A ética nas relações interpessoais na gestão democrática numa escola
pública
Márcia Girlene e Silva1
Marciliane Ferreira Gabriel2
Valdira José Ursulino3
Alice Miriam Happ Botler4
RESUMO: O estudo analisa as relações interpessoais na gestão democrática
na escola pública tomando por base conceitos como participação, autonomia,
gestão democrática e ética. Para tanto, observa a escola inserida em seu
contexto social e considera particularmente as relações interpessoais ali
desenvolvidas. A pesquisa teve como foco os diversos sujeitos que
pressupõem fazer parte de uma gestão democrática numa escola municipal do
Recife, sendo esta, campo de estágio durante nosso curso na disciplina
Pesquisa e Prática Pedagógica. Utilizamos como procedimentos de
investigação a observação e a realização de entrevistas individuais. Como
resultado do estudo de caso sustenta-se a necessidade de ações éticas nas
relações interpessoais.
Palavras-Chave: Gestão democrática, ética, relações interpessoais.
INTRODUÇÃO
As transformações aceleradas do processo produtivo ocorridas a
partir do capitalismo, as novas exigências da cidadania moderna, a revolução
da informática e dos meios de comunicação de massa, a necessidade de se
redescobrir e revalorizar a ética nas relações interpessoais, colocam a
educação diante de uma agenda exigente e desafiadora, visto que a escola é
um espaço de troca de conhecimentos e construção de valores onde a
democracia é o marco zero para construção de uma sociedade participativa.
Entendemos que a democracia se constrói a partir da participação e da
autonomia dos indivíduos, no que diz respeito às suas ações na sociedade e
no contexto escolar. Sendo a escola uma instituição social em que circulam
1 Aluna do Curso de Pedagogia da Universidade Federal de Pernambuco.
2 Aluna do Curso de Pedagogia da Universidade Federal de Pernambuco.
3 Aluna do Curso de Pedagogia da Universidade Federal de Pernambuco.
4 Doutora em Educação, Coordenadora do Centro de Educação, Orientadora e Professora Universidade Federal de
Pernambuco.
diversos pensamentos e concepções, este contexto é também propício à
articulação de ações que sirvam de exemplo às novas gerações para práticas
participativas e de desenvolvimento de autonomia.
Segundo Hora:
“a participação é um direito e um dever de todos que integram uma sociedade
democrática, ou seja, participação e democracia são dois conceitos estreitamente
associados (...). A escola como instituição social tem a possibilidade de construir a
democracia como forma política de convivência humana“ (2002:53).
A participação está intrinsecamente associada à gestão democrática
que, na prática, pressupõe a interação dos diversos sujeitos que fazem a
escola, e à luz do que exige a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional
em seu Art.14, a Lei estabelece que “os sistemas de ensino definirão as
normas de gestão democrática do ensino público na educação básica de
acordo com suas peculiaridades e conforme os seguintes princípios: I participação dos profissionais da educação na elaboração do projeto
pedagógico da escola; II – participação das comunidades escolar e local em
conselhos escolares equivalentes”.
Nesse sentido, a evolução do processo democrático no âmbito escolar
não dispensa a necessidade de uma reflexão diante dos obstáculos e das
potencialidades que se apresentam na realidade, e a democracia só se efetiva
por ações e relações que acontecem neste ambiente.
Muito se fala de gestão democrática na escola, e esta vem
acompanhada de diversas ações que os sujeitos devem atentar, tentando
superar o individualismo enfatizando um processo coletivo que implica relações
de poder não autoritárias, permeadas pela concepção moral de cada individuo
legitimada pelos princípios éticos.
“A ética entendida como uma reflexão critica sobre a moralidade, sobre a
dimensão moral do comportamento do homem” (Rios, 1999:23), isso significa
que ela esta presente como um termômetro para medir as ações das pessoas
buscando uma reflexão sobre a moral que é constituída pelas normas que
baseiam a sociedade. E a escola enquanto espaço de interação social, onde
diversos atores sociais trocam experiências, e têm concepções bem distintas
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sobre o comportamento e sobre os valores, é um ambiente propício para
investigação de como ocorrem as relações interpessoais a partir dos conceitos
éticos. Sendo assim, respaldada pela ética, temos o objetivo de analisar as
relações interpessoais numa gestão democrática enfocando os conceitos de
participação, autonomia e gestão democrática, através de uma pesquisa do
tipo qualitativa onde será realizada observação da vida escolar, destacando
aspectos relativos à gestão democrática e às relações interpessoais em uma
escola pública da rede municipal do Recife onde ocorreu todo o processo de
pesquisa e estágio da disciplina Pesquisa e Prática Pedagógica. Ocorreu coleta
de dados através de entrevista semi-estruturada. Os sujeitos desta pesquisa
foram: a diretora, coordenadora, assistente de direção, professores e alunos.
A análise dos dados dar-se-á de maneira interpretativa buscando focar
como se dão as relações interpessoais na gestão democrática, respaldada
pelos conceitos éticos.
Contextualizando a democracia
Democracia, em sentido mais geral, designa um modo de vida na
sociedade em que cada indivíduo tem direito a participar livremente da
produção dos valores desta sociedade. Num sentido mais restrito, é
oportunidade dos membros da sociedade de participarem livremente das
decisões em qualquer campo, individual ou coletivamente, e neste caso, referese à oportunidade dos cidadãos de um Estado de participarem livremente das
decisões políticas mais específicas que lhes afetam a vida individual e coletiva.
Numa visão contextualizada historicamente por Chauí (1995), o conceito
de democracia foi construído a partir dos diversos acontecimentos políticos
posteriores à Segunda Guerra Mundial: a guerra fria e o surgimento do Estado
do Bem-Estar Social, sendo a guerra fria uma divisão geopolítica, econômica e
militar entre os blocos capitalistas liderados pelos Estados Unidos, e o bloco
comunista liderado pela União Soviética e China, tendo como razão principal a
militar, com a invenção da bomba atômica, levando esses blocos a uma corrida
armamentista.
