UNIVERSIDADE VALE DO RIO DOCE
FACULDADE DE DIREITO, CIÊNCIAS ADMINISTRATIVAS E ECONÔMICAS – FADE
CURSO DE DIREITO
ÂNGELO RUCALY ALI FIGUEIREDO
LEGALIDADE DA SUSPENSÃO DO FORNECIMENTO DE ENERGIA
ELÉTRICA AOS CONSUMIDORES INADIMPLENTES
Governador Valadares
2009.
1
ÂNGELO RUCALY ALI FIGUEIREDO
LEGALIDADE DA SUSPENSÃO DO FORNECIMENTO DE ENERGIA
ELÉTRICA AOS CONSUMIDORES INADIMPLENTES
Monografia para obtenção do grau de bacharel
em Direito apresentada a Faculdade de Direito,
Ciências Administrativas e Econômicas da
Universidade Vale do Rio Doce.
Orientador: Prof. Renato Moura Rosado
Governador Valadares
2009.
2
ÂNGELO RUCALY ALI FIGUEIREDO
LEGALIDADE DA SUSPENSÃO DO FORNECIMENTO DE ENERGIA
ELÉTRICA AOS CONSUMIDORES INADIMPLENTES
Monografia para obtenção do grau de bacharel
em Direito apresentada a Faculdade de Direito,
Ciências Administrativas e Econômicas da
Universidade Vale do Rio Doce.
Governador Valadares, ____ de _______________ de 2009.
Banca Examinadora:
________________________________________________
Prof°: Renato Moura Rosado - Orientador
Universidade Vale do Rio Doce
________________________________________________
Profº: Ianacã Índio do Brasil - Convidado
Universidade Vale do Rio Doce
_________________________________________________
Profº: Afrânio Hilel Guerra - Convidado
Universidade Vale do Rio Doce
3
Dedico a Deus, por ter sido meu guia e ter
conduzido-me dia a dia durante todo o
estudo, dando-me força para a busca
incessante
do
saber,
incondicional sempre.
e
pelo
amor
4
AGRADECIMENTOS
A conclusão de um curso de graduação em Direito é apenas um passo no
desenvolvimento pessoal e criativo. Aumentar a criatividade significa abrir novas
oportunidades, o que é fundamental para enfrentar os desafios de nosso tempo. Um
tempo em que a única constante é a "mudança".
Primeiramente, agradeço a Deus por capacitar-me e tornar possível a
conclusão deste curso.
Aos meus pais, familiares e amigos que sempre me apoiaram.
À minha esposa Daniela e ao meu filho Ruca, pelo amor, carinho, dedicação,
compreensão e paciência, durante esta jornada.
A todos os professores e, de modo muitíssimo especial, ao amigo, professor e
orientador Renato Moura Rosado pela sua dedicação, conhecimento e paciência
para realização desta monografia e ainda, por ser exemplo de realização
profissional.
Ao meu filho Pedro que nasceu no decorrer desta monografia e que trouxe
mais luz, alegria e muita esperança por dias melhores.
5
“A vida é uma grande universidade, mas
pouco ensina a quem não sabe ser um aluno”.
Augusto Cury
6
RESUMO
O tema abordado neste estudo foi a Legalidade da Suspensão do Fornecimento de
Energia Elétrica aos Consumidores Inadimplentes e, teve como objetivo discutir a
controvertida questão acerca da constitucionalidade no corte do fornecimento de
energia elétrica em razão do inadimplemento dos consumidores. Para tanto,
estudou-se a relação jurídica entre consumidor e empresa concessionária;
analisando as disposições legais e as resoluções que tratam do direito do
consumidor e do fornecimento de energia elétrica, além de identificação dos
entendimentos jurisprudenciais favoráveis e contrários à prática da suspensão do
fornecimento. O problema analisado foi: a suspensão do fornecimento da energia
elétrica por motivo de inadimplemento fere o princípio da continuidade? Utilizou-se
como metodologia a pesquisa bibliográfica em doutrinas, jurisprudências, revistas e
artigos disponíveis na internet. Concluiu-se que a suspensão do fornecimento de
energia elétrica em si, em razão da inadimplência do usuário, não caracteriza, uma
inconstitucionalidade. O que precisa ser analisado é a situação em que a suspensão
é realizada, haja vista que em determinados casos pode vir a ofender princípios da
Lei Maior, como o da proporcionalidade e o da razoabilidade, nestes casos, a
suspensão do fornecimento é inconstitucional. Portanto, se pode observar que o
serviço deve ser prestado pela concessionária de forma contínua, porém, o
fornecimento desse serviço corresponde por parte do consumidor a uma
contraprestação, além de ser uma imposição ética, pois se houve o consumo deve
haver o pagamento. Deve-se também, levar em conta que a aplicação dessa medida
por parte da concessionária visa garantir a continuidade do serviço, em respeito aos
consumidores cumpridores de suas obrigações e em prol do interesse da
coletividade.
Palavras-chave: Constitucionalidade; legalidade; suspensão; fornecimento de
energia elétrica aos consumidores inadimplentes
7
ABSTRACT
The issue addressed in this study was the legality of the suspension of supply of
electricity to consumers default, and aimed to discuss the controversial question
about the constitutionality of the cut in supply of electricity due to the default of the
consumer. Thus, studied the relationship between consumer and legal operating
company, looked up the laws and resolutions that address the right of consumers
and supply of electric power, and identification of favorable and jurisprudential
understandings contrary to the practice of suspension of supply. The problem was
discussed: the suspension of supply of electricity by reason of default offends the
principle of continuity? Was used as the research methodology literature in doctrine,
jurisprudence, journals and articles available on the Internet. It was concluded that
the suspension of supply of electricity itself, because the default user, not
characterized, a unconstitutional. What needs to be analyzed is the situation where
the suspension is done, considering that in some cases may offend the principles of
Higher Law, such as proportionality and reasonableness of, in these cases, the
suspension of the provision is unconstitutional. Therefore, we can see that the
service is provided by the concessionaire in a continuous manner, but providing the
service by consumers is a consideration, in addition to being a tax ethics, because if
there was consumption must be the payment. You should also take into account that
the application of this measure by the concessionaire to ensure continuity of service
in respect to consumers of complying with its obligations and to promote the interest
of the community.
Keywords: Constitution; legality ;suspension; supply of electricity to consumers
default
8
SUMÁRIO
1 INTRODUÇÃO................................................................................................ 09
CAPÍTULO I....................................................................................................... 11
2 SERVIÇOS PÚBLICOS.................................................................................. 11
2.1 SERVIÇOS PÚBLICOS ESSENCIAIS......................................................... 12
2.2 SERVIÇOS PÚBLICOS SOB INCIDÊNCIA DO CDC.................................. 17
2.3 PRINCÍPIOS DO SERVIÇO ESSENCIAL.................................................... 18
2.3.1 Adequação............................................................................................... 19
2.3.2 Eficiência.................................................................................................. 20
2.3.3 Segurança................................................................................................ 20
2.3.4 Continuidade........................................................................................... 21
CAPÍTULO II.....................................................................................................
23
3 A LEGALIDADE DA SUSPENSÃO DO FORNECIMENTO DE ENERGIA
FACE AO INADIMPLEMENTO......................................................................... 23
CAPÍTULO III..................................................................................................... 27
4 A RESOLUÇÃO ANEEL N. 456/2000, A CONSTITUIÇÃO FEDERAL E O
CDC.................................................................................................................... 27
CAPÍTULO IV..................................................................................................... 33
5 POSICIONAMENTOS DOUTRINÁRIOS E JURISPRUDENCIAIS................. 33
5.1 POSICIONAMENTOS CONTRÁRIOS.......................................................
33
5.2 POSICIONAMENTOS FAVORÁVEIS.......................................................
35
6 CONCLUSÃO.................................................................................................. 43
REFERÊNCIAS.................................................................................................. 46
9
1 INTRODUÇÃO
A legalidade da suspensão do fornecimento de energia elétrica aos
consumidores inadimplentes é o tema abordado neste estudo, considerado ser um
dos pontos mais polêmicos no meio doutrinário e jurisprudencial.
A prática consistente em interromper ou suspender o fornecimento de
serviços públicos ao usuário inadimplente ocorre a muito no Brasil, sem que os
operadores do direito tenham se preocupado em indagar se a Constituição Federal
de 1988 permite, quer explícita ou implicitamente, a interrupção da prestação dos
serviços públicos essenciais como forma de “punição” ao usuário inadimplente.
A relação jurídica entre o consumidor e a concessionária de energia elétrica e
a contraprestação do consumidor para garantir a continuidade da prestação do
serviço público parecem não se comunicar de forma clara e objetiva, sendo,
portanto, de grande relevância, esclarecer, a natureza jurídica da relação entre o
consumidor e a concessionária de energia elétrica e a contraprestação do
consumidor para garantir a continuidade da prestação do serviço público.
Diferentemente
é
abordado
pelo
ordenamento
jurídico
brasileiro,
a
constitucionalidade da suspensão do fornecimento de energia elétrica aos
consumidores inadimplentes.
Alguns doutrinadores entendem que o consumidor, tem o direito de exigir que
a prestação do serviço de energia elétrica seja contínua, pois esta é considerada
essencial e, a concessionária é obrigada por lei a prestar continuamente esse
serviço. A inadimplência não intencional, em que o usuário não tem condições
efetivas de efetuar o pagamento, derivada das contingências sociais, não poderá ser
outro o entendimento de que o Estado deverá subsidiar a continuidade do
fornecimento de energia elétrica, sob pena de configurar-se odioso desrespeito aos
direitos constitucionais do cidadão.
Porém, a corrente contrária argumenta não ser a energia elétrica fornecida de
maneira gratuita, pois, apesar de essencial, está sujeito à exceção de continuidade,
10
sendo permitido o corte por atraso de pagamento, por se tratar de um serviço
tarifado, onde sua utilização requer uma contraprestação.
Diante de tais divergências em relação a este tema, o objetivo deste estudo é
discutir a controvertida questão acerca da constitucionalidade no corte do
fornecimento de energia elétrica em razão do inadimplemento dos consumidores.
