UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARÁ
INSTITUTO DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS HUMANAS
FACULDADE DE CIÊNCIAS SOCIAIS
LILIANE DE SOUZA CORPS
LUGAR E TERRITÓRIALIDADE: UM ESTUDO SOBRE A CONSTRUÇÃO DO
TERRITÓRIO EM UMA COMUNIDADE AMAZONICA, O CASO DA COMUNIDADE
PARAÍSO, RDS AMANÃ, AMAZONAS.
BELÉM, PARÁ
2013
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LILIANE DE SOUZA CORPS
LUGAR E TERRITÓRIALIDADE: Um estudo sobre a construção do território em uma
comunidade amazônica, o caso da comunidade Paraíso RDS Amanã-Amazonas.
Trabalho de Conclusão de Curso apresentado ao
Curso de Ciências Sociais – ênfase em
Antropologia – da Universidade Federal do Pará
como um dos requisitos para obtenção do grau
de Licenciatura e Bacharelado em Ciências
Sociais. Sob orientação da Profª. Drª. Edna
Ferreira Alencar
BELÉM, PARÁ
2013
3
LILIANE DE SOUZA CORPS
LUGAR E TERRITÓRIALIDADE: UM ESTUDO SOBRE A CONTRUÇÃO DO TERRITÓRIO
EM UMA COMUNIDADE AMAZONICA, O CASO DA COMUNIDADE PARAÍSO RDS
AMANÃ-AMAZONAS.
Trabalho de Conclusão de Curso apresentado ao Curso de Ciências Sociais – ênfase em
Antropologia – da Universidade Federal do Pará como um dos requisitos para obtenção do grau de
Licenciatura e Bacharelado em Ciências Sociais
Aprovada em __________ de __________________ de 2013
BANCA EXAMINADORA
Profª. Drª. Edna Ferreira Alencar __________________________________________________
Universidade Federal do Pará – Orientadora
Prof. Dr. Flávio Leonel Abreu da Silveira ___________________________________________
Universidade Federal do Pará – Examinador
Conceito: _____________________________________________________________________
4
Dedico este trabalho à minha mãe, Helena de Souza
Martins por todo carinho, amor e atenção dados ao
longo da vida e sem o qual eu não estaria aqui.
5
AGRADECIMENTOS
Agradeço primeiramente a Deus, a nossa senhora de Nazaré e a todos os espíritos de luz por
terem iluminado meu caminho neste trajeto de minha vida.
Agradeço a toda minha família em especial minha mãe Helena Martins, sem a qual eu não seria
nada. Por todo apoio, carinho, amor e também rigidez com que me criou e me ajudou a crescer e
vencer os obstáculos da aventura de minha vida até aqui.
Agradeço também a minha nova família, a família Moraes que me acolheu com tanto carinho e
amor. Em especial a mes beaux-parents Michel Corps e Marcia Luzia Corps que me deram uma
irmã de coração, Lola Corps e um companheiro para a vida inteira. Meu “chuchu” que sempre me
foi leal, compreensivo, companheiro e grande estimulador de minhas idéias mesmo quando estas
pareciam tolas e fúteis, apoio que foi imprescindível em minha jornada universitária até aqui, me
ajudando a responder todas as dúvidas que tive durante minha trajetória acadêmica e pessoal.
Agradeço imensamente a minha orientadora, a Professora Drª. Edna Alencar por toda
paciência, apoio e dedicação com que me orientou durante esses quase dois anos em que
trabalhamos juntas, por sua confiança e respeito que contribuíram tanto para a elaboração deste
trabalho como para meu crescimento acadêmico.
A todos os professores da faculdade de Ciências Sociais, em especial aos professores Samuel
Sá, Romero Ximenes, Denise Cardoso e Telma Amaral que contribuíram para o crescimento de meu
amor pela Ciência Antropológica, na qual aprendi a ser um ser humano melhor. E mais
especificamente a professora Wilma Leitão que me apresentou a “Antropologia da Amazônia” pela
qual me apaixonei e busquei fazer este trabalho.
Ao Professor Dr. Flávio Leonel que, apesar de uma agenda lotada com muitos compromissos
aceitou de bom grado ser o examinador deste trabalho, o que me deixou muito contente, pois tenho
certeza que seus comentários e críticas só irão contribuir com meu crescimento e amadurecimento
acadêmico.
Aos meus colegas de curso, em especial as amigas Carolina Brabo, Elida Galvão, Raíssa
Guedes e Thais Costa que escutaram meus desabafos e angústias em momentos difíceis durante o
curso de Ciências Sociais e me ensinarem a superar os problemas com alegria. A colega Gláucia
Santos que me apresentou a professora Edna Alencar contribuindo para que eu pudesse realizar este
trabalho. Sem esquecer também de Adriano do Egito e Renata Costa, com os quais passei os
6
momentos mais divertidos durante a graduação, momentos que nunca esquecerei.
Aos participantes do minicurso Sociedades Camponesas, em espacial a Professora Drª. Edila
Moura, sua orientanda Claudeise Nascimento e as colegas Adriana Abreu, Danna Rissia, Gessica
Miranda, Thábata Farias e todos os outros colegas pelas discussões e reflexões a cerca do modo de
vida dessas populações. Reflexões que muito contribuíram para a elaboração deste trabalho.
Também agradeço imensamente a todos os moradores da comunidade Paraíso, em especial aos
informantes Ciolino Furtado, Domingos Furtado, Juvenal Furtado, Jorciro Furtado, Raimunda
Meireles e Idalina Cavalcante “D. Dada” (in memorian) sem os quais eu não teria realizado este
trabalho.
Agradeço ao Instituto de Desenvolvimento Sustentável Mamirauá, em especial ao Grupo de
pesquisa Territorialidades, Identidades e Gestão Ambiental em Áreas Protegidas, liderado pela Profª
Drª. Edna Ferreira Alencar e a Msc. Isabel Sousa do Instituto Mamirauá, do qual participo, pela
bolsa de estágio que proporcionou as condições para o desenvolvimento desse trabalho, que sem
este apoio não teria sido realizado. Agradeço também a pesquisadora Isabel Sousa, Diretora de
Manejo e Desenvolvimento do Instituto Mamirauá e que muito me ajudou fornecendo mapas,
documentos e relatórios sobre da região estudada.
E, por fim, à Faculdade de Ciências Sociais, representada pela Profª. Drª Andrea Chaves e a
secretária Francisca Brandão da Silva que tiveram muita paciência em esclarecer minhas dúvidas
neste final de curso e a todos que contribuíram de maneira direta e indireta para elaboração deste
trabalho.
Obrigada a todas e todos!
7
É nas comunidades que os habitantes de uma
região ganham vida, educam seus filhos, levam
uma vida familiar, agrupam-se em associações,
adoram seus deuses, tem suas superstições e seus
tabus que são cercados pelos valores de suas
culturas (Charles Wagley).
8
RESUMO
Este trabalho apresenta resultados de um estudo que teve como objetivo investigar as relações que
os moradores da comunidade Paraíso, situada na Reserva de Desenvolvimento Sustentável Amanã,
estado do Amazonas, possuem com seu território, e os desdobramentos decorrentes desta relação
que compreendem desde as práticas culturais até os conflitos socioambientais. Para tal, partimos de
uma perspectiva histórica, buscando reconstruir a história de formação do lugar a partir das
narrativas dos próprios moradores, com o intuito de identificar as características e os fatores que
foram relevantes no processo de formação do território. Processo este, que proporciona entender
toda a dinâmica territorial do local, incluindo as estratégias de gestão dos recursos naturais e as
relações de sociabilidade, indispensáveis para a sobrevivência do grupo social e para a construção
de seu território, o território da comunidade. A abordagem teórica utilizada para trabalhar conceitos
centrais como território, lugar, sociabilidade baseou-se em autores como Paul Little (1994, 2002 e
2006); Marc Augé (2005), Pierre Nora (1993 e 1997) e Georg Simmel (1983). Além de autoras
como Deborah Lima (1994, 2000, 2001 e 2005), Edna Alencar (2002, 2004, 2007, 2008 e 2010) e
Edila Moura (1999) que foram de fundamental importância para a compreensão da realidade
estudada.
Palavras-chave: Comunidade, territorialidade, parentesco e lugar.
9
ABSTRACT
This paper presents results of a study that aimed to investigate the relationships that residents of
Paradise community, Amanã RDS, have with their territory and the consequences arising out of this
relationship ranging from cultural practices to socio-environmental conflicts. To this end, we start
from a historical perspective, seeking to reconstruct the history of the place from the narratives of
the residents themselves, with the aim of identifying the characteristics and relevant factors in the
formation process of the territory which explain all the territorial dynamics of local residents
including strategies for natural resource management and relations of sociability, needed to the
survival of the social group and the construction of their territory, the territory of the community.
The theoretical approach to work central concepts as territory, place, sociability was based on
authors such as Paul Little (1994, 2002 and 2006), Marc Augé (2005), Pierre Nora (1993 and 1997)
and Georg Simmel (1983). Besides authors like Deborah Lima (1994, 2000, 2001 and 2005), Edna
Alencar (2002, 2004, 2007, 2008 and 2010) and Edila Moura (1999) which were of fundamental
importance for understanding the reality studied.
