Anais Eletrônicos do VII Encontro Internacional da ANPHLAC
Campinas - 2006
ISBN 978-85-61621-00-1
O discurso dos deputados orientais na criação do Estado Cisplatino
Fábio Ferreira
Com o processo de emancipação do Vice Reino do Rio da Prata, a área designada como
Banda Oriental mergulhou em uma guerra civil, que levou à destruição de sua economia e à
instabilidade política. A partir de 1811, quando José Gervásio Artigas rompeu com a Espanha
e iniciaram-se os conflitos no território oriental, Montevidéu foi controlada, no curto período
de seis anos, por governos submetidos aos espanhóis, aos portenhos, às forças revolucionárias
de Artigas e aos portugueses. A partir de 1824, a cidade passou ao controle do Império do
Brasil e, após a Guerra da Cisplatina (1825-1828), com a criação da República Oriental do
Uruguai, em 1828, Montevidéu tornou-se a capital do novo país.
No que tange à presença lusa na Banda Oriental, observa-se que o príncipe regente D.
João organizou duas expedições militares para conquistar este território. A primeira ação
ocorreu em 1811, no entanto, por pressões da Inglaterra e pela oposição de segmentos locais,
o soberano português retirou, em 1812, suas forças da Banda Oriental. Porém, em 1815, D.
João iniciou a organização de nova expedição para conquistar a antiga área de dominação
espanhola. Para liderar a segunda missão bélica ao Prata foi escolhido o general português
Carlos Frederico Lecor, veterano das guerras napoleônicas.
Lecor ocupou pacificamente Montevidéu em 20 de janeiro de 1817, em um processo
negociado com o Cabildo da cidade. Uma vez no poder, o general empregou uma política de
composição com elementos locais e de enraizamento da presença lusa na região, com a
concessão de títulos, condecorações e promoções na administração pública a segmentos da
sociedade oriental. Além disso, Lecor adotou medidas como a realização de casamentos de
militares de suas tropas com mulheres orientais, sendo que ele mesmo casou-se com Rosa
Maria Josefa Herrera de Basavilbaso. Ressalta-se, ainda, que o general teve atuação
fundamental na instalação da Sociedade Lancasteriana de Montevidéu, que era a instituição
responsável pela implementação do emprego do Método de Lancaster ou de Ensino Mútuo1
no território oriental, e que teve como presidente o próprio Lecor.
Sobre a adesão dos orientais, Lecor trouxe para a sua órbita figuras locais de projeção,
sendo que, muitos deles, anteriormente a aliarem-se aos invasores, foram coligados aos
espanhóis, aos artiguistas e, com a independência do Uruguai, permaneceram em posições de
destaque. Deste modo, pode-se perceber que mesmo com as diversas mudanças na conjuntura
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platina, vários elementos orientais conseguiram estar sempre atuando com relativa
significância no jogo político local, ainda que a Banda Oriental fosse controlado por forças
tão díspares, como, por exemplo, as de Artigas e as de Lecor.
Dos orientais aliançados ao general português e que tiveram destaque em outros
momentos da história oriental, podem ser citados Fructuoso Rivera, líder de milícias no
interior da província e, a partir de 1830, presidente do Uruguai; o padre Dámaso Antonio
Larrañaga, que compunha o Cabildo que negociou a entrada de Lecor em Montevidéu, além
de ter sido eleito senador para representar a Cisplatina no Rio de Janeiro; Francisco Llambí,
jurisconsulto e cabildante em 1817 e, após a independência oriental, ministro; o fazendeiro
Tomás García de Zúñiga, que pelas mãos do Império do Brasil tornou-se Barão de Calera;
Juan José Durán, membro do Cabildo de 1817; e Jerónimo Pio Bianqui, igualmente cabildante
à época da ocupação. É ainda importante ressaltar que todos esses orientais participaram do
Congresso Cisplatino, que resultou na criação do Estado Cisplatino Oriental.
Primeiramente, sobre o Congresso, este foi ordenado por D. João VI em 16 de abril de
1821, no Rio de Janeiro, dez dias antes do seu retorno a Portugal, no contexto liberal vivido
no Reino Unido de Portugal, Brasil e Algarves. A função do Congresso era a de que os
orientais decidissem o futuro do território ocupado pelas forças de Lecor já há quase cinco
anos.
