AS REPRESENTAÇÕES SOCIAIS E O FEMININO NAS ESFERAS PÚBLICAS DA
SOCIEDADE: UMA HISTÓRIA DE LUTAS, RESISTÊNCIAS E CONQUISTAS.
Luciana Silva Codognoto
Bacharel em psicologia
Mestranda em História pela UFGD
1. Apresentação
Este artigo objetiva evidenciar o percurso das representações sociais na
determinação de papéis de homens e mulheres na sociedade. Abordaremos tais
aspectos a partir do estudo das relações de gênero, dando ênfase às contribuições
de Arendt, Safiotti, Perrot, Bordieu e Moscovici enquanto pontos para possíveis
questionamentos acerca da participação das mulheres nos espaços públicos da
sociedade. Por essas e outras, é possível dizer que as representações, baseadas na
anatomia dos sexos, se manifestam, ao longo da história, mediante a construção de
ideais femininos e masculinos, apresentando-se de forma mascarada e natural em
nossa sociedade o que, consequentemente, colaborou para o estabelecimento e a
perpetuação das relações sociais desiguais entre homens e mulheres, sobretudo
nos espaços públicos. É, pois nesse contexto, até então secreto, ou ainda, oculto
pela sociedade que intensas lutas foram e ainda continuam sendo travadas como
espaço de batalhas, resistências e conquistas de muitas mulheres.
2. Introdução
Nos últimos anos são frequentes as discussões que fazem referência às
mulheres e relevantes são os destaques apontando as questões que fazem alusão
ao feminino nas esferas públicas da sociedade, sobretudo a partir da década de 80,
momento marcado pelas tentativas de ampliação das temáticas e do corpo teórico
referentes à inserção das mulheres no mercado de trabalho.
Desse modo, muito se tem escrito sobre as mulheres nos últimos anos
devido à sua maior participação no processo produtivo do país, ocorrida pós
segunda guerra mundial, repercutindo a inserção feminina na ordem do público
mediante o direito à cidadania, à participação nas decisões, sobretudo na vida
econômica da sociedade.
Assim, ao se propor estudar as mulheres nos espaços públicos, destaca-se
a necessidade de mencionarmos o papel das Representações Sociais no
estabelecimento e legitimação da invisibilidade feminina ao longo da história,
expressa tanto no âmbito dos registros históricos quanto na marginalização das
mulheres em ambientes que restringem o espaço público.
Diante disso, pretende-se enfatizar com essa pesquisa o papel das
Representações Sociais baseadas na anatomia dos sexos e consequentemente a
sua atuação na sociedade mediante a determinação, ainda que equivocada, de
papéis de homens e mulheres no contexto social, mediante as contribuições chaves
de Arendt (1983), Saffioti (1976), Moscovici (2003), Perrot (2005) e outros teóricos
enquanto interrogações para possíveis reflexões acerca das mulheres nos espaços
públicos da sociedade.
Para tanto, a compreensão de qualquer conteúdo referente ao feminino
requer pesquisa aprofundada. O estudo sobre as Representações sociais acerca
das mulheres e a sua repercussão especialmente nas esferas públicas da sociedade
se justifica não somente por sua relevância e complexidade, como também por sua
ligação íntima com outros conceitos propostos pela psicologia, sociologia e,
sobretudo pela ótica da interdisciplinaridade nas ciências humanas, ponto de onde
partiremos a nossa análise.
3. As representações sociais e o feminino
A historiografia acerca das mulheres revela que a presença do binômio
masculino/feminino, enquanto categoria apoiada na diferenciação dos sexos tem
sido determinante, ao longo da história, no que se refere à participação das
mulheres na sociedade, sobretudo nos espaços públicos.
Os termos público e privado são abordados nessa pesquisa a partir da visão
de Hannah Arendt que ressalta de maneira marcante em sua obra “A Condição
Humana”, de 1983, a noção de público e privado a partir da concepção mais remota
encontrada na Grécia antiga.