Key words : community, territory, kinship, place.
RÉSUMÉ
Ce travail présente les résultats d'une étude qui a eu comme objectif d'enquêter sur les relations que
les habitants de la communauté du Paraíso, RDS Amanã ont avec leur territoire et les extensions qui
découlent de cette relation qui vont des pratiques culturelles jusqu'aux conflits socioenvironnementaux. Nous partons, pour cela, d'une perspective historique en cherchant à reconstruire
l'histoire de la formation du lieu à partir des narrations des propres habitants, ayant pour objectif
d'identifier les caracteristiques, et les facteurs relevant du processus de formation du territoire. qui
expliquent toute la dynamique territoriale du lieu, incluant les statégies de gestion des ressources
naturelles et les relations de sociabilités indispensables pour la survie du groupe social et pour la
construction de son territoire, le territoire de la communauté. Ce sujet se base sur les concepts
centraux du territoire, lieu, sociabilité avancés et développés des auteurs comme Paul Little (1994,
2002 et 2006); Marc Augé (2005), Pierre Nora (1993 et 1997) e Georg Simmel (1983) en plus
d'auteurs comme Deborah Lima (1994, 2000, 2001 et 2005), Edna Alencar (2002, 2004, 2007, 2008
et 2010) et Edila Moura (1999) qui furent d'une importance fondamentale pour la compréhension de
la réalité étudiée.
Mots-clés: Communauté, territorialité, parente etl ieu.
10
Índice de ilustrações
Figura n°1 : Mapa da região do Japurá-Maraã. Fonte: Instituto de Desenvolvimento Sustentável
Mamirauá (2010)................................................................................................................................ 23
Figura 2 : Mapa de mobilidade dos habitantes da comunidade Paraíso. Fonte: Liliane de Souza
Corps (2012). ..................................................................................................................................... 26
Figura n°3 : Foto da antiga Capela e Escola da Comunidade Paraíso. Fonte: Edna Alencar (2010). 33
Figura n°4 : Foto do Porto da comunidade Paraíso na época da seca. Fonte: Edna Alencar (2011). 35
Figura n°5: Foto da comunidade Paraíso. Fonte: Edna Alencar (2010). ........................................... 36
Figura n°6 : Foto da Nova Capela de São Lazaro. Fonte: Edna Alencar (2011). ............................. 37
11
SUMARIO
Introdução .......................................................................................................................................... 11
Referencial Teórico e Metodológico para elaboração do trabalho ........................................... 16
1. Em busca de um lugar .................................................................................................................... 20
1.1. Como era no inicio ............................................................................................................ 20
1.2. A abertura do lugar e formação do povoado Paraíso ........................................................ 22
1.2.1. A Dinâmica das Migrações ...................................................................................25
1.2.2. A formação da Comunidade .................................................................................29
1.3. A Relação com o lugar ..................................................................................................... 33
2. Ambiente, produção e construção do território. ............................................................................. 39
2.1. “Eles foro os primeiro a abrir isso aqui” ........................................................................... 39
2.1.1. “Aqui nós somos tudo parente” .............................................................................42
2.2. O Uso do espaço na construção do território .................................................................... 44
2.2.1. Entre a terra firme e várzea....................................................................................46
2.3. Produção e uso dos Recursos Naturais .............................................................................. 47
3. O território do Conflito ................................................................................................................. 50
3.1. Conflitos Sociais ............................................................................................................... 50
3.1.1. O acordo de manejo de pesca ................................................................................54
4. Trabalho, Religião e Sociabilidades ............................................................................................... 58
4.1. Organização social do trabalho
.............................................................................. 58
4.1.1. Mudanças na produção ..........................................................................................61
4.2. Trabalho e Festa no Paraíso ............................................................................................. 63
4.2.1. Trabalho e sociabilidade ........................................................................................64
4.2.2. Festas de santo como espaço de sociabilidade ......................................................67
Considerações finais .......................................................................................................................... 71
Referencias Bibliográficas ................................................................................................................. 75
ANEXOS .................................................................................................................................. 79
12
Introdução
Este Trabalho de Conclusão de Curso é resultado da experiência de um ano e seis meses de
atividade como bolsista de Iniciação Científica do projeto de pesquisa intitulado, - “Mapeamento
Territorial e Diagnóstico Socioambiental de Comunidades Rurais Situadas nas Reservas de
Desenvolvimento Sustentável Amanã e Mamirauá, AM”, desenvolvido pelas pesquisadoras Edna
Ferreira Alencar (UFPA) e Isabel Sousa (IDSM)1. O projeto tem por objetivo fazer o mapeamento
dos territórios sociais ocupados por moradores de comunidades situadas nas áreas de fronteira das
Reservas de Desenvolvimento Sustentável Mamirauá e Amanã, região conhecida como JapuráMaraã, onde pesquisadores e técnicos do Instituto Mamirauá desenvolvem atividades de pesquisa e
de assessoria técnica a projetos de manejo de recursos pesqueiros, através do Programa de Manejo
de Pesca. A pesquisa subsidiou as ações dos técnicos com informações sobre a história de ocupação
humana, constituição dos territórios sociais e mapeamento dos conflitos ambientais em uma
perspectiva histórica (Alencar e Sousa 2013).
Inicialmente, o Plano de trabalho a ser desenvolvido como bolsista de iniciação cientifica
previa a elaboração de um histórico de formação de duas comunidades situadas na área dessa
pesquisa, Porto Alves e Curupira, procurando direcionar o trabalho para a historicidade dos
conflitos socioambientais envolvendo os moradores dessas comunidades. E focando na maneira
como os moradores definem seus territórios e regras de acesso aos recursos naturais. Entretanto,
após uma das viagens de campo realizada pela profª. Edna Alencar e Isabel Sousa houve a sugestão
de alterar o local da pesquisa, mas mantendo ainda os objetivos anteriores no que se refere a questão
do território e dos conflitos, incluindo um novo aspecto que é o conflito envolvendo moradores de
uma comunidade que reivindicam o reconhecimento como grupo étnico e que passam a controlar
territórios que historicamente eram de uso de outras comunidades. Como este tema me despertou
bastante interesse, acabei por concordar em alterar os objetivos iniciais do Plano de Trabalho, como
consta em meu relatório de Iniciação Científica2. Assim os objetivos do novo projeto se voltaram
para a elaboração de um histórico dos conflitos envolvendo os moradores da comunidade Paraíso e
os moradores da comunidade São Rafael que desde 2005 buscam o reconhecimento como grupo
étnico. As duas comunidades, que são vizinhas, estão situadas na Reserva de Desenvolvimento
1 O projeto foi financiado pelo CNPq: Edital MCT/CNPq 14/2010 - Universal - Processo: 477181/2010-4 e Instituto
de Desenvolvimento Sustentável Mamirauá, dentro do programa de apoio ao Grupos de Pesquisas vinculados a este
Instituto.
2 SANTOS, Liliane de Souza. Conflitos socioambientais, relações de parentesco e preservação ambiental envolvendo
os moradores da comunidade Paraíso, Reserva de Desenvolvimento Sustentável Amanã, Am. Relatório Parcial
Técnico Cientifico PIBIC/UFPA (2012).
13
Sustentável Amanã, estado do Amazonas, região conhecida como baixo Japurá, no município de
Marãa.
Portanto o tema continua focando no processo de formação dos territórios sociais e nos
conflitos socioambientais envolvendo moradores dessas comunidades, e abordando a relação do
homem com a natureza, para entender o processo de construção dos territórios, e a identidade que é
construída a partir do vinculo que os moradores estabelecem com o lugar e com o território. Ao
mesmo tempo, buscou conhecer a organização social e as práticas culturais que garantem a
reprodução do grupo social, como as estratégias de gestão dos recursos naturais por um grupo social
que reside em uma unidade de conservação ambiental. Também destacamos as formas de
sociabilidade, em particular o parentesco, e eventos religiosos como as festas de santo, que dão
continuidade às ações das gerações passadas, e que reforçam vínculos e reafirmam direitos sobre o
território.
A comunidade Paraíso está localizada na região do Médio Solimões (segundo classificação
do IBGE), às margens do rio Japurá, e em território do município de Maraã que é abrangido pela
Reserva de Desenvolvimento Sustentável de Amanã (Furtado, 2007), e tem como vizinhos mais
próximos as comunidades de Bom Jesus do Arauacá, São Rafael e Nova Esperança do Joacaca.
A comunidade Paraíso está situada em ambiente de terra firme, mas seus moradores
realizam algumas atividades sazonais, como a pesca, em terras situadas em ambiente de várzea que
compreende a área de fronteira das RDS Amanã e Mamirauá. As várzeas são formadas por uma
densa floresta que fica inundada entre quatro a seis meses por ano, em razão da sazonalidade
característica desse ecossistema, o que proporciona uma rica diversidade. Este ecossistema sazonal
“provoca inundações pela variação no nível da água dos rios que oscila ao longo do ano entre 8 m
na estacão seca, e 15 m na estação das chuvas’ (SCM/CNPq, 1996, p 13; AYRES, 1996 apud
ALENCAR, 2010 p. 27).
