DISCURSOS SOBRE IDADE NO CORPO FEMININO: REFLEXÕES SOBRE
IDENTIDADE E SUBJETIVIDADE
Marina Oliveira Barboza Brandão*
RESUMO: Este artigo tem por objetivo analisar os discursos produzidos pelas tecnologias da beleza e
sua relação com os discursos sobre idade no corpo feminino. Procurou-se refletir sobre o corpo feminino
e o seu entrelaçamento com os discursos sobre beleza e idade marcados pelos processos de subjetivação
construídos pelas formações discursivas. Para tanto tomaremos como arcabouço teórico os estudos do
gênero LOURO (2010), LAURETIS (1994) e a Análise do Discurso Francesa MARIANI (1998), VAN
DIJK (2008), ORLANDI (2007), SOUZA (2003) e outros. Como lócus de análise escolhemos os discursos
produzidos por uma revista de cosméticos destinados ao “tratamento do envelhecimento”.
PALAVRAS-CHAVE: mulher; idade e discursos; tecnologias da beleza.
ABSTRACT: This article intends to analyze the discourses produced by the beauty of technology and its
relation to the discourse on age in the female body. We tried to reflect about the female body and its
imbrication with the discourses on beauty and age marked by processes of subjectivity constructed by
discursive formations. For that, we will take as the theoretical foundation of the genre studies LOURO
(2010), LAURETIS (1994) and the French Discourse Analysis (MARIANI (1998), VAN DIJK (2008)
ORLANDI (2007), SOUZA (2003) and others. The locus of analysis chosen were the discourses produced
by a magazine cosmetic for the "treatment from aging"
KEYWORDS: woman; age and discourses; beauty of technologies
INTRODUÇÃO
Discutiremos, inicialmente e de forma breve, alguns conceitos sobre identidade e corpo,
bem como a significação do corpo feminino e seu entrelaçamento com os discursos
hegemônicos sobre beleza. Louro (2001) argumenta que os corpos são construídos
socialmente, ou seja, somos seres culturais. Não é a biologia quem nos define, mas os
valores simbólicos, as convenções, as linguagens e representações que vão atuando nos
corpos, definindo-os, modificando-os. Assim,
através de processos culturais, definimos o que é - ou não – natural;
produzimos e transformamos a natureza e a biologia e consequentemente, as
tornamos históricas. Os corpos ganham sentido socialmente (LOURO, 2010,
p. 11).
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O corpo feminino é alvo das construções sócio-identitárias sobre beleza. Os discursos
produzidos pelas tecnologias da beleza movimentam o mercado capitalista e produzem
diversas identidades. Em busca de um padrão de beleza construído discursivamente, as
mulheres modificam seus corpos acreditando serem donas dessa decisão.
Lauretis (1994) afirma que o corpo feminino sempre foi alvo dos discursos sobre
sexualização, salientando que o cinema é responsável por parte dessa discursividade
sobre o corpo feminino. Segundo a autora, as teóricas feministas da área do cinema já
estudavam os efeitos dos discursos e códigos cinematográficos sob a construção da
identidade da mulher. Ou seja, esses discursos trazem subjacentes “o corpo feminino
como lócus primário da sexualidade e do prazer visual” (LAURETIS, 1994, p. 221).
Assim, o cinema constitui-se, segundo a autora, numa “tecnologia de gênero”, pois
através do aparato cinematográfico e a análise das técnicas cinematográficas como
“(iluminação, enquadramento, edição, etc.) e os códigos cinematográficos específicos
(por exemplo, a maneira de olhar) constroem a mulher como imagem, como objeto do
olhar voyeurista do espectador” (LAURETIS, 1994, p. 221).
A mídia, então vai construindo um padrão para o gênero feminino. A sexualidade
feminina é sempre construída em oposição à masculina. O ideal é sempre o oposto ao
masculino, assim o gênero feminino pela normatização social não deve questionar o
masculino, para que isso ocorra adjetivos como beleza, sensualidade, leveza, delicadeza,
fragilidade são atribuídos ao corpo feminino. Assim um corpo que não apresente essas
características é alvo de “desconfiança”.
Desse modo, existem discursos diferenciados para homens e mulheres que produzem
diferentes significados em diferentes momentos históricos. Em citação a Hollway,
Lauretis argumenta que, o que faz as pessoas se constituírem como resultado de alguns
discursos e não de outros é o:
Investimento que se faz nas posições discursivas. Esse investimento estaria
entre um comprometimento emocional e um interesse investido no poder
relativo (satisfação, recompensa, vantagem), que tal posição promete (mas
não necessariamente garante) (LAURETIS, 1994, p. 221).