No que refere-se ao contexto oriental, a ordem para a realização do Congresso foi
expedida depois de vários anos de conflitos armados que devastaram a Banda Oriental,
destruição esta que foi registrada por vários contemporâneos à ocupação de Lecor, como, por
exemplo, Saint-Hilaire2, Emeric Essex Vidal3 e Breckenridge4. Assim, a sociedade oriental
vivia relativa paz, conseguindo, inclusive, alguma recuperação econômica e, além disto,
interessava aos orientais ligados ao setor produtivo a união à Coroa lusa, por esta acenar com
a perspectiva da realização de transações comerciais com os seus vastos domínios e, assim,
pode-se entender esses fatores como fortalecedores políticos de Lecor e do seu grupo de
aliados.
Para a reconstituição das reuniões do Congresso Cisplatino utiliza-se como fonte no
presente trabalho as suas atas, que encontram-se em Montevidéu, no Archivo General de la
Nación. O conjunto documental é manuscrito em espanhol, composto de oitenta páginas, em
dezenove atas, e estão em bom estado de conservação. Além disto, as atas apresentam, dentre
outras questões, a listagem e assinaturas dos deputados que estiveram presentes nas sessões,
os seus discursos e, ainda, todas as propostas e votações, desde a mesa diretiva, até a da
incorporação ao Reino Unido português. Este corpus documental possui uma série de
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possibilidades para análises, bem como fornece vastas informações sobre a sociedade de
então. Através das atas pode-se perceber questões como o grau de comprometimento de
deputados com a incorporação, o imaginário da sociedade oriental temeroso com a
possibilidade do retorno da guerra e diversos outros aspectos característicos da política
realizada nesse corte temporal na Banda Oriental.
Diante do exposto, as atas mostram que o Congresso iniciou a sua atividade no dia 15 de
julho de 1821, contando com doze deputados, e não dezoito conforme estipulado inicialmente.
Como congressistas, estiveram na seção de abertura
Juan José Durán, Diputado por parte de esta Capital [Montevidéu], Presidente en esta
Junta, como Gefe político de la Província: el Sor. Cura y Vicario D.or D. Dámaso
Antonio Larrañaga, y el Sor. D. Tomás Garcia de Zúñiga también Diputados por esta
Ciudad, así como su Síndico procurador general D. Gerónimo Pío Bianqui – el Sor. D.
Fructuoso Rivera, y el Sor D.or D. Francisco Llambí, Diputado por el vecindario de
extramuros – el Sor D. Luis Pérez, Diputado por el Departamento de S. José – el Sor
D. José Alagón, Diputado por el de la Colonia del Sacramento – el Sor D. Romualdo
Gimeno, diputado p.r el de Maldonado el Sor D. Loreto de Gomenzoro, Diputado por
Mercedes como su Alcalde territorial: el Sor D. Vizente Gallegos, que lo es de Soriano
y D. Manuel Lagos, del Cerro-Largo [...]5
Posteriormente, outros deputados apresentaram-se: No dia 16, Mateo Visillac,
representante de Colônia do Sacramento e, no dia 18, Alejandro Chucarro, deputado pela vila
de Guadalupe, Salvador García, síndico suplente da mesma localidade, Manuel Antonio Silva,
síndico de Maldonado e Romualdo Gimeno, também deputado por Maldonado.
Mesmo com o atraso desses congressistas, elegeu-se a mesa diretiva no primeiro dia.
Como presidente foi eleito Durán, como vice-presidente, Larrañaga, e como secretário
Llambí. Assim, os primeiros aliados que Lecor conquistou na Banda Oriental estiveram no
comando do Congresso.