A comunidade Paraíso é formada por sete casas, contando com a usina de energia, as duas
capelas em homenagem a São Lazaro, padroeiro local, a casa comunitária e a escola. Atualmente
residem 3 grupos familiares originários formados por descentes da família Furtado, fundadora do
lugar, e Meireles que passou a fazer parte do grupo social após o casamento de pessoas dessas
famílias. A comunidade já foi uma das maiores da região, mas atualmente o numero de famílias está
reduzido por diversos fatores, destacando-se a migração para outras localidades e a área urbana,
exemplificando uma característica marcante na região estudada (LIMA e ALENCAR 2001;
ALENCAR, 2007). As poucas pessoas que permanecem no local são movidas pelo intuito de
guardar e garantir a posse do território conquistado por seu ancestral, Joaquim Furtado, uma vez
14
que o território encontra-se ameaçado por moradores de comunidades vizinhas que reivindicam a
posse desse território.
Para compreender a realidade social da comunidade estudada, e os fatores que estão
relacionados a seu surgimento, é necessário saber quem foram os primeiros moradores e como
ocorreu o processo de ocupação do espaço. Para isso, procuramos fazer um histórico da comunidade
a partir dos relatos dos próprios moradores, utilizando as narrativas sobre a história do lugar e de
sua formação, que foram coletadas pelas pesquisadoras Edna Alencar e Isabel Souza, e também em
relatórios de pesquisa elaborados por pesquisadores do IDSM como Furtado (2007) e Sousa (2011).
Esses documentos, juntamente com as narrativas, permitem conhecer as características culturais
desses moradores, a relação com o lugar, as estratégias econômicas e a relação que estabelecem
com moradores de outras comunidades; os conflitos socioambientais, e a forte mobilidade das
pessoas entre as comunidades da região, e para a área urbana.
Nos chamou a atenção a dinâmica territorial e os fluxos migratórios existentes nesta região,
que são decorrentes tanto de fatores sociais quanto ambientais, e que alteram as relações sociais
entre os moradores da comunidade, que fazem uma mobilidade de um lugar a outro, causando
desestabilidade no grupo social. E, com isso, interferindo na relação dos mesmos com o ambiente,
pois, à medida que migram, seus direitos territoriais são alterados, motivo pelo qual surgem
preocupações quanto aos direitos de uso do território e a gestão dos recursos naturais, dado ao fato
destes contribuírem com a obtenção da renda familiar e permitir a segurança econômica e
nutricional da comunidade. Com isso, surge o interesse da intervenção de mediadores além do
universo das comunidades, e que possam ajudar na criação de estratégias que permitam a
continuidade dos recursos naturais. É o caso do Instituto de Desenvolvimento Sustentável
Mamirauá.
A Reserva de Desenvolvimento Sustentável Amanã (RDSA) foi criada em 1998 por um
decreto expedido pelo Governo do Estado do Amazonas em 4 de agosto do mesmo ano. De acordo
com dados do Censo Demográfico de 2011, a Reserva de Desenvolvimento Sustentável Amanã é
composta por uma população total de 3.653, entre moradores e usuários da Reserva Amanã. Essas
pessoas estão distribuídas em 612 domicílios e 84 localidades (78 dentro da reserva)3. A reserva foi
criada com o objetivo de realizar a proteção dos recursos naturais e a melhoria da qualidade de vida
das populações locais, através da conservação da biodiversidade e do uso sustentado dos recursos
naturais. Para isso é importante observar as determinações da legislação ambiental que orientam as
atividades de manejo as quais devem buscar “o equilíbrio dinâmico entre o tamanho das populações
3
Fonte: http://www.mamiraua.org.br/reservas/amana.
15
e a conservação” (SNUC, 2000). A criação dessas áreas altera a relação que os moradores das
comunidades mantêm com o ambiente, pois se antes os recursos naturais eram vistos como
inesgotáveis, e explorados sem restrição, hoje o uso se faz de forma consciente, e o manejo passou a
ser visto como forma benéfica para a preservação da biodiversidade e sobrevivência das populações
locais. Mas para que isso aconteça, é necessário a intervenção e fiscalização por parte dos órgãos
competentes, especialmente no que se refere as atividades de manejo.
Para atingir os objetivos da pesquisa, foram feitos estudos teóricos sobre a temática da
territorialidade como os estudos de Paul Little (1994, 2002 e 2006) e demais temas da área das
ciências sociais e antropológicas relacionados à pesquisa, como Lima (1994, 2000, 2001 e 2005);
Castro (1999), Alencar (2002, 2007, 2008, 2009 e 2010). Além de consulta à acervos bibliográficos
do Instituto Mamirauá sobre a região de desenvolvimento da pesquisa, tais como, relatórios de
pesquisa (Furtado 2007), documentos técnicos (IDSM 2010), Planos de Gestão (IDSM 2010); etc.
Levantamento bibliográfico sobre a construção do conceito de território como os estudos de
Maldonado (1993), Little (1994, 2002 e 2006) e outros que abordam os conceitos de sociabilidade,
territorialidade, lugar e memória para entender como esse grupo social construiu uma identidade
com o lugar, a partir das relações sociais, dando enfoque para a memória social e as dinâmicas
sociais e territoriais do local.
A metodologia de trabalho adotada para a elaboração deste estudo consistiu na transcrição,
leitura e análise das entrevistas realizadas com moradores e ex-moradores da comunidade Paraíso,
coletadas em pesquisa de campo pelas pesquisadoras Edna Alencar e Isabel Sousa com o uso de
técnicas da história oral. Essas entrevistas falam sobre a origem do grupo social, sobre a formação
da comunidade, sobre o processo de ocupação do lugar, construção do território e, ainda, sobre a
historicidade dos conflitos sociais. A analise consiste em organizar e comparar as informações dos
diferentes narradores, que representam as principais famílias envolvidas. Essas informações nos
permitiram construir um histórico da trajetória dos moradores da comunidade Paraíso, apontando
para algumas características da territorialidade, da organização da produção econômica e dos
conflitos sociais. Também elaboramos dois mapas de parentesco, usando de um programa de
mapeamento genealógico4 que nos permitiu organizar pelo menos três gerações de pessoas que
formam o grupo social e que constituem a comunidade Paraíso. Além de um gráfico que apresenta
as características da mobilidade de pessoas e famílias5 que moraram na comunidade.
Os resultados deste estudo, serão apresentados em três capítulos principais apresentados
4 Programa genealógico Myheritage© . Ultima consulta em 20/07/2012.
5 Furtado, Meireles e Lavor.
16
neste trabalho. No Capitulo I faremos uma breve contextualização do povoamento da região
Amazônica, destacando o modelo econômico e as transformações históricas como elementos que
explicam o surgimento da comunidade. O papel dos patrões, a formação política da comunidade, e
as migrações que ocorreram ao longo do tempo, interferindo na configuração atual da comunidade
Paraíso.
No capitulo II, trataremos sobre os aspectos econômicos, os ambientes de trabalho, a relação
dos moradores com esses espaços, além do parentesco e das atividades econômicas como elementos
de construção do território. Inicialmente, a economia da comunidade se concentrava na extração de
seringa, e da sorva, coleta de castanha, agricultura e pesca. Mas, atualmente está ligada a agricultura
e a pesca. Nas entrevistas, percebemos que a história da comunidade está ligada a economia da
borracha, e ao comércio de produtos naturais como peles de alguns animais, de madeira, de pescado
e farinha. Chama atenção o papel da sazonalidade do ambiente, a migração dos moradores para a
área urbana, mas principalmente a existência de um forte e complexo laço de parentesco entre os
mesmos.
O capitulo III apresentara o papel do parentesco como elemento para ter acesso aos recursos
naturais, os conflitos sociais e o manejo dos recursos pesqueiros como tentativa de solucionar os
conflitos. Já o IV capítulo, trás em destaque as práticas sócio-culturais dos moradores e que
fortaleceram o vinculo com o grupo social e o lugar da comunidade. E por fim, as Considerações
Finais, onde faço um apanhado dos principais pontos discutidos no texto, apontando as mudanças
ocorridas a partir da organização política e formação da comunidade. Além dos fatores sociais e
ambientais que influenciaram a migração urbana e comprometem a estabilidade social da
comunidade em vista do desaparecimento ocasionado pelas migrações.
Referencial Teórico e Metodológico para elaboração do trabalho
Neste trecho do trabalho serão apresentados os recursos teóricos e metodológicos que me
ajudaram na elaboração deste estudo, que por ter como objetivo discutir o processo de formação do
território da comunidade Paraíso e esta, por vez, ter construído seu território a partir de práticas
sociais. Busquei apoio teórico em autores que me permitiam entender a construção do território
como resultado das práticas sócio-culturais realizadas no espaço, e que contribuem para a
construção de um território a partir de suas relações sócio-afetivas com o espaço.