Isso poderia explicar os investimentos, neste caso, financeiros, que as mulheres fazem
para modificarem seus corpos. Não são necessariamente as mudanças que interessam,
mas o sentido e os ganhos simbólicos que essas mudanças trazem. Os discursos sobre
beleza e juventude são de, tal modo, incutidos pelos meios de comunicação que meninas
desde muito cedo já se preocupam com os seus corpos de uma forma, muitas vezes,
doentia. Acredita-se nessa lógica da indústria da beleza de tal forma que a única
possibilidade aceitável, para a maioria, é aquela ditada pela mídia. A beleza tem cor,
tipo de corpo e peso ideal, todos construídos sócio-discursivamente.
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1. A MULHER E AS IDENTIDADES DO MERCADO DA JUVENTUDE
Ser mulher na sociedade atual é vivenciar múltiplos papeis e ao mesmo tempo ser
interpelada por construções sócio-discursivas de toda ordem. Analisaremos como se dá
a constituição do sujeito feminino em face aos discursos sobre beleza e juventude. A
beleza construída discursivamente para a mulher se caracteriza como capital simbólico.
Segundo Mariani (1998):
O simbólico está relacionado ao processo do significante e do sócio-histórico
na constituição do sujeito de tal forma que, posto em relação à experiência no
mundo, possibilita que sentidos sejam sempre produzidos (MARIANI, 1998,
p. 88).
Desse modo, a identificação com os discursos sobre o cuidado com o corpo e a beleza
feminina é possível graças ao valor simbólico agregado a esses discursos. As
identidades são sempre produzidas no âmbito da cultura e da história e por isso como
bem afirma Hall (2003), são contingentes e transitórias.
Em diversos momentos ao longo da história a categoria mulher assumiu diversos
significados sociais. Esses sentidos produzidos nos discursos e para atenderem a
inúmeros interesses ideológicos, econômicos e de classe, dentre outros, constituíram a
imagem da mulher de modos diversos ao longo do tempo.
Como dito antes, a mulher é alvo do olhar, constitui-se como figura que deve
representar a beleza, a sensibilidade, deve dar prazer ao olhar. A mídia, grande
produtora e reprodutora de ideologias, assume um papel primordial na construção de
identidades femininas. Pelo controle dos discursos sobre beleza, juventude e
feminilidade vão se construindo categorias discursivas que produzem novas
necessidades e, consequentemente, se transformam em capital simbólico, do qual não se
pode abrir mão. Os meios de comunicação de massa manipulam os discursos do
mercado de consumo como nos aponta Guareschi (1987):
Numa sociedade capitalista, cada atividade e cada produto participam do
mundo e da lógica dos objetos de consumo [...] a fim de estabelecer a forma
mercantilista das comunicações, fazer dessa forma uma atividade natural,
isto é, uma atividade que seja realizada sem que os dominados (ou seja,
os receptores) suspeitem da identidade dela como sendo um instrumento
de dominação, controlado por determinada classe – os meios de
comunicação têm de passar através de um processo de fetichização,
semelhante àquele a que todas as atividades e produtos estão sujeitos. Sob a
influência desse fetichismo, seres vivos são transformados em coisas
(fatores de produção) e coisas começam a assumir qualidades de seres
vivos. Dessa maneira, o dinheiro trabalha, o capital produz e,
consequentemente, os meios de comunicação agem. (GUARESCHI, 1987, p.
18) Grifo nosso.
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Desse modo, produtos são transformados em objetos de desejo, mais que isso, em seu
entorno são produzidos todos os discursos que justificam sua existência e legitimam sua
necessidade para que enfim, possa-se utilizá-lo e/ou consumi-lo sem culpa. Assim,
usando a estratégia da persuasão e da manipulação a mídia produz no consumidor uma
necessidade legítima. “Uma característica típica da manipulação é comunicar crenças
implicitamente, isto é, sem realmente afirmá-las e, portanto, com pouca chance de
serem questionadas” (VAN DIJK, 2008, p. 123).