Mais especificamente, procura estudar a relação jurídica entre consumidor e
empresa concessionária; analisar as disposições legais e as resoluções que tratam
do direito do consumidor e do fornecimento de energia elétrica, além de identificar os
entendimentos jurisprudenciais favoráveis e contrários à prática da suspensão do
fornecimento.
Já que a energia elétrica é considerada como serviço público essencial, devese, portanto, observar o princípio da continuidade. Entretanto, o problema principal
em questão a ser analisado é: a suspensão do fornecimento da energia elétrica por
motivo de inadimplemento fere o princípio da continuidade?
A
metodologia
utilizada
é
a
pesquisa
bibliográfica
em
doutrinas,
jurisprudências, revistas e artigos disponíveis na internet.
Espera-se que este estudo possa contribuir de maneira positiva na solução
das divergências de posicionamento na interpretação da lei e diante de tais
divergências buscar a solução aos conflitos existentes, fazendo assim, com que haja
o entendimento imparcial nas questões relativas ao direito do consumidor e ao
direito das concessionárias de energia elétrica.
11
CAPÍTULO I
2 SERVIÇOS PÚBLICOS
Os serviços públicos, não somente os essenciais se subdividem em dois
grandes grupos. No primeiro grupo temos os serviços públicos prestados de forma
abstrata, difusa, a toda coletividade, sem particularização ou individualização da
prestação, são chamados "uti universi", de utilização ou utilidade universal. São eles,
a educação, a saúde pública, a iluminação pública, a segurança pública, a limpeza
pública, coleta de lixo, calçamento e outros. Estes serviços são indelegáveis,
constituindo assim um monopólio do Estado, afinal serão remunerados por via
necessariamente tributária. O tributo em questão será o imposto, que é genérico,
sem qualquer vinculação à prestação de qualquer serviço público (HINDO, 2002).
Em contrapartida, existem serviços cuja prestação é especifica, mensurável,
individual, ou seja, se apresenta de forma concreta ao usuário, o que gerará um
direito subjetivo de prestação. A fruição destes serviços não será homogênea para
todos os usuários, que poderão utilizá-los em intensidades diversas, de acordo com
a necessidade de cada um. São serviços como energia elétrica, telefonia, gás, água
encanada e transporte coletivo. Eles são específicos, que significa dizer que são
prestados de uma forma autônoma, destacada e são também divisíveis, em que o
uso efetivo ou potencial pode ser aferido individualmente. Estes serviços serão
remunerados por Taxas de serviços (que diferem das taxas de polícia) ou também
por tarifas (também chamadas de preços), já que este tipo de serviço público pode
ser objeto de delegação (HINDO, 2002).
A definição e o rol de serviços públicos essenciais não se encontram no
Código do Consumidor, nem na Constituição Federal. Esta última, por sua vez
institui em seu art. 9°, o direito de greve e disci plinou em seu parágrafo único que a
lei definirá os serviços essenciais. Consideram-se serviços públicos essenciais
aqueles definidos no art. 10 da Lei nº 7.783/89, a Lei de greve (HINDO, 2002).
12
São serviços cujo princípio da continuidade é ainda mais evidente, ou seja,
não podem ser interrompidos, devido ao grande prejuízo, quiçá irreparável, pela não
prestação, ainda que em caso de greve, que é o objeto da referida lei. São serviços
cuja interrupção pode comprometer a sobrevivência, a saúde e a segurança (art. 11
da Lei 7.783/89), inclusive essa interrupção configura o delito de "paralisação de
trabalho de interesse coletivo" 3 (art. 201 do Código Penal). São eles os serviços de
água, energia elétrica, gás, combustíveis, saúde, distribuição de medicamentos e
alimentos, funerário, transporte coletivo, captação e tratamento de esgoto, tráfego
aéreo, compensação bancária, telecomunicações, guarda de materiais radioativos e
nucleares e processamento de dados referentes a esses serviços (HINDO, 2002).
2.1 SERVIÇOS PÚBLICOS ESSENCIAIS
Muito se discute sobre que tipo de serviço poderá ser considerado essencial
na forma do que dispõe o artigo 22 do Código de Defesa do Consumidor - CDC, que
inclusive comina pelo cumprimento forçado da obrigação de fazer, de fornecer a
referida prestação essencial e ainda pela reparação dos danos causados pela
interrupção deste serviço.
Para melhor compreender o conceito de serviços públicos essenciais já que o
Código do Consumidor em nem um lugar caracteriza ou denomina as atividades ou
serviços essenciais e, nesse contexto, analisar a questão da possibilidade ou não da
suspensão do serviço de fornecimento de energia elétrica, faz-se necessário,
inicialmente conhecer os conceitos de serviço público.
Dentre as várias correntes doutrinárias que se propuseram a conceituar
serviço público, pode-se destacar três (BESERRA, 2008):
A primeira corrente é a subjetiva, que define o serviço público em razão da
pessoa que o satisfaz. Assim, todo e qualquer serviço público prestado pelo Estado
seria qualificável como serviço público. Beserra (2008) entende que tal concepção,
13
por demais abrangente, não satisfaz, pois, o Estado também desempenha
atividades outras, de cunho econômico, por exemplo, que não se confundem com
serviço público. Por outro lado, particulares também prestam serviço público, como
as concessionárias de energia elétrica, de telecomunicações, dentre muitas outras.
Já a segunda corrente é a objetiva, ou funcional, a qual entende que diante da
realidade do surgimento das concessionárias de serviço público, a concepção
objetiva passou a conceituá-lo em função da própria natureza da atividade material
prestada. Esta se caracteriza como serviço público a partir da necessidade de
interesse coletivo por ela satisfeita (BESERRA, 2008).
E, finalmente a terceira, corrente formal, que leva em conta o regime jurídico
aplicado a determinada atividade. “À acepção material contrapôs-se o sentido formal
da noção de serviço público, que considera o regime jurídico que lhe é aplicado,
marcado por normas especiais. O serviço público seria aquele prestado sob regime
de direito público derrogatório e exorbitante do direito comum” (DI PIETRO, 2002, p.
97).
De acordo com Melo (2003, p. 612) Serviço Público pode ser definido como:
É toda atividade de oferecimento de utilidade ou comodidade material
destinada à satisfação da coletividade em geral, mas fruível singularmente
pelos administrados, que o Estado assume como pertinente a seus deveres
e presta por si mesmo ou por quem lhe faça às vezes, sob um regime de
Direito Público – portanto, consagrador de prerrogativas de supremacia e de
restrições especiais-, instituído em favor dos interesses definidos como
públicos no sistema normativo (MELO, 2003, p. 612).
Um serviço público é criado para satisfazer necessidades prementes da
coletividade. Veja-se que a titularidade desse serviço encontra-se nas mãos do
Estado, que pode delegar a sua prestação a terceiros mediante concessão,
permissão ou autorização, segundo condições por ele fixadas. Por um certo prisma,
o usuário encontra-se numa situação de submissão. A ele nada resta senão aceitar
as prestações de serviço oferecidas pelo Poder Público, por si, ou pelos seus entes.
Caracteriza-se assim uma situação de certa vulnerabilidade, razão pela qual a
Constituição Federal e as leis, e aí se inclui de maneira valiosa o Código de Defesa
do Consumidor, buscaram proteger o usuário, através de normas e princípios
14
reguladores da atividade estatal, no que tange à prestação dos serviços públicos
(BESERRA, 2008).
De acordo com o artigo 22 do Código de Defesa do Consumidor, os órgãos
públicos, por si ou suas empresas, concessionárias, permissionárias ou sob
qualquer outra forma de empreendimento, são obrigados a fornecer serviços
adequados, eficientes, seguros e, quanto aos essenciais, contínuos.
A introdução do microssistema jurídico do Código de Defesa do Consumidor
no ordenamento jurídico brasileiro veio atender a este anseio social pela busca da
paridade no tratamento entre os dois pólos da relação de consumo, dirimindo as
práticas abusivas tão comuns antes do referido diploma consumerista (LIMA, 2008).
A Constituição Federal estabeleceu a ordem econômica, fundada na
valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, cuja finalidade consiste em
assegurar a todos a existência digna, conforme os ditames da justiça social,
observados, dentre outros princípios, a defesa do consumidor (art. 170, IV/CF).
Depreende-se, então, a valoração da figura do consumidor enquanto titular de
direitos e garantias constitucionais fundamentais.
A Lei 7.783 de 28 de junho de 1989, vulgarmente conhecida como “Lei de
Greve”, em seu art. 11, parágrafo único, aduz que “são necessidades inadiáveis, da
comunidade aquelas que, não atendidas, coloquem em perigo iminente a
sobrevivência, a saúde ou a segurança da população”. Assim, desta forma, percebese que serviços essenciais são precisamente aquelas atividades imprescindíveis à
satisfação das necessidades inadiáveis da comunidade (LIMA, 2008).
Portanto, integrando a norma em sua finalidade, obtém-se que os serviços ou
atividades essenciais, são aqueles serviços indispensáveis ao atendimento das
necessidades inadiáveis da comunidade, ou seja, das necessidades que coloquem
em perigo iminente a sobrevivência, a saúde ou a segurança da população
(VIDONHO JÚNIOR e PAIVA, 2001).
A mesma Lei, 7.783/89 assim dispõe em seu artigo 10:
15
Art. 10 São considerados serviços ou atividades essenciais:
I - tratamento e abastecimento de água; produção e distribuição de energia
elétrica, gás e combustíveis;
II - assistência médica e hospitalar;
III - distribuição e comercialização de medicamentos e alimentos;
IV - funerários;
V - transporte coletivo;
VI - captação e tratamento de esgoto e lixo;
VII - telecomunicações;
VIII - guarda, uso e controle de substâncias radioativas, equipamentos e
materiais nucleares;
IX - processamento de dados ligados a serviços essenciais;
X - controle de tráfego aéreo;
XI - compensação bancária.