A guerra fria alinhou política e economicamente os países próximos dos
dois blocos econômicos e posteriormente concluiu que a guerra não
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convencional não teria vencedores, sendo implantado então, o Estado do Bem
Estar Social nos países capitalistas avançados do hemisfério norte contra o
perigo do retorno do nazi-fascismo e revolução comunista em defesa do
capitalismo. Intervindo econômica, política e socialmente procurou manter
controle sobre os países subdesenvolvidos ou do terceiro mundo, impedindo
revoluções de cunho socialistas, adotando medidas nesses países com
empréstimos ao Banco Mundial e FMI, serviços de espionagem e forças
armadas estimulando a partir dos anos 60 a proliferação de ditaduras militares
e regimes autoritários como foi o caso do Brasil, que veremos mais adiante.
No centro do discurso político capitalista, encontra-se a defesa da
democracia, que sob a ótica do socialismo era vista como responsável pela
desordem e caos sócio-econômicos por estar nas mãos dos poderosos. Já os
estados capitalistas afirmaram tratar-se do combate entre a opressão e a
liberdade, a ditadura e a democracia. Sob essas duas concepções a
democracia deixa de ser encarada como forma da vida social para tornar-se
um tipo de governo e instrumento ideológico. Tanto o liberalismo quanto o
Estado do Bem Estar Social (capitalismo), ao definirem democracia
assemelham o discurso, afirmando-a como regime da lei e da ordem para
garantia das liberdades individuais.
Nesse contexto segundo Chauí (1995:430):
“a democracia foi reduzida a um regime político eficaz, baseado na idéia de cidadania
organizada em partidos políticos e manifestando-se no processo eleitoral de escolha de
representantes, na rotatividade dos governantes e nas soluções técnicas (e não
políticas) para os problemas sociais”.
O cenário político pelo qual passava o mundo revelou uma visão
restritiva sobre o que é a democracia, usando essa palavra de maneira errônea
e deturpada do seu real sentido. Tal visão também se aplicou no Brasil, com a
proliferação da ditadura militar instaurada com o governo de Getúlio Vargas
onde este procurava programar suas concepções políticas inspiradas nas
idéias corporativistas e autoritárias do regime fascista. O controle sob o Estado
era absoluto e não eram permitidas ações que indicassem a participação das
classes sociais; o novo regime devia girar em torno de um Estado
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extremamente forte e autoritário; tinham uma visão deturpada da prática
democrática:
”A prática do regime democrático só é possível onde as massas populares
espontaneamente aceitam uma hierarquia de valores e se submetem sem relutância á
direção espiritual e política de chefes implicitamente reconhecidos como guias e
orientadores da coletividade” ( Amaral apud Alencar,1985:251).
No sentido etimológico da palavra democracia significa o “governo do
povo”, o “governo da maioria” (Rosenfield, 1984:7). No estado moderno, a
democracia é por assim dizer, um sistema político composto de múltiplas
dimensões que se desenvolve em diferentes níveis de profundidade. Isto
significa que a realidade produzida por um regime democrático constitui-se de
várias formas de liberdades. A democracia engendra-se num cruzamento de
liberdades que, assim a concretizam ( idem op. cit :36).
Sendo assim, entendemos que a democracia se constrói a partir da
participação e autonomia dos indivíduos no que diz respeito as suas ações na
sociedade.
A participação como elemento essencial na democracia
A questão da participação em especial a partir de 1968 está
permanentemente presente na discussão das formas de administrar, pois
significou uma revisão dos pressupostos teóricos do taylorismo e a sua
substituição, mesmo que muito lentamente por valores contemporâneos, como
flexibilidade, tolerância com as diferenças, relações mais igualitárias, justiça e
cidadania.
Participação é um conceito genérico usado em sociologia, às vezes
como sinônimo de integração, para indicar a natureza e o grau da incorporação
do indivíduo ao grupo, outras vezes, como norma ou valor pelo qual se avaliam
os tipos de organização social ou de natureza social, econômica, política etc.
Cabe distinguir entre a simples integração, conceito mecânico, hoje
descartado por inexpressivo, e a participação, que pressupõe auto nível de
conscientização social e política.
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A difusão do conceito prende-se, sem dúvida, à percepção por grande
número de pessoas da concentração de decisões, por grupos econômicos nos
países de economia de mercado, por burocratas ou tecnocracias nos países de
economia planificada, criando, em ambos os casos, graves problemas de
marginalidade decisória. Parece que as preocupações com a participação e
sua busca consciente mais como meta que como técnica de organização social
responde a um sentimento crescente de alienação do homem comum, há um
mal-estar generalizado que, segundo muitos é a raiz dos chamados problemas
sociais (Rios apud Silva, 1905).
Entendemos que participar significa todos contribuírem com igualdade
de oportunidades, levando em consideração a discussão das prioridades e
buscando um consenso quanto a um plano coletivo, implicando assim dizer,
que a participação deve buscar ações conscientes, responsáveis com a
finalidade de benefício do coletivo.
A participação é condição para uma gestão democrática, uma não é
possível sem a outra, Um processo de gestão que objetive a construção da
cidadania só existirá na medida em que forem desenvolvidas a participação e a
autonomia de todos.
Autonomia
Desde a segunda metade do século XIX, os países mais desenvolvidos
vinham cuidando da implantação definitiva da escola pública, universal e
gratuita. De fato, esse século se caracterizou quanto à educação, pela
acentuada tendência do Estado agir como educador em função das exigências
da sociedade industrial que impunham modificações profundas na forma de se
encarar a educação e, em conseqüência, na atuação do Estado como
responsável pela educação do povo. (Romanelli,1990).
O Estado assim, passa a ter uma nova função como afirma Barcelar
(1997: 27):
“O Estado que absorvia e centralizava as funções por conta das forças do
Neoliberalismo passa a diminuir o seu papel interventor e centralizador, sendo esta a
nova face do capitalismo que emerge após a Segunda Guerra Mundial”.