Os discursos sobre beleza e juventude são de tal modo, inculcados na mente das
pessoas, que sua validade não é questionada pela maioria. Van Dijk (2008) diz que uma
maneira de manter o poder sobre as pessoas, além dos discursos é através do controle de
suas mentes. Segundo o autor as pessoas (receptores) tendem a aceitar crenças,
conhecimentos e opiniões através dos discursos produzidos por fontes tidas como
confiáveis, tais como, peritos, acadêmicos, meios de comunicação confiáveis e somado
a isso, quando outras visões de crenças não são divulgadas ou falta às pessoas
conhecimentos e crenças necessárias para contra-argumentarem, tudo isso contribui para
a aceitação do que está posto como “normal”, como verdade.
Nesse contexto partimos para análise do “tratamento do envelhecimento”, visto que se
tem em nossa sociedade um padrão e/ou um discurso sobre o conceito de mulher que
consequentemente está atrelado à beleza, não se admite relacionar beleza e velhice ou
idade avançada, pois o belo na nossa sociedade está intrinsecamente ligado ao conceito
de novo, jovem, atual. Deste modo, uma mulher velha já foge à ordem vigente dos
discursos sobre beleza. Assim, a sociedade “trata” a velhice ou, nos termos das
empresas cosméticas, o “envelhecimento”.
Na sociedade atual há tratamento para todos os males sejam físicos ou psicológicos e
trata-se de forma bioquímica. As pessoas estão acostumadas a não viverem suas
emoções, assim os estados psíquicos como tristeza, stress, melancolia podem ser
medicados/tratados como doença, conforme aponta o Psicanalista Bezerra Junior
(2009). Junior diz que na contemporaneidade a subjetividade se cola no corpo, ou seja,
há um desenvolvimento de vocabulário fisicalista que determina como o corpo deve
atuar ou funcionar socialmente. A medicina passa a responder aos anseios da população
que incorpora o seu vocabulário e o usa com propriedade justificando-o inclusive.
As formações discursivas do campo da medicina contribuem para a construção de um
discurso incontestável. O corpo como alvo da medicina passa na atualidade a ser o
centro do sujeito, assim, o sujeito atual tira as normas de comportamento social da
corporeidade não mais das ideologias e religiões dentre outras opções (Bezerra Junior,
2009). Os conceitos de vida saudável passam a dominar nossa sociedade atual
interferindo nos processos de interação social, deste modo criou-se um padrão de vida
saudável e corpo saudável. Nestes termos, o corpo saudável deve ser o corpo jovem,
rígido, rápido, musculoso dentre tantos outros adjetivos. O “corpo bom” passa a ser a
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norma e quem foge dessa norma é considerado “atrasado” ou doente, ou seja, não
alcançar o padrão desejado muitas vezes é sinal de doença. E o padrão é sempre o ideal
construído pelos interesses econômicos do poder hegemônico.
2 OS DISCURSOS DA JUVENTUDE CORPORAL – TRATANDO A VELHICE
Neste tópico analisaremos as formações discursivas produzidas por uma empresa de
cosméticos voltada para o mercado feminino. O recorte para a análise foram os produtos
destinados ao tratamento da pele, especificamente o rosto feminino no que tange a idade
e envelhecimentoi.
A questão da idade em relação à mulher é muito forte em nossa sociedade, pois que a
velhice é tratada como doença, algo que deve ser mascarado/maquiado, ou seja, deve
ficar escondido caso seja impossível se livrar dela. Deste modo, as mulheres buscam
cada vez mais produtos que possam trazer-lhes a beleza prometida, beleza esta
associada a uma aparência jovem, lisa, sem rugas.
A linha de produto analisada promete produtos “anti-idade” para todas as faixa etária da
mulher (25 anos, 35 anos, 45 anos e 60 ou mais). Uma mulher com 25 anos não poderia
ser considerada como velha ou necessitando de produtos para idade, mas existem
discursos que justificam o uso de produtos “anti-idade” que previnem esse
envelhecimento, ou seja, já muito cedo a mulher começa a entender que envelhecer,
processo natural ao qual todos os humanos passaram, não é um fator positivo visto que
é preciso prevenir-se. Para justificar essa necessidade, o discurso médico é aludido:
Aos 25 anos, a pele fica mais oleosa, os poros mais abertos e começam a
aparecer as primeiras marcas de envelhecimento, como as linhas finas.
Desse modo, como afirma a empresa, “previne e trata os primeiros sinais”. Quanto à
justificativa da pele mais oleosa seria mesmo em todos os tipos de pele? Caso não o
fosse, porque isso não está explicito?