No segundo dia, a questão da ameaça bélica já se fez presente através da seguinte
mensagem que Lecor enviou aos congressistas, e que consta da ata da reunião do referido dia:
Señores del Muy Honorable Congreso extraordinario de esta Provincia= S.M. El Rey
del reyno unido de Portugal, Brasil y Algarbes, ha tomado en consideración las
repetidas instancias, que han elevado á su real Presencia, Autoridades muy respetables
de esta Provincia, solicitando su incorporación á la Monarquía Portuguesa, como el
único recurso que en medio de tan funestas circuntancias, puede salvar el País de los
males de la guerra y de los horrores de la Anarquía. – Y deseando S.M. proceder en un
asunto tan delicado con la circunspección q.e corresponde á la Dignidad de su Augusta
persona, á la liberalidad, de sus principios, y al decoro de la Nación Portuguesa, ha
determinado en la sabiduría de sus Consejos, que esta Provincia, representada en el
Congreso extraordinario de sus Diputados, delibere y sancione en este negocio, con
plena y absoluta libertad, lo que crea más útil y conveniente á la felicidad y verdaderos
intereses de los pueblos que la constituyen. – Si el Muy Honorable Congreso tubiere á
bien decretar la incorporación a la Monarquía Portuguesa, Yo me hallo autorizado por
el Rey p.a continuar en el mando y sostener con el Ejército el órden interior y la
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seguridad exterior bajo el imperio de las Leyes. Pero si el Muy Honorable Congreso
estimase más ventajoso á la felicidad de los pueblos incorporar la Provincia á otros
estados ó librar sus destinos á la formación de un Gob.o independiente, solo espero sus
decisiones para prepararme á la evacuación de este territorio en paz y amistad
conforme á las órdenes Soberanas – La grandeza del asunto me excusa recomendarlo á
la Sabiduría del Muy Honorable Congreso: todos esperan que la felicidad de la
Provincia será la guía de sus acuerdos en tan difiiles circunstancias = Montevideo y
julio diez y seis de mil ochocientos veinteuno = A los S.S. de Muy Honorable
Congreso de esta Provincia = Barón de la Laguna [Lecor]=6
Na mensagem de Lecor verifica-se a afirmação do general sobre a existência de
autoridades locais que anelavam a união com a monarquia portuguesa, vinculando este desejo
à manutenção da ordem e à salvação do território oriental. Nas discussões entre os
congressistas, que serão observadas posteriormente, também percebe-se a presença do temor e
da afirmação da possibilidade do retorno aos conflitos bélicos, vindo a ser, inclusive esta a
argumentação dos deputados orientais a favor da incorporação à monarquia lusa.
No dia 18 foi colocada em discussão pelo presidente do Congresso, Juan José Durán, a
questão da incorporação propriamente dita:
[...] se propuso por el Sor Presidente, como el punto principal p.a que había sido
reunido este Congreso – si segun el presente estado de las circunstancias del Pais,
convendría la incorporacion de esta Provincia á la Monarquía Portuguesa, y sobre que
bases o condiciones; ó si por el contrario le sería más ventajoso constituirse
independiente ó unirse á cualquiera otro Gobierno, evacuando el territorio las tropas de
S.M.F.7
O contato com as atas permite-nos identificar que Bianqui, Llambí e Larrañaga foram os
únicos deputados que discursaram, sendo favoráveis à anexação, expondo os seus argumentos
sempre fazendo menção à guerra. Neste conjunto documental podemos verificar que em sua
fala Bianqui afirmou que tornar a província um Estado era, no âmbito político, impossível. O
deputado acrescentou que para sustentar a Independência necessitava-se de meios, no entanto,
o território oriental não possuía população nem recursos para que fosse governado
pacificamente. Os orientais não teriam como impedir a guerra civil, nem ataques externos,
nem conquistar o respeito das outras nações, além de que haveria a emigração dos capitalistas,
voltando, assim, a Banda Oriental a ser o “teatro da anarquia” e “a presa de um ambicioso
atrevido”.8
Observa-se que Bianqui utilizou o temor existente no imaginário oriental do retorno aos
conflitos em sua argumentação, pois se este medo não fosse presente, não haveria razão do
congressista ter enfatizado a possibilidade do retorno ao “caos”, nem ao surgimento de “um
ambicioso atrevido”, provavelmente aludindo à possibilidade do surgimento de alguma outra
liderança com base popular e revolucionária como foi a de Artigas. Assim, a ameaça bélica,
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independentemente de existir ou não, independente do congressista acreditar nela ou não,
estava a ser trabalhada em seu discurso no Congresso Cisplatino.