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Em conseqüência atribuem-se novo sentido às políticas sociais sob a
defesa do Estado em seu novo papel, que estariam voltadas para amenizar as
condições subumanas da maioria da população, incluindo aí a oferta de um
mínimo de educação, como condição de sobrevivência para compensar os
efeitos da revolução tecnológica e econômica.
É a partir da segunda metade do século XX com as críticas à educação
como fator de reprodução social, que o tema da autonomia foi associado a uma
concepção emancipadora da educação, tendo em vista a descentralização
como uma das condições a favor da democratização.
No Brasil a intensificação do capitalismo industrial que a Revolução de
30 representou nesse período, determinou consequentemente o aparecimento
de novas exigências educacionais. Se antes na estrutura oligárquica, as
necessidades de instrução não eram sentidas, nem pela população nem pelos
poderes constituídos, a nova situação implantada na década de 30 veio
modificar profundamente o quadro das aspirações sociais, em matéria de
educação e, em função disso, a ação do próprio Estado.
A primeira iniciativa da revolução de 30 no campo da educação, foi a
criação do Ministério da Educação e das Secretarias de Educação dos
Estados, pois no final da Primeira República não existia sistema nacional de
educação, o Governo Federal, nada dizia e nada fazia em termos do ensino
primário ficando este ao encargo dos reduzidos recursos dos Estados,
enquanto o ensino secundário continuava minado pelo ensino irregular não
seriado, tendo como principal objetivo preparar para o ensino superior mesmo
sem a existência de universidades. Piletti & Piletti (2002:206, 207).
As lutas em torno dos problemas educacionais tiveram maior intensidade
em dois períodos: O dos primeiros anos da década de 30 e o que vai desde o
encaminhamento do projeto de lei das Diretrizes e Bases da Educação
Nacional em 1948, até a votação desta em 1961. Visto que a Constituição de
46 havia fixado em um de seus parágrafos (Art.5 XV, d) a necessidade da
elaboração de novas leis e diretrizes para o ensino no Brasil que substituíssem
àquelas
consideradas
ultrapassadas
do
Governo
Vargas
e
com
a
reorganização da economia brasileira no contexto internacional, as funções
dadas à escola pelo Estado Novo não poderiam permanecer intactas.
Sobre a Lei de Diretrizes e Bases Romanelli afirma que:
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“a Lei de Diretrizes e Bases representou um passo adiante no sentido da unificação do
sistema escolar e da sua descentralização e representou aspectos importantes, tais
como o da autonomia do Estado para exercer a função educadora e o da distribuição
de recursos para a educação” (1990:187).
No tocante a autonomia, Gadotti (1993), afirma que esta encontra
suporte na própria Constituição promulgada em 1988 que institui a “democracia
participativa” e a possibilidade do povo exercer o poder diretamente (art.1º).
A Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional define as normas da
gestão democrática do ensino público conforme os princípios da “participação
dos profissionais da educação na elaboração do Projeto Político Pedagógico da
escola” e da “participação das comunidades escolar e local em conselhos
escolares ou equivalentes”, bem como, “progressivos graus de autonomia
pedagógica e administrativa e gestão financeira”, assegurando, portanto, a
participação dos diversos segmentos da organização escolar, a autonomia das
unidades escolares públicas e a educação básica (Lei nº 9394/96).
O conceito de autonomia está etimologicamente ligado à idéia de
autogoverno, isto é, à faculdade que os indivíduos (ou as organizações) têm de
se regerem por regras próprias [e de que] a autonomia pressupõe a liberdade
(e capacidade) de decidir, ela não se confunde com a “independência” [na
medida que] autonomia é um conceito relacional (somos autônomos de alguém
ou de alguma coisa), sua ação se exerce sempre num contexto de
interdependências e num sistema de relações. A autonomia é também um
conceito que exprime sempre certo grau de relatividade: somos mais, ou
menos, autônomos; podemos ser autônomos em relação a umas coisas e não
ser em relação a outras. Autonomia é, por isso, uma maneira de gerir, orientar,
as diversas dependências em que os indivíduos e os grupos se encontram no
seu meio biológico ou social de acordo com as suas próprias leis. (Barroso
apud Ferreira, 2003:16).
Não podemos deixar de associar a autonomia ao processo de
descentralização, pois, no conjunto das políticas sociais encontra-se a política
educacional, adotando uma reformulação que a enfoca como estratégia que
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vem sendo implementada neste setor e em relação à escola tem como
conseqüência sua autonomia administrativo-financeira.
A descentralização é a tendência atual mais forte dos sistemas de
ensino e as últimas reformas empreendidas por Estados e Municípios, inclusive
pelo Governo Federal, parece apontar nesta direção, como afirma Filho:
“A descentralização e a autonomia efetiva das escolas criam a condição facilitadora
básica da possibilidade de uma gestão democrática. Sua prática constitui a garantia de
uma inserção dinâmica do sistema escolar no sistema social assegurando a supressão
das disfunções burocráticas”. (apud Revista de Administração Educacional, jan/jun,
1998:71).
Entendemos que o novo panorama de mobilização da sociedade
brasileira impulsiona mudanças significativas em todas as áreas de ação, e no
que diz respeito à escola, o processo de democratização vem legitimar a
formação para a cidadania.
Gestão Democrática
Hoje diversos países de acordo com suas características, promovem
reformas em seus sistemas educacionais, buscando torná-los mais eficientes e
eqüitativos no preparo de uma nova cidadania capaz de enfrentar a revolução
tecnológica que está ocorrendo no processo produtivo, e seus desdobramentos
políticos, sociais e éticos, através do conhecimento, a capacidade de processar
e selecionar informações, a criatividade e a iniciativa. (Mello, 1993:26).
