Dom Casmurro, de Machado de Assis
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Análise da obra
Narrado em primeira pessoa, Dom Casmurro foi publicado em 1900, embora a data da edição seja de 1899. Essa obra continua a trajetória de
renovação iniciada com a publicação de Memórias Póstumas de Brás Cubas, em 1881. O emprego de capítulos curtos, da já conhecida ironia, do
pessimismo amargo e de técnicas narrativas renovadoras, como as digressões, metalinguagem e intertextualidades, mantêm-se também nesse
romance.
Em Dom Casmurro, a narrativa exerce a função de uma pseudo-autobiografia do protagonista, Bentinho. Dessa forma, a memória servirá de
vínculo entre a narrativa presente e a suposta verdade dos fatos, que a distância entre o passado e o presente teimou algumas vezes em nublar
para o narrador. Esse resgate pela memória a partir do presente (flash-back) é, como acabamos de dizer, falho, já que o tempo incumbiu-se de
distanciar os fatos do momento da escrita. Com isso, a narrativa não poderia seguir um caráter linear, nascendo fragmentada, digressiva.
Esse processo de escrita tem a nítida intenção de atribuir ao leitor o papel de explicar a maior dúvida de Bentinho: teria sido traído pela esposa
com seu melhor amigo, Escobar, ou não? Ao final da narrativa, percebemos que carregamos a mesma dúvida de Bentinho, pois não conseguimos
provar a culpa ou inocência de Capitu. Essa dúvida persiste porque o narrador tanto fornece indícios da existência do adultério quanto da pureza
do comportamento da esposa. Entretanto, ele procura de todo modo, através de sua narrativa, convencer-nos da culpa de Capitu, o que terminaria
por justificar sua decisão de abandonar mulher e filho na Suíça.
A obra significou, por mais de 60 anos, mais um exemplo de adultério feminino explorado na literatura realista. Entretanto, em 1960, a professora
americana Helen Cadwel propôs a sua releitura, apontando Bentinho, e não a esposa, Capitu, como o problema central a ser desvendado. Dom
Casmurro é um livro complexo e cada leitura origina uma nova interpretação. Machado de Assis faz no romance um fato inacreditável em sua
narrativa: Ele cria um narrador que afirma algo (ou seja, diz que foi traído) e o leitor não consegue decidir-se se ele está mentindo ou não.
Desde então, o romance vem sido lido e relido, com novas chaves que cada vez mais comprovam tratar-se de um enigma elaborado pelo autor.
Dentre as tais chaves destaca-se a não-confiabilidade do narrador (Bentinho), envolvido por sua personalidade ciumenta, invejosa, cruel e
perversa aponto de destruir aqueles que ama por uma suspeita que o leitor atento percebe ser no mínimo discutível.
Ao evocar o passado, Bentinho (D. Casmurro), que é o narrador-personagem, coloca-se em um ângulo neutro de visão. Dessa maneira pode
repassar, sem contaminar, episódios e situações, atitudes e reações. Simultaneamente, opõe a esse ângulo de reconstrução do passado, o ângulo
do próprio momento da evocação, marcado pelo desmoronamento da ilusão de sua felicidade. Dessa forma, temos uma dupla visão da
experiência, reconstituída em termos de exposição e análise.
A visão esfumaçada do adultério é intencional. Dele o leitor só tem provas subjetivas, a partir da ótica do narrador, que nele acredita.
Ao adotar um narrador unilateral, fazendo dele o eixo da forma literária, Machado de Assis se inscreveu entre os romancistas inovadores.
Estrutura da obra
O romance Dom Casmurro é dividido em 148 capítulos de diversas dimensões, predominando os curtos (técnica já ultilizada em Memórias
Póstumas de Brás Cubas).
Ação - O enredo da obra não é dinâmico, já que predomina o elemento psicológico. A narrativa é digressiva, ou seja, interrompida todo o tempo
por fugas da linearidade para acrescentar pensamentos ou lembranças fragmentadas do narrador.
Foco narrativo - O romance é narrado em primeira pessoa, por Bento Santiago, que escreve a história de sua vida. Dessa forma o romance
funciona como uma pseudo-biografia de um homem já envelhecido que parece preencher sua solidão atual com a recordação de uma passado
que nunca se distancia verdadeiramente, porque -foi marcado pelo seu sofrimento pessoal.
Tempo - O tempo é cronológico, cuja primeira referência é o ano de 1857, no momento que José Dias sugere a D. Glória a necessidade de
apressar a ida de Bentinho para o seminário. Em 1858, Bentinho vai para o seminário. Em 1865, Bentinho e Capitu casam-se. Em 1872, Bentinho
e Capitu separam-se. Aliás, se observarmos melhor essas datas, veremos que entre a ida de Bentinho para o seminário e o casamento decorrem
sete anos, entre este último e a separação mais sete anos. Se tomarmos em conta essa “suposta coincidência”, podemos perceber que cada
período forma um ciclo completo: ascensão, plenitude e declínio ou morte do sentimento amoroso.
Espaço - Toda a ação narrativa passa-se no Rio de Janeiro. O narrador faz-nos acompanhar sua trajetória pelos bairros e ruas do Rio, desde o
Engenho Novo, onde -escreve sua obra, até a Rua de Matacavalos, onde passou sua infância e conheceu Capitu. É interessante lembrar, que as
duas casas amarram-se novamente num círculo perfeito, já que a do Engenho Novo foi construída à semelhança da casa de Matacavalos. A
tentativa do narrador de atar as duas pontas da vida parece funcionar não apenas na ligação entre o presente e o passado, mas também na
própria estrutura da obra, como vimos na introdução dessa parte.
Personagens
Em Dom Casmurro, as personagens são apresentadas a partir das descrições de seus dotes físicos. Temos, portanto, a descrição, funcional,
bastante comum no Realismo.