Aos 35 anos sugere-se que haja uma reversão dos sinais de envelhecimento. A
terminologia dos produtos muda para “reversalist”, “restaurador anti-idade”. Para
convencer a consumidora da necessidade do produto encontramos apelos como:
“reverte os sinais moderados de envelhecimento”
E como justificativa médica:
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“por volta dos 35 anos, a pele do rosto começa a apresentar sinais de
ressecamento, rugas e marcas mais acentuadas”.
“reverte os sinais de idade enquanto você dorme”
“reduz visivelmente a aparência de rugas e marcas da idade”
“Em 03 dias, começa a reduzir a aparência das rugas” **
Nota-se que as mídias do consumo sabem com que tipo de público lidam, desse modo,
não fazem afirmativas sem que tenham respaldo médico ou científico. Mas podem fazer
parecer que há uma pesquisa sobre o assunto, assim, na frase “Em 03 dias começa a
reduzir a aparência das rugas**”, os asteriscos remetem a uma informação
estrategicamente colocada na vertical da revista com a mensagem: “Baseado em estudo
de percepção do consumidor”. Ou seja, dito deste modo ganha um caráter de aparente
cientificidade implícito nas terminologias “estudo” e “percepção do consumidor”. Não
está dito que é uma pesquisa nos moldes acadêmicos, mas fica implícito, parece ser,
pois opera com as formas didáticas de referenciação científica, qual seja indicar em nota
de rodapé o referente, e/ou a explicação da afirmação realizada.
Aos 45 anos os produtos para tratamento tornam-se mais potentes, desse modo o campo
lexical também deve persuadir as consumidoras, assim temos expressões como;
“Combate os sinais avançados do envelhecimento”
E como justificativa tem-se:
“Na maturidade, a pele do rosto fica mais seca e apresenta sinais avançados
de envelhecimento, como flacidez, mais marcas e rugas”.
Nesta idade, o tempo é uma questão crucial, assim os produtos devem ser rápidos em
seus efeitos:
“Em 3 dias: preenche a aparência de rugas profundas”. (creme noite)
“Em 3 dias: restaura o controle facial”. (creme dia)
A partir dos 60 anos a mulher tem a opção de “restaurar os sinais muito avançados
do envelhecimento”. Assim as áreas consideradas problemáticas tais como, lábios e
olhos são apontadas, e um produto específico para essas áreas é indicado.
“Restaura os sinais muito avançados do envelhecimento”
“Melhora na aparência das rugas finas dos lábios e dos pés-de-galinha dos
olhos”
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Justificativa médica:
“Nesta idade, a pele apresenta alto grau de ressecamento e sinais muito
avançados de envelhecimento, como rugas, flacidez e marcas profundas”
Desse modo, a empresa consegue chamar a atenção para o público feminino de todas as
idades com um campo lexical que justifica a necessidade de uso dos produtos em cada
faixa etária. Aos 25 anos “previne”, aos 35 “reverte”, aos 45 “combate” e aos 60 ou
mais “restaura”. Desse modo, possibilita que as mulheres em geral se identifiquem
com determinadas necessidades de consumo e a empresa garante para sua linha de
produtos um mercado constante de consumidoras, visto que a ideia dos produtos atende
às mulheres de várias gerações.
Esses discursos mostram a impossibilidade de aceitar que uma mulher não mascare e/ou
trate os sinais do tempo. Mulheres com um rosto irreal, visto que são rostos
produzidos/maquiados para mostrarem as vantagens do produto, são associadas aos
produtos como possibilidade ou objetivo de beleza feminina e juventude.
Observe-se que essa linha de produto não considera os rostos negros, a maioria dos
rostos são de modelos brancas, apesar de vivermos em um país em que cerca de 50% da
população é declaradamente negra e/ou parda. A preferência por peles claras está
implícita em muitas frases como “mãos mais jovens, claras e protegidas” para a venda
de produtos específicos para o clareamento da pele. Assim, o produto apresenta um
nome “poderoso” como “Luminosity”, alusão à claridade, luz, brilho. E claro, esses
adjetivos não são associados à pele escura ou negra já que a mesma não possui tal
característica, logo, evidencia-se que o padrão de beleza estabelecido hegemonicamente
é a pele branca. A pele escura geralmente não é mostrada como sinal de beleza.