17
Neste raciocínio, partindo do pressuposto de que o território é social, e que a territorialidade
humana possui uma multiplicidade de expressões, para explicar a relação que um o grupo social
mantém com seu território é preciso considerar o conjunto de saberes que orientam a relação desse
grupo sobre o ambiente, as ideologias e as identidades que são criadas coletivamente, e situadas
historicamente (LITTLE 2002). Pois, são estes aspectos da territorialidade que são utilizados por
um grupo social para construir e manter seu território. Por este motivo, recorri ao conceito de
cosmografia, de Paul Little (2006) para explicar que neste contexto, a cosmografia “inclui em seu
regime de propriedade, os vínculos afetivos que os indivíduos mantêm com seu território específico,
a história guardada na memória coletiva, o uso social que é dado ao território e as formas de defesa
dele” (LTTLE, 2006 p. 3).
Conceitualmente é impossível separar território de territorialidade, na medida que a
territorialidade é um fenômeno de comportamento associado a organização do espaço, sendo
definida por Little (2002) como “o esforço coletivo de um grupo social para ocupar, usar, controlar
e se identificar com uma parcela específica de seu ambiente biofísico, convertendo-a em seu
território” (LITTLE, 2002 p.3). Desta maneira, entendo a territorialidade como a interação entre
espaço e sociedade, onde a construção da territorialidade se dá em conjunto com a construção do
território simbólico-cultural e paralelo à construção do território em suas bases materiais.
O território é a junção de múltiplas relações de poder, múltiplas relações econômicas,
políticas e de relações culturais de ordem mais simbólica, o que engloba à análise territorial em uma
perspectiva integradora. Neste sentido, o território é formado por forças econômicas, políticas,
culturais e simbólicas que se mostram de maneira diferenciada para cada grupo social. E é neste
raciocínio que o conceito de território atinge múltiplas escalas de análise, passando a ter ao mesmo
tempo, uma dimensão simbólica e cultural, através de uma identidade territorial atribuída pelos
grupos sociais como forma de controle simbólico sobre o espaço onde vivem (LITTLE, 2002). No
caso deste estudo, o espaço da comunidade.
O controle do território gera conflitos entre os moradores do Paraíso e outras comunidades
de Amanã, conflitos que precisam ser analisados, pois também explicam a construção deste
território. Na análise do conflito busquei apoio na metodologia de análise proposta por Paul Little
(2006), a etnografia multi-atores, que incorpora elementos da ecologia política. Esta metodologia
consiste em “tomar os conflitos como sujeito de observação, ao invés de focar exclusivamente nos
grupos sociais; e identificar os atores envolvidos, levando em consideração que o ambiente se torna
um fator crucial” (Little 2006. pg. 6-7) na análise do conflito.
No contexto estudado, a relação que as pessoas mantêm com seu território, esta diretamente
18
ligada ao parentesco que é quem determina o acesso ao território baseado não só nesta relação, mas
também “na cooperação de valores, nas práticas culturais e principalmente na circunstancia
específica de solidariedade e reciprocidade” desenvolvida nos diversos contextos a que o grupo se
encontra (LITTLE, 2002 p.9). Com isso, o grupo se unifica construindo uma identidade territorial,
sendo esta, uma relação política utilizada como estratégia em momentos de conflitos ou negociação,
onde a identidade gera um sentimento de pertencimento ao território (LITTLE 2002). Essa
identidade faz com que as pessoas criem vínculos sócio-afetivos, motivo pelo qual se fixam no
espaço, construindo seu lugar.
O lugar é construído pelo significado que cada grupo social dá a ele, “a partir dos diferentes
aspectos de seu ambiente” (LITTLE, 2002 p.9) dos quais podemos destacar a paisagem e a memória
social como elementos construtores do lugar. Esta ultima “incorpora dimensões simbólicas e
identitárias do grupo com sua área o que dá profundidade e consistência ao território”, construído a
partir das práticas e saberes culturais empregados a este espaço (LITTLE, 2002 p. 11). As práticas e
saberes são apreendidos tanto por experiências diretas, como pela transmissão de outras
experiências acumuladas e depois transmitidas de geração em geração. Estando sujeitas a mudanças
e adaptações ao longo do tempo. Assim, podemos entender que o lugar surge, “como resultado de
mitos de criação, ligados a lugares geográficos específicos” criados simbolicamente por seus
moradores (LITTE, 1994 p. 6).
O lugar da comunidade Paraíso vem passando por várias transformações em função do
intenso fluxo migratório das famílias que residem no local que interfere na relação dos moradores
entre si e em consequência com o território da comunidade. Para explicar essas transformações,
busquei apoio em Marc Augé (2005) que em seu estudo sobre o “lugar antropológico” parte da
analise de Marcel Mauss sobre o “fato social total”, que explica porque a sociedade moderna não
pode ser tida como objeto de analise do etnólogo. Na opinião deste autor, a sociedade moderna não
tem um lugar definido o que a impede de ser analisada pelo etnólogo. “Porque o objeto do etnólogo,
em seu entender são as sociedades localizadas no espaço e no tempo”, no ideal de homem “médio”
que simplifica a analise do etnólogica (AUGÉ, 2005, p. 45).
Para Mauss, o lugar está diretamente associado à cultura definidas no tempo e no espaço do
grupo que constrói seu lugar em um espaço que é definido. Mas, Augé (2005) critica a posição de
Mauss e explica que “substantivar uma cultura é ignorar ao mesmo tempo seu caráter
intrinsecamente problemático”, indispensável para o estudo antropológico (AUGÉ, 2005, p. 46).
Haja vista que, devido às constantes mudanças o que se deve considerar são as praticas coletivas e
individuais que implicam na construção de lugares, a partir de uma necessidade de identidade para o
19
grupo, é o “lugar antropológico” que surge em oposição aos “não lugares”, como lugares
desprovidos de história e identidade. Neste raciocínio, o “lugar antropológico” é o espaço criador de
identidades e de relações sociais num tempo e espaço definidos (AUGÉ, 2005, p. 47), o espaço da
comunidade.
Assim, o lugar é ao mesmo tempo, a representação daqueles que o habitam, e representação
para aqueles que estão de fora “quem o observa” (AUGÉ, 2005 p. 46). Essa identidade se fortalece
na memória dos moradores, que os transporta ao passado permitindo comprovar a memória do
lugar, no “lugar da memória” (NORA, 1997) Os “lugares de memória” são a história de um outro
tempo, que são transmitidas através de “práticas memoráveis” (NORA, 1997 p. 13) como as
narrativas que transmitem a história do grupo social, preservando sua identidade em tempos de
constantes mudanças, sejam elas sociais (migrações) ou ambientais (mudanças na paisagem). Nora
(1997) explica que “o lugar da memória existe onde o registro físico acaba e permanece somente na
memória”, caracterizando-se por uma vontade de memória, ou seja, “deve ter em sua origem uma
intenção memorialista que garante sua identidade, se perpetuando como lembrança do passado”
(NORA, 1997 p. 14) preservada na memória dos que desejam memora-lá.
A memória é “um trabalho sobre o tempo vivido” e sobre “a cultura do indivíduo”, o homem
adaptou o tempo a sua realidade e cada grupo social o vive de maneira diferente (BOSI, 1993 p.
281) e o expressa de maneira diferente. A memória tem um papel importante na construção da
identidade do grupo com o grupo e o seu lugar, “na medida em que compartilham experiências de
vidas comuns” em um lugar que tem como cenário uma paisagem que corresponde ao referencial
básico de suas origens (HALWBACHS, 1990 p. 25). Essa paisagem é mapeada por uma memória
compartilhada e transmitida para outras gerações perpetuando a história do grupo, que se faz de
maneira “classificada em hierarquias estabelecidas pelo grupo, ao definir o que é característico e
comum a ele, o diferenciando de outros grupos e com isso, incentivando o surgimento de fronteiras
culturais e fortalecendo o sentimento de pertencimento” (POLLACK, 1989 p. 1) ao lugar que se
impõe de forma coerciva, “mas ao mesmo tempo de maneira afetiva” (POLLACK, 1989 p.1 apud
HALWBACHS, 1968).
Neste sentido, a paisagem é uma representação do espaço, como “fenômeno oriundo da
experiência humana no mundo” e por isso, “um fenômeno da cultura” (SILVEIRA, 2009 p. 71) da
ação coletiva sobre o meio. A paisagem é o elemento que nos desperta lembranças de pessoas,
eventos e lugares. É o elemento que nos permite estabelecer um vinculo com o passado e através
disso, situá-lo no presente (ALENCAR, 2007). É algo onde a história do grupo se inscreve e pode
ser desvendada a partir das modificações que são tomadas como referencia indispensáveis a história
20
do grupo e do local (ALENCAR 2007), tendo as narrativas como principais fontes de informação
pela qual as pessoas buscam nas lembranças a paisagem do passado que os norteia na busca da
história de seu grupo social e assim percebem e se situam no ambiente.
Para isso, busquei fazer uma comparação dos relatos dos moradores sobre a historicidade do
lugar com estudos realizados em outras comunidades da região, com objetivo de entender como era
no “o tempo dos antigos” para uma possível reconstituição que explique a origem deste grupo e sua
configuração social atual. Relacionada a seu território e ao lugar da comunidade.