As personagens principais são:
Capitu, "criatura de 14 anos, alta, forte e cheia, apertada em um vestido de chita, meio desbotado. Os cabelos grossos, feitos em duas tranças,
com as pontas atadas uma à outra, à moda do tempo,... morena, olhos claros e grandes, nariz reto e comprido, tinha a boca fina e o queixo largo...
calçava sapatos de duraque, rasos e velhos, a que ela mesma dera alguns pontos". Personagem que tem o poder de surpreender : "Fiquei
aturdido. Capitu gostava tanto de minha mãe, e minha mãe dela, que eu não podia entender tamanha explosão". Segundo José Dias, Capitu
possuía "olhos de cigana oblíqua e dissimulada", mas para Bentinho os olhos pareciam "olhos de ressaca"; "Traziam não sei que fluido misterioso
e energético, uma força que arrastava para dentro, com a vaga que se retira da praia, nos dias de ressaca". A personagem nos é pintada leviana,
fútil, a que desde pequena só pensa em vestidos e penteados, a que tinha ambições de grandeza e luxo. Foi comparada, certa vez pela crítica,
como a aranha que devora o macho depois de fecundada.
Bentinho, também protagonista, que ocupa uma postura de anti-herói. Não pretendia ser padre como determinara sua mãe, mas tencionava
casar-se com Capitu, sua amiga de infância. Um fato interessante é que os planos, para não entrar no seminário, eram sempre elaborados por
Capitu. É o narrador e pseudo-autor da obra. Na velhice, momento da narração, era um homem fechado, solitário e triste. As lembranças de um
passado triste e doloroso, tornaram-no um indivíduo de poucos amigos. Desde menino, foi sempre mimado pela mãe, pelo tio Cosme, por prima
Justina e pelo agregado José Dias. Essa super-proteção tornou-o um indivíduo inseguro e dependente, incapaz de tomar decisões por conta
própria e resolver seus próprios problemas. Essa insegurança foi, sem dúvida, o fato gerador dos ciúmes da suspeita de adultério que estragaram
sua vida. As personagens secundárias são descritas pelo narrador:
Dona Glória, mãe de Bentinho, que desejava fazer do filho um padre, devido a uma antiga promessa, mas, ao mesmo tempo, desejava tê-lo perto
de si, retardando a sua decisão de mandá-lo para o Seminário. Portanto, no início encontra-se como opositora, tornando-se depois, adjuvante. As
suas qualidades físicas e espirituais.
Tio Cosme, irmão de Dona Glória, advogado, viúvo, "tinha escritório na antiga Rua das Violas, perto do júri... trabalhava no crime"; "Era gordo e
pesado, tinha a respiração curta e os olhos dorminhocos". Ocupa uma posição neutra: não se opunha ao plano de Bentinho, mas também não
intervinha como adjuvante.
José Dias, agregado, "amava os superlativos", "ria largo, se era preciso, de um grande riso sem vontade, mas comunicativo... nos lances graves,
gravíssimo", "como o tempo adquiriu curta autoridade na família, certa audiência, ao menos; não abusava, e sabia opinar obedecendo", "as
cortesias que fizesse vinham antes do cálculo que da índole". Tenta, no início, persuadir Dona Glória à mandar Bentinho para o Seminário,
passando-se, depois, para adjuvante. Vestia-se de maneira antiga, usando calças brancas engomadas com presilhas, colete e gravata de mola.
Teria cinqüenta e cinco anos. Depois de muitos anos em casa de D. Glória, passou a fazer parte da família, sendo ouvido pela velha senhora. Não
apenas cuidava de Bentinho como protegia-o de forma paternal.
Prima Justina, prima de Dona Glória. Parece opor-se por ser muito egoísta, ciumenta e intrigante. Viúva, e segundo as palavras do narrador:
"vivia conosco por favor de minha mãe, e também por interesse", "dizia francamente a Pedro o mal que pensava de Paulo, e a Paulo o que
pensava de Pedro".
Pedro de Albuquerque Santiago, falecido, pai de Bentinho. A respeito do pai o narrador coloca: "Não me lembro nada dele, a não ser vagamente
que era alto e usava cabeleira grande; o retrato mostra uns olhos redondos, que me acompanham para todos os lados..."
Sr. Pádua e Dona Fortunata, pais de Capitu. O primeiro, "era empregado em repartição dependente do Ministério da Guerra" e a mãe "alta, forte,
cheia, como a filha, a mesma cabeça, os mesmos olhos claros". Jamais opuseram-se à amizade de Capitu e Bentinho.
Padre Cabral, personagem que encontra a solução para o caso de Bentinho; se a mãe do menino sustentasse um outro, que quisesse ser padre,
no Seminário, estaria cumprida a promessa.
Escobar, amigo de Bentinho, seminarista, "era um rapaz esbelto, olhos claros, um pouco fugitivos, como as mãos,... como tudo". Ezequiel Escobar
foi colega de seminário de Bentinho e, como este, não tinha vocação para o sacerdócio. Melhor amigo de Bentinho. Gostava de matemática e do
comércio. Quando saiu do seminário, conseguiu dinheiro emprestado de D. Glória para começar seu próprio negócio. Casou com Sancha, melhor
amiga de Capitu. Morreu afogado depois de enfrentar a ressaca do mar.
Sancha, companheira de Colégio de Capitu, que mais tarde casa-se com Escobar.
Ezequiel, filho de Capitu e Bentinho. Tem o primeiro nome de Escobar. Quando pequeno, imitava as pessoas. Vai para a Europa com a mãe,
estudou antropologia e mais tarde volta ao Brasil para rever o pai. Morre na Ásia de febre tifóide perto de Jerusalém.
Enredo
Bentinho, chamado de Dom Casmurro por um rapaz de seu bairro, decide atar as duas pontas de sua vida . A partir daí, inicia a contar sua
história.