Tal norma sob o ponto de vista hermenêutico pode ser classificada
tecnicamente como uma norma jurídica nacional1, ou seja, que atinge a coletividade
sem distinção, e portanto, é autônoma no que pertine a referida matéria, podendo
ser estendida a quaisquer casos ou condições que levem a interrupção de serviço
de natureza essencial e não só nas greves, até porque, em sua própria ementa
insculpe que define as atividades essenciais, e não somente em situações de greve.
Portanto, a continuidade dos serviços denominados essenciais alcançam não
apenas os casos em que há interrupção por motivo de greve, mas também, a
quaisquer tipos de interrupção, seja por cobrança de dívidas ou por falta do próprio
serviço, isto porque pela natureza essencial da prestação, presume-se o decréscimo
ou ausência de qualidade de vida, de dignidade e por vezes da própria realização da
cidadania, fundamentos a que se apóia a República Federativa do Brasil (artigo 1º
da Constituição Federal de 1988) (VIDONHO JÚNIOR e PAIVA, 2001).
Com a mesma relevância tratou do assunto a Lei de Segurança Nacional (Lei
nº 7.170/83), que ao cominar sanção à prática de sabotagem, em seu artigo 15,
cominou agravamento de pena se desta resulta dano, destruição ou neutralização
de meios de defesa ou de segurança; paralisação, total ou parcial, de atividade ou
serviços públicos reputados essenciais para a defesa, a segurança ou a economia
do País, a pena aumenta-se até o dobro.
1
As normas jurídicas podem ser classificadas quanto à esfera de atuação de onde se aplicam, em
Nacionais quando seu conteúdo não tem destinatários específicos, aplicam-se a todos os nacionais a
exemplo do CDC; Federais quando há destinatários específicos como os do Regime Jurídico Único
dos Servidores da União; Estaduais quando servem aos Estados-membros e por fim aos Municipais
nos mesmos termos (VIDONHO JÚNIOR e PAIVA, 2001).
16
Sobre a natureza dos serviços essenciais versa Grinover et al. (2005) que:
É sempre muito complicado investigar a natureza do serviço público, para
tentar surpreender, neste ou naquele, o traço da sua essencialidade. Com
efeito, cotejados, em seus aspectos multifários, os serviços de comunicação
telefônica, de fornecimento de energia elétrica, água, coleta de esgoto ou de
lixo domiciliar, todos passam por uma gradação de essencialidade, que se
exacerba justamente quando estão em causa os serviços públicos difusos
(ut universi) relativos à segurança, saúde e educação (GRINOVER et al.,
2005, p. 140).
A mesma doutrinadora ainda elucida que "parece-nos, portanto, mais razoável
sustentar a imanência desse requisito em todos os serviços prestados pelo Poder
Público” (GRINOVER et al., 2005, p. 140). Desta forma, pode-se concluir que a não
taxatividade do artigo 10 da Lei 7.783/89, que apenas esforçou-se por definir
genericamente os serviços essenciais, ou seja seu rol é meramente exemplificativo.
(VIDONHO JÚNIOR e PAIVA, 2001).
Discorrendo por uma ótica publicista, Nunes (2005), versa que:
Em medida amplíssima todo serviço público, exatamente pelo fato de sê-lo
(público), somente pode ser essencial. Não poderia a sociedade funcionar
sem um mínimo de segurança pública, sem a existência dos serviços do
Poder Judiciário, sem algum serviço de saúde etc. Nesse sentido então é
que se diz que todo serviço público é essencial. Assim, também o são os
serviços de fornecimento de energia elétrica, de água e esgoto, de coleta de
lixo, de telefonia etc (NUNES, 2005, p. 306).
"Há no serviço considerado essencial um aspecto real e concreto de urgência,
isto é, necessidade concreta e efetiva de sua prestação" (NUNES, 2005, p. 307).
“Serviço público essencial é, aquele indispensável à vida, saúde e segurança
da pessoa” (MARQUES, 2004, p. 331).
Já Nunes (2005) diz que todos os serviços públicos são inerentemente
essenciais, no que é acompanhado pela doutrina administrativista (MELLO, 2003).
Portanto, os serviços essenciais estão para a coletividade e para o
Ordenamento Jurídico como serviços indispensáveis à manutenção da vida e dos
direitos, conceito que vivifica a impossibilidade de sua interrupção. Além do mais,
por serem indispensáveis à normalidade das relações sociais ocupam natureza
17
pública, onde não se evidencia proprietários destes serviços, mas apenas gestores
que devem atuar para a preservação de sua utilização pelo homem.
2.2 SERVIÇOS PÚBLICOS SOB INCIDÊNCIA DO CDC
Como o art. 3º, §2º, do CDC, define como serviço, para fins de aplicação da
legislação de proteção ao consumidor, aquele feito mediante remuneração, Marques
(2004) exclui dessa definição os serviços públicos realizados uti universi, que são
financiados pelos impostos pagos pela população; para a citada autora, somente
estariam sujeitos às regras do CDC aqueles serviços prestados em virtude de
vínculo contratual entre o consumidor e o órgão público ou seu concessionário, uti
singuli, com contraprestação direta através de tarifa, ou preço público – também
estariam excluídos os serviços uti singuli prestados gratuitamente.
Assim, toda e qualquer empresa, pública ou privada, que por via de
contratação com a Administração Pública forneça serviços públicos, assim como,
também as autarquias, fundações e sociedades de economia mista prestar serviços
ou fornecer produtos numa relação típica de consumo estão sujeitas às regras do
CDC, pouco importa se o serviço é prestado pela Administração de forma direta ou
indireta (CHAMONE, 2007).
Denari et al. (2005) e Mello (2005) entendem de forma divergente, pois para
estes doutrinadores todo serviço público posto à disposição do administrado
configura uma relação de consumo, aplicando-se sempre o CDC, visto que o art. 3º,
§2º somente excetua a sua incidência sobre as relações de natureza trabalhista e
aquelas prestadas sem remuneração alguma, ainda que indireta. Mello (2005) faz
apenas uma ressalva em relação à aplicação das demais leis pertinentes ao caso
concreto.
18
Ainda que sobre os serviços públicos incida o CDC, o regime desses
contratos é especial: "mesmo se regidos por leis civis, não perde a relação seu
caráter dito de ‘verticalidade’, reservando-se a administração faculdades que
quebram o equilíbrio do contrato" (MARQUES, 2004, p. 330). Incidiriam então as
normas do CDC sobre proteção contratual? Para Marques (2004, p. 330), a resposta
está na conciliação entre "as imposições de direito constitucional, com a proteção do
consumidor e as prerrogativas administrativas".
A fruição de serviço público não envolve um vínculo contratual entre o
usuário e o prestador de serviço, mas uma situação jurídica de natureza
unilateral; (...) o usuário do serviço manifesta sua vontade no sentido de fruir
os benefícios e de subordinar-se ao regime jurídico pertinente ao serviço
público. Não há acordo de vontades, mas manifestação de vontade
individual, que é condição para a fruição do serviço. O direito do consumidor
não pode ser aplicado integralmente no âmbito do serviço público por uma
espécie de solidariedade entre os usuários, em virtude da qual nenhum
deles pode exigir vantagens especiais cuja fruição acarretaria a
inviabilização de oferta do serviço público em favor de outros sujeitos
(JUSTEN FILHO, 2005, p. 492-493).
2.3 PRINCÍPIOS DO SERVIÇO PÚBLICO ESSENCIAL
O que define um determinado serviço como sendo público é precipuamente o
regime jurídico ao qual ele se encontra submetido. Regime jurídico é um conjunto de
princípios que regem determinado instituto, informando dado sistema (MELO, 2003).
Deve-se ressaltar o art. 22, caput, do CDC: onde a prestação dos serviços
deve ocorrer de modo que seja observado, pelo prestador, pelo menos três
obrigações: adequação, eficiência e segurança. Mas se o serviço for ainda
essencial, o prestador deve observar a obrigação de continuidade (GALIOTTO,
2008).
Caso haja descumprimento total ou parcial de qualquer um desses deveres,
possibilita o consumidor ou seu representante legal, ingressar com uma ação judicial
a fim que a prestação ocorra, na forma exigida pela lei podendo ainda haver
19
condenação do prestador pelos danos eventualmente causados aos usuários
(GALIOTTO, 2008).
A Lei 8987/95, regulamentando o texto constitucional, enuncia, em seu artigo
6°, §1°, os princípios disciplinadores do regime de concessão e permissão de
serviços públicos: o da continuidade, o da regularidade, o da generalidade,
modicidade, cortesia, segurança, atualidade e eficiência.
Tratando-se
dos
princípios
informadores
do
serviço
público,
todos,
simplesmente por sê-lo, deve ser prestado adequadamente, o que significa,
basicamente, ser dotado das características abaixo referidas (MELO, 2003).
2.3.1 Adequação
O dever de adequação do serviço público também encontra eco no disposto
no art. 175, parágrafo único, IV, regulamentado pela Lei 8.987/95, em especial seu
art. 6º, e seus parágrafos.
Princípio da Adequação, inscrito no inciso IV, parágrafo único do art. 175 da
CF/88 in verbis: “Incumbe ao Poder Público na forma da lei, diretamente ou sob
regime de concessão ou permissão, sempre através de licitação, a prestação de
serviços públicos”.
2.3.2 Eficiência
20
O dever de eficiência estampado no caput, do art. 22, do CDC, passou a ser
redundante desde que ele foi inserido na redação do caput, do art. 37, da CF, em
1998 (EC 19/98).
Ser eficiente é, no dizer de Luiz Alberto David Araújo e Vidal Serrano Nunes
Jr. apud Nunes (2005), concretizar a atividade administrativa de modo a extrair o
maior número possível de efeitos positivos ao administrado.
Não basta haver adequação, nem estar à disposição das pessoas. O
serviço tem de ser realmente eficiente; tem de cumprir sua finalidade na
realidade concreta. (...) o significado de eficiência remete ao resultado:
eficiente é aquilo que funciona. (...) O indivíduo recebe serviço público
eficiente quando a necessidade para a qual ele foi criado é suprida
concretamente (NUNES, 2005, p. 306).