Gestão, do latim (gestio-õnis) significa ato de gerir, gerência,
administração (Ferreira, 1999:985 apud Ferreira, 2004:306). Gestão é
administração, é tomada de decisão, é organização, é direção. Relaciona-se
com atividade de impulsionar uma organização a atingir seus objetivos, cumprir
sua função, desempenhar seu papel. Constitui-se de princípios e práticas
decorrentes que afirmam e desafirmam os princípios que as geram, princípios
esses sociais que se destinam a promoção humana.
Durante o período autoritário (1964 -1985), o Brasil passou por
momentos de reivindicações por um espaço mais autônomo em todos os
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âmbitos da sociedade, e a escola como tal não poderia se excluir desse
processo.
“A partir de 1980, durante o governo do General Figueiredo, o discurso da
“administração participativa” e do “planejamento participativo” foi adotado pelo governo.
O IIl Plano Setorial da Educação , Cultura e Desportos (1980-1985) foi elaborado
através de consultas regionais, ao contrário da forma autoritária que caracterizava o
comportamento do regime militar até então”. (Gadotti, 1993:28).
Nesse período a sociedade brasileira passou pela chamada transição
democrática delineando um novo quadro de mobilização e organização social,
suficientemente amplo para promover mudanças nas relações de poder em
todas
as
áreas
inclusive
na
educação.
Tais
mudanças exigiram
o
redimensionamento de toda comunidade escolar, nos processos de tomadas
de decisões, tornando-se o principal elemento de democratização nesse
espaço.
Com as primeiras eleições diretas para governador de Estados, em 1982
várias experiências de participação democrática tiveram lugar em diversas
partes do Brasil, como o Fórum de Educação do Estado de São Paulo e o
Congresso Mineiro de Educação entre 1983 a 1984.
O tema democratização da gestão foi muito debatido entre 1985, na luta
pela constituinte, e 1988, data da promulgação da Constituição que consagrou
o princípio da gestão democrática do ensino público. As eleições para as
municipalidades nesse mesmo ano possibilitaram aos partidos populares a
chegada ao poder municipal e, com isso, vários projetos de gestão democrática
foram experimentados com a implantação de eleições para diretor de escola e
implantação de Conselho de Escola e administração colegiada. A aprovação da
nova Lei de Diretrizes e Bases – 9394/96 coloca-se como passo decisivo
nessas mudanças.
“A LDB é a expressão das lutas efetivadas entre as diversas forças sociais e, dessa
forma, apresenta-se como balizador para as políticas educacionais no país e,
consequentemente, para as políticas de democratização da escola e da gestão
escolar”. (Ferreira, 2003: 78).
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Assim percebe-se que houve grandes avanços no que diz respeito à
gestão descentralizada entre Estado e sociedade e consequentemente na
escola, possibilitando autonomia nas tomadas de decisões e objetivando
promover a participação dos diversos setores nesse processo.
A gestão democrática da educação formal está associada ao
estabelecimento de mecanismos legais e institucionais e a organização de
ações que desencadeiem a participação social na formulação de políticas
educacionais, no planejamento, na tomada de decisão, na definição do uso de
recursos e necessidades de investimentos, na execução das deliberações
coletivas, nos momentos de avaliação da escola e da política educacional.
Entretanto, nem sempre o que a legislação determina se realiza na
prática. Queremos dizer com isso, que os valores do modelo anterior de gestão
centralizada deixaram resquícios que dificultam as ações no ambiente escolar
discordando com a concepção da gestão democrática atual.
“É importante notar que a idéia de gestão educacional desenvolve-se associada a
outras idéias globalizantes e dinâmicas em educação, como por exemplo, o destaque à
sua dimensão política e social, ação para transformação, globalização, participação,
práxis, cidadania, etc”. (Heloisa Luck: 3).
No processo de construção humana, a escola como campo de
intervenção política e ideológica, traz possibilidades na sua essência
pedagógica à construção de novos paradigmas e práticas que priorizem a via
democrática. Esta construção deve nortear as propostas de autonomia como
uma conquista do aperfeiçoamento da democracia na escola. Para que a
democracia ocorra efetivamente na escola faz-se necessário a participação da
comunidade, pois esta “passará a confiar na ação educativa e no professor e a
ver a escola como um local onde possa se conscientizar e discutir seus
problemas, buscar apoio e oportunidade para sua solução”. (Viana apud Hora,
2002:120).
A evolução do processo democrático no âmbito escolar, não dispensa a
necessidade de uma reflexão permanente diante dos obstáculos e das
potencialidades que se apresentam na realidade concreta. A democracia só se
efetiva por ações e relações que se dão nessa realidade, e que a coerência
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democrática entre o discurso e a prática é um aspecto fundamental. “A
participação não depende de alguém que ”dá” abertura ou “permite” sua
manifestação. Democracia não se concede, conquista-se, realiza-se”. (Hora,
2002:133).
Faz-se necessário o entendimento do significado de participação para os
sujeitos que constituem a escola: para a comunidade, participar da gestão
escolar significa inteirar-se e opinar sobre assuntos para os quais muitas vezes
se encontra despreparada. Para a direção, significa lidar com inúmeras
expectativas e projetos políticos diferenciados; Para os alunos, a principal
mudança refere-se à sua relação com os professores e com a direção. Para os
professores faz-se necessário estabelecer valores, analisar, comparar, através
dos quais avaliam as diferentes metodologias, mantendo-se atentos para
apreciá-los em relação às posturas teóricas aceitando novas premissas em
relação a sua prática e contexto. (Hora, 2002).
Enfim, admitir a democratização das relações internas na escola,
significa respeitar a realidade local e estabelecer uma relação dinâmica e
consciente com a comunidade para que a escola atue como fator de mudança
social, bem como, superar as perspectivas “individualistas” enfatizando um
processo coletivo que implica relações de poder não autoritárias permeadas
pela concepção moral de cada indivíduo legitimada pelos princípios éticos que
envolvem os valores humanos.