Órfão de pai e protegido do mundo pelo círculo doméstico e familiar. Morando em Matacavalos com sua mãe (D. Glória, viúva), José Dias (o
agregado), Tio Cosme (advogado e viúvo) e prima Justina (viúva), Bentinho possuía uma vizinha que conviveu como "irmã-namorada" dele,
Capitolina - a Capitu. Seu projeto de vida era claro, sua mãe havia feito uma promessa, em que Bentinho iria para um seminário e tornaria-se um
padre. Cumprindo a promessa Bentinho vai para o seminário, mas sempre desejando sair, pois tornando-se padre não poderia casar com Capitu.
Apesar de comprometida pela promessa, também D. Glória (mãe de Bentinho) sofre com a idéia de separar-se do filho único, interno no seminário.
Por expediente de José Dias (amigo da família), Bentinho abandona o seminário e, em seu lugar, ordena-se um escravo. José Dias, que sempre
foi contra ao namoro dos dois, é quem consegue retirar Bentinho do seminário, quase convencendo D. Glória que o jovem deveria ir estudar no
exterior, José Dias era fascinado por direito e pelos estudos no exterior.
Correm os anos e com eles o amor de Bentinho e Capitu. Entre o namoro e o casamento, bentinho de formou em Direito e fez estreita amizade
com um ex-colega de seminário, o Escobar, que acaba se casando com Sancha, amiga de Capitu.
Do casamento de Bentinho e Capitu, nasce Ezequiel. Escobar morre afogado e, durante seu enterro, Bentinho julga estranha a forma pela qual
Capitu contempla o cadáver. Percebe que Capitu não chorava, mas aguçava um sentimento fortíssimo. A partir desse momento começa o drama
de Bentinho. Ele percebe que o seu filho (?) era a cara de Escobar e ele já havia encontrado, às vezes, Capitu e Escobar sozinhos em sua casa.
Embora confiasse no amigo, que era casado e tinha até filha, o desespero de Bentinho é imenso. cresce, Ezequiel se torna cada vez mais
parecido com Escobar. Bentinho, muito ciumento, chega a planejar o assassinato da esposa e do filho, seguidos pelo seu suicídio, mas não tem
coragem. A tragédia dilui-se na separação da casal.
Capitu viaja com o filho para a Europa, onde morre anos depois. Capitu escreve-lhe cartas, a essas altura, a mãe de Bentinho já havia morrido,
assim como José Dias. Ezequiel um dia vem visitar o pai e conta da morte da mãe. O pai, que apenas constata a semelhança entre o filho e o
antigo amigo de seminário. Ezequiel volta a viajar e pouco tempo depois, Ezequiel também morre, mas a única coisa que não morre no romance é
Bentinho e sua dúvida.
Estilo de época e individual
O Realismo é um estilo de época da segunda metade do séc. XIX, marcado por uma forte oposição às idealizações românticas. Assim, as
personagens realistas apresentam mais defeitos do que qualidades, destacando-se as temáticas do adultério, dos interesses econômicos, da
ambição desmedida, da dissimulação e da vaidade etc.
Machado de Assis, entretanto, ultrapassou a própria estética realista, na qual está inserido, ao utilizar recursos narrativos que não são típicos dos
demais autores de sua época, antecipando mesmo certos aspectos de modernidade, o que aliás contraria o que disse dele Mário de Andrade em
Aspectos da Literatura Brasileira. O emprego do micro-capítulo e de técnicas cinematográficas são bons exemplos dessa modernidade.
Machado foi o mais fino analista da alma humana, mergulhando densamente na psicologia de suas personagens para decifrar-lhes os enigmas da
alma, seus sofrimentos, pensamentos e retirando desse mundo íntimo um retrato humano e social até hoje insuperável.
Seu estilo não é linear, como nos demais realistas, mas digressivo, paródico e metalingüístico. Em Dom Casmurro, por exemplo, o narrador não se
contenta em contar a sua história, mas parece conduzir o leitor por caminhos tortuosos através de sua memória e seus pensamentos antes de
decifrar seu passado. Não satisfeito, parece adiar ainda mais os fatos na tentativa de explicar a própria obra (metalinguagem), justificando-se com
ele (leitor incluso) ou ironizando-o.
Problemática e principais temas
A riqueza temática de Dom Casmurro obriga os leitores a atos de profunda meditação, induzindo-os a um trabalho sério de levantamento das
intenções do autor a cada momento.
De um modo geral, podemos destacar que o grande tema dessa obra é a suspeita do adultério nascida dos ciúmes doentios do narrador e
protagonista Bento Santiago. É essa dúvida atroz que atormenta Bento Santiago obrigando-o a escrever essa espécie de livro de memórias para
justificar-se diante de si mesmo e da sociedade. Entretanto, ao expor a história de sua vida, esse narrador não se desnuda das mesmas máscaras
sociais que as demais pessoas, porque tenta nos persuadir de acreditar na sua versão dos fatos, ainda que procure também persuadir a si
mesmo. Mas, se não conseguiu convencer-se da veracidade do adultério, teria conseguido convencer os leitores? Poderia Capitu ser culpada,
apesar da ausência de provas cabais de sua traição? A culpa de Capitu significaria para Bentinho a absolvição de todos os seus erros. Por isso a
versão dos fatos que cercaram a vida do narrador com Capitu é tendenciosa, por mais sincero que nos pareça esse narrador envelhecido pela
ação contínua do tempo e pela solidão. O tempo poderia servir tanto como elemento distanciador das dolorosas emoções do narrador, quanto
como fator de diluição das certezas dos acontecimentos. Entretanto, ele não consegue esquecer seus sentimentos, nem mesmo perdoar a mulher
e o amigo.