A eficiência é gênero, enquanto a adequação, segurança e continuidade "são
características ligadas à necessária eficiência que devem ter os serviços públicos"
(NUNES, 2005, p. 306).
2.3.3 Segurança
De acordo com o art. 6º, §3º, I, da Lei 8.987/95 a interrupção poderá ocorrer
por motivo de ordem técnica ou de segurança das instalações (CHAMONE, 2007).
Porém a sua constitucionalidade é posta em dúvida por Nunes (2005, p. 310),
pois "ainda que, eventualmente, venham a surgir, significam interrupção irregular do
serviço público, aliás em clara contradição com o sentido de eficiência e adequação.
Afinal, problema técnico e de insegurança demonstra ineficiência e inadequação".
Ademais, tais hipóteses de paralisação envolvem a discussão de culpa e de
modo algum isentariam a responsabilidade por danos, que no caso é objetiva.
21
2.3.4 Continuidade
O Princípio da Continuidade, caracteriza-se como um dos que mais
peculiarmente caracteriza o serviço público, significando a impossibilidade de sua
interrupção e o pleno direito dos administrados a que não seja suspenso ou
interrompido (MELLO, 2003).
O princípio da continuidade do serviço público é um sub princípio, ou, se se
quiser, princípio derivado, que decorre da obrigatoriedade do desempenho
da atividade administrativa. Esta última (...) é, por sua vez, oriunda do
princípio fundamental da indisponibilidade, para a Administração, dos
interesses públicos (MELLO, 2003, p. 71).
Nunes (2005) procura identificar os serviços que devem ser contínuos pelo
aspecto de urgência na necessidade de sua prestação utilizando-se, ainda da Lei de
Greve (Lei 7.783/89), que define em seu art. 10 quais são os serviços essenciais.
Nos termos do CDC art. 42, a suspensão do serviço não pode ser feita como
meio de cobrança ou ameaça, somente sendo autorizada "a suspensão a posteriori,
avisada e determinada por rompimento não abusivo (por exemplo, judicial) do
contrato" (MARQUES, 2004, p. 334). Ademais, por força do art. 22, o serviço público
deve ser prestado de forma ininterrupta, resultando que a "concessionária de serviço
público deve utilizar-se dos meio próprios para receber os pagamentos em atraso"
(MARQUES, 2004, p. 334).
O corte ou suspensão do serviço essencial, face pessoa física, tendo em vista
a sua ‘dignidade’ como pessoa humana (art. 5º, XXXII, c/c art. 1º, III, da CF/1988 c/c
art. 2º do CDC), só pode ser possível excepcionalmente e quando não é forma de
cobrança ou constrangimento, mas sim reflexo de uma decisão judicial ou do fim não
abusivo do vínculo (MARQUES, 2004).
Já para Nunes (2005), somente em situações de fraude judicialmente
reconhecida, o consumidor poderá sofrer o corte no fornecimento, pois para ele essa
é a única hipótese em que haverá inadimplemento do usuário, considerando o
22
interesse da coletividade (art. 6º, §3º, da Lei 8.987/95 – Lei de Concessões) que
justifique o corte.
Com efeito, (...), a legislação consumerista deve obediência aos vários
princípios constitucionais que dirigem suas determinações. Entre esses
princípios encontram-se os da intangibilidade da dignidade da pessoa
humana (art. 1º, III), da garantia à segurança e à vida (caput do art. 5º), que
tem de ser sadia e de qualidade, em função da garantia do meio ambiente
ecologicamente equilibrado (caput do art. 225) e da qual decorre o direito
necessário à saúde (caput do art. 6º) etc (NUNES, 2005, p. 310).
23
CAPÍTULO II
3 A LEGALIDADE DA SUSPENSÃO DO FORNECIMENTO DE ENERGIA FACE
AO INADIMPLEMENTO
É importante ressaltar inicialmente que o serviço de energia elétrica é, sem
sombra de dúvida, um serviço essencial. Desta forma é necessário que se observe
os princípios norteadores do serviço público, e em especial o da continuidade.
A Lei de Concessões 8987/95, que em seu art. 6º, parágrafo 3º, reza o
seguinte: não se caracteriza descontinuidade do serviço a sua interrupção, em
situação de emergência ou após prévio aviso, quando motivada por razões de
ordem técnicas ou de segurança das instalações, ou, ainda, por inadimplemento do
usuário, considerado o interesse público (VOLPE FILHO, 2003).
A paralisação do serviço impõe-se quando houver inadimplência, repudiandose a interrupção abrupta, sem o aviso prévio, como meio de pressão para o
pagamento das contas em atraso. Ou seja, é permitido o corte de serviço, mas com
o precedente aviso de advertência (CALMON, 2006).
Nesse sentido, mister se faz asseverar que não há qualquer ilegalidade no
procedimento adotado pelas concessionárias distribuidoras de energia
elétrica quando suspendem, após prévio aviso, o fornecimento do serviço
àqueles consumidores que não pagam pela energia elétrica consumida,
haja vista a previsão legal para a suspensão do fornecimento de energia
elétrica (ROCHA, 2004, p. 52).
Quando se trata de interrupção do serviço por motivo de inadimplência do
usuário quanto ao pagamento do valor cobrado a título de remuneração pela
prestação do serviço, de um lado, a concessionária tem o dever de disponibilizar um
serviço adequado, eficiente, seguro e contínuo, desde que essencial, de outro lado,
cumpre ao usuário remunerá-la pelo serviço prestado (PEREIRA, 2008).
24
Como não pode a concessionária deixar de fornecer o serviço, também não
pode o usuário negar-se a pagar o que consumiu sob pena de se admitir o
enriquecimento sem causa, com a quebra do princípio da igualdade de tratamento
das partes (CALMON, 2006).
Nesse sentido, para o fornecimento de energia elétrica, o art. 14, I, da Lei nº
9.427/96 expressamente dispõe que o consumidor final é responsável pela
contraprestação pela execução do serviço, mediante o pagamento de tarifa. Idêntica
assertiva contém o art. 91, da Resolução nº 456 da Agência Nacional de Energia
Elétrica (ANEEL), "in verbis":
Art. 91. A concessionária poderá suspender o fornecimento, após prévia
comunicação formal ao consumidor, nas seguintes situações:
I - atraso no pagamento da fatura relativa à prestação do serviço público de
energia elétrica.
O descumprimento intencional da obrigação, portanto, implica em violação ao
dever de pagar pelo benefício auferido e incorporado à esfera patrimonial do
devedor. Isto é, embora ciente do "quantum debeatur", o usuário voluntariamente
deixa de adimplir com a obrigação pecuniária devida e, por isso, obtém vantagem
econômica ao não despender a quantia que seria investida como contraprestação
(PEREIRA, 2008).
De Lucca (1995), acredita que não constitui infração nenhuma o corte de
serviço público tarifado, pois, uma das razões é que a continuidade prevista no
Código de Consumidor não é absoluta, e outra argumentação é pelo fato de ser um
serviço tarifado, onde sua utilização requer uma contraprestação.
Portanto, admitir o inadimplemento por um período indeterminado sem a
possibilidade de suspensão do serviço é consentir com o enriquecimento sem causa
de uma das partes, fomentando a inadimplência generalizada e comprometendo o
equilíbrio financeiro da relação e a própria continuidade do serviço, com reflexos,
inclusive, no princípio da modicidade. O custo do serviço será imensurável a partir
do percentual de inadimplência, e os usuários que pagam em dia serão penalizados
com possíveis aumentos de tarifa (CALMON, 2006).
25
A política tarifária do setor de fornecimento de energia é fortemente regulada
e estabelecida pelo Poder Público, tanto é que as tarifas têm valores diferenciados,
sendo classificadas por faixas distintas conforme a atividade ou nível sócioeconômico do consumidor, estando fora de questão admitir-se a prestação gratuita
dos serviços. Se à prestadora do serviço exige-se o fornecimento de serviço
continuado e de boa qualidade, respondendo ela pelos defeitos, acidentes ou
paralisações, pois é objetiva a sua responsabilidade civil, não é possível aceitar-se a
paralisação no cumprimento da obrigação por parte do consumidor. Tal aceitação
levaria à idéia de se ter como gratuito o serviço, o que não pode ser suportado por
quem fez enormes investimentos e conta com uma receita compatível com o
oferecimento dos serviços (CALMON, 2006).
Na atualidade, os serviços essenciais são prestados por empresas privadas
que recompõem os altos investimentos com o valor recebido dos usuários por meio
dos preços públicos ou tarifas, sendo certa a existência de um contrato estabelecido
entre concessionária e usuário e não sendo possível a gratuidade de tais serviços.
Sob o aspecto da norma específica, estão as concessionárias autorizadas a
suspender os serviços quando não pagas as tarifas; sob o aspecto ontológico, não
se conhece contrato de prestação de serviço firmado com empresa pública, cujo
não-pagamento seja irrelevante para o contratado; sob o ângulo da lógica capitalista,
é impossível a manutenção de serviço gratuito por parte de grandes empresas que
fazem altos investimentos (CALMON, 2006).
A concessionária não poderá interromper o fornecimento de serviços
essenciais, mesmo havendo inadimplência do usuário, quando existir o interesse da
coletividade. Isto significa que uma residência, no caso de inadimplência, poderá ter
o seu fornecimento de energia elétrica interrompido e suspenso, pois não há
interesse da coletividade (OLIVEIRA, 1998).
A concessionária não poderá "cortar" a energia elétrica de hospitais, escolas,
asilos, delegacias de policias, dentre outros, pois nestes casos deverá ser levado em
consideração o interesse da coletividade, mormente quando somadas as mazelas
desencadeadas com a falta de energia naqueles estabelecimentos, como o aumento
da violência em locais ermos, equipamentos hospitalares inoperantes, escassez
generalizada de água nas residências, ou o acúmulo de lixo orgânico em
26
decomposição nos centros urbanos, por exemplo. Por isso, antes de paralisar o
serviço, a despeito da falta de pagamento, a concessionária deve observar se há
interesse da coletividade envolvido, caso em que estará desautorizada a
interrupção, segundo o disposto no art. 6º, § 3º, II, da Lei nº 8.987/95. (OLIVEIRA,
1998).