Segundo Arendt, na cidade-estado grega, a individualidade era vinculada à
esfera pública e esse espaço consistia no "único lugar em que os homens podiam
2
mostrar quem realmente e inconfundivelmente eram" (ARENDT, 1983, p.51).
Ademais, o espaço público funcionava como referência para o sujeito da construção
e como acesso à sua identidade, visto que esse domínio se configurava naquele que
tinha como função “iluminar a conduta humana, permitindo a cada um mostrar, para
o melhor e para o pior, através de palavras e ações, quem é e do que é capaz”
(ARENDT, 1983, p.01).
A autora indica ainda dois outros fenômenos que aparecem interligados,
porém distintos na questão do espaço público. O primeiro se refere ao público
enquanto espaço que poderá ser escutado por todos, apresentando a máxima
publicidade; o segundo se refere ao mundo na medida em que ele é comum a todas
as pessoas. Logo:
o termo público significa o próprio mundo, à medida que é comum a todos
nós e diferente do lugar que nos cabe dentro dele. Este mundo, contudo,
não é idêntico à terra ou à natureza como espaço limitado para o
movimento dos homens e condição geral da vida orgânica. Antes, tem a
ver com o artefato humano, com o produto de mãos humanas, com os
negócios realizados entre os que, juntos habitam o mundo feito pelo
homem (...) A esfera pública, enquanto mundo comum reúne-nos na
companhia uns dos outros e, contudo evita que colidamos uns com os
outros, por assim dizer (ARENDT, 1983, p. 62).
A partir de tudo isso, pode-se perceber a questão do público e do privado
enquanto importantes territórios de expressão das representações, sobretudo
àquelas que tangem à concepção de feminino e masculino nas esferas da sociedade
atual. Ademais, Arendt (1983) ressalta de um lado, o público como sendo um meio
de referência à construção da identidade e expressão do sujeito e de outro, o
privado, como local de privação e necessidade.
Em suma, o público, na visão da autora supracitada estabelece as fronteiras
que tanto ligam como separam as pessoas, e se faz repensar a questão mais
profunda que envolve a participação de homens e mulheres na sociedade a partir de
posições sociais preestabelecidas ao longo do tempo, tendo como premissas
básicas a diferenciação calcada na anatomia dos sexos. Tal fato tem proporcionado,
ao longo da história, um terreno favorável para o surgimento de representações que
se apresentam como fortes aliadas para o confinamento das mulheres em locais que
se remetem ao espaço privado.
A esse respeito, Perrot (2005) salienta a concepção “sexualização de
gênero”, no qual tem se dedicado a apresentar o espaço público aos homens e às
3
mulheres, o confinamento da vida privada, representada pelos afazeres de casa e
pelas profissões que se configuram e se encontram apoiadas na maternagem. Logo:
A concepção da mulher, talhada especialmente para o privado (e incapaz
para o público), é a mesma em quase todos os círculos intelectuais do final
do século XVIII [...] tornou-se uma referência no discurso sobre a mulher.
Esta é representada como o inverso do homem. É identificada pela sua
sexualidade e seu corpo, enquanto o homem é identificado por seu espírito
e energia. O útero define a mulher e determina seu comportamento
emocional e moral. [...] A combinação da fraqueza muscular e intelectual e
sensibilidade emocional fazia delas os seres mais aptos para criar os filhos.
(HUNT, 1991, p. 50).
A partir das considerações acima, pode-se perceber que, por muito tempo,
as mulheres ficaram à margem da participação social, apresentando somente
características que as destinavam exclusivamente aos afazeres domésticos e às
atividades que estariam ligadas à maternidade: “Apenas a casa, a maternidade e a
família eram os lugares que definiam como possíveis para as mulheres”
(CARDOSO; VAINFAS, 1997, p. 291).