É dessa forma que Machado conduz a força temática de Dom Casmurro, não utilizando, como era habitual na literatura realista, o adultério em si,
mas a suspeita do adultério.
Dom Casmurro resultaria de uma tentativa do pseudo-autor de recompor o passado, como percebemos em suas palavras: “O meu fim evidente era
atar as duas pontas da vida, e restaurar na velhice a adolescência”. O que leva Bento Santiago a essa busca do tempo perdido é,
indiscutivelmente, a necessidade de expurgar o sentimento doloroso da dúvida em torno da traição.
O que teria levado Bentinho à situação de indivíduo ensimesmado, fechado, solitário, teimoso, um casmurro? A narrativa da primeira parte desse
trabalho mostra-nos a construção lenta desse homem triste e solitário. Para analisarmos o homem, devemos aproveitar a máxima machadiana de
que “o menino é o pai do homem”, surgida num de seus contos, intitulado Conto de Escola.
Primeiro foi a perda do pai, cujo modelo ele não teve presente para seguir; depois, as proteções materna e familiares que terminaram por tomá-lo
inseguro, mimado, fragilizado e indeciso ao ser obrigado a tomar qualquer decisão. Bentinho é inseguro, fraco, ao contrário de sua mãe ou mesmo
de Capitu. Dona Glória, José Dias e a prima Justina fizeram dele um menino mimado, acostumado com que lhe fizessem todas as vontades.
Assim, parecia incapaz de aceitar a independência das pessoas que o cercavam. Qualquer passagem além desse limite de seu sentimento de
posse, parecia-lhe uma traição. Capitu era independente, tinha vontade própria. Não costumava tomar conselhos do marido antes de qualquer
atitude. O mesmo ocorre com Escobar, que já não dependia mais do dinheiro de Dona Glória, mãe de Bentinho, pois realizara-se
profissionalmente.
Capitu sempre soube exatamente o que queria: casar-se com o garoto rico da vizinhança, ou seja, Bentinho. Ao contrário de Bentinho, ela é forte,
consegue facilmente dissimular situações embaraçosas, como as duas primeiras vezes que se beijaram. Em ambas ela tomou a atitude inicial e
também soube sair-se bem diante da mãe, e depois, do pai.
Na verdade, é dessa força de Capitu que nasce a fraqueza de Bentinho. Este não sabia o que esperar das atitudes da mulher, que seguia seus
próprios passos e princípios. Isso gerava a incerteza e fazia nascer a suspeita. Estamos certos de que, se o quisesse, Capitu realmente teria traído
Bentinho, sem que esse sequer suspeitasse, se é que não o fez. Ela sabia dissimular como ninguém e manter-se em seu pedestal. Bentinho sabia
disso e daí cresce a dúvida que o amargura e angustia. A morte, primeiro dos familiares, depois da mulher e do filho, tornam o narrador um
indivíduo sem amigos, que vive apenas em seu mundo particular, isolado das demais pessoas.
Destruir essa incerteza que o acompanha desde muito parece uma questão de vida ou morte, mas Bentinho parece terminar sua obra sem atingir
seu desejo maior. Apesar de ser um bom advogado em causa própria, cujos argumentos racionais parecem persuadir uma parte dos leitores,
Bentinho não só não provou para si mesmo o adultério de Capitu - nem o contrário, sua fidelidade -, como não conseguiu esquecê-la. Ao retomar o
passado, retomou também a forte lembrança desse amor e, claro, de seu ciúme doentio. Mas o que lhe restou senão atacar a mulher e o amigo,
ambos mortos? Ambos sem direito de defesa ampla, como exigiria a lei? A única saída de Bentinho foi voltar ao seu projeto inicial de escrever a
História dos Subúrbios.
O Cortiço, de Aluísio de Azevedo
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O Cortiço foi publicado em 1890, em meio à atividade febril de produção literária a que Aluísio Azevedo se viu obrigado, em seu projeto de
profissionalizar-se como escritor. Teve de escrever muitos romances e contos para atender a pedidos de editores, que procuravam corresponder
ao gosto do público leitor, um gosto marcado pelo pior tipo de romantismo. Por isso, produziu muita literatura inferior, baixamente romântica,
estilisticamente descuidada. Mas O Cortiço tem situação inteiramente à parte nessa produção numerosa e quase toda sem importância, pois neste
livro Aluísio pôs em prática os princípios naturalistas, em que acreditava, e toda a sua capacidade artística.
Narrado em 3ª pessoa, a obra tem um narrador onisciente que se situa fora do mundo narrado e/ou descrito. Há um total distanciamento entre o
narrador e o mundo ficcional. Há o predomínio na narrativa do discurso indireto livre, o que permite ao autor revelar o pensamento das
personagens. A visão do narrador é fatalista pois as camadas populares são vistas como animais condenados ao meio social que habitam,
homens fadados a viverem como animais selvagens.
O cenário é descrito com ambiente e os caracteres em toda a sua sujeira, podridão e promiscuidade, com uma intenção crítica - mostrar a miséria
do proletariado urbano - sem esconder a náusea que o narrador sente diante da realidade que revela, mas posicionando-se de maneira solidária
junto ao povo do cortiço: "Sentia-se naquela fermentação sangüínea, naquela gula viçosa de plantas rasteiras ...o prazer animal de existir,... E
naquela terra, ...naquela umidade quente e lodosa, começou a minhoca a esfervilhar, a crescer,... uma coisa viva, uma geração que parecia
espontânea,... multiplicar-se como larvas no esterco."
Romance de cunho social, O Cortiço, de Aluísio Azevedo, é o marco da literatura realista-naturalista brasileira. Uma história envolvente e sombria
de uma habitação coletiva no Rio de Janeiro do Segundo Império que tem como tema a ambição e a exploração do homem pelo próprio homem.