27
CAPÍTULO III
4 A RESOLUÇÃO ANEEL N. 456/2000, A CONSTITUIÇÃO FEDERAL E O CDC
A Constituição Federal, a Lei n. 8.987/95 e a Resolução ANEEL n. 456/2000,
devem ser estritamente observadas quando for caso de "corte" no fornecimento
desse serviço essencial.
De acordo com o que estabelece o art. 6, § 3º, da Lei nº 8.987/95, a
interrupção do serviço motivada por razões de ordem técnica, segurança nas
instalações ou, ainda, pelo inadimplemento do usuário, deve ser necessariamente
precedida de aviso. Significa dizer que o legislador ordinário vislumbrou no aviso
prévio uma condição de procedibilidade, sem a qual o ato não se concretiza.
Para ser válido, o ato deve estar em conformidade com a lei, isto é, deve
atender às exigências que lhes são formatadas pela norma, sob pena de nulidade.
Portanto, ainda que se verifique, em tese, a ocorrência de uma das hipóteses
autorizadoras
da
cessação
do
serviço,
não
será
lícita
a
medida
caso
desacompanhada de aviso prévio. Isto porque a precedência de aviso constitui-se
em solenidade essencial determinada por lei, cuja ausência implica em nulidade do
negócio jurídico, "ex vi" do art. 166, V, do CC/2002 (PEREIRA, 2008).
Se a interrupção observa rigorosamente a exigência legal, fica afastada a
ilicitude do ato, face ao exercício regular do direito (art. 188, I, do CC/2002). Do
contrário, a medida corrobora em excesso não tutelado pelo Ordenamento Jurídico
(art. 187, do CC/2002), de cujo reflexo imediato exsurge o dever de reparação (art.
927, do CC/2002), sem prejuízo da aplicação das sanções cabíveis pela Agência
Reguladora à concessionária.
Desatendida a obrigação de precedência de aviso, o usuário é privado da
prerrogativa de restabelecer voluntariamente o vínculo contratual mediante a
adimplência extemporânea, impedindo a deflagração dos efeitos nefastos que
28
recairiam sobre si com a falta do serviço. Daí que, não observada à condição de
procedibilidade prevista na lei, a resolução contratual viola o princípio da
continuidade, eis que a interrupção do serviço se torna medida ilegal e arbitrária,
logo, passível de causar dano ao consumidor (PEREIRA, 2008).
Contudo, é possível afirmar que a existência de prévio aviso é uma "conditio
sine qua non" para a validade da interrupção e, conseqüentemente, para que possa
ser tida como regular. Desrespeitada a solenidade essencial, a concessionária não
atua em conformidade com o Direito, razão porque a resolução contratual e a
conseqüente interrupção do serviço não podem ser aclamadas em seu favor. Se
assim o proceder, a interrupção se consubstancia em decisão arbitrária da
concessionária, passível de repressão pelo Poder Judiciário ao examinar a "quaestio
juris" (ROCHA, 2004).
Como a Lei nº 8.987/95 silencia quanto à fixação de prazo para a entrega do
aviso prévio, cabe às respectivas Agências, no exercício do Poder regulatório,
suplementar o diploma normativo. Nesse sentido, conforme lançado no art. 91, I, da
Resolução nº 456/00 da ANEEL, constatada a falta de pagamento relativa à
prestação do serviço de fornecimento de energia elétrica, a notificação de prévio
aviso deve ser entregue ao consumidor individual em, pelo menos, 15 (quinze) dias
antes do corte (ROCHA, 2004).
Não obstante, o aviso prévio também pode funcionar como "ultima ratio" para
a constituição do devedor em mora (art. 397, § único, do CC/2002), sem prejuízo do
termo da obrigação. A comprovação do recebimento da referida notificação,
entretanto, é ônus da concessionária, conforme lançado no art. 91, § 1º, da
Resolução nº 456/00 da ANEEL, combinado com o art. 6º, VIII, do CDC e art. 333, I,
do Código de Processo Civil (CPC) (ROCHA, 2004).
Por outro lado, quando o usuário inadimplente presta serviço público ou
essencial à população, a concessionária também se obriga à observância do
interstício mínimo de 15 (quinze) dias entre o aviso prévio e a interrupção. Caberá ao
Poder Executivo respectivo, porém, adotar as providências administrativas
necessárias à preservação da coletividade quanto aos efeitos da ausência do
serviço, segundo dispõe o art. 17, "caput" e § único da Lei nº 9.427/96, "in verbis":
29
Art. 17. A suspensão, por falta de pagamento, do fornecimento de energia
elétrica a consumidor que preste serviço público ou essencial à população e
cuja atividade sofra prejuízo será comunicada com antecedência de quinze
dias ao Poder Público local ou ao Poder Executivo Estadual.
1º O Poder Público que receber a comunicação adotará as providências
administrativas para preservar a população dos efeitos da suspensão do
fornecimento de energia elétrica, inclusive dando publicidade à
contingência, sem prejuízo das ações de responsabilização pela falta de
pagamento que motivou a medida.
A primeira obrigação – notificar previamente o Ente Público –, portanto, dirigese à concessionária, enquanto que a segunda – adotar providências administrativas
– incumbe diretamente ao Poder Público respectivo. Assim, a notificação prévia
também funciona como instrumento capaz de provocar a Administração Pública,
antecipadamente, para a tomada eficaz de decisões que possibilitem resguardar a
população dos efeitos negativos da posterior interrupção (PEREIRA, 2008).
Destaque-se que a comunicação prévia ao Poder Executivo é devida tanto na
hipótese em que o próprio Ente Estatal presta diretamente a atividade a ser
paralisada, como na hipótese em que o particular, nessa condição, prestar o serviço
público ou essencial à comunidade, conforme o art. 17, "caput", da Lei nº 9.427/96,
cujo teor é reproduzido pelo art. 94, "caput", da Resolução nº 456/00 da ANEEL. Em
qualquer desses casos, notificado tempestivamente o Poder Público, caberá a este
tomar as medidas preventivas necessárias até que o serviço possa ser
restabelecido, inclusive quanto à publicidade, de modo a instruir adequadamente a
população (PEREIRA, 2008).
A autoridade a quem será enviada a notificação, destarte, depende do
interesse público envolvido. Vale, aqui, o critério da preponderância de interesses:
se o serviço afetado limita-se, à circunscrição do Município ou trata-se de entidade a
este pertencente, será o Poder Público Local a quem será dirigida a comunicação,
bem como será este o responsável pela adoção das medidas cabíveis. Sendo a
hipótese de interesse público relacionado ao Estado-membro, o aviso prévio e as
providências estão adstritas ao Poder Executivo Estadual (SILVA, 2002).
Uma vez inadimplente o consumidor, por ter se escusado à remuneração pelo
serviço prestado, poderá a concessionária manejar ação de cobrança contra o
devedor, tendo em vista a satisfação do seu crédito. Alguns defendem que, como a
30
concessionária tem a prerrogativa de ser ressarcida do "quantum debeatur" através
do exercício do direito de ação, desnecessária a interrupção do serviço, instrumento
este mais gravoso ao consumidor. Restaria à fornecedora, então, a alternativa de
demandar judicialmente o consumidor inadimplente e, até que o provimento fosse
definitivamente atendido, seria obrigada a manter ininterrupto o serviço (SILVA, 2002).
A prevalecer este entendimento, "permissa venia", bastaria uma inadimplência
em massa, fundada nos mesmos moldes da argumentação entabulada, para
inviabilizar a prestação do serviço pela concessionária. É cediço que o fornecedor
assume o risco do empreendimento pela atividade desenvolvida, no entanto, caso
esse movimento viesse a ocorrer, inevitavelmente acarretaria num colapso de
proporção geral no sistema, em prejuízo de toda a coletividade. Restaria violado,
assim, o princípio da supremacia do interesse público, já que a concessionária atua
por delegação do Poder Público concedente (SILVA, 2002).
Tampouco seria plausível exigir a manutenção "ad aeternun" do serviço
durante longos anos de demanda judicial, sem a correspondente remuneração, vez
que a gratuidade não se presume. No fornecimento de energia elétrica, ademais,
considerando que o consumo é mensal, seriam somadas à dívida inicial todo o valor
da tarifa devida, mês a mês, até o deslinde do processo, além da incidência de juros
legais e correção monetária sobre o montante em atraso – o que, de fato, poderia
tornar a dívida impagável (ROCHA, 2004).
Situação diversa ocorre quando a discussão acerca do "quantum debeatur"
encontra-se "sub judice". Nessa hipótese, não há certeza da inadimplência, eis que o
"fumus boni juris" protege o consumidor. Com efeito, a interrupção do fornecimento
do serviço não está amparada juridicamente, posto lhe faltar elemento essencial
para a caracterização de sua legalidade: a ausência de pagamento da tarifa. Se o
consumidor contesta em juízo a existência de dívida, exsurge a impossibilidade de
interrupção do serviço, ainda que precedida de aviso (ROCHA, 2004).
Cumpre destacar que, verificada a inadimplência do usuário singularmente
considerado (serviço "uti singuli"), é possível a concomitância da ação de cobrança e
a interrupção do serviço de fornecimento de energia elétrica. O ato de interrupção do
serviço e a propositura da ação não se confundem, pois possuem natureza diversa.
31
Conforme elucida Theodoro Júnior (2004), a ação é expressão de um direito
público subjetivo à prestação jurisdicional, que não se vincula ao direito material da
parte. De outro lado, a interrupção do serviço não se caracteriza como um meio
"alternativo" de cobrança coercitiva ou sanção, mas um consectário lógico da
resolução contratual face ao descumprimento da obrigação. Aquela tem natureza
processual; esta se relaciona à extinção do contrato, não se constituindo em
instrumento paralelo ou substitutivo ao direito de ação.
Tratando-se, porém, de serviço prestado pelo particular ou diretamente pelo
Poder Público, a exemplo daqueles discriminados no art. 10 da Lei nº 7.783/89 e no
art. 94, § único, da Resolução nº 456/00 da ANEEL, e cuja falta importa em prejuízo
à sobrevivência, à saúde, ou à segurança da população (art. 11, § único, da Lei nº
7.783/89), a essencialidade identificada naquele serviço obsta a interrupção do seu
fornecimento (PEREIRA, 2008).