Assim sendo, é percebível ao longo da história a construção de
representações acerca das mulheres, o que tem norteado e, sobretudo alicerçado a
visão da condição feminina na sociedade, sendo estas carregadas de valores e
sentidos socialmente aceitos. Nesse sentido, destaca-se a figura de Adão e Eva, no
livro de Gênesis:
[...] mas para o homem, não encontrou a auxiliar que lhe correspondesse.
Depois da costela que tirara do homem, Iahweh modelou uma mulher e a
trouxe ao homem.
Então o homem exclamou:
Esta sim, é osso de meus ossos,
E carne de minha carne!
Ela será chamada mulher,
Porque foi tirada do homem (BIBLÌA SAGRADA DE JERUSALÉM, 1985, p.
34).
Desse modo, o entrecruzamento de representações acerca do feminino a
partir dos tempos passado, presente e futuro, o que tem colaborado para o
estabelecimento de um eixo que passa a ser o articulador de outras representações,
elaborando sentidos para a vida cotidiana de muitas mulheres, sobretudo nas
relações de gêneros, fazendo pensar na questão proposta pelas idéias de Bordieu,
que fundamentam o esquema teórico do que ele denomina habitus – como sendo:
Um sistema de disposições duráveis e transferíveis que integram todas as
experiências passadas funciona a todo o momento como matriz de
4
preocupações, apreciações e ações. O habitus torna possível o
cumprimento de tarefas infinitamente diferenciadas, graças às
transferências analógicas de esquemas que permitem resolver os
problemas, da mesma forma, graças às correções incessantes dos
resultados obtidos e dialeticamente produzidos por estes resultados
(BORDIEU, 1972/1983, p. 178).
Embora se possa localizar a presença do conceito de habitus em obras
mais antigas do autor, o texto acima selecionado, escrito em 1972, refere-se a um
dos primeiros momentos de sistematização e formalização do conceito.
Segundo o autor, o habitus gera as práticas e, por conseguinte, as
representações, sendo, muitas vezes, deturpadoras de sentido. Além disso,
condicionam o aprendizado e, no caso de gênero, cria identidades de feminino e
masculino. Nesse contexto, acaba por existir um sistema de disposições que dão
significado às ações e às representações do indivíduo. Ou seja, um sistema que
adentra as consciências e perpassa as práticas e estruturas sociais e individuais
(BOURDIEU, 1989). Tal fato pode ser ainda expresso na formulação de idéias
acerca do que seria tido como feminino e masculino, ou melhor, das representações
que envolvem os termos supracitados no âmbito público e privado.
O conceito de Representações foi ressaltado por vários autores, sob óticas
distintas. Dentre eles, citamos os trabalhos de Falcon (2000), Chartier (2002) e
Moscovici (2003). Percebe-se sua fundamentação etimológica a partir da leitura de
Falcon que concebe as
representações: “[...]
provindas da forma latina
repraesentare - fazer presente ou apresentar de novo. Fazer presente alguém ou
alguma coisa ausente, mesmo uma ideia, por intermédio da presença de um objeto”
(FALCON, 2000, p. 45).
Moscovici (2003), autor de relevante destaque nessa análise, ressalta que
as representações sociais são dinâmicas porque se constituem em um meio
dinâmico que é a comunicação. Ademais, o autor caracteriza o termo
representações como um importante elemento de coesão grupal, no qual
determinado grupo construirá uma realidade a partir do processo de comunicação:
“a realidade é socialmente construída e o saber é uma construção do sujeito, mas
não desligada da sua inscrição social” (MOSCOVICI, 2003).