De um lado, João Romão, que aspira à riqueza, e Miranda, já rico, que aspira à nobreza. Do outro lado, a "gentalha", caracterizada como um
conjunto de animais, movidos pelo instinto e pela fome. Todas as existências se entrelaçam e repercutem umas nas outras. O cortiço é o núcleo
gerador de tudo e foi feito à imagem de seu proprietário, cresce, se desenvolve e se transforma com João Romão.
No século XIX, os cortiços eram galpões de madeira habitados por trabalhadores não-qualificados. Esses galpões eram subdivididos internamente.
O proprietário era geralmente português, dono de armazém próximo. Mas havia outros interessados: o Conde D'Eu, marido da princesa Isabel, foi
dono de um imenso cortiço, o "Cabeça-de-porco", onde viviam mais de 4 mil pessoas.
O romance é de nítido recorte sociológico, representando as relações entre o elemento português, que explora o Brasil em sua ânsia de
enriquecimento, e o elemento brasileiro, apresentado como inferior e vilmente explorado pelo português. A obra revela a aceitação de idéias
filosóficas e científicas do tempo: a redução das criaturas ao nível animal (zoomorfismo) é característica do Naturalismo e revela a influência das
teorias da Biologia do século XIX (darwinismo, lamarquismo) e o Determinismo (raça, meio, momento).
O sexo é, em O Cortiço, força mais degradante que a ambição e a cobiça. A supervalorização do sexo, típica de determinismo biológico e do
naturalismo, conduz Aluísio a focalizar diversas formas de "patologia" sexual: "acanalhamento" das relações matrimoniais, adultério, prostituição,
lesbianismo etc.
Na elaboração de O Cortiço, Aluísio Azevedo seguiu, como em Casa de Pensão (que é bastante inferior), a técnica naturalista de Zola. Visitou
inúmeras habitações coletivas do Rio; interrogou lavadeiras, sapoeiras, vendedores, cavouqueiros; observou-lhes a linguagem; escutou atento os
ruídos coletivos dos cortiços; sentiu-lhes o cheiro (como na obra de Zola, as imagens olfativas têm importância na fixação do ambiente, segundo
um processo criado pelos naturalistas); viu-lhes a promiscuidade e notou que as coletividades, apesar de divergirem, são ligadas por um estranho
sentimento de classe que as une, nos momentos mais críticos, quando são esquecidos os ódios e as divergências. Com toda essa
“documentação”, criou o enredo em tomo de um problema social que se tomava mais e mais grave, com a formação de mandes massas urbanas
proletárias, constituídas em boa parte pelos operários dos primórdios da industrialização do país.
Duas grandes qualidades devem ser observadas no estilo de O Cortiço: uma é a grande capacidade de representação visual do autor, certamente
relacionada com sua habilidade para o desenho (Aluísio exerceu, em certa época, a atividade de caricaturista) e que faz que tenhamos
freqüentemente, ao ler o romance, a impressão de estarmos assistindo a um filme; a outra é a sua formidável habilidade para dar vida à multidão,
ao grande grupo humano dos moradores do cortiço. De fato, vemos, no romance, essa coletividade pulsar, reagir, legando-se, deprimindo-se ou
irando-se — e ocupando o lugar de personagem central da obra. Desse grupo variado e animado destacamse alguns tipos, a que o romancista
soube atribuir urna individualidade marcante. Entre estes últimos, é inesquecível a figura de Rita Baiana, a bela, sensual, generosa e graciosa
mulata, que se tornou uma das personagens mais notáveis da literatura brasileira. Deve se notar que no romance, as mulheres são reduzidas a
três condições: de objeto, usadas e aviltadas pelo homem: Bertoleza e Piedade; de objeto e sujeito, simultaneamente: Rita Baiana; e de sujeito,
são as que se independem do homem, prostituindo-se: Leonie e Pombinha.
Veja exemplos de descrição realista e objetiva dos tipo humanos na obra:
João Romão: E seu tipo baixote, socado, de cabelos à escovinha, a barba sempre por fazer, ia e vinha da pedreira para a venda, da venda hortas
e ao capinzal, sempre em mangas de camisa, tamancos, sem meias, olhando para todos os lados, com o seu eterno ar de cobiça apoderando-se,
com os olhos, de tudo aquilo de que ele não pode apoderar-se logo com as unhas.
...possuindo-se de tal delírio de enriquecer, que afrontava resignado as mais duras privações. Dormia sobre o balcão da própria venda, em cima
de uma esteira, fazendo travesseiro de um saco estopa cheio de palha.
Albino: Fechava a fila das primeiras lavadeiras, o Albino, um sujeito afeminado, fraco, cor de aspargo cozido e com um cabelinho castanho,
deslavado e pobre, que lhe caia, numa só linha, até o pescocinho mole e fino.
Botelho: Era um pobre-diabo caminhando para os setenta anos, antipático, cabelo branco, curto e duro como escova, barba e bigode do mesmos
teor; muito macilento, com uns óculos redondos que lhe aumentavam o tamanho da pupila e davam-lhe à cara uma expressão de abutre,
perfeitamente de acordo com o seu nariz adunco e com a sua boca sem lábios: viam-lhe ainda todos os dentes mas, tão gastos, que pareciam
1imados até ao meio. (...) Atirou-se muito às especulações; durante a guerra do Paraguai ainda ganhara forte, chegando a ser bem rico; mas a
roda desandou e, de malogro em malogro, foi-lhe escapando tudo por entre as suas garras de ave de rapina.