Bianqui, ao anular a possibilidade da Banda Oriental em constituir-se estado autônomo,
apontava, em seguida, a necessidade de incorporar-se a outro estado, excluindo Buenos Aires
e Entre-Ríos em função de seus conflitos internos. A Espanha também foi descartada, pois
segundo o deputado, os pueblos já haviam votado contra ela e, também, a antiga metrópole foi
incapaz de manter a província em paz. Deste modo, para o congressista, não havia outra opção
que não fosse a incorporação à monarquia portuguesa sob uma constituição liberal. Com a
manutenção do poder luso, segundo o deputado, impossibilitava-se a anarquia, o setor
produtivo continuava as suas atividades, sendo, assim, restituídos os anos de prejuízos, e os
“arruaceiros” teriam que dedicar-se ao trabalho ou então sofrer o rigor das leis.
As atas também mostram que, em seguida, quem discursou foi o deputado Llambí. Ele
ressaltou a possibilidade de que com a saída das tropas de Lecor o território oriental
provavelmente sofreria novas invasões ou cairia em uma guerra civil. Corroborando com
Bianqui, Llambí retomou em sua fala os conflitos que a Banda Oriental sofreu nos anos
anteriores, afirmando, inclusive, que mais da metade da população foi dizimada, bem como as
suas riquezas, e que perderam o pouco armamento que tinham. Llambí também apontou a
devastação que a província encontrava-se e utilizou este fato para argumentar a incapacidade
dos orientais em tornarem-se independentes, e retomou a questão da estabilidade, já levantada
no Congresso: “[...] Un Gobierno independiente pues entre nosotros, sería tan insubsistente,
como lo es, el del que no puede ni tiene medios necesarios para sentar las primeras bases de
su estabilidad.”9
A possibilidade da incorporação a outros estados também foi abordada por Llambí. O
congressista levantou a possibilidade da Espanha, Buenos Aires, Entre Rios e o Reino Unido
de Portugal, Brasil e Algarves. A Espanha foi descartada por razões como a distância, a sua
impossibilidade de resolver as mazelas orientais e, ainda, porque levaria a conflitos armados
no interior da província entre partidários a favor e contra a antiga metrópole. As guerras em
que Buenos Aires e Entre Rios estavam envolvidas impossibilitavam, segundo Llambí, a
união da Banda Oriental a estes estados. Assim, o deputado expunha que “A cualquier parte
que vuelvo la vista me veo amenazado de los efectos de esta [a guerra]; y si à todos se les
presenta con el horroroso aspecto que á mí, ningún mal deberémos temer tanto como él.”10
Llambi ainda afirmou em seu discurso que, de fato, a Banda Oriental estava em poder das
tropas portuguesas, o que não se podia evitar, e que qualquer resolução dos orientais, por
melhor que fosse, podia ser destruída por alguém que pudesse agrupar um pequeno número de
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combatentes. O aventurar-se nestas contingências seria uma imprudência que os congressistas
teriam que responder eternamente aos pueblos.
Percebe-se no discurso de Llambí uma dose de pragmatismo ao destacar a fragilidade da
província para sustentar-se independente. Se Llambí acreditava em sua argumentação, ou se a
mesma foi um meio de justificar o seu voto e de congregar partidários em torno da opção
acordada com Lecor, ou simplesmente uma mera encenação, não é o objetivo do presente
artigo. Importante é detectar a constante utilização do temor ao retorno aos conflitos armados,
e que o discurso do deputado é um meio para o historiador identificar que a sociedade oriental
à época tinha o seu imaginário temeroso no que tange o retorno das guerras ao seu território.
Após a fala de Llambí, conforme constata-se nas atas, Larrañaga foi o deputado que
discursou, demonstrando uma posição pragmática e o rechaço em relação à guerra, revelando
uma espécie de trauma no que se refere aos conflitos armados. Larrañaga afirmou que os
orientais encontravam-se, desde 1814, abandonados pela Espanha. Buenos Aires e as demais
províncias platinas fizeram o mesmo, deixando a Banda Oriental sozinha em uma guerra
muito superior as suas forças e, por esta razão, o religioso anulou qualquer ligação do
território com as províncias limítrofes e com a Espanha. Assim, a questão dos conflitos
bélicos estava presente na argumentação de mais um dos congressistas.