As mulheres passam por um processo de assujeitamento produzido pelos discursos
históricos sobre sua própria constituição dada pelas construções da linguagem que estão
carregadas de posições ideológicas. Assim, em nossa sociedade o olhar sobre a mulher
não permite que esta assuma uma identidade de “mulher velha”, pois que envelhecer em
nossa sociedade é tornar-se obsoleto, objeto de asco, muitas vezes. O culto ao novo,
jovem e viril é o padrão socialmente aceito. Segundo Mariani (1998):
Ser trabalhado pela língua diz respeito à entrada do sujeito em um mundo já
dotado de sentidos que o antecedem. Há, nesta entrada, uma memória
discursiva já organizando este mundo para o sujeito. O processo de
identificação-interpelação, portanto, se realiza nas filiações constituídas pelas
redes de memória, memória atravessada ao mesmo tempo pelas relações
inconscientes e determinações históricas. Ou seja, o sujeito não escolhe um
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modo pelo qual será interpelado. Ele é interpelado porque é afetado pelas
determinações históricas e inconscientes. (MARIANI, p. 90, 1998)
Contudo, podemos observar que há espaços para as resistências, muitas mulheres não
aceitam o papel ao qual lhes foi imposto e rejeitam essas noções de padrão de
comportamento, de beleza, dentre outros. Poderíamos pensar em o que as faz resistir?
Por que nos identificamos com determinadas formações discursivas? Souza (2003)
argumenta citando Foucault (1998) que é preciso pensar não no por que os indivíduos se
deixam subjugar, mas é necessário analisar “as relações de sujeição efetivas que
fabricam sujeitos”. Segundo Souza:
O que define a resistência não é uma ação de entrincheiramento do sujeito em
si mesmo. É justamente o contrário. O movimento é de saída da trincheira
(...), resistir não é deter-se em si como origem da subjetividade, mas
enveredar para outros modos de subjetivação. (SOUZA, 2003 p.41)
Assim, os novos modos de subjetivação só são possíveis graças aos novos modos
subjetivos de ser, construídos por novas práticas discursivas. Focamos nossa análise
nesse ponto. É preciso pensar em práticas discursivas opcionais ao poder hegemônico
imposto pela mídia no que tange às simbologias sobre beleza e idade no corpo feminino,
pois estes valores simbólicos constroem determinadas identidades em detrimentos de
outras.
Embora a identificação ou não com determinados discursos tenha relação com aspectos
do inconsciente, Bakhtin (2009) tece considerações acerca do conteúdo do inconsciente
formulado por Freud. Segundo o autor, “nenhuma enunciação verbalizada pode ser
atribuída exclusivamente a quem a enunciou: é produto da interação entre falantes e, em
termos mais amplos, produto de toda uma situação social em que ela surgiu”
(BAKHTIN, 2009, p. 79).
Desse modo, para Bakhtin, o material do inconsciente é constituído na materialidade da
linguagem localizada no consciente. Para ele “uma vivência individual conscientizada já
é ideológica”. Esse material verbal discursivo e ideológico é que forma o inconsciente,
parte-se sempre do exterior para o interior e nunca o contrário, segundo o autor.
Para analisarmos as posições de constituição dos sujeitos e de resistência é preciso levar
em conta que os lapsos, as falhas que produzimos ao enunciarmos nossa posição de
sujeitos se dá em um espaço consciente/inconsciente de forma contingente, ou seja, não
há garantias de que estejamos lá sempre e do mesmo modo. As posições ocupadas são
sempre instáveis e apelam para o que, em determinado momento, pode interpelar o
sujeito, de modo que seus enunciados pertençam a essa ou aquela formação discursiva.
Como afirma Orlandi (2007), as palavras significam e ressignificam a partir da posição
dos sujeitos.
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Essa produção enunciativa dada pelos discursos apresenta-se ao sujeito como algo que
só poderia ser dito desta forma, visto que em sua enunciação não consegue ou não pode
lembrar-se (esquecimento n. 2) de que seu discurso poderia ser dito de outra forma.
Soma-se a isso o fato de que o sujeito, é ao mesmo tempo, assujeitado pelas condições
de produção do seu discurso.