O autor supracitado contrapõe a visão de Durkheim, ressaltando o
caráter dinâmico das representações, sendo elas históricas e influenciando a vida
dos indivíduos desde a sua primeira infância. Ademais, Moscovici propõe uma
reflexão acerca do modo como nós nos apropriamos das representações, as quais
5
se tornam naturalizadas nas relações sociais cotidianas e mostrando-se difíceis de
serem suprimidas de nosso meio, em decorrência de sua assimilação sutil e
naturalizada por parte de homens e mulheres, durante suas trocas dialógicas
ocorridas de uma geração à outra: “[...] categorias da ciência popular, espalhadas e
irresistíveis, parecendo serem inatas, das quais fazemos uso, o tempo todo [...]”
(MOSCOVICI, 2003).
As representações sociais são definidas ainda por Moscovici (2003) como
uma espécie de segunda língua, permitindo aos indivíduos se comunicar e se
identificar, possibilitando o sentimento de pertença ao grupo. Além disso, elas
correspondem a uma forma de saber prático de um determinado grupo, visando
tornar o não familiar em familiar, isto é, comum ao grupo e sendo, por conseguinte,
compartilhadas socialmente.
A partir disso, o autor enfatiza os processos de Objetivação e Ancoragem
como importantes mecanismos que permeiam as representações sociais. O primeiro
mecanismo diz respeito à objetivação, correspondendo um meio de tornar familiar o
não-familiar, o abstrato em concreto a partir da reprodução de um conceito em
imagem. Enfim, a objetivação refere-se à forma como se estrutura e se fundamenta
o conhecimento do objeto.
Já a ancoragem seria segundo Moscovici (2003) um processo que visa
classificar e nomear algo, consistindo na redução de idéias estranhas em imagens
comuns e familiarizadas pelo sujeito. Em outras palavras, a ancoragem seria o que
dá sentido ao objeto que nos apresentado, ou ainda, a maneira pela qual o
conhecimento se enraíza no contexto social.
Maffesoli (1996) em sua obra “No Fundo das Aparências” ressalta a questão
da análise do fator social e comunicacional na constituição do eu mediante o
processo de alteridade, ou seja, o eu na relação com o outro, apontando, de maneira
critica, a questão da polaridade dos termos cultura e natureza. Nesse sentido, o
autor destaca a culturalização da natureza e a naturalização da cultura, sendo esta
última masculina, ativa e agindo, por conseguinte, sobre a natureza, feminina e vista,
ao longo da história, como passiva.
Enfim, segundo Maffesoli à cultura destina-se ao masculino, assim como à
natureza está para o feminino, neste caso, a cultura enquanto representações que
reforçam a idéia de dominação baseada na anatomia dos sexos, isto é, da natureza
dos corpos. Logo, natureza e cultura se interrelacionam, gerando o que o autor
6
denomina de contaminação dos termos, o que, por sua vez geram coloridos diversos
às relações desiguais tecidas entre homens e mulheres, o que se reduz ao
mecanismo de objetivação mediante a inferiorização feminina a partir de concepções
calcadas na anatomia dos sexos.
Em suma, a tentativa de buscar nos fatores anatômicos a explicação dos
traços do caráter psicológico feminino, como nos casos de muitos teóricos,
colaborou para a manutenção da hipótese errônea acerca da posição das mulheres
na sociedade. Ou seja, para a manutenção das representações dúbias sobre o
feminino, porém, de maneira não mais baseada no senso comum, mas apoiado na
própria biologia dos sexos, o que demarcaria o destino das mulheres - as suas
posições sociais definidas - a partir dos traços anatômicos.
A partir de uma perspectiva crítica, entende-se que as mulheres têm sido
“encaixadas” em certos papéis na sociedade. Saffioti (1976) destaca o fato de a
sociedade delimitar, com bastante precisão, os espaços de atuação masculina e
feminina, atribuindo a ambos, os papéis construídos em uma rede de significados
sociais, com hierarquias de poderes que reservam importância social diferenciada
para homens e mulheres. Este fato tem levado estas a assumirem, muitas vezes,
novos espaços por via da negociação com os homens e não de um partilhar nas
posições que ambos ocupam. Enfim, esse fato acena para a constituição de
posições desiguais de poder, enquanto que o partilhar pressupõe divisão mais justa.