21
1. Em busca de um lugar
1.1. Como era no inicio
Este primeiro capitulo tem por objetivo contextualizar o povoamento da região amazônica,
com intuito de ter uma melhor compreensão da realidade estudada. Na qual, questões como o
modelo de produção e as mudanças ambientais em decorrência da sazonalidade do ambiente, nos
explicam o atual contexto da comunidade Paraíso, que tem como resultado migrações que
desestabilizaram o grupo social.
Para entender esta questão, é preciso falar sobre a formação da comunidade Paraíso,
situando-a historicamente no processo de ocupação humana da região estudada, dado ao fato de este
ser um processo que explica a trajetória do grupo social do Paraíso até o local onde se situa a
comunidade em uma trajetória que se assemelha a de outras localidades da região de Anamã.
A Reserva de Desenvolvimento Sustentável Amanã (RDSA) é uma Unidade de Conservação
criada pelo governo do Estado do Amazonas em 1998, e implementada pela Sociedade Civil
Mamirauá (SCM), e administrada pelo Instituto de Proteção Ambiental do Amazonas- IPAAM e
pelo Instituto de Desenvolvimento Sustentável Mamirauá (IDSM). Esta reserva localiza-se entre o
Rio Negro e o baixo curso do Rio Japurá, com uma área total de 2.313.000 há. Seu espaço
geográfico é formado por terra firme e várzea, contendo uma população de moradores de 3.259 e
514 domicílios em 69 localidades (ALENCAR, 2010).
A ocupação humana da RDS Amanã mostra uma articulação entre sociedade e ambiente,
estando diretamente ligado ao modelo econômico desenvolvido na região, sendo caracterizado por
uma economia voltada para o extrativismo de recursos naturais, que resultou na mobilidade de
pessoas e famílias de várias regiões do país como sul, sudeste, e principalmente a região nordeste
(LIMA e ALENCAR, 1994 e 2002; ALENCAR, 2002; 2009 e 2010).
A história que quero contar começa pela chegada dos primeiros colonizadores europeus,
com a exploração das “drogas do sertão” por volta do século XVII, como estratégia de ocupação
territorial da Amazônia. A exploração das drogas do sertão caracterizou-se pela catequização das
populações indígenas que, por sua vez, incentivou a realocação de vários grupos em uma mesma
aldeia onde algumas delas deram origem a povoados que, posteriormente, se tornaram cidades da
região Amazônica, tais como Manaus-AM (1669) e Tefé-AM (1709) (WAGLEY, 1988) e
(MIRANDA, 2007 apud LUI e MOLINA 2009).
22
Em meados do século XVIII, a agricultura passou a ser pensada como um instrumento
civilizatório para a região amazônica e, com influencia do Marques de Pombal, passou a receber
incentivos tributários; financiamento para a importação de escravos; estimulo a importação e a
concessão de terras públicas (FIGUEIREDO, 2008 apud LUI e MOLINA 2009). Já no século XIX e
início do século XX, com o predomínio da economia da borracha, ocorreu um grande processo
migratório em direção as áreas de seringa (LIMA e ALENCAR, 1994; ALENCAR, 2002, 2009 e
2010). Foi quando o governo incentivou a migração de pessoas vindas de várias regiões do Brasil,
mas principalmente nordestinos, para suprir a mão de obra exigida na extração da borracha (LUI e
MOLINA, 2009 e ALENCAR, 2010). Eram os chamados arigos6 que migraram para a região
amazônica fugindo da estiagem e buscando novas oportunidades nos trópicos amazônicos com o
comercio da borracha (AGUIAR, 2010 e ALENCAR, 2010). Nesta fase, o comércio estava situado
na área rural e girava em torno do barracão de um patrão7 que exercia um comércio baseado no
aviamento.
Após este período, a economia se centrou na exploração de produtos naturais por uma
população que residia tanto em áreas rurais como em áreas urbanas. Na qual, o comércio dos
patrões foi substituído e passou a ser realizado pelos regatões, comerciantes, que faziam o comércio
em seus próprios barcos (ALENCAR, 2009) “e passaram a ser os principais intermediários”
comerciais da região, “mas sem o caráter patriarcal e dominador dos patrões” (LIMA e ALENCAR,
1994 p.145).
Com o passar do tempo, surgiram novos atores sociais que foram marcantes na história do
povoamento amazônico e cada um deles deixou sua marca no que diz respeito ao povoamento da
região. Em 1960, a igreja católica, através o MEB (Movimento de Educação de Base), tenta integrar
politicamente a população camponesa que habita as margens do Solimões, ocasionando mudanças
nas relações sociais de produção, o que refletiu no padrão de ocupação humana da região, alterado
a maneira como os moradores se organizavam no espaço (LIMA e ALENCAR, 1994 e ALENCAR,
2009).
Antes da chegada do MEB, os moradores viviam em pequenos grupos, espalhados ao longo
do rio e após essa interferência, foram levados a um novo processo de reestruturação na organização
social, que de familiar, passou a ser uma organização comunitária. Processo pelo qual também
6 “O apelido arigó, foi utilizado para denominar os retirantes nordestinos que chegaram a Amazônia a partir de 1940”
(AGUIAR, 2010 p. 87).
7 Comerciante que intermediava o acesso de mercadorias aos trabalhadores extrativistas através do aviamento de
mercadorias em troca do recebimento de produtos naturais como peixe, farinha, madeira, castanha e etc. (ALENCAR,
2002).
23
passaram os moradores da comunidade Paraíso em uma história que vou contar neste próximo
trecho.
1.2. A abertura do lugar e formação do povoado Paraíso
A comunidade Paraíso esta localizada na RDS Amanã as margens do rio Japurá, município
de Maraã, região do baixo Japurá. Ela fica situada em ambiente de terra firme, mas com acesso às
áreas de várzea, na margem oposta onde está o Paraná do Mojuí, Paraná do Joacaca, e ilha do
Arauacá (FURTADO, 2007).
Figura n°1 : Mapa da região do Japurá-Maraã. Fonte: Instituto de Desenvolvimento
Sustentável Mamirauá (2010).
A história de formação da comunidade Paraíso esta relacionada tanto a fatores sociais, como
o sistema de produção econômico existente na região ao longo do século XX, quanto a fatores
ambientais, tais como a existência de áreas de terras firmes e a proximidade de áreas de várzea ricas
em recursos naturais. Conforme demonstra Edna Alencar, em estudo realizado sobre a ocupação
humana da RDS Amanã (2007, 2009 e 2010), inicialmente, a ocupação humana da região se fez
com o controle sobre a terra e os recursos naturais que era exercido por alguns comerciantes que
residiam nas cidades de Tefé e Coari. Esses comerciantes exerciam um controle sobre a terra como
maneira de controlar a exploração dos recursos naturais valiosos, dentre os quais estão a castanha,
24
peixes de espécies distintas, vários tipos de látex e também a caça de animais para a venda do
couro. Este controle influenciou diretamente a maneira como ocorreu à ocupação do espaço e a
construção dos territórios sociais, pois era a economia que direcionava as pessoas aos lugares onde
estabeleciam residência que era direcionada e fixada pelo patrão (ALENCAR, 2007 e ALENCAR,
2010).
Os patrões estimulavam a migração das famílias que eram autorizadas a ocupar as terras e
explorar os recursos naturais, enquanto garantiam o escoamento da produção e o abastecimento das
famílias com mercadorias. O controle sobre a mão-de-obra era exercido através do sistema de
comércio baseado no aviamento, ou seja, os comerciantes financiavam a produção ao fornecer
alimentos e instrumentos de trabalho às famílias, tendo como garantia os produtos in natura, que
eram destinados aos mercados das capitais e até do exterior (ALENCAR, 2009 e 2010). O
esgotamento dos recursos numa área levava as famílias a migrarem em buscas de novas áreas, cujo
direito de exploração era adquirido pelos patrões. E é neste contexto que se insere a família Furtado,
fundadora da localidade Paraíso, que passou a ser referida como comunidade, após passar pelo
processo de organização política.
A história do grupo social que fundou o povoado Paraíso se inicia quando Joaquim Alves
Furtado, migrante cearense, vem para a região norte no início do século XX com intuito de
prosperar economicamente na exploração da borracha. Ao chegar à Amazônia, Joaquim se
estabeleceu em Manaus onde conheceu Júlia com quem se casou e mudou para o lugar de nome
Concórdia, um antigo seringal da região do alto rio Juruá. Mas, por dificuldades com a produção e o
fenômeno da terra caída, foram estimulados a mudar para o Japurá por influencia de um antigo
patrão8 com quem trabalhavam, e pela notícia de grande produção e prosperidade em seu novo lugar
de moradia. Sendo este o motivo que, segundo os netos de seu Joaquim, impulsionou a migração, já
que seu antigo lugar de residência não lhes dava mais o que precisavam e a produção era pouca.
Nesta região, enquanto a atividade extrativista era compensadora, as famílias permaneciam no local,
do contrário partiam para outras áreas como nômades em busca do melhor local de produção
(ALENCAR, 2010).