A Ética e a Escola
Ao pretendermos abordar a ética nas relações interpessoais na escola
pública, entramos em contato com uma realidade que avança além das
palavras, pois o ambiente escolar é um lugar onde temos diversas
experiências, ou seja, ao mesmo tempo encontramos numa mesma realidade,
pensamentos convergentes e divergentes, enfim, são vários mundos dentro de
um espaço que deve articular essas experiências em busca de objetivos
comuns: a produção do conhecimento, a autonomia dos participantes da escola
e a formação para a cidadania.
Um dos aspectos que fundamentam o modo de vida democrático é a
interação social. As pessoas compartilham experiências, idéias e sentimentos,
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sendo a cooperação o instrumento de socialização do pensamento. Segundo
Moscovici
(2002:34),
“as
relações
interpessoais
desenvolvem-se
em
decorrência do processo de interação”.
A expressão “interação social” pode ser usada de três maneiras distintas: a
noção mais simples quando aplicada ao homem é a da influência recíproca
entre pessoas ou forças sociais; a segunda espécie de definição é usada pela
maioria dos sociólogos e antropólogos quando afirmam que a interação, do
modo como se dá nos seres humanos, dever-se-ia chamar interação simbólica,
pois essa é baseada na comunicação; e a terceira espécie de definição afirma
que o individuo sozinho pode interagir consigo mesmo (Silva, 1987). Nosso
foco está voltado para o entendimento de interação como influência recíproca
dos atos de pessoas e grupos, através da comunicação.
Sendo a escola um ambiente onde esta comunicação flui naturalmente
entre as pessoas, é impossível não haver a interação social e nessa relação
acontecem interpretações que são decorrentes dos valores, conhecimentos e
julgamentos de cada indivíduo.
Quando falamos em valores, podemos nos referir os valores positivos,
tais como solidariedade, bondade, sinceridade, confiança, etc. Ou a valores
negativos, como egoísmo, inveja, indiferença, intolerância, etc. As referências
aos valores de uma comunidade podem variar conforme o contexto social em
que se inserem os indivíduos, a exemplo do valor beleza que pode ser
afirmada em uma sociedade e não em outra.
É na própria história das civilizações que podemos verificar a presença
de valores em mutação. Numa mesma cultura constatamos a mudança de
valores no decorrer do tempo, assim percebemos valores diferentes em
diferentes culturas. O termo “valor”, cujo uso se estende a todos os setores da
atividade humana, incluindo evidentemente a moral, deriva da economia, que é
visto como algo objetivo em relação aos objetos, mas o que nos interessa aqui
é o valor subjetivo relacionado com o significado moral.
De acordo com Vázquez (1990:121), ”o valor não é a propriedade dos
objetos em si, mas a propriedade adquirida graças à sua relação com o homem
como ser social”. O valor que o homem atribui às coisas ou aos objetos em si
está relacionado aos seus interesses e suas necessidades, o que tem o
significado humano pode ser avaliado moralmente.
13
Dizemos que existe valoração não apenas no campo da moralidade,
mas na medida em que qualquer interferência do homem na realidade se dá na
perspectiva de conferir um significado à mesma, sejam pelo comportamento do
indivíduo ou de grupos sociais, pelas intenções de seus atos e seus resultados
e conseqüências ou ainda pelas atividades das instituições sociais, etc.
Cada sociedade possui seu ethos. ou se compõe de um conjunto de
ethos, jeito de ser, que conferem caráter a uma organização social. Os papéis
sociais têm seus fundamentos no ethos de uma sociedade. Ethos no grego
significa costume, jeito de ser. O costume resulta no esclarecimento de um
valor para ação humana, que é criado, conferido pelos próprios homens, na
sua relação uns com os outros. (Rios,1999). Entendemos que o ethos é de
domínio da moralidade, pois esta irá observar as ações e o seu significado no
coletivo.
Os atos humanos com seus interesses e necessidades podem ser
qualificados moralmente, pois, as ações humanas passam pela liberdade de
escolha estando susceptíveis às normas e regras. Sendo a “moral o conjunto
de normas e regras destinadas a regular as relações dos indivíduos numa
comunidade social” (Vásquez apud Rios, 1999:22), percebe-se a necessidade
de uma reflexão sobre as normas pré-estabelecidas numa sociedade, pois
cada cultura institui uma moral específica, não significando dizer que a sua
existência efetive a presença de uma ética, mas enquanto tende a regular as
relações efetivas entre os indivíduos ou entre estes e a sociedade, deve
efetivar-se em atos concretos nos quais os princípios, valores ou normas
ganham vida e a sua realização se deduz na sua função social.
De acordo com Vázquez (1990), a moral entendida como objeto da ética,
a conduta enquanto dirigida ou disciplinadas por normas e o conjunto dos
mores apresentam-se como uma conduta sensível à avaliação, pois o homem
como ser simbólico com sua relação com o mundo sendo sempre revestida de
uma significação, de uma valorização e com os diversos papéis que
desempenha em sociedade, passa pelas regras criadas pelo coletivo do qual
faz parte. A ética é vinculada à reflexão da moral como afirma Rios: “a ética se
apresenta como uma reflexão crítica sobre a moralidade, sobre a dimensão
moral do comportamento do homem”. (Rios,1999:23).
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Considerando tal afirmação, observamos que em nossa sociedade o
conceito sobre ética se confunde com o da moral, o que implica numa visão
confusa também na escola enquanto espaço de interação social, refletindo
posturas hierárquicas e autoritárias que vão de encontro com o discurso da
democracia.
A ética não é a moral e, portanto não pode ser reduzida a um conjunto
de normas e prescrições; sua missão é explicar a moral efetiva e neste sentido,
influindo na própria moral.
“Ética é um termo utilizado para designar um juízo crítico de valor repleto
de sentido, ou seja, substantivo, argumentado”. (Botler, 2004:114)
A escola é um sistema social porque é um resultado
“da interação de uma pluralidade de agentes” individuais (professores, especialistas,
diretores, alunos, etc) cujas relações recíprocas são mutuamente orientadas, isto é,
são definidas e transmitidas por um sistema de expectativas, culturalmente
estruturadas e compartilhadas”. (Silva, Dicionário de Ciências Sociais, 1987:1128).