A repercussão do corte no fornecimento de energia elétrica às instalações de
hospitais, estações de tratamento de água, tratamento de lixo ou controle de tráfego
aéreo, não se limita à esfera de interesse individual do usuário inadimplente que
presta tais serviços. Nessas hipóteses, considerado o interesse da coletividade em
questão (art. 6º, § 3º, II, da Lei nº 8.987/95), a inadimplência do usuário não pode
dar ensejo à cessação do serviço. Resta à concessionária, então, manejar a ação de
cobrança como solução residual para a satisfação do crédito, além, é claro, das
formas de autocomposição admitidas em Direito (PEREIRA, 2008).
É importante salientar que, sendo o caso em que a interrupção do serviço é
permitida, não se devem tolerar excessos no seu "modus operandi" de forma a
causar lesão à imagem ou à honra do consumidor, com fundamento no princípio
constitucional da dignidade da pessoa humana (art. 1º, III, da CF). Assim também,
como qualquer outro serviço oferecido no mercado de consumo, a cobrança da
contraprestação pelo fornecimento de energia elétrica não pode submeter o
consumidor a procedimento vexatório, constrangimento ou ameaça, "ex vi" dos arts.
42 e 71 do CDC. A prevalecer conduta desse gênero, recai sobre o fornecedor do
serviço a responsabilidade civil objetiva pelo dano perpetrado, consoante prevê o
art. 14 do CDC e art. 37, § 6º, da CF, sem prejuízo da responsabilidade
administrativa cabível (PEREIRA, 2008).
32
“A dignidade é o primeiro fundamento de todo o sistema constitucional posto e
o último arcabouço da guarida dos direitos individuais” (NUNES, 2005, p.45).
Vale transcrever as lições de Gama (1999) a respeito do conceito de
constrangimento, sustentando in verbis:
“Ao nosso ver, o constrangimento de que fala o CDC é aquela imposição de
situações que venham a atormentar o devedor, fazendo com que as agruras da
cobrança que sofra se transformem em condenação adicional ou acessória” (GAMA,
1999, p. 92).
Percebe-se, portanto que a dignidade, por constituir-se como fundamento do
Estado Democrático de Direito, deve o intérprete, ao aplicar os demais preceitos
jurídicos, agir de maneira a garantir a dignidade da pessoa humana, protegendo os
consumidores de qualquer forma de violência ou arbitrariedade que ameace tal
princípio.
33
CAPÍTULO IV
5 POSICIONAMENTOS DOUTRINÁRIOS E JURISPRUDENCIAIS
A Lei 8.987/95 veio quebrar, em tese, o caráter absoluto da continuidade dos
serviços essenciais. Contudo, O corte de eletricidade por inadimplência do
consumidor é um dos pontos mais polêmicos no meio doutrinário e jurisprudencial,
provocando uma nítida divisão de posicionamento.
5.1 POSICIONAMENTOS CONTRÁRIOS
Algumas doutrinas e jurisprudências são contrárias a suspensão do
fornecimento da energia elétrica aos consumidores inadimplentes considerando ser
esta uma prática abusiva e inconstitucional.
Constitui prática abusiva o corte de energia elétrica por falta de pagamento,
sendo vedado o corte de energia por parte do fornecedor, em razão do serviço ser
considerado essencial, não prevalecendo à norma que autoriza a interrupção de
serviço essencial (art. 6º, parágrafo 3º, II da Lei 8. 987/95), pois a mesma conflita
com o Código do Consumidor, prevalecendo à norma consumerista em razão do
princípio da proibição de retrocesso ao invés do princípio lex posteriri revoga legis a
priori (MARTINS, 2001).
A norma do consumidor como norma especial, contém o sistema jurídico do
equilíbrio da relação do consumo, não podendo ser revogada por norma posterior
que regula concessões de serviço público. Ademais, alega que qualquer norma
infraconstitucional que ofender os direitos consagrados pelo Código do Consumidor
34
estará ferindo a Constituição e, mutatis mutandis deverá ser declarada como
inconstitucional (MARTINS, 2001).
Nunes (2005, p. 312), por sua vez, opina que:
Quando a concessionária se utiliza da suspensão do fornecimento do
serviço público a fim de compelir os consumidores inadimplentes ao
pagamento de seus débitos incorre em grave violação aos princípios
jurídicos norteadores das relações patrimoniais. Segundo nos parece, e
observando o disposto no art. 42 do Código de Defesa do Consumidor, o
qual preceitua que na cobrança de débitos, o consumidor inadimplente não
será exposto a ridículo, nem submetido a qualquer tipo de constrangimento
ou ameaça, conclui-se que a interrupção do fornecimento do serviço
constitui-se em flagrante violação ao princípio constitucional da dignidade
da pessoa humana. A cobrança de eventuais débitos deve seguir os
ditames fixados pelo nosso ordenamento jurídico, atendendo-se, também,
ao princípio da obrigatoriedade da continuidade da prestação do serviço
público.
Os doutrinadores que defendem a tese de que constitui prática abusiva e
inconstitucional a suspensão de eletricidade por falta de pagamento ressaltam que,
tanto por submeter o usuário ao ridículo, a ponto de constrangê-lo a pagar o débito
devido, violando o art. 42, do Código do Consumidor, como por caracterizar
exercício arbitrário das próprias razões ou, ainda, por ferir os princípios da inocência
presumida e da ampla defesa (VOLPE FILHO, 2003).
Segundo Segalla (2001), o corte de eletricidade ofende inúmeros princípios
entre eles o da continuidade, da boa-fé objetiva, da proporcionalidade e o da
razoabilidade. Entende, ainda, que a suspensão viola o inciso XXXV e o LV, do art.
5º da Constituição. Viola o primeiro, pois, a partir do momento em que a
concessionária de energia elétrica se arroga no direito de suspender o fornecimento,
está a subtrair do crivo do poder judiciário o monopólio da Jurisdição, e fere o
segundo em virtude de estar à concessionária cerceando o usuário do contraditório,
ou melhor, do devido processo legal.
Ora,
as
empresas-concessionárias,
ao
ameaçarem
suspender
unilateralmente o fornecimento de energia elétrica ao usuário, até mesmo
em razão do não pagamento de contas de consumo, estarão, ao impedir
que o mesmo possa contestar os valores que alegam serem devidos, a ele
transferindo o ônus de ingressar em juízo para impugnar valores que
desconhece complemente: a medição do consumo, a apuração e o cálculo
utilizado são do exclusivo conhecimento da empresa, e não dos
35
consumidores. Daí se vê, portanto, que as concessionárias criam inúmeros
obstáculos para que os eventuais prejudicados possam defender-se
regularmente, dado ser curial que este obstáculo se traduz em um entrave,
conforme a hipótese até mesmo insuperável, ao atingimento da finalidade
objetiva do constituinte, que foi a de propiciar pleno acesso ao poder
Judiciário (SEGALLA, 2001, p. 3).
Portanto, ainda segundo o mesmo autor, ante o rito sumaríssimo imposto
pelas concessionárias aos usuários, conclui-se inexistir respeito ao inciso LV, do
artigo 5º, da Constituição Federal.
Finalmente, há que se deixar claro que se débitos de consumo de energia
elétrica houver, as empresas-concessionárias não estarão impedidas de cobrá-los,
pois há outros meios para cobrá-los, inclusive encontrando-se o próprio Estado a
eles submetidos (Lei n. 6. 830/80) (SEGALLA, 2001).
5.2 POSICIONAMENTOS FAVORÁVEIS
Esta corrente argumenta não ser a energia elétrica fornecida de maneira
gratuita, pois, apesar de essencial, está sujeito à exceção de continuidade, sendo
permitido o corte por atraso de pagamento.
Os argumentos que fundamentam ser possível a suspensão da prestação do
serviço público, mesmo em situações ditas “essenciais”, baseiam-se no fato de que
o Poder Público, seja diretamente ou indiretamente, por intermédio de concessão ou
permissão, não estaria obrigado a prestar serviço ao cidadão inadimplente, tendo em
vista que violaria o princípio da isonomia o fornecimento gratuito de serviços a
determinadas pessoas e de forma onerosa, por outro lado, a outra parte da
população (ALBAN, 2008).
Além disto, defendem os adeptos desta corrente que se o Estado prestasse
serviço público sem a devida contraprestação por parte do contribuinte, todo o
36
sistema econômico-financeiro do país restaria prejudicado e abalado, na medida em
que a previsão orçamentária seria comprometida, os cofres públicos suportariam um
considerável decréscimo e o particular, por sua vez, não obteria êxito em seu
empreendimento, tendo em vista que mesmo a prestação de serviço público, quando
efetuada por aquele, possui o lucro como verdadeiro fim - característica principal de
um Estado capitalista (ALBAN, 2008).
A seguir, são registradas as posições favoráveis a suspensão do
fornecimento de energia elétrica:
Ora, se não for efetuado o pagamento, desobedecida está uma norma
administrativa concernente à prestação do serviço, autorizando por certo o
não fornecimento. O verdureiro, o açougueiro e o padeiro não estão
obrigados a fornecer gêneros alimentícios gratuitos aos inadimplentes, e por
que os delegados do serviço público e poder concedente estariam
obrigados? Em hipótese alguma este entendimento da inadimplência
generalizada pode prosperar, principalmente quando se trata de um Poder
Público Municipal, que deve dar exemplo aos munícipes honrando seus
compromissos (MATOS (1993, p. 203-204).
Reinaldo Filho (2005), por sua vez, traz à baila o entendimento de que:
Como se vê, o corte de energia elétrica é um direito que assiste ao Poder
Público ou a seu concessionário, no caso de inadimplência do usuário.