Outro ponto a se observar é que Larrañaga afirmou que após dez anos de revolução, a
província estava distante do ponto de partida, e que o dever dos congressistas era conservar o
que restou do seu aniquilamento e, caso o conseguissem, seriam, assim, verdadeiros patriotas.
Pragmaticamente, Larrañaga conclamou aos deputados a afastarem a guerra e a desfrutarem
da paz e da tranqüilidade através da união da província à monarquia portuguesa. No entanto,
ele defendeu a autonomia da Banda Oriental, propondo que esta fosse considerada como um
estado separado, conservando-se, por exemplo, as suas leis e autoridades.
Da mesma forma que os outros deputados, o contato com a ata da sessão que discutiu a
anexação permite afirmar que Larrañaga utilizava a possibilidade do retorno à guerra como
legitimadora da opção pela permanência dos portugueses na Banda Oriental e, depois do seu
discurso, acordava-se a incorporação do território oriental ao Reino Unido português:
Entónces por una aclamacion general los S.S. Diputados dijeron: Este es el único
medio de salvar la Provincia; y en el presente estado à ninguno pueden ocultàrse las
ventajas que se seguiran de la Incorporac.n bajo condiciones que aseguren la libertad
civil [...] En este estado, declaràndose suficientemente discutido el punto, acordaron la
necesidad de incorporar esta Provincia, al Reyno Unido de Portugal, Brasil y Algarbes,
Constitucional, y bajo la precisa circuntancia de que sean admitidas las condiciones
que se propondrán y acordarán por el mismo Congreso en sus ulteriores sesiones,
como bases principales y esenciales de este acto [...]11
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Assim, no dia 18 de julho de 1821, os congressistas votaram, unanimemente, pela
incorporação de Montevidéu e sua campanha ao Reino Unido de Portugal, Brasil e Algarves.
O conjunto das atas também mostra que, no dia 23, denominou-se a província recém anexada
aos domínios lusos de Estado Cisplatino Oriental, e que nesta data decidiu-se que os
cisplatinos teriam representação no Congresso Nacional. No dia 31, segundo a documentação,
Lecor aceitou a anexação em nome de D. João VI, sendo que no quinto dia de agosto ocorreu
o juramento da mesma, comparecendo Lecor, os congressistas, e todas as autoridades e
funcionários de Montevidéu. No dia 8 houve a dissolução do Congresso e as suas últimas
ordens foram no sentido de enviar cópia das atas a Lecor, para assim informar ao rei e as
cortes de Lisboa dos acontecimentos.12
Agrega-se, ainda, que do Congresso resultou a redação de vinte e uma bases para a
incorporação, sendo que estes itens buscavam, de uma maneira geral, preservar as
especificidades orientais dentro da monarquia portuguesa. Conservavam-se os limites
territoriais anteriores à revolução artiguista entre a Cisplatina e o Rio Grande, mantinha-se o
castelhano como idioma oficial e a aplicação das rendas locais deveriam ser feitas na própria
província. Preservavam-se as leis locais, desde que estas não fossem conflitantes com a
constituição portuguesa que estava a ser elaborada pelas Cortes e, ainda, os empregos e cargos
da Cisplatina eram reservados aos seus naturais ou àqueles que haviam contraído matrimonio
na região.13 Assim, observa-se que com a política de casamentos empregada por Lecor,
diversos portugueses e brasileiros poderiam ocupar posições em cargos públicos da província.
É válido ainda ressaltar que, dentre as bases, mais especificamente a de número dezenove,
havia a garantia da manutenção de Lecor no poder, pois a clausula afirmava que: “Continuará
en el mando de este Estado [Cisplatino Oriental], el Señor Barón de la Laguna.”14
Em Portugal, não foi ratificado o resultado do Congresso Cisplatino e, com a emancipação
do Brasil, Lecor aderiu publicamente à causa da independência, iniciando-se, assim, novos
conflitos na região, entre partidários de D. Pedro I e de D. João VI.