Enredo
O Cortiço conta principalmente duas histórias: a de João Romão e Miranda, dois comerciantes, o primeiro, o avarento dono do cortiço, que vive
com uma escrava a qual ele mente liberdade. Com o tempo sua inveja de Miranda, menos rico mas mais fino, com um casamento de fachada,
leva-o a querer se casar com sua filha (e tornar-se Barão no futuro, tal qual Miranda se torna no meio da história). Isto faz com que ele se refine e
mais tarde tente devolver Bertoleza, a escrava, a seu antigo dono (ela se mata antes de perder a liberdade). A outra história é a de Jerônimo e Rita
Baiana, o primeiro, um trabalhador português que é seduzido pela Baiana e vai se abrasileirando. Acaba por abandonar a mulher, pára de pagar a
escola da filha e matar o ex-amante de Rita Baiana. No pano de fundo existem várias histórias secundárias, notavelmente as de Pombinha,
Leocádia e Machona, assim como a do próprio cortiço, que parece adquirir vida própria como personagem. Vejamos.
A área suburbana do Rio de Janeiro do século XIX é o cenário da história de um esperto e pão-duro comerciante português chamado João
Romão. Comprando um pequeno estabelecimento comercial, este consegue se aliar a uma negra escrava fugida de nome Bertoleza, proprietária
de uma pequena quitanda. Para agradá-la, falsifica uma carta de alforria que asseguraria à negra a tão desejada liberdade. O pequeno
estabelecimento, mantido pela esperteza de João Romão e o trabalho árduo de Bertoleza, começa a crescer. Aos poucos o português começa a
construir e alugar pequenas casas, o que leva a edificação de um grande cortiço: a "Estalagem São Romão." Logo se ergueriam novas
pendências, como a pedreira (que servia emprego aos moradores) e o armazém (onde os mesmos compravam seus artigos de necessidade). O
crescimento só não agrada ao Senhor Miranda, dono de um sobrado vizinho.
Nas casas do cortiço, figuras das mais variadas caracterizações podem ser vistas e apreciadas: entre eles o negro Alexandre, a lavadeira
Machona, a moça Pombinha, Jerônimo e Piedade (casal de portugueses), e a sensual Rita Baiana, que desfilava toda a sua sensualidade
dançando nas festas. Num desses encontros feitos de música e gritos, Jerônimo se encanta com a dança de Rita Baiana, o que provoca ciúmes
em Firmo, amante da moça. Há uma violenta briga, e Firmo fere o jovem português com uma navalha, fugindo logo depois. Jerônimo vai parar
num hospital.
Forma-se um novo cortiço perto dali, recebendo o apelido de "Cabeça-de-gato" pelos moradores do cortiço de João Romão. Estes, por sua vez, os
apelidam de "Carapicus", o que já indica a competição e a rincha entre eles. Enquanto isso, Jerônimo volta do hospital e, numa emboscada, mata
Firmo, agora morador do cortiço rival. Enquanto o jovem português larga a mulher para viver com Rita Baiana, o pessoal do "Cabeça-de-gato"
entra em guerra com os moradores do cortiço de João Romão para vingar a morte de Firmo. Um incêndio misterioso acaba com o conflito e destrói
grande parte do cortiço do velho comerciante português.
João Romão reconstrói sua estalagem, que fica ainda mais próspera, e se alia a Miranda, com a intenção de freqüentar rodas mais finas e
elegantes e se casar com um moça de boa educação. O verdadeiro intento do esperto comerciante é a mão de Zulmira, filha do novo amigo.
Concretizando seu sonho, só resta agora se livrar do incômodo de sua companheira Bertoleza. Isso se dá através de uma carta enviada aos
proprietários da negra fugida, revelando seu esconderijo. Estes não demoram a aparecer no cortiço com o intuito de levá-la de volta. Bertoleza,
percebendo a traição, suicida-se com a mesma faca de limpar peixes que usou a vida inteira para preparar as refeições de João Romão e os
clientes do seu armazém.
Personagens
As personagens em O Cortiço não podem ser tratadas como entidades independentes, podendo ser vistas preferencialmente como partes de uma
rede intrincada de influências e interações. Alguns podem ser separados em grupos de forma mais clara em grupos de relacionamento, esquema
no qual serão apresentados a seguir.
O cortiço e o sobrado: personagem principal; sofre processo de zoomorfização; é o núcleo gerador de tudo e foi feito à imagem de seu
proprietário, cresce, se desenvolve e se transforma com João Romão. Apesar de seu crescimento, desenvolvimento e transformação
acompanharem os mesmos estágios na pessoas de João Romão, é, na verdade, o estabelecimento que muda o dono, não o contrário. Vê-se na
evolução do cortiço um processo que não se pode evitar ou reverter, determinado desde o início da história, tendo João Romão apenas feito o que
estava em seu instinto de homem desprovido de livre-arbítrio fazer. O sobrado representa para o cortiço o mesmo que Miranda representa para
Romão, criando-se entre eles a mesma tensão que existe entre os dois homens.
João Romão, Miranda, Bertoleza e secundariamente, Zulmira, Botelho e D.Estela: de acordo com o crítico literário Rui Mourão, os elementos
conflitantes na obra "não se isolam em planos equidistantes. Ao contrário, o que existe [...] é um estado de permanente tensão e mútua agressão".
Afirma, em outra ocasião, que dessas lutas ninguém sairá vencedor ou vencido. Miranda e João Romão, apesar de aparentarem ser diferentes
frente à sociedade, são essencialmente influenciados pelos mesmos elementos, tendo que ter, portanto, o mesmo destino. Seus rumos se tornam
entrelaçados similarmente aos laços existentes entre sobrado e cortiço: vizinhos, porém distantes; diferentes, porém iguais sob olhar mais
minucioso. Romão e Miranda são complementares. Bertoleza e D.Estela são, sob todas as óticas, o oposto uma da outra: a negra escrava, pobre
e fiel, e a mulher branca, nobre e adúltera. Não há relação de complementação nesse caso, apenas uma forma de acentuação do abismo de
inveja que une João e Miranda. Enquanto um deseja a independência, a prosperidade e a fidelidade conjugal do outro, o outro almeja os contatos,
a nobreza e a capacidade de esbanjamento do um. Zulmira e Botelho têm aqui papéis de meros instrumentos do autor para dar andamento à
história.