Decorre de disposição legal e, por isso mesmo, jamais poderia ser
considerado um expediente constrangedor ou qualquer tipo de ameaça ou
infração a direitos do consumidor. Essa questão, no entanto, encontra-se
superada, diante do novo posicionamento do STJ, considerando legítimo o
corte no caso de inadimplemento do usuário, não caracterizando
descontinuidade do serviço essa hipótese (ver, e.g., o acórdão proferido no
REsp 363943-MG, rel. Min. Humberto Gomes de Barros, j. 10.12.03, DJ de
01.03.04. A única hesitação perdura em relação aos casos em que o
consumidor é pessoa jurídica de direito público (ou prestador de serviços
públicos).
Na visão de Blanchet (1995, p. 42):
O segundo motivo legitimador da interrupção - inadimplemento do usuário põe termo a equivocado entendimento de alguns no sentido de que o
consumidor de energia elétrica, por exemplo, mesmo quando inadimplente
teria direito à continuidade do serviço. O princípio da permanência do
serviço público protege exclusivamente aqueles que se encontram em
situação juridicamente protegida, e o consumidor inadimplente
evidentemente não se encontra em tal situação, inclusive em função do
princípio da igualdade dos usuários perante o prestador do serviço [....] Esta
regra é válida para todo serviço público cuja remuneração (paga pelo
37
usuário) represente uma contraprestação, ou contrapartida, de caráter
contratual, pela prestação do serviço, ou seja, é aplicável a todo serviço
remunerado por tarifa (preço público), e não por taxa.
Denari (2005, p. 141), um dos responsáveis pela confecção do anteprojeto do
Código de Defesa do Consumidor, assevera que:
Assim sendo, partindo do suposto de que todos os serviços públicos são
essenciais, resta discorrer sobre a exigência legal da sua continuidade. A
nosso aviso, essa exigência do art. 22 não pode ser subentendida: 'os
serviços essenciais devem ser contínuos' no sentido de que não podem
deixar de ser ofertados a todos os usuários, vale dizer, prestados no
interesse coletivo. Ao revés, quando estiverem em causa interesses
individuais, de determinado usuário, a oferta de serviço pode sofrer solução
de continuidade, se não forem observadas as normas administrativas que
regem a espécie. Tratando-se, por exemplo, de serviços prestados sob o
regime de remuneração tarifária ou tributária, o inadimplemento pode
determinar o corte do fornecimento do produto ou serviço. A gratuidade não
se presume e o Poder Público não pode ser compelido a prestar serviços
públicos ininterruptos se o usuário, em contrapartida, deixa de satisfazer
suas obrigações relativas ao pagamento.
Cuéllar (2003, p. 150) formula a seguinte contribuição:
Ao analisar a suspensão do serviço de energia elétrica em casos de
inadimplemento por parte do usuário, aduz Caio Tácito que o serviço em
questão consiste em uma relação bilateral, ou seja, a garantia de
continuidade do fornecimento do serviço deve necessariamente
corresponder à continuidade no pagamento do preço tarifado. Sendo a
obrigação de pagamento pelo usuário do preço fixado na tarifa condição
inerente ao direito de usufruir o serviço colocado à sua disposição, a
omissão do pagamento autorizaria a descontinuidade da prestação,
mediante aviso prévio, consoante dispõe o art. 6º, § 3º da Lei n° 8.987/95.
Do contrário, estar-se-ia oficializando o calote e inviabilizando a manutenção
do serviço.
Conforme aduz Scapolatempore (2001, p. 413):
A obrigatoriedade de fornecimento de serviços adequados, eficientes,
seguros e contínuos, quanto aos essenciais, não significa gratuidade, nem
afasta a necessária contrapartida pelo usuário beneficiado. Ademais, a
relação jurídica entre CONCESSIONÁRIA e USUÁRIO está sujeita à regra
do art. 1.092 do Código Civil, "exceptio non adimpleti contractus" [...] Que
autoridade possui o inadimplente para exigir da concessionária a
continuidade da prestação do serviço, se foi ele quem primeiro violou as
disposições do contrato, com a sua inadimplência? A resposta só pode ser:
nenhuma. A relação entre concessionária e usuário é bilateral. Logo, se o
usuário não cumpre com a sua obrigação, tem a concessionária o direito de
opor-lhe a exceção "non adimpleti", que é precisamente o meio legal de
38
fazer valer aquele seu direito de não cumprir com a sua obrigação sem que,
primeiro, seja cumprida a do usuário. É necessário ressaltar que o Código
de Defesa do Consumidor não foi editado para dar guarida a usuários ou
consumidores inadimplentes. O citado diploma legal foi editado para dar
guarida a consumidores lesados e, com toda a certeza, usuário
inadimplente não é usuário lesado.
Observe-se que não apenas a doutrina partilha da opinião de ser possível a
suspensão da prestação do serviço público. O ordenamento jurídico brasileiro prevê,
em seu rol de dispositivos, inúmeras situações em que confere legitimidade ao
Poder Público e aos seus delegatários para assim proceder, a exemplo do art. 91 da
Resolução nº. 456/2000, da ANEEL, os arts. 67, 68, 69 e 70 da Resolução nº.
85/1998 da Agência Nacional de Telecomunicações – ANATEL (inclusive prevendo
a possibilidade de inserir o usuário inadimplente nos cadastros de proteção ao
crédito) e o art. 6º, §3º, da Lei nº. 8.987/952 (MUKAI, 1998).
Note-se, por curial, que apesar dos supracitados3 fundamentos opinarem e
disporem acerca da possibilidade de suspensão do provimento de serviço público,
há certa unanimidade no que diz respeito ao procedimento que deve ser observado
para tanto, sobretudo quando se tratar de contrato sob a égide do Código de Defesa
do Consumidor. Desta forma, é defeso ao Estado cortar o fornecimento de energia
elétrica ao particular, por exemplo, sem que seja conferido a este um prazo razoável
para sanar sua pendência, respeitando-se o princípio do devido processo legal e
suas nuances (ampla defesa, contraditório, dentre outras).
Veja-se a respeito o posicionamento de Moneda (2006):
Os doutrinadores que defendem ser possível a interrupção do fornecimento
do serviço público em casos de inadimplemento dos consumidores alegam
2
Toshio Mukai, em comentário ao aludido dispositivo, assevera que: “A lei cria, aqui, uma ficção
jurídica. Ou seja, embora haja a descontinuidade do serviço, a norma considera não ter tal fato
ocorrido, se os motivos foram possíveis de se enquadrar nos Incisos I e II. [...] São hipóteses de
excludente da responsabilidade do concessionário” (MUKAI, 1998, p. 24).
3
A jurisprudência também já se posicionou acerca da possibilidade de suspensão. Vide os julgados:
1. TJSC - AC - MS 98. 003817-0-SC - 4ª C. Cív. Rel. Des. João José Schaefer, j. 20. 08. 1998. 2.
TJPR. 5ª Câm. Cív. Rel. Des. António Gomes da Silva. Acórdão n° 3.631, j. 30.03.99. 3 . TJPR. 1ª
Câm. Cível. Acórdão n° 10669. Rel. Campos Marques, DJ 06.02.95. 4. TAPR. 7ª Câm. Cível;
Apelação Cível n° 0189486-2- Londrina-PR. Rel. Abra ham Lincoln Calixto, j. 29.10.2002.
39
que o princípio da continuidade do serviço público não pode ser tratado
como absoluto e incondicional, pois se estimularia a inadimplência, já que
não se interromperia o fornecimento do serviço em caso de falta de
pagamento. Posto que este princípio garantiria o fornecimento do serviço
público em qualquer hipótese, foi submetido à Corte Especial do STJ o
Resp 363.943, onde se decidiu que “a distribuição de energia é feita, em
sua grande maioria, por empresas privadas que não estão obrigadas a fazer
benemerência em favor de pessoas desempregadas. A circunstância de
elas prestarem serviços de primeira necessidade não às obriga ao
fornecimento gratuito. O corte é doloroso, mas não acarreta vexame.
Vergonha maior é o desemprego e a miséria que ele acarreta. É lícito à
concessionária interromper o fornecimento de energia elétrica se, após
aviso prévio, o consumidor de energia elétrica mantém inadimplência no
pagamento da respectiva conta” (ênfase acrescentada).
Segundo o entendimento de Calasans Júnior (1997, p. 766) 4:
Portanto, expirado o prazo para pagamento da conta, sem que este tenha
sido efetuado, deve à concessionária encaminhar ao consumidor o aviso
prévio exigido pela Lei, com prazo não inferior a 15 dias, advertindo-o de
que, ao final desse prazo, se a conta não tiver sido liquidada, o
fornecimento de energia elétrica será suspenso. Atendida essa formalidade,
o corte do fornecimento será legítimo e juridicamente sustentável, em caso
de questionamento judicial do consumidor.
ENERGIA ELÉTRICA - AMEAÇA DE CORTE DO
FORNECIMENTO POR FALTA DE PAGAMENTO DO
RESPECTIVO PREÇO - LEGALIDADE DA MEDIDA - DIREITO
LÍQUIDO E CERTO INEXISTENTE - Não tem o consumidor
direito a continuar recebendo energia elétrica da
concessionária local se não cumpre a elementar obrigação de
pagar a tarifa pelo respectivo fornecimento. Precedentes desta
Corte e do TJSP - Apelo desprovido. (TJSC - AC - MS 98.
003817-0-SC - 4ª C. Cív. . Rel. Des. João José Schaefer - J.
20. 08. 1998).
MANDADO DE SEGURANÇA - ENERGIA ELÉTRICA DÉBITO PARCELADO - ACORDO NÃO CUMPRIDO PELO
USUÁRIO - CORTE LEGÍTIMO - SEGURANÇA CONCEDIDA REMESSA - NÃO CONHECIMENTO - RECURSO PROVIDO SENTENÇA REFORMADA - A sentença proferida em mandado
de segurança contra sociedade de economia mista não esta
sujeita ao reexame necessário. A concessionária de serviço de
energia elétrica, quando não for paga a conta respectiva e
desde que expedido regular aviso prévio, pode interromper seu
fornecimento, porque o consumidor não tem o direito, muito
4
Também neste aspecto já entendeu a jurisprudência, nos julgados: 1. TJSC - AC - MS 88. 087189-3
(5. 712) - SC - 2ª C. Cív. Esp. Rel. Des. Nilton Macedo Machado, j. 12. 06. 1998. 2. STJ – 2ª Turma.