As atividades desenvolvidas na escola através dos corpos docentes,
discentes e técnico-administrativo são características baseadas em atitudes,
percepções, crenças e motivações, hábitos e expectativas de cada indivíduo,
bem como em normas legais pré-estabelecidas.
“A escola democrática, por sua vez, é definida por uma estrutura de funcionamento não
hierarquizada, onde o gestor escolar coordena as atividades, refletindo as
determinações da rede de ensino como representante da rede escolar, bem como
realiza internamente o trabalho de congregação de esforços coletivos para realização
de tarefas definidas consensualmente”. (Botler, 2004:163).
Entendemos que a escola é formada por subgrupos que possuem cada
um sua própria forma de representação, mantendo uma relação para com ela e
o trabalho que nela realizam, bem como encaram de forma particular sua vida
na escola. Cada um desses subgrupos resulta de situações que permitiram
“agrupar os atores segundo modos de representação comuns”; são esses
subgrupos que constituem na escola, subculturas; a existência
15
“dessas subculturas têm, em si mesma, valor pedagógico. Qualquer grupo humano cria
naturalmente um conjunto de normas e regras, um patrimônio de experiências comuns,
de ações, de respostas aos acontecimentos que lhe fornecem uma abordagem
relativamente unificada da realidade” (Thevenet apud RBAE 8(2), jul/dez. 1992:22).
Sendo a escola um ambiente de troca de experiências onde há
articulações e interações sociais, a busca pela democracia através de uma
gestão democrática com ética, pressupõe a autonomia e responsabilidades dos
vários atores da escola para essa conquista. “O respeito à autonomia e a
dignidade de cada um é um imperativo ético e não um favor que podemos ou
não conceder uns aos outros” (Freire, 2002:66).
Para que exista conduta ética, faz-se necessário um agente consciente
que saiba diferenciar, julgar o valor dos atos e das condutas, refletindo sobre o
que ocorre a sua volta de maneira responsável, ou seja, ter uma consciência
moral. De acordo com Chauí (1997:337), “a consciência moral manifesta-se
antes de tudo na capacidade de deliberar diante de algumas alternativas
possíveis, decidindo e escolhendo uma delas antes de lançar-se na ação”.
Nesse sentido, uma gestão efetivamente se fará democrática, autônoma
e ética, quando seus participantes tiverem consciência que para atuarem é
preciso ter a percepção dos valores morais que se fazem refletir com as ações
e responsabilidade de cada um traduzindo-se em participação.
Entendemos que para haver ética na escola, as relações interpessoais
devem estar mergulhadas principalmente num processo de respeito.
“Uma comunidade escolar que alimenta um propósito de favorecer uma formação ética
dos seus alunos não pode simplesmente submeter-se às exigências de um sistema
regido pelos princípios neoliberais, mercadológicos e de competitividade que afastam e
rivalizam os indivíduos na contramão do sentido ético que é o de congregar e
socializar” (Goergen, 2001:83).
O espaço escolar enquanto ambiente que visa à transmissão do
conhecimento, o progresso social e a emancipação humana deve perpassar as
exigências que o sistema capitalista impõe.
Entendemos que independentemente de quais sejam os ambientes em
que haja relações entre pessoas, estas devem comungar de ações éticas e, a
16
escola como sendo um ambiente que promove a formação cidadã e que
pressupõe a democracia nas tomadas de decisões é um ambiente propício de
diversas posturas pela pluralidade de relações que acontecem nela.
Ética no cotidiano escolar
A escola pública é um campo rico para a observação dos princípios que
norteiam uma gestão democrática, visto que este é um ambiente que
pressupõe a real participação desses sujeitos nos processos de decisões.
Sendo assim analisar as relações interpessoais no cotidiano da escola, nos
leva a enxergar como a interação acontece no ambiente e de que forma essas
relações revelam posturas éticas.
Nosso campo de pesquisa foi a mesma escola que realizamos os
estágios da disciplina de Pesquisa e Prática Pedagógica, e que já tínhamos um
contato com os sujeitos. A escola faz parte da rede municipal do Recife,
localizada no bairro do Espinheiro, atendendo as comunidades carentes que
ficam no entorno desse bairro nobre, sendo composta em sua estrutura
funcional pela diretora, assistente de direção, coordenadora, dezesseis
professoras e aproximadamente quatrocentos alunos.
Nossa pesquisa focou o turno da tarde, em que observamos e
entrevistamos os segmentos mencionados por efeito da analise aqui
apresentada transcrevemos alguns trechos obtidos nas falas dos sujeitos,
denominamos de D - a diretora, C - a coordenadora AD - a assistente de
direção e P - os professores.
A pesquisa de natureza qualitativa, tem o ambiente natural como fonte
de dados, segundo Lüdke e André (1986:11), “a pesquisa qualitativa supõe o
contato direto e prolongado do pesquisador com o ambiente e a situação que
está sendo investigada, via de regra através do trabalho de campo”. Sendo
assim, nos deteremos agora a análise de nossas observações.
Nossas entrevistas apresentaram questões sobre as relações na escola,
o conceito de gestão democrática, a participação no ambiente e autonomia da
escola.
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Quanto à questão da gestão democrática na escola procuramos
identificar o que os sujeitos pesquisados entendiam por conceito de gestão
democrática e obtivemos as seguintes expressões:
Gestão é onde você não está só, compartilhada. Não é uma gestão onde todos
mandam, mas dividem-se as dificuldades. Há um posicionamento onde todos têm voz e
vez. (D).
É uma instituição que é regulamentada pela prefeitura (AD).
Gestão onde todos participam, dão opiniões (P).
Todos os segmentos têm voz ativa, as ações são realmente compartilhadas (P).