Desse modo, conclui-se que o temor em relação ao retorno à guerra foi utilizado pelos
congressistas para argumentarem pela incorporação à monarquia portuguesa e para legitimar a
ocupação, sendo as atas fontes bastante válidas para reconstituir o discurso dos deputados e a
argumentação destes para a criação do Estado Cisplatino Oriental, bem como para analisar o
temor existente na sociedade local no que refere-se à possibilidade do retorno aos conflitos
bélicos.
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Provavelmente os deputados orientais utilizaram no Congresso a argumentação do retorno
aos conflitos bélicos pelos seus interesses pessoais (e dos grupamentos que eles
representavam) em incorporar a Banda Oriental à monarquia portuguesa, bem como pela
manutenção de Lecor no poder. Deste modo, Bianqui, Llambi e Larrañaga empregaram
argumentos plausíveis para respaldarem seus discursos, pois os mesmos estavam inseridos em
uma sociedade marcada pelos anos de conflitos e com seu imaginário temeroso no que
referia-se ao retorno das guerras. Além disto, não se pode ignorar que a ameaça bélica era um
risco eminente não só para a Banda Oriental, mas para toda a região do Prata, visto a
desordem que as províncias limítrofes estavam mergulhadas, ratificando, assim, o quão
plausível era a argumentação dos congressistas.
Assim, o discurso enfatizando a possibilidade do retorno da guerra, e o destaque a
possibilidade da paz, visto a ocorrência da recuperação do setor produtivo durante a ocupação
de Lecor, foi, sem dúvida, altamente persuasivo para uma população que sofreu por anos em
virtude de questões bélicas. Além disso, mesmo que a participação popular tenha sido vedada
no Congresso, sendo este constituído por membros dos segmentos dominantes,
provavelmente, o que foi discutido em suas reuniões teve repercussão junto à sociedade
oriental, criando, deste modo, argumentos favoráveis à atitude dos congressistas de anexar o
território oriental à monarquia lusa, bem como legitimadores da presença de Lecor e de suas
tropas na região.
Sendo assim, a manutenção do poder português acenava ser, ao menos no momento do
Congresso, a solução mais conciliatória e a menos conflituosa para a sociedade oriental e para
os grupamentos locais mais destacados e representados no Congresso Cisplatino. No entanto,
a opção dos orientais pela incorporação ao Reino Unido português não os livrou de novas
guerras, pois a adesão de Lecor ao Brasil fez com que conflitos bélicos fossem novamente
estabelecidos na Cisplatina.
Finalizando, observa-se que o Congresso Cisplatino veio a mudar o destino oriental, pois
uniu legalmente este território à Coroa de Bragança, oficializando a ocupação lusa, além de
interferir na geopolítica platina, mantendo territorialmente Portugal e, depois, o Brasil, no
Prata e diretamente vinculados aos assuntos desta região, tendo que lidar com as constantes
oposições e mudanças políticas características dos governos das províncias limítrofes.
Agrega-se ainda que o resultado do Congresso foi fato crucial para a eclosão da Guerra da
Cisplatina, que levou à criação da República Oriental do Uruguai.
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Campinas - 2006
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1
O método permite que um único mestre instrua, com a ajuda de monitores (alunos mais avançados e instruídos
diretamente pelos mestres), até mil alunos, e que cada pupilo, em oito meses, possa aprender a escrever, ler e
contar.
2
SAINT-HILAIRE, Auguste de. Viagem ao Rio Grande do Sul. Brasília: Senado Federal, 2002.
3
RIBEIRO, Ana. Montevideo, la malbienquerida. Montevidéu: Ediciones de la Plaza, 2000, p.43.
4
RIBEIRO, op. cit., p.44.
5
ACTAS DEL CONGRESSO CISPLATINO. Montevidéu, 1821. Archivo General de la Nación.
6
Idem, f.4v.
7
Idem, f. 8v e 9.
8
Idem, f.9
9
Idem, f.10 v e 11.
10
Idem, f.10 v e 11.
11
Idem, f.12v.
12
Idem, f.39 e 39v.
13
Idem, p.31v – 33v.
14
Idem.
11
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