E foi o que aconteceu com Joaquim e Júlia Furtado que mudaram com os filhos para o rio
Japurá por volta dos anos 1918. Os entrevistados contam que inicialmente eles estabeleceram
moradia no povoado de nome Jubará, situado no rio Japurá, em local próximo ao Paraíso. Mas,
passado mais ou menos dois anos de residência no local, ocorreram alguns desentendimentos com
os habitantes do Jubará e, aos poucos os laços de afinidade entre as duas famílias foram ficando
8 Infelizmente, os entrevistados não conseguiram se recordar o nome do patrão.
25
cada vez mais frouxos e os conflitos foram se agravando. Além disso, um dos netos de seu Joaquim
revela que durante o trabalho na mata seus avos tomaram conhecimento de um lugar bonito, não
muito distante do Jubará. Encantados com a beleza do local, por volta de 1920 os veteranos da
família Furtado decidiram mudar para o lugar onde hoje se encontra o atual Paraíso, que foi
batizado com este nome pela beleza da paisagem, pela fartura de recursos naturais, e por estar
localizado em uma área de terra firme, livre de inundações durante o período do inverno amazônico.
Eles vieram, foi com o patrão deles que viajavam né, parece que [por] que lá onde
eles moravam na Concórdia começou a cair né. Caiu o campo tudo. Ai disseram para
o patrão deles que pra cá tinha muita terra né. Eles vieram pra trabalhar no Jubará.
(Pedro9. Paraíso, 2011)
Ai encontraram essa terra bonita, ai começaram a se agradar já, ai pensaram em se
localizar ai né. Ai vieram. Depois vieram e já abriram o lugar né (Dorival. Paraíso,
2013).
1.2.1. A Dinâmica das Migrações
Assim como a maioria das comunidades de Amanã, o Paraíso foi formado por uma família
pioneira que “abriu o lugar”, no caso a família Furtado, como já foi dito anteriormente. Os Furtado,
com o passar do tempo, formaram um complexo laço de parentesco estabelecido pelos matrimônios
com as famílias Cavalcante, Lavor e Meireles que migraram para o local, contribuindo com a
formação do atual grupo social da comunidade10.
Da chegada de seu Joaquim para os dias atuais, o Paraíso passou por grandes mudanças, o
grupo social aumentou e depois diminuiu com a mobilidade que ocorreu ao longo do tempo. Os
descendentes de Joaquim e Júlia Furtado casaram constituíram família e em alguns casos mudaram
do Paraíso para outras localidades da região e também área urbana, em cidades, como Maraã, Tefé e
Manaus. O que nos possibilita entender que a história da comunidade esta marcada pela grande
mobilidade entre o Paraíso e outros locais da região.
Um exemplo disso é João Meireles, o patriarca da família Furtado que entrou e saiu do
Paraíso por diversas vezes ao longo dos anos. Na primeira vez a migração ocorreu por causa de
9 Este nome, assim como todos que virão neste formato não correspondem aos moradores da comunidade Paraíso. São
nomes fictícios que optamos por utilizar em virtude de preservar a identidade dos moradores em algumas citações que
podem ser comprometedoras dadas ao contexto de conflito que envolve a comunidade.
10 Ver anexos 1 e 2.
26
desentendimentos com outros moradores quando mudou para a cidade de Tefé, mas depois retornou
ao Paraíso. Anos depois houve um novo conflito, em razão de desacordos em razão de algumas
decisões referentes à associação de moradores da comunidade, motivo que o fez sair
definitivamente do Paraíso para formar uma nova comunidade, a Nova Esperança do Joacaca.
A história de seu João exemplifica o transito permanente que houve na história do Paraíso.
Essa atividade de ida e volta se tornou algo constante na vida dos moradores intensificando a
dinâmica de migrações no local. Como é possível visualizar no mapa a seguir:
27
Figura 2 : Mapa de mobilidade dos habitantes da comunidade Paraíso. Fonte: Liliane de
Souza Corps (2012).
Estudos como os de Alencar (2010) mostram que a mobilidade das famílias de Amanã
ocorreu principalmente por questões econômicas como a atividade sazonal:
Algumas famílias faziam uma mobilidade sazonal, se deslocando dos povoados para
trabalhar em terras situadas as margens do Lago Amanã ou dentro de igarapés [...]
Fixando residência por alguns meses enquanto durava a safra dos produtos extrativos
(ALENCAR, 2010 p. 53).
Como é possível perceber no trabalho de Alencar (2010), a mobilidade das famílias ocorria
em função da economia e suas condições de trabalho em períodos determinados que foram se
intensificando com o passar do tempo. Questão que alterou a demografia do local, que oscilou
muito ao longo dos anos com a migração das famílias que mudaram para outras comunidades e
também para área urbana. Os fatores apontados pelos moradores como motivo das migrações
perpassam tanto por questões sociais, quanto ambientais. Dentre os fatores sociais podemos
destacar os matrimônios com pessoas de outras comunidades, a carência de infra-estrutura, conflitos
pessoais, conflitos pela posse do território e conflitos ideológicos. Dentre os fatores ambientais
podemos destacar as grandes secas que dificultam o acesso aos rios interferindo desde as atividades
domésticas, como a dificuldade em buscar água do rio até o escoamento da produção que por vez
interfere na economia e na qualidade de vida dos moradores. São fatores distintos, mas que estão
interligados, pois um influencia o outro como exemplificam Moura e Perez:
Devido às variações sazonais de acesso aos recursos naturais, há uma decorrente
variação nos níveis de renda familiar que na época da enchente sofre um declínio de
75% (MOURA e PEREZ apud Plano de Manejo, 1996).
A decisão de migrar está relacionada ao apoio de um parente, principalmente no que diz
respeito à migração urbana, que necessita da existência de uma rede de apoio, de contato, onde
aquele parente que migrou por primeiro, após se estabilizar no local, garante uma “ponte” para
facilitar a mudança daqueles que desejarem migrar também. Pois é muito mais fácil mudar para um
lugar onde já se têm conhecidos do que para um lugar onde não se conhece ninguém. É preciso ter
alguém com quem contar na hora da dificuldade, pois nunca se sabe quando vai precisar de ajuda
para olhar as crianças, cuidar de um doente ou fazer um trabalho. A narrativa seguinte ilustra como
se da essa rede de apoio no contexto da migração urbana.
29
Daí que eles foram embora para Tefé né! Que os filhos dele, o Antônio né! O Jonas,
como é aquele Izidoro, eles trabalhavam na lage né! Ai eles compraram casa já lá,
que eles trabalhavam e ganharam bem. Trabalharam e compraram casa em Tefé. E
daqui ele já foi para la, já tinham comprado casa mesmo lá. Ai que eles decidiram ir
embora para lá. Ai pronto, eles foram e não vieram mais né! Ai foi o tempo que já
morreram tudo, já. (Luis. Paraíso, 2010).
É possível perceber na fala do entrevistado que a migração para área urbana tem um caráter
mais particular, variando de indivíduo para indivíduo. Entretanto, a maioria dos moradores que
migrou para área urbana foi em busca de serviços que não eram ofertados na comunidade como
atendimento a saúde por exemplo. Além da questão do prosseguimento de estudos, apontado como
principal motivo para a migração na comunidade, devido à mesma, só possuir ensino para as
primeiras séries escolares. O que justifica a migração para área urbana com a finalidade de
“terminar os estudos” que futuramente lhes daria um emprego e por vez estabilidade financeira,
assegurando a possível vinda de um parente que desejasse migrar também, seja em curto prazo
(tratamento de saúde, recebimento de pensões ou auxílios governamentais) ou em longo prazo
(estudo e trabalho). A questão é que, uma vez estado na cidade à migração se torna algo constante
na vida dos moradores que vivem em transito permanente entre a comunidade e a cidade.
Entre a primeira geração dos moradores da comunidade, é unânime a preocupação em
educar seus filhos, e engajá-los no mercado de trabalho formal11, pois o trabalho na comunidade já
não é mais tão compensatório como foi no “tempo dos antigos”. Uma questão resultante da
interação dos moradores da comunidade com os elementos da cultura urbana, interferindo
diretamente em suas relações sociais. Deborah Lima (2010) explica que a maior ligação com a
cidade aproxima principalmente os jovens dos valores urbanos de individualidade e independência
econômica (LIMA, 2010) e, com isso, as novas gerações vêem a questão do trabalho por
perspectivas diferentes, pois, à medida que foram surgindo novas necessidades, os moradores se
viram pretensos a obter novos mecanismos que ajudassem a melhorar o rendimento da produção
que só era viável com o trabalho remunerado obtido na cidade, ocasionando a migração. Mas é
importante frisar que, esta migração, não nega o trabalho familiar, pois ele possibilita a migração
(temporária ou definitiva) dos filhos, necessária a reprodução desta categoria social
(WOORTMANN, 1988). De acordo com o sendo demográfico de 1991 na Reserva de Mamirauá:
11 Alguns moradores abrem comércio na cidade e vendem os produtos que são produzidos na comunidade, em relação
aos empregos que os moradores têm na área urbana, não consegui obter informações. Este seria tema para outro
trabalho.
30
[…] uma média de 8 filhos por casal, com mais de 10 anos de união – 3 filhos já
deixaram a casa dos pais (homens em média aos 21 anos de idade, e mulheres aos
16) havendo a maior parte se dirigido aos centros urbanos (MOURA, 1996 apud
ALENCAR, 2002).