Jerônimo, Rita, Firmo e Piedade: nas relações entre essas personagens é demonstrado mais claramente o princípio naturalista que rege a obra
de Azevedo. Suas interações são baseadas puramente no instinto, no desejo sexual, no ciúme, na ira. Jerônimo e Firmo, são, como Romão e
Miranda, complementos um do outro. Um era "a força tranqüila,o pulso de chumbo, em constante tensão com a força nervosa (...) o arrebatamento
que tudo desbarata no sobressalto do primeiro instante". Mas, nas palavras de Azevedo, ambos corajosos. O autor deixa claro que nenhum deles
pode fugir ao que lhes está destinado. Jerônimo, desde o dia em que viu Rita dançar pela primeira vez, estava fadado à perdição, arrastando
Firmo e Piedade para o caminho do ciúme e da destruição a morte, no caso de Firmo, e a miséria e a quase-loucura, no caso de Piedade. A
metamorfose de Jerônimo se dá como tentativa de se tornar Firmo antes de tirar o que lhe pertence não só Rita, mas tudo o que ela implicava: a
beleza, os encantos da terra, a vida feliz do malandro sem preocupações. Cada um reage mais ou
menos de acordo como suas características pessoais, notoriamente a raça (a submissão da portuguesa e a belicosidade do mulato capoeira), mas
se faz presente em todos a conformação, a inércia. Com a morte de Firmo, Jerônimo assimila o papel de seu rival, mantendo um fantasma do que
era no passado, que a bebida e a Rita contribuem para esmaecer. Os elementos naturais e as circunstâncias estão sempre a sufocar qualquer
manifestação psicológica independente, carregando os personagens numa correnteza inevitável e irreversível.
Pombinha, Leónie e Senhorinha: desde o momento em que é apresentada, a prostituta Leónie, madrinha de uma das filhas de Augusta,
representa a independência financeira que aqueles que têm vida honesta não conseguem alcançar. Vende seu corpo, mas o que faz não é crime
aos olhos dos moradores do cortiço, que não tem as cínicas restrições sexuais da burguesia brasileira. Pombinha, filha de D.Isabel, era uma
garota de 18 anos que ainda não havia se tornado mulher. Após anos esperando o momento de se casar, irá se separar do marido após pouco
tempo para seguir num relacionamento homossexual com Leónie, que havia lhe iniciado no prazer sexual. Ao atiçar a sexualidade de Pombinha,
fazendo com que ela atinja a puberdade, Leónie põe em funcionamento uma dinâmica de acontecimentos que passam a independer da vontade
dos personagens. Pombinha possuía um desenvolvimento intelectual maior que a maioria dos personagens do cortiço, talvez por não se ter visto
envolvida tão cedo nas tramas de sexo e ciúme que os consumiam. Ao ter que começar uma vida como mulher casada, não
conseguiu se adaptar à falta de liberdade e foi viver com Leónie, aprendendo seu ofício. Ironicamente, a comercialização do sexo protagonizada
por Leónie e Pombinha se contrapõe à vulgarização do sexo pelos moradores do Cortiço enquanto esses são escravos de seus impulsos, Leónie e
Pombinha se tornam mais senhoras de si através do desejo alheio. Nesse quadro, Senhorinha, a filha de Jerônimo se insere para provar que
ninguém foge ao meio: tendo sido criada num cortiço, substituindo Pombinha para seus moradores, com os pais separados e vendo homens tirar
proveito da mãe de forma constante, termina tendo o mesmo destino de Pombinha, apesar da educação que teve.
Alguns personagens secundários, usados por Azevedo principalmente como objetos de estudo da temática determinista:
- Henrique: filho de um fazendeiro importante que se encontra aos cuidados de Miranda até o fim de seus estudos. Cultivará um caso com
D.Estela.
- Valentim: filho alforriado de uma escrava por quem D. Estela nutria afeição ilimitada.
- Leonor: negrinha virgem, moradora do cortiço.
- Leandra (Machona): portuguesa feroz, habitante do cortiço.
- Ana das Dores: filha desquitada de Machona.
- Neném: filha virgem de Machona, muito cobiçada.
- Agostinho: filho caçula de Machona que morre num acidente da pedreira.
- Augusta: brasileira branca, honesta, casada com Alexandre e com muitos filhos.
- Alexandre: mulato, militar, dava muito valor ao seu emprego.
- Juju: afilhada de Leónie.
- Leocádia: portuguesa, esposa de Bruno, comete adultério com Henrique.
- Bruno: ferreiro casado com Leocádia.
- Paula (a Bruxa): cabocla velha que exercia função de curandeira. Põe fogo no cortiço duas vezes após enlouquecer, morrendo na segunda
tentativa.
- Marciana: mulata velha, com mania de limpeza, mãe de Florinda, que perde o juízo quando a filha foge de casa.
- Florinda: filha virgem de Marciana, que engravida de um dos vendeiros de Romão e foge de casa.
- Dona Isabel: mãe de Pombinha. Seu maior sonho é ver a filha casada.
- Albino: lavadeiro homossexual, morador do cortiço.
- Delporto, Pompeo, Francesco e Andrea: imigrantes italianos que residiam no cortiço. Azevedo foi um dos primeiros a caracterizar
literariamente a figura do imigrante italiano no Brasil, mesmo que de forma preconceituosa, retratando-os como carcamanos imundos.
- Porfiro: mulato capoeira amigo de Firmo.
- Libório: velho pão-duro que esmolava entre os outros moradores do Cortiço, mas que possuía uma fortuna escondida, da qual Romão irá se
apoderar depois da morte de Libório no segundo incêndio provocado por Bruxa.