A maioria dos sujeitos entende o conceito de gestão na perspectiva
conceitual que apresentamos teoricamente, exceto a assistente de diretora que
ainda tem uma visão burocrática e de centralização do poder. Entendemos que
a gestão democrática pressupõe uma ação consciente dos indivíduos, onde os
mesmos devem ter um compromisso de participação em função dos objetivos
da escola. Nestes termos pressupomos que, se depender do que estes sujeitos
entendem por gestão democrática, haverá compromisso.
Ao perguntarmos aos sujeitos, a respeito do perfil da gestão escolar
atual, obtivemos as seguintes respostas:
A gestão (diretora) toma decisões através de uma parceria com o grupo. (AD).
Democrática, apóia o trabalho dos professores e escuta muito (P).
Gestão muito atuante trabalha muito. (P).
Muito democrática, nada vem de cima para baixo, apenas o que vem da prefeitura (P).
Dentre os sujeitos que fazem parte do processo, notamos que a
assistente de direção entende gestão democrática como algo externo à escola,
que vem determinada pela rede de ensino, e quanto a postura do diretor de
gestão, focaliza o gestor nas suas ações propriamente ditas.
Quando questionados sobre a participação nas ações da escola,
percebemos que há sujeitos com concepções diferenciadas sobre a
participação no ambiente escolar.
Em todos os momentos estou junto aos setores da escola (D).
18
Colaboro no ponto de vista pedagógico, como na direção digitando documentos,
substituindo professor se preciso de acordo com as necessidades da escola (AD).
Participa efetivamente das ações na escola (P).
Procuro participar com meus alunos interagindo com eles nas atividades em sala de
aula (P).
Procuro estar envolvida com as atividades da escola, mas meu trabalho fica
comprometido em função da falta de compromisso por parte de alguns professores,
pais e alunos. (C).
Entendemos que a participação focada por este grupo restringe-se
apenas às ações do cotidiano sem fazer relação com a concepção de gestão
democrática dita anteriormente. Conforme Hora (2002:91):
“o processo participativo, sobretudo internamente, é decisivo para que o grupo se
constitua e se mantenha como tal. Ou definitivamente se aposta na responsabilidade
coletiva, fazendo com que o grupo responda como um todo pelas idéias e resoluções
em que acredita e endossa, ou permanecerá nas soluções intermediárias, em que uma
esfera de poder mantém-se inatingível, a pretexto de garantir, contra possíveis
descompromissos, a integridade da proposta”.
O desenvolvimento do processo democrático desta escola acontece a
partir do seu cotidiano, porém enxergamos uma necessidade de reflexão a
respeito dos obstáculos e das potencialidades que se apresentam na realidade
concreta como a visão restrita sobre a participação em relação à gestão
democrática.
Outro aspecto questionado em nossa pesquisa foi em relação a
autonomia da escola, onde foi evidenciada pelos sujeitos a necessidade de
uma autonomia financeira que influencia no funcionamento da escola:
A escola é autônoma na parte pedagógica, mas nas decisões que envolvem
dinheiro...Você sabe, né? (D).
O professor tem autonomia, mas a autonomia da escola é parcial em relação à rede.
(P).
Temos dificuldade com as diretrizes da rede. (P).
Precisamos de mais recursos para fazer coisas que muitas vezes já vem prédeterminadas. (AD).
19
De acordo com Ferreira (2003:17):
“A autonomia é um campo de forças, onde se confrontam e equilibram diferentes
detentores de influência (externa e interna) dos quais se destacam: o governo, a
administração, os professores, alunos, pais e outros membros da sociedade local”.
Sendo assim, a autonomia da escola não é um fim em si mesmo, mas
um meio da escola realizar em melhores condições as suas finalidades, não
esquecendo a autonomia dos indivíduos que a compõem.
Consideramos que um dos fatores que favorecem a concretização desse
processo democrático está relacionado à visão que os sujeitos têm de
participarem dele, e de que maneira os mesmos se relacionam. Portanto,
tomamos como foco central em nossa analise as relações interpessoais na
escola destacamos:
A relação da gestora como as dos professores se caracteriza de forma
harmoniosa
com os diversos segmentos da escola.
Percebemos que a
diretora procura integrar-se realmente com os demais sujeitos da pesquisa,
muitas vezes realizando atividades que estão além de suas funções, como por
exemplo, observar o recreio para que os professores entrem em reunião com a
coordenadora; ou ficar no portão para a entrega das crianças. O bom
relacionamento interpessoal que a diretora manifesta não se restringe apenas
dentro da escola, mas inclui também sua relação com a comunidade, onde a
mesma busca a interação através dos projetos culturais e esportivos. Quanto
aos professores, apesar da boa relação com os alunos, enfatizam a indisciplina
como fator negativo na escola.
Já a assistente de direção, apresenta dificuldades de relacionar-se com
a comunidade, deixando claro que existe uma lacuna entre a sua relação e a
comunidade, devido à clientela. Segundo ela “a comunidade só quer cobrar
seus direitos”.
Pelos relatos da coordenadora, podemos observar sua insatisfação, com
o trabalho desempenhado por alguns profissionais como também, com a
comunidade enfatizando que a mesma deixa a desejar nas suas respectivas
funções:
20
“Alguns professores não se comprometem com os trabalhos”.
“Os pais são relapsos, só vem à escola pra cobrar direitos”.
No geral, as professoras descrevem um bom relacionamento com os
sujeitos que formam a escola apresentando falas rápidas, mas que no decorrer
das observações encontramos algumas lacunas entre o que foi dito e o que foi
visto; por exemplo, quando convocada para a reunião com a coordenadora,
mostrou-se apática e sem entusiasmo comentando em seguida:” Não vejo
necessidade de tanta reunião...”