Nesse sentido, a concepção biológica tem colaborado na determinação das
funções das mulheres na sociedade, repercutindo em atividades que refletem o
pensamento e os cuidados maternais, que tem se findado na proposição “Mulheres
= Mulher = Mãe”, ou seja, uma concepção que as reduz ao universo singular, neste
caso, Mulheres como sinônimo de uma só Mulher, aquela ligada ao espaço privado
e à maternidade (VICENT, 1995). Enfim, pode-se falar em diversas representações,
de ser frágil, dócil e calmo, que se articulam em um eixo mais forte e definidor que é
a representação das Mulheres na categoria do “ser mãe”.
Tais representações como afirma Farias (2005) em um estudo sobre as
Representações Sociais e a Participação Feminina nos Assentamentos de Reforma
Agrária, coloca em questão o ponto mais definidor da representação construída para
a figura da mulher na sociedade, que é o ser mãe, objetivada na condição do cuidar.
Nesse sentido, a autora ainda afirma que tais construções, efetivadas nas
relações sociais, encontram-se apoiadas no plano simbólico, criando sentidos que
7
são aceitos, muitas vezes, pela própria mulher, expressos por meio do
consentimento e incorporando, dessa forma, os papéis socialmente construídos
tendo como base a construção de valores e comportamentos dominantes.
A esse respeito Bordieu (1989) afirma que a construção da identidade
feminina tem se legitimado na introjeção pelas mulheres de normas enunciadas
pelos discursos masculinos e que as representações da inferioridade feminina,
incansavelmente repetidas, se fazem presentes nos corpos de ambos, isto é, de
mulheres e homens.
Em outras palavras, pode-se observar a questão do consentimento nas
palavras de Chartier, ao fazer referência às idéias de Bordieu:
Reconhecer assim os mecanismos, os limites e, sobretudo, os usos do
consentimento é uma boa estratégia para corrigir o privilégio longamente
concedido pela história às “vítimas ou rebeldes”, ativas ou atrizes de seu
destino, em detrimento das mulheres passivas, consideradas com
demasiada facilidade como aquilescentes à sua condição, embora
juntamente com a questão do consentimento seja totalmente central no
funcionamento de um sistema de poder, quer seja social e/ou sexual. Nem
todas as fissuras que fendem a dominação masculina assumem a forma de
rupturas espetaculares nem se expressam sempre pela irrupção de um
discurso de recusa e de rebelião. Elas nascem frequentemente dentro do
próprio consentimento, reutilizando a linguagem da dominação para
fortalecer a insubmissão (CHARTIER, 2002, p. 96).
Com isso, Chartier aponta que a questão da violência simbólica se faz
presente mediante uma relação histórica e culturalmente construída, tendo como
premissa a natureza dos sexos, tida como irredutível e universal em relação às
mulheres, uma visão alicerçada como sendo natural e, portanto, biológica e,
sustentada pelos fatores sociais, históricos e culturais que permeiam as
representações sociais em torno das mesmas. Logo, o vivido pelas mulheres foi e
ainda é, apesar das manifestações de resistência das mesmas, construído em meio
a um fluxo de representações sociais que permeiam sua trajetória na sociedade,
sobretudo nos espaços públicos.
Já Bordieu (1999) ressalta a questão da violência simbólica, incorporada
principalmente nos discursos, os quais, muitas vezes, reforçam as representações
de feminino e masculino de uma forma ”sutil”. O autor ainda destaca que para existir
a violência, não se faz necessária a agressão física, mas presença de reproduções
8
de papéis instituídos socialmente a partir do fator biológico, isto é, da chamada
anatomia dos sexos. Logo:
A violência simbólica se institui por intermédio da adesão que o dominado
não pode deixar de conceder ao dominante (e, portanto, à dominação)
quando ele não dispõe, para pensá-la e para se pensar, ou melhor, para
pensar sua relação com ele, mais que de instrumentos de conhecimento
que ambos têm em comum e que, não sendo mais que a forma
incorporada da relação de dominação, fazem essa relação ser vista com
natural (BOURDIEU, 1999, p. 41).