Desse modo, retorna-se para o material linguístico e para o campo ideológico inscrito
na história e nas relações de poder estabelecidas entre as sociedades, culturas, espaço e
tempo. Porém, esse retorno ao campo material dos discursos nos leva de volta ao
inconsciente, pois o material linguístico sempre apresenta faces diversas e as escolhas
que fazemos são marcadas pela inconstância, pela falta de coerência e pelos lapsos que
afinal vão dando um contorno ao sujeito afetado sócio historicamente e interpelado pela
subjetividade da sua própria identidade.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Este artigo teve por objetivo refletir sobre a mulher e a fase da velhice e como ela é
interpelada pelos discursos de juventude de nossa sociedade. Entendendo que os meios
de comunicação estão a serviço da ideologia dominante e do mercado capitalista do qual
estamos sujeitos e que tem por objetivo manipular e criar desejos e expectativas para
enfim, conseguir um mercado para seus produtos.
Desse modo, analisar a linguagem utilizada em produtos publicitários implica em
analisar os discursos como construção social na qual as pessoas envolvidas agem sobre
o mundo e, ao mesmo tempo, constroem suas identidades. Essas formações discursivas
posicionam as pessoas nas mais diferentes esferas da vida social. As relações de poder
estabelecidas nos discursos sobre o corpo feminino posicionam as mulheres e marcam
as diferenças aceitas ou não. Woodward (2007) argumenta que:
As identidades são fabricadas por meio da marcação da diferença. E a
marcação da diferença ocorre tanto por meio de sistemas simbólicos de
representação quanto por meio de formas de exclusão social. A identidade,
pois, não é oposto da diferença: a identidade depende da diferença. Nas
relações sociais, essas formas de diferença – a simbólica e a social – são
estabelecidas, ao menos em parte, por meio de sistemas classificatórios
(WOODWARD, 2007: p. 39-40).
Segundo Woodward (2007), as diferenças são produzidas em sistemas de oposição que
delimitam os espaços determinando o nós-eles. Dessa forma, pode-se produzir,
determinar e classificar quais os símbolos pertencentes a cada grupo, e quais aqueles a
que se atribui valor ou não.
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Essas classificações nem sempre são explicitas, mas aparecem nas ausências
significativas, nos ditos e não ditos sobre determinado tópico (Orlandi, 2007). Não está
explicito que determinados produtos não foram feitos para mulheres negras, mas está
implícito pela ausência de representação dessas mulheres. Não está explicito que
mulheres que não apresentem determinada padrão de beleza serão excluídas, mas está
implícito pelas ausências e silenciamentos sobre as mulheres etnicamente diferentes, por
exemplo, ou pela afirmação e reafirmação de valores relacionados apenas às mulheres
brancas.
Quando a mídia e as tecnologias de beleza tratam a juventude como valor supremo,
automaticamente estão delimitando posições sociais, ou seja, aqueles que não pertencem
ao grupo jovem estão sendo posicionados do lado oposto, excluídos daquele campo
lexical e consequentemente, produz-se uma exclusão social. Mudar o corpo deve e pode
ser uma escolha, mas o que chamamos atenção é que o mercado consumista traz isso
como uma imposição ao criar padrões e identidades “corretas” por meio de discursos
que tem como finalidade alimentar o mercado capitalista.
Procurou-se, então, refletir sobre a velhice como tratamento, pois ao tratarmos os sinais
de envelhecimento que é inerente ao ser humano, estamos tratando este ser humano
velho como uma doença. Deste modo, trabalha-se a exclusão de uma parcela
significativa da população. Há que se considerar que para os homens ser velho não o
torna propriamente alguém excluído, contudo a mulher velha não é vista com bons
olhos. O apelo pela juventude no gênero feminino é muito maior.
Assim, a identificação com determinados discursos pode ocorrer pela necessidade de ser
aceito e não necessariamente por escolha, pois que somos construídos a partir do outro e
o olhar do outro dilacera, perpassa-nos a alma, nos faz perguntar sobre quem somos.
Uma construção discursiva é mais que um código verbal, é a representação daquilo que
construímos sócio-historicamente nas interações sociais.
i
Foram analisados os discursos produzidos para a venda dos produtos para rejuvenescimento anunciados
pela Revista Avon – Campanha 13/2013 – p. 70-77.
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In: Identidade e diferença: a perspectiva dos estudos culturais. 7 ed. Petrópolis, Rio
de Janeiro: Vozes, 2007.
*Marina Oliveira Barboza Brandão é Mestre em Letras – Área de concentração: Linguística e Transculturalidade pela
Universidade Federal da Grande Dourados/UFGD.
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