Portanto, as redes de parentesco influenciam decisivamente a migração para área urbana na
medida em que dão uma certa garantia ao futuro do próximo migrante, onde o primeiro dará abrigo
e assistência necessários à sobrevivência do migrante em seu novo lugar de moradia. Garantindo
assim a existência do grupo social, que mesmo em ambientes distintos continua unido pelos laços
de parentesco, sendo este, um elemento fundamental na manutenção e organização deste grupo
social.
1.2.2. A formação da Comunidade
Assim como existem os fatores responsáveis pela evasão, também existem os fatores
responsáveis pela permanência das famílias nos assentamentos. Neste caso, a economia ganha
destaque por possibilitar a sobrevivência das famílias. Fatores como a existência de recursos
naturais com demanda de mercado como madeira e pescado; a existência de terras adequadas para a
agricultura, em especial para o cultivo de banana e mandioca que ganharam mercado com o
crescimento da população urbana e o desenvolvimento tecnológico que possibilitaram uma maior
capacidade de exploração dos recursos naturais, favorecendo a possibilidade de comercialização da
produção (LIMA e ALENCAR 1994 e 2002). Como mostram Lima e Alencar em estudo realizado
sobre a ocupação humana da reserva de Mamirauá:
O histórico sucinto da ocupação humana na área focal da reserva demonstra que
grandes variações no padrão de assentamento se devem a causas sociais. Hoje,
demanda do mercado e estrutura de comercialização são os principais determinantes
do padrão de ocupação (LIMA e ALENCAR, 1994 p.381).
A economia direcionava as pessoas aos lugares, mas a permanência dependia de uma
combinação de fatores ambientais e sociais que juntos contribuíam para a permanência das famílias
em um determinado lugar. Entre os fatores ambientais estão; a existência de terras altas que não
sejam inundadas no período das cheias, a abundância de recursos naturais e a proximidade de lagos
ricos em recursos pesqueiros. Entre os fatores sociais é possível destacar, a existência de uma rede
de parentesco que dê assistência e apoio de forma recíproca entre as famílias do lugar, uma
31
localização com boa acessibilidade de transporte (fluvial) para comunicação com outras
comunidades e área urbana, escoamento da produção e acesso a outras mercadorias através da
figura de um patrão (LIMA e ALENCAR, 2000 e ALENCAR, 2002, 2007 e 2009). Outro elemento
relevante é a infra-estrutura. Fator que fez com que os mesmos deixassem de ser povoado para se
tornar comunidade.
O surgimento das comunidades remete ao contexto em que, famílias que viviam dispersas,
após o declínio da economia da borracha, passaram a viver num único território geográfico
(ALENCAR, 2010) compartilhando de práticas culturais, de uso dos recursos comuns e de
ideologias como a eleição de um representante que vai articular políticas de benefícios para o grupo
social junto ao poder municipal (LIMA e ALENCAR, 1994). Em seu trabalho sobre a região do
Solimões, Alencar explica que:
[…] no presente, as pessoas estão organizadas em uma comunidade, onde a figura do
presidente faz a intermediação entre eles e o poder público municipal e demais
poderes operantes na reserva de Mamirauá - Estadual e Federal (ALENCAR, 2002 p.
89).
O termo comunidade, como é conhecido regionalmente, foi introduzido pelo MEB
(Movimento de Educação pelas Bases), como referencia a uma organização política de moradores
em torno de uma associação (ALENCAR, 2002 e 2009) que lhes dá direitos e deveres enquanto
organização social. Lima (1999) explica que antes da introdução do conceito de comunidade, os
termos utilizados eram localidades, povoados e sítios que após a intervenção do MEB, passaram a
ser referidos como comunidades; “para transmitir a noção de direitos comuns de residência e uso
comunal dos recursos de terra e água - relacionados ao território de sua localidade” (LIMA, 1999 p,
22).
A principal característica deste modelo de organização diz respeito à discussão e resolução
de problemas comuns a eleição de um presidente que representa os moradores junto aos órgãos e
entidades que atuam na região (ALENCAR, 2002 e 2009). Com isso, a comunidade passa a ser
concebida enquanto organização política comunitária com a eleição de um representante que
simboliza uma hierarquia antes representada na figura do patrão. E que neste contexto é repassada
ao presidente da comunidade, atual como porta-voz do grupo (ALENCAR, 2002). Assim, a criação
de uma comunidade esta associada à reivindicação de alguns serviços como a assistência a saúde,
educação e poder de controlar os recursos naturais de uso comum atribuídos a uma identidade
política, atribuída a figura de seu representante (LIMA e ALENCAR, 1994) que tem em seu cargo,
o dever de lutar e zelar pelos interesses da comunidade.
32
A formação da organização de caráter político que deu origem a comunidade Paraíso,
começou ainda nos anos 1970, quando se associaram ao GDP (Grupo de Preservação e
Desenvolvimento), no qual começaram a fazer trabalhos de manejo em alguns lagos de pesca. Mas,
só formalizaram a comunidade, enquanto organização comunitária com a eleição de um
representante e a criação de uma associação, que foi legalizada por um estatuto em meados dos anos
1990 durante o primeiro mandato de Jéferson Almeida. Neste período o primeiro presidente da
comunidade era Deozuithe, e o vice Joaquim. No segundo mandato o presidente foi Jorciro e o vice
Domingos. Após ser eleito vereador em Maraã Deozuithe mudou para lá, passando o posto para
Jorciro atual presidente da comunidade. Apesar do marco histórico apresentado pelos narradores ser
a eleição de Jeferson Almeida como vereador de Maraã, um dos entrevistados recorda que a
fundação da comunidade não foi arquitetada por uma liderança política, mas sim religiosa, tendo
como principal intercessor Dom Mario12.
Nesse tempo que foi para formar a comunidade, agora eu lembro, foi o Dom
Mario, nesse tempo que ele andava por aqui que nós fizemos esse poço que
foi fundada essa comunidade. Dom Mario foi quem projetou isso. (Luis.
Paraíso, 2010)
A figura de Dom Mario ilustra a participação da igreja católica e do movimento de Educação
de Base (MEB) na organização política da comunidade que é mais um exemplo de uma ação que
predominou na região da reserva Amanã e também Mamirauá. Como demonstra Campelo (2012)
em relatório desenvolvido para o Instituto de Desenvolvimento Sustentável Mamirauá e que coloca
as ações do MEB como primordiais na organização política das famílias para se tornarem em
comunidade. Ao citar o trabalho de mestrado realizado por Carvalho (2010), Campelo (2012)
destaca que Dom Mário defendia a ideia de que, as antigas localidades não possuíam “uma
organização social ‘mais coletiva’ e a suposta falta de “coletividade” era a razão principal “para a
inexistência de políticas governamentais que priorizassem uma melhor qualidade de vida para esse
povo” (CARVALHO, 2010 p.99 apud CAMPELO, 2012 p.14).
A concepção de comunidade gera mudanças para as famílias que residiam dispersas,
levando-as a se pensarem enquanto coletividade, e com isso, passando a ser estimuladas a
desenvolver atividades coletivas (ALENCAR, 2009). Entretanto, apesar do forte apelo comunitário
que preside a atual forma de organização dos povoados humanos, a ética que preside a relação entre
as famílias é ainda fortemente individualista, no sentido de que cada grupo familiar com a liderança
12 Dom Mário é pároco da cidade de Fonte Boa (Campelo 2012)
33
centrada num patriarca, tende a pensar a relação com um determinado lugar a partir da ocupação
que foi realizada por seu ancestral. Nesse sentido, embora as famílias tendam a residir em grupos,
muitas ações desenvolvidas por elas, podem contrariar as propostas de coletividade ou trabalho
comunitário, mas por outro lado, garante conquistas em termos de infra-estrutura que beneficia
todas as famílias em termos de coletividade.
Ainda de acordo com o estudo de Campelo (2012) Dom Mário conclui que a formação das
comunidades foi de extrema importância, pois era uma forma de se mostrar de forma organizada
politicamente diante das “autoridades políticas”, que segundo Dom Mário, só reconhecem aquelas
pessoas nos momentos de busca pelo voto, causando tristeza e revolta por parte dos habitantes da
região. Como ilustra a fala de um dos moradores da comunidade:
Prefeito só anda aqui quando ele quer voto, depois que ele ganha ele passa lá
por cima que ninguém nem enxerga o avião que ele vai, se eu tivesse um
negocio de uma metralhadora eu atorava (quebrava) tudinho esses avião que
passa ai por cima (Raimundo. Paraíso, 2010).
O apoio institucional das administrações municipais e representantes partidários são
solicitados para a construção de escolas, de postos de saúde, doação de motores de eletricidade, etc
(LIMA e ALENCAR, 1994), comprovando a influencia do poder político local também na
formação dos assentamentos locais, pois através do auxilio prestado, acabavam por fixar a
população rural no local de moradia com a conquista de melhor infra-estrutura. De acordo com os
entrevistados a comunidade chegou a receber “ajuda” de políticos. Um exemplo disso é a escola que
teve seu primeiro prédio (casa comunitária) em 1993, construído no mandato de vereador de
Jéferson Almeida, e o prédio atual, construído no mandato de prefeito de Jéferson Almeida. Antes
disso, as professoras da comunidade eram obrigadas a lecionar em suas casas por não ter espaço
para ministrar as aulas, por isso, a construção da escola é vista como uma conquista por parte dos
moradores, sendo um marco na história da comunidade.