- Pataca: cúmplice de Jerônimo no assassinato de Firmo, torna-se um dos aproveitadores de Piedade depois que Jerônimo vai morar com Rita.
A homossexualidade retradada em O Cortiço
No naturalismo brasileiro o homem é visto como produto do meio e biológico. A questão da homossexualidade é tratada como desvio de conduta,
anormal, patológico, animalesca. Assim as personagens apresentam desvios. O naturalismo é material, é do corpo não humano. Retratando a
realidade de forma objetiva, descrevendo grupos marginalizados.
O autor retrata a vivência e o comportamento da sociedade sobre uma ótica estética, rica em detalhes, com teor denunciativo, rompimento com o
romance convencional.
Na época em que foi publicado o romance causava choque aos leitores, por seus temas que mostrava através do ficcional o factual, como por
exemplo a homossexualidade de Léonie e Pombinha. Léonie configura-se como a pervertida, que desvia Pombinha do caminho, havendo apelos
carnais. O autor descreve as personagens com instinto animal, patente o depreciativo, relações de interesse, sedução, desejo, poder, culminados
nos processos deterministas do cientificismo/ evolucionismo.Os furtos, estrupos, homicídios ocorrem sem justificativa.
Léonie - Nos dias atuais poderíamos definir Léonie, como uma mulher forte, autêntica, a frente do seu tempo. Mais por si tratar de um romance
naturalista há controvérsia, já que no naturalismo Léonie seria definida como mulher pervertida, impura, aquela que tem que ser banida, pois é um
"mal" que assola a sociedade e pode contaminar os que conviverem com ela.
A mulher no naturalismo era tratada como objeto sexual, e tudo sobre os desvios na sexualidade estavam relacionados a fatores internos e
externos. O autor caracteriza Léonie como mulher de procedência francesa que possuía um sobrado na cidade, o que demonstrava status. A
busca por relação sexual para satisfazer-se:
(...) Os seus lábios pintados de carmim, sua pálpebras tingidas de violeta; o seu cabelo artificialmente loiro. (AZEVEDO, 2009, p.105).
Utiliza faceta para seduzir, abocanhar sua presa, um jogo de interesse, dava-lhe presente, premiando-a constantemente:
O troco ficou esquecido, de propósito, sobre a cômoda (...). (pag.108)
Leónie entregou á Pombinha uma medalha de prata (...). (pag.109)
(...) tomou a mão de Pombinha e meteu-lhe um anel cercado de pérolas. (pag.139)
Quando sua presa caía na armadilha, ela saciava sua sede, devorando-a ferozmente toda.
-Vem cá, minha flor!... Disse-lhe, puxando-a contra si (...). Sabes? Eu te quero cada vez mais!...Estou louca por ti!(p.135)
E, num relance, desfez para o lado, examine, inerte, os membros atirados num abandono de bêbado. (p.136-137)
No jogo do homoerotismo, essa mulher subjuga as vontades da afilhada utilizando discurso sedutor:
Léonie saltava para junto dela e pôs-se a beijar-lhe, á força, os ouvidos e o pescoço, fazendo-se muito humilde, adulando-a, comprometendo-se a
ser sua escrava e obedecer-lhe como um cachorrinho. (p.137).
Pombinha - Na segunda análise da personagem vale ressaltar seu estereótipo de fraca, nervosa, doente, enfermiça, doente, loira, muito pálida,
sua sensualidade associada a doses de inocência, pureza, boa família, asseada.
A relação homossexual entre Pombina e sua madrinha Léonie se dá em consequência de um estupro.Pombinha rompe drasticamente com os
padrões impostos por ima sociedade preconceituosa, desigual, desumana. A moral cristã do naturalismo aniquila com os padrões qualquer
possibilidade do "patólogico", defeituoso, se dar bem.
A personagem tem a figura da mãe, que a protege e a figura do pai, um homem que fracassa e comete suicídio. Talvez essa figura do pai é
substituída pelas carícias e mimos de sua madrinha Léonie. O que conta muito segundo os estudiosos para a formação da personalidade de
Pombinha.
Léonie perverteu Pombinha desviando-a para uma vida de prostituição, sexo e embriagues. Pombinha toma Léonie como espelho, modelo de vida
a ser seguido.
Observemos à afilhada, antes da relação homoérotica:
"A folha era a flor do cortiço (...)". (p.37)
"As mãos ocupadas com o livro de rezas, o lenço e a sombrinha(...) é mesmo umaflor(...)orçando pelos dezoito anos, não tinha pago a natureza o
cruento tributo da puberdade". (p.38).
Este assunto não era segredo para ninguém, porém quando mênstruo, todos ficaram sabendo, houve comemoração, é como se as janelas da
liberdade fossem abertas e pássaro pudesse finalmente voar.
"E devorava-a de beijos violentos, repetidos, quentes, que sufocavam a menina, enchendo de espanto e de um instinto temor (...)" (p.135)
A ruptura acontece quando Pombinha se separa do seu marido, após adultério. Atirou-se as coisas mundanas e foi morar com Léonie, mais
sustentava a mãe com o dinheiro da prostituição, a qual se tornou perita e com sua sagacidade, conquistavatodos os homens.
Pombinha tinha uma afilhada e a tratava com a mesma simpatia que fora tratada por Léonie.
"A cadeia continuava e continuaria interminavelmente; o cortiço estava preparando uma nova prostituta naquela pobre menina desamparada, que
se fazia mulher" (p.236)
Créditos: Bartolomeu Amâncio da Silva, professor de Literatura, Cursos Objetivo | Alessandra Cristina Ferreira Porto, aluna do ITA | Marcia
Jovelina de Jesus
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Dom Casmurro, de Machado de Assis http://www.passeiweb.com