Assim, percebe-se que a violência simbólica se manifesta, ao longo da
história, na construção de ideais femininos e masculinos, transformando tal violência
em naturalização, a qual se manifesta, muitas vezes, de forma mascarada em nossa
sociedade e o que, consequentemente, colaborou para perpetuação e construção
das relações sociais desiguais entre homens e mulheres.
Essas representações que fazem referência às mulheres, advêm da
construção social e histórica acerca das “ações normatizadoras” que têm regido as
relações entre homens e mulheres. Logo, Chartier (2002) ao fazer referência às
representações, ressalta que:
[...] os confrontos sociais fundados sobre os afrontamentos diretos, brutais,
sangrentos, cedam cada vez mais o lugar a lutas que têm por armas e por
fundamentos as representações. [...] o essencial não é, portanto, opor a
termo uma definição biológica e uma definição histórica da oposição
masculino/feminino, mas, antes, identificar os discursos que enunciam e
representam como “natural” (portanto, biológica) a divisão social (portanto,
histórica) dos papéis e das funções (CHARTIER, 2002, p. 94/96).
A partir do exposto acima, percebe-se que a diferença sexual se alicerça
pelos discursos que a fundam e a legitimam, e que estes, quando pouco explorados,
impedem as rupturas, isto porque, naturaliza as concepções que, envolvidas por
representações, dão continuidade às relações de domínio e de poder - neste caso entre homens e mulheres.
Nesse sentido, destaca-se a importância desse contexto, correlacionandoo às questões que fazem referência às representações sociais, que têm sido
determinantes no processo de construção da identidade feminina ao longo da
história, no que se refere à participação das mesmas em ambientes que não se
restringem ao âmbito privado, bem como no estabelecimento e propagação de
conceitos que permeiam as relações entre homens e mulheres mediante um
processo de elaboração do vivido e também de resistência frente à concepção
9
apregoada pelas teorias baseadas na diferenciação dos sexos a partir do fator
biológico.
Em suma, na medida em que se consideraram as mulheres sob o ângulo
exclusivamente biológico, não se atenta para a relatividade cultural e, sobretudo
para as condições e características que as designam enquanto seres individuais, ou
ainda, de uma categoria em movimento, que tem buscado uma maior participação
dentro da sociedade, bem como a sua afirmação enquanto sujeitos concretos.
Por essas e outras, é possível dizer que a representação, ao mesmo tempo
em que é criada e apropriada, atua como prática social, dando à vida cotidiana um
movimento constante, seja ele de dominação ou de resistência, gerando sentido
comum para a vida de diferentes grupos, nesse caso, expresso nas relações entre
homens e mulheres e, por conseguinte, resignificando elementos que articulam e
solidificam o conhecimento, as práticas sociais e, sobretudo os papéis de homens e
mulheres na sociedade.
4. Considerações Finais
Ao longo dessa pesquisa, evidenciou-se que representações baseadas na
anatomia dos sexos se manifestam, ao longo da história, mediante a construção de
ideais femininos e masculinos, apresentando-se de forma mascarada e natural em
nossa sociedade o que, consequentemente, colaborou para o estabelecimento e
perpetuação das relações sociais desiguais entre homens e mulheres, sobretudo
nos espaços públicos.
É, pois, nesse contexto que se aborda o feminino no âmbito da vida pública
e, sobretudo o papel das representações na vida de muitas dessas mulheres.
