criando-se uma autoridade de
âmbito intermunicipal e capaz de tornar prevalecentes suas decisões, eliminando os riscos do
modelo atual, onde o interesse comum é sempre atropelado pelos interesses locais. O Estado,
exercendo seu poder catalisador, bem que poderia incitar esse redesenho, mas sem exigir
nada para si, pois a estadualização foi o maior equívoco do modelo vigente. Isto, as velhas
kombis acabaram de provar.
Jório Cruz – Arquiteto.
Publicado no Diário de Pernambuco de 06/08/2002.
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KOMBIS, Recife agosto 2002