Ao entrevistarmos alguns alunos ficou claro em suas falas que a maioria
está nesta escola devido ao Programa Bolsa-Escola e que em relação aos
professores sentiam-se satisfeitos com os mesmos. Já com a diretora
mostraram ter um relacionamento aberto, onde os mesmos dirigiam-se a ela
sem formalidades, exemplo: “fulana, a bola tá aí?”. Dessa maneira percebemos
que as relações entre direção e alunos não apresenta postura hierarquizada
como encontramos em algumas escolas.
A percepção que obtivemos no estudo desta escola mostrou que as
práticas de gestão ali desenvolvidas apresentam grandes avanços em relação
ao processo de democratização, visto que, os participantes da pesquisa em
sua maioria já compreendem os conceitos que pressupõe uma gestão
democrática, mas ainda encontramos a necessidade de posturas mais éticas
nas atitudes. Por exemplo, na fala da coordenadora ao definir os pais como
relapsos, ela não está levando em consideração a realidade na qual os
mesmos estão inseridos. Para que exista conduta ética, faz-se necessário um
agente consciente que saiba diferenciar, julgar o valor dos atos e das condutas,
refletindo sobre o que ocorre a sua volta de maneira responsável, ou seja, ter
uma consciência moral.
Também percebemos uma falta de comprometimento de alguns
professores nas atividades da escola, o que nos leva a pensar como eles
entendem o conceito de respeito, solidariedade, confiança, que são valores que
devem ser vividos, experimentados ajudando orientar a vida dentro do
cotidiano escolar e em nossa sociedade.
De acordo com Sabini e Oliveira (2002:59); “Os valores não devem ser
apenas explorados e compreendidos, mas também vividos e experimentados,
21
ajudando a orientar as atividades diárias”, assim, entendemos que os valores
não devem ficar apenas guardados em nós.
A comunidade apresenta-se como um desafio para a escola, pois sua
cultura, é um ethos que desafia as posturas morais que ainda estão incutidas
em nossas escolas. Não queremos dizer com isso que a escola enquanto
ambiente de socialização está fazendo o caminho contrário com a sua clientela,
mas que infelizmente temos comportamentos que ainda fazem diferenciações e
que excluem os indivíduos.
A socialização pode ser pensada sob dois pontos de vista, como
imposição de padrões à conduta individual, ora como um processo de
aquisição de conhecimento e aprendizado, interiorização de padrões de
conduta que nos tornam mais humanos e civilizados. (Selton apud
Aquino.1999:71-72).
Entendemos que na escola deve prevalecer uma postura que vise a
formação de cidadãos humanizados e conscientes, a partir de ações que
viabilizem uma conduta ética. Também não poderíamos deixar de chamar
atenção sobre como todos os sujeitos da pesquisa qualificam suas relações
como “boas”, pois no decorrer das observações percebemos que há momentos
distintos onde se faz necessário diálogos sobre as ações na escola, já que o
processo de interação pressupõe a comunicação como base para que as
relações aconteçam de fato.
“É principalmente a linguagem que permite o reconhecimento recíproco através do qual
nos relacionamos com os outros, mesmo sendo também um meio através do qual
expressamos nossas vivências e o mecanismo básico para o estabelecimento de
relações interpessoais. É a partir da relação entre linguagem e a ação humana, que
Habermas estuda a capacidade que o sujeito tem de usar a linguagem que torna
possível o uso dessa competência para comunicarem-se com os demais”.
(Botler,2004:115).
E, portanto, concluímos que as relações interpessoais na escola–alvo,
estão avançando gradativamente devendo as posturas éticas permear esses
avanços, pois os valores que construímos no cotidiano da escola refletem na
sociedade, e consequentemente na formação da cidadania.
22
Considerações Finais
O presente trabalho procurou analisar as relações interpessoais numa
escola pública municipal, focando os conceitos de gestão democrática,
participação e autonomia vislumbrando os conceitos éticos. A pesquisa
viabilizou o contato direto com a dinâmica de uma escola nos permitindo ter
uma visão mais ampla do cotidiano escolar e das relações que nela existem e
de como essas relações ocorrem. No entanto, houve alguns obstáculos no
decorrer do processo de pesquisa nos chamando atenção o período da coleta
de dados, pois alguns sujeitos da escola demonstraram resistência quanto à
aplicação de entrevistas e em alguns momentos de observação no espaço
interno da escola.
A concepção de participação nesta escola de acordo com os
entrevistados, restringe-se às ações individuais, ou seja, não há um
pensamento que indique uma participação do coletivo, o que nos reforça a
idéia da necessidade de uma comunicação estreita partindo principalmente do
estímulo do gestor. Embora se tenha a idéia de que a participação não
depende de alguém que dá abertura ou permite a sua manifestação e que a
mesma é conquistada e realizada, vemos neste estudo de caso que se faz
necessário uma propagação e esclarecimento sobre o tema da participação
que está intimamente atrelada ao conceito de autonomia que pressupõe a ação
livre e consciente dos sujeitos devido à necessidade de uma participação dos
mesmos na escola.
A descentralização e a autonomia assegurada institucionalmente nas
escolas criam uma condição facilitadora para uma gestão democrática. Sua
prática constitui a garantia de uma dinamicidade do sistema escolar no
contexto do sistema social.
O aspecto que, a nosso ver, pode garantir um comprometimento via
reflexões na escola, para a efetivação de uma gestão democrática é a
articulação entre os elementos que fundamentam a democracia, tais como
participação e autonomia.
É a partir das relações interpessoais que os indivíduos compartilham
suas idéias e concepções onde estão incutidos valores que estão relacionados
23
com os interesses e necessidades, como também têm a chance de
amadurecimento a partir das discussões sobre um determinado tema.
Na escola observada as relações entre os indivíduos se apresentam
como um aspecto positivo e, mesmo havendo situações de divergências de
concepções, o respeito é um dos imperativos éticos que parece ser garantido.
Sabemos que a temática abordada não se encerra com esta pesquisa,
temos o interesse de dar continuidade com o estudo no mestrado, ampliando o
foco para as relações de poder na escola pública.
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