34
Figura n°3 : Foto da antiga Capela e Escola da Comunidade Paraíso. Fonte:
Edna Alencar (2010).
Todas essas conquistas estruturais facilitaram a vida dos moradores que se viram mais
incentivados em permanecer na comunidade. Entretanto, não evitou a migração, apenas adiou, pois
entre os moradores, é muito presente a ideia de migrar para a área urbana ou localidades com
melhor infra-estrutura com o intuito de “mudar de vida”. Por isso, ainda hoje, a migração é uma
constante na vida dos moradores do Paraíso que vivem mudando de um lugar ao outro sem se
estabilizar o que altera suas relações sociais e territoriais, implicando na maneira como gerenciam
os recursos naturais e em sua relação com o lugar da comunidade. Ponto que será tratado no
próximo tópico.
1.3. A Relação com o lugar
Em meio a constantes mudanças, os moradores do Paraíso acabam por sofrer interferências
em relação ao caráter simbólico da comunidade, como o espaço “sagrado” que guarda a história do
lugar e do grupo social, preservado na memória e na paisagem do local. Neste sentido, o lugar
representa a construção física e simbólica do espaço referido por todos aqueles que criam uma
afetividade com ele, dando ao lugar o sentido de pertencer ao mundo onde o indivíduo vive. Pois ao
35
modificar a paisagem o homem também se modifica (SILVERA, 2009) e se identifica com ela,
como espaço conector de sua história. Augé (2005) explica que o espaço é o que une a identidade
do grupo, e mesmo que suas origens sejam as mais diversas possíveis, “é a identidade do lugar que
o funda, o reúne e o une”, para poder conservar sua linguagem identitária que é o lugar (AUGÉ,
2005, p. 41). “Esse lugar construído por antepassados ultrapassa a linha do tempo, e é revivido nas
praticas sociais se tornando um “lugar de memória (AUGÉ, 2005, p. 46)”.
Os lugares de memória, de acordo com o estudo feito por Pierre Nora (1997), são lugares em
todos os sentidos do termo, vão do objeto material e concreto (casas, roças, capoeiras, plantações,
etc), ao mais abstrato, simbólico e funcional (nascimentos, casamentos, festas, lembranças, etc),
simultaneamente e em graus diversos, devendo coexistir sempre. Nora (1997) explica que:
Esses lugares são os espaços onde a memória se fixa e serve como uma nova forma
de apreender a memória que não é natural, pois não se vive mais o que eles
representam e são apropriados pela história como fonte. São, portanto, locais
materiais e imateriais onde se mostra a memória de uma sociedade. Locais onde
grupos ou povos se identificam ou se reconhecem, possibilitando existir um
sentimento de formação da identidade e de pertencimento (NORA, 1997 p. 13)
Os relatos dos entrevistados contam que ao longo do tempo a paisagem do local mudou
bastante e dizem que, apesar de morarem em terra firme, uma parte da terra caiu e o rio avançou por
volta de 6 metros, chegando próximo das casas. Sobre essas questões de ordem natural, os
moradores contam muitas histórias. Contam sobre grandes secas que se tornam cada vez mais
freqüentes e atrapalham toda a dinâmica de vida da comunidade. Interferindo desde as questões
mais simples, relativas ao cotidiano, como a dificuldade para realizar tarefas domésticas, dado a
distância da casa ao rio, até as questões mais complexas, a exemplo da economia que é prejudicada
em atividades como o transporte das mercadorias e o abastecimento da comunidade.
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Figura n°4 : Foto do Porto da comunidade Paraíso na época da seca. Fonte:
Edna Alencar (2011).
Nunca tinha tido uma seca como essa, ficou seco, seco mesmo. Tinha que andar uns
40 minuto pra chegar onde tinha água. (Pedro. Paraíso, 2011)
Por conta desses fatores, segundo estudo realizado por Furtado em 2007 a comunidade do
Paraíso, atualmente aparenta ser um povoado fantasma, formado apenas pelas construções das casas
como vestígios deixados pelos moradores antigos (FURTADO 2007), ilustrando o povoamento que
houve no local. Furtado (2007) na síntese de seu trabalho relata está questão dizendo que:
Escola de alvenaria sem alunos, motor de luz sempre funcionando. Já foi uma grande
Comunidade, com Associação (Sabá conhece o caso), hoje são pouquíssimos
moradores agrupados em duas casas que ali vivem para garantir a terra de que
possuem titularidade. A primeira conversa que tive com Domingos, descobri depois,
foi gravada: Domingos demorou muito tempo a perder o temor que tem de perder as
terras que herdou de seu pai. Recentemente sua mãe e um irmão foi lá morar, é
simpatissíssima e lamento muito nunca ter tido tempo para conversar mais
detidamente com ela (FURTADO 2007 p. 6).
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Figura n°5: Foto da comunidade Paraíso. Fonte: Edna Alencar
(2010).
Hoje, somente membros da família Furtado permanecem no local e apesar de todas as
mudanças ocorridas por lá, como recentemente o falecimento de Dona “Dada” (a matriarca da
família e pessoa mais antiga da comunidade) alguns moradores ainda resistem no local,
exemplificando a existência de um vínculo com o lugar, motivo que ainda os mantêm por lá.
Atualmente residem Jorciro, Raimunda, Ciolino, Maria Oriete, Juvenal e Domingos, como ultima
esperança de manter a comunidade. Os moradores afirmam, que apesar de não terem chegado a uma
conclusão definitiva sobre o futuro do Paraíso, há um interesse em continuar com a comunidade,
pois se eles a abandonarem tudo o que foi construído pela família ao longo de quase 100 anos de
história será perdido e na opinião deles, isso não é justo com a memória dos ancestrais. Um
exemplo disso é a tentativa de resgatar costumes antigos e que revigoram a comunidade
fortalecendo os laços sociais e a identidade do local como o festejo de São Lazaro que os moradores
planejam resgatar. Como prova disso, os moradores se organizaram e construíram uma nova capela
para o Santo, o que segundo eles com organização promete ser tão boa como era antes, no tempo de
seus pais.
38
Figura n°6 : Foto da Nova Capela de São Lazaro. Fonte: Edna Alencar (2011).
Assim como a implementação de um novo projeto como a criação de uma granja para que os
moradores tenham outra alternativa de renda além da pesca e da agricultura. Este projeto visa o
crescimento da comunidade de maneira que os moradores não sintam necessidade de sair de lá pela
questão da renda e assim se mantenham unidos na luta por este patrimônio. Alencar (2007) explica
que:
A permanência das famílias é uma forma de resistência, movida pela necessidade de
manter o vínculo com o lugar que foi construído pelas gerações passadas, já que a
referência de identidade do grupo social está vinculada ao lugar, e à família que lhe
deu origem (ALENCAR, 2007 p.99).
Esse vinculo é estabelecido através da memória que é empregada ao lugar que representa a
história e a vida dos moradores, pois a memória é o retrato do passado que nos situa no presente
para que possamos entender de onde viemos e quem somos. É algo que já passou e que não pode
mais ser vivido. A memória é a experiência adquirida, sentida, e que preserva a vida na comunidade.
Por isso, precisa ser repassada as gerações do presente sobre uma base comum (HALWBACHS,
1990) que é a historia da comunidade. Essa historia é reconstituída a partir da paisagem local, com
os elementos físicos e abstratos da memória dos moradores, que se apoiam na paisagem do presente
para voltar a este passado que é preservado, constituindo a identidade do grupo a partir deste lugar.
Neste sentido, estudos como os de (SILVEIRA, 2009) concebem a paisagem como um
elemento da cultura, na qual o ser humano se torna “ação modeladora” que “domestica a paisagem”
39
de acordo com suas experiências e vivencias (SILVEIRA, 2009 p.72). E são essas modificações na
paisagem que imprimem a marca do grupo no espaço e que quando rememorados, despertam
lembranças de pessoas e eventos que constituem a história da comunidade. Permitindo aos
moradores estabelecer um vinculo com o passado e através disso situá-lo no presente, “pois, toda
ação humana em relação ao meio implica em certas categorias de pensamento compartilhadas pelo
grupo étnico” que constitui a paisagem como elemento histórico e cultural (SILVEIRA, 2009 p. 75)
que por vez, retrata as relações sociais estabelecidas em um determinado local.
A paisagem é onde se evidencia o fazer humano que caracteriza o lugar de um grupo social
(SILVEIRA, 2009). É onde a história do grupo se inscreve e pode ser desvendada a partir das
modificações que são tomadas como referencia indispensáveis à sua história social e local
(ALENCAR 2007). Essa história é recontada de geração em geração com o objetivo de reconstruir
um lugar alterado pelas ações humanas e pelo tempo, para que ali se conheça sua origem.
Ai eles moravam toda a turma, ai depois que o meu pai casou ai que fizeram casa.