Representações essas que se estabelecem e se legitimam nos discursos cotidianos,
no qual o masculino ainda pode ser visto como sinônimo de universalidade no
contexto social. É mediante a compreensão proporcionada pela interdisciplinaridade,
que tem como foco as ciências humanas, que se procura, ao longo do texto, explorar
o papel de tais discursos, ou em outras palavras, das representações atuando de
modo direto ou indireto nas esferas públicas.
Em outras palavras, pode-se afirmar que a sexualidade feminina tem sido
definida a partir da sexualidade masculina, ou seja, o masculino tem sido ao longo da
história, sinônimo do universal, retratando um modelo anterior ao sujeito cartesiano e
10
que, portanto, torna-se difícil de ser rompido, porém, passível de ser desconstruído e
reconstruído “pelas e para as mulheres”.
A sociedade tem se transformado, ainda que de forma muito lenta e
resistente com relação à mudança dos velhos paradigmas. Teorias têm sido
reformuladas, de tal forma a já começar a apresentar outra visão com relação ao
feminino. Tudo isso, deve-se à luta das mulheres por melhores condições de
inserção social e participação enquanto indivíduos históricos e concretos. Embora
uma parcela delas esteja engajada nos espaços públicos da sociedade, muitas delas
ainda buscam sair da condição de espectadores, o que contribui para a escrita social
das mulheres, fato negligenciado durante muito tempo, mediante a invisibilidade
feminina na história.
Contudo, apesar da árdua luta realizada dia-a-dia, faz-se necessário ainda
à ruptura de profundas raízes que ainda permeiam as relações sociais, bem como
de lacunas que ainda necessitam ser preenchidas na luta contra os estereótipos que
mantiveram as mulheres em posições marginalizadas do contexto social, os quais
foram incansavelmente repetidos durante muito tempo e que agora começam a ser
desconstruídos, ainda que lentamente.
Por fim, é nesse contexto, até então secreto, ou ainda, oculto pela
sociedade que intensas lutas foram e ainda continuam sendo travadas como espaço
de batalhas, resistências e conquistas de muitas mulheres.
5. Referências Bibliográficas
ARENDT, H. A Condição Humana. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1983.
BIBLÌA SAGRADA DE JERUSALÈM. São Paulo: Edições Paulinas, 1985.
BOURDIEU, P. O Poder Simbólico. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil S.A, 1989.
______. A Dominação Masculina. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil S.A, 1999.
______. Questões de Sociologia. Rio de Janeiro: Marco Zero, 1983.
CARDOSO, C. F.; VAINFAS, R. (Orgs.). Domínios da História: ensaios de teoria e
metodologia. Rio de Janeiro: Campus, 1997.
FALCON, F.J.C. História e Representação. IN: CARDOSO, C.F; MALERBA, J.
Representações: contribuição a um debate transdisciplinar. Campinas: Papirus,
2000.
11
CHARTIER, R. À Beira da Falésia: a história entre certezas e inquietudes. Porto
Alegre: UFRGS, 2002.
FARIAS, M.F.L de. As Representações Sociais: algumas reflexões sobre a
participação feminina nos assentamentos de reforma agrária. In: Anais eletrônicos
do XXII Simpósio Nacional de História: História: Guerra e Paz. Londrina, 2005.
HUNT, L. Revolução Francesa e Vida Privada. In: PERROT, M. et al. História da
Vida Privada 4: da revolução francesa à primeira guerra. São Paulo: Companhia
das Letras, 1991.
MAFFESOLI, M. No Fundo das Aparências. Rio de Janeiro: Vozes, 1996.
MOSCOVICI, S. Representações Sociais: investigações em psicologia social.
Petrópolis: Vozes, 2003.
PERROT, M. As Mulheres ou os Silêncios da História. Bauru: EDUSC, 2005.
SAFFIOTI, H. I. B. A Mulher na Sociedade de Classes: mito e realidade.
Petrópolis: Vozes, 1976.
VICENT, A. Ideologias Políticas Modernas. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1995.
12
Download

as representações sociais e o feminino nas esferas