Resp nº 525.500 – AL. Rel. Ministra Eliana Calmon, j. 16/12/2003, DJ 10/05/2004.
40
menos líquido e certo, de receber energia sem pagar. (TJSC AC -MS 88. 087189-3 (5. 712) - SC - 2ª C. Cív. Esp. Rel. Des.
Nilton Macedo Machado - J. 12. 06. 1998)
Pinheiro (2001) defende que sob ótica das regras jurídicas, o direito de
suspensão do serviço público é legítimo. "Todavia, essa faculdade deve ser
compreendida à luz dos princípios da boa-fé e da proporcionalidade, levando-se em
considerações as circunstancias peculiares do caso concreto. Conclui que somente
uma analise pormenorizada do caso concreto dirá se é legítimo, ou não, o corte de
eletricidade, levando em conta se o montante devido é proporcional ao corte, a
situação econômica do usuário, e ainda se há intenção de pagamento por parte do
consumidor. Respeitando, desta forma, o princípio da boa-fé e da proporcionalidade.
Embora não pacificamente, têm se posicionado contra a suspensão do
fornecimento de energia elétrica pelo inadimplemento do usuário.
SERVIÇO PÚBLICO - ENERGIA ELÉTRICA - CORTE NO
FORNECIMENTO - ILICITUDE - I - É viável, no processo de ação
indenizatória, afirmar-se, incidentemente, a ineficácia de confissão da
dívida, à mingua de justa causa. II - É defeso à concessionária de energia
elétrica interromper o suprimento de força, no escopo de compelir o
consumidor ao pagamento de tarifa em atraso. O exercício arbitrário das
próprias razões não pode substituir a ação de cobrança. (STJ - Ac.
199900645553 - RESP 223778 - RJ - 1ª T. - Rel. Min, Humberto Gomes de
Barros - DJU 13. 03. 2000 - p. 00143).
SERVIÇO PÚBLICO - Energia elétrica - Suspensão do fornecimento a
usuário inadimplente - Abusividade, pois trata-se de serviço essencial Ordenamento jurídico pátrio que coloca que coloca à disposição da
concessionária outros meios para a cobrança de seu débito - Voto Vencido.
EMENTA DA REDAÇÃO: A utilização de energia elétrica é essencial à vida
humana, razão pala qual tem-se como abusivo o corte do fornecimento a
usuário inadimplente, pois o ordenamento jurídico coloca à disposição da
concessionária do serviço público, outros meios para a cobrança de seu
crédito. (TACivSP - 1ª Câm. - Rel. designado Plínio Tadeu do Amaral - j. 29.
05. 20001 - RT - 784/275).
41
Há também certo consenso na doutrina e na jurisprudência5 no que diz
respeito à impossibilidade de suspensão da prestação, de forma absoluta, quando o
interesse da coletividade for substancialmente ameaçado, em atenção ao princípio
da supremacia do interesse público sobre o interesse particular, princípio este de
certa forma adaptado ao caso em testilha, tendo em vista que a prestação de serviço
público é, afinal, de titularidade do Estado, o qual deve sempre pautar sua conduta
em prol da coletividade, sob pena de contradição ao regime democrático (ALBAN,
2008).
Nesta senda, o exercício do direito de greve por parte de servidores públicos
ou de empregados de delegatários do Poder Público, a exemplo dos trabalhadores
de empresas concessionárias do serviço de transporte coletivo, não poderia
paralisar de forma absoluta o fornecimento dos serviços ditos essenciais à
comunidade, devendo ser reservada uma parcela mínima de funcionamento das
atividades de maneira a atender o interesse coletivo, o qual se sobrepujaria ao
particular em atenção ao supracitado princípio, como se depreende da análise dos
arts. 11 e 12 da Lei nº. 7.783/89 (ALBAN, 2008).
Desta forma, embora alguns entendam ser possível a suspensão do
fornecimento de serviços públicos essenciais ao cidadão, a maioria da doutrina e da
jurisprudência adota um posicionamento com certa ressalva – qual seja, a
necessidade de conferir ao usuário mecanismos amplos de defesa antes que se
proceda ao corte do fornecimento dos serviços, bem como a reserva de uma parcela
mínima deste em atenção ao interesse da coletividade, de forma a conferir o
essencial à subsistência da população e ao funcionamento efetivo das atividades de
determinada região.
Extrata-se como óbvio, do lecionamento assim colacionado, que o direito
líquido e certo do usuário em continuar a usufruir dos serviços de energia elétrica
repousa numa pilastra fundamental: o cumprimento do seu concomitante dever de
5
Nesta senda, observe-se os julgados: 1. STJ - 2ª Turma. respe 302620-SP. Rel. Min. João Otávio de
Noronha, j. 11.11.03, DJ 16.02.04. 2. STJ – 2ª Turma. respe nº 400.909 – RS. Rel. Min. Franciulli
Netto. - V.U, j. 24/06/2003, DJ 15/09/2003. 3. STJ – 2ª Turma. Resp nº 460.271 – SP. Rel. Min. Eliana
Calmon, j. 06/05/2004, DJ 21/02/2005. 4. AgIn 598188381, 2.ª Câm. Civ. TJRS. Rel. Desa. Maria
Isabel de Azevedo Souza, j. 07.04.1999.
42
equacionar as obrigações assumidas, dentre as quais se inclui, como a de maior
vulto, o pagamento do consumo utilizado.
43
6 CONCLUSÃO
Muito embora haja divisão doutrinária/jurisprudencial, a suspensão do
fornecimento de energia elétrica aos consumidores inadimplentes, acredita-se que
as concessionárias não deixarão de suspender o serviço, pois a suspensão do
fornecimento de energia elétrica aos consumidores inadimplentes encontra amparo
legal na lei, na doutrina e na jurisprudência, e, que em momento algum tal conduta
praticada pela concessionária é vedada pelo Código de Defesa do Consumidor.
A suspensão do fornecimento de energia elétrica em si, em razão da
inadimplência do usuário, não caracteriza, uma ilegalidade ou inconstitucionalidade.
O que precisa ser analisado é a situação em que a suspensão é realizada, haja vista
que em determinados casos pode vir a ofender princípios da Lei Maior, como o da
proporcionalidade e o da razoabilidade, nestes casos, a suspensão do fornecimento
é inconstitucional.
A suspensão do serviço ao usuário inadimplente é o exercício de regra da
teoria geral dos contratos que resguarda o patrimônio de um contratante em face de
outros, sendo essa regra aplicável ao âmbito da prestação de serviços públicos por
ser harmônica com o sistema de direito público e por expressas disposições legais:
trata-se da exceptio non adimpleti contractus.
O princípio da continuidade do serviço público não pode ser considerado
como obstáculo à suspensão do serviço ao usuário inadimplente, mas antes, uma
imposição que se dirige ao poder público para que se mantenha técnica e
economicamente aparelhado para prestar um serviço direta ou indiretamente
(através das concessionárias) que, preenchidas as condições pelo usuário (dentre
elas o adimplemento), deve-lhe ser oferecido sem interrupções ou sobressaltos.
Portanto, se pode observar que o serviço deve ser prestado pela
concessionária de forma contínua, porém, o fornecimento desse serviço corresponde
por parte do consumidor a uma contraprestação, além de ser uma imposição ética,
pois se houve o consumo deve haver o pagamento. Deve-se também, levar em
conta que a aplicação dessa medida por parte da concessionária visa garantir a
44
continuidade do serviço, em respeito aos consumidores cumpridores de suas
obrigações e em prol do interesse da coletividade.
A questão da suspensão do fornecimento de energia elétrica demanda uma
série de reflexões de ordem social, econômica e jurídico-filosófica, que a despeito do
poder judiciário proporcionar a justiça às questões conflitantes que lhe são
submetidas longe estão a ser superados os problemas sociais envolvendo o
fornecimento de serviços públicos essenciais à população.
A Constituição Federal tem como objetivo maior, a busca de uma sociedade
livre, justa e solidária, devendo o magistrado, ao analisar o caso concreto, focalizar
seu olhar neste objetivo, bem como atender aos fins sociais a que a lei se destina e
às exigências do bem comum.
No fornecimento de serviço público, tem de ter um controle, um limite, para
que não acabe estimulando e gerando uma inadimplência em massa da população
que, amparada ao princípio da continuidade do serviço público, alegaria possuir o
direito de ter o seu fornecimento mesmo não pagando a contraprestação devida.
Aos demais integrantes da sociedade é necessário o entendimento que a
energia elétrica é um bem público essencial, porém para termos a eletricidade à
nossa disposição são necessários investimentos intensos desde sua geração até o
fornecimento aos consumidores finais, investimentos estes que devem ser
corretamente remunerados. Desta forma, o comportamento inadequado de alguns
consumidores acarreta tarifas maiores para os demais, ou seja, a aceitação da
inadimplência como atitudes normais e aceitas pela sociedade implica em que todos
paguem por isso.
Exigir que a concessionária responsável pelo serviço de geração, transmissão
e distribuição de energia elétrica continue prestando o serviço enquanto percorre o
lento e custoso caminho da via judicial afronta dentre outros, os princípios da
razoabilidade, proporcionalidade e eficiência.
Porém, cada caso concreto tem de ser analisado separadamente, pois as
situações são diferentes de caso para caso. O consumidor exige mediante a lei que
a prestação do serviço de energia elétrica seja contínua, pois é considerada
45
essencial e a concessionária é obrigada a prestar continuamente esse serviço.
Porém, se vê também resguardada pela lei na possibilidade de interromper esse
serviço mediante a inadimplência dos consumidores.
A interrupção do fornecimento do serviço público não pode ser uma sanção
ou uma forma de cobrança imposta pelo fornecedor do serviço e sim uma forma de
limitar a inadimplência descontrolada, haja vista que o meio próprio para se cobrar a
falta de pagamento é a ação judicial e cabe somente ao Poder Judiciário impor
sanções à população.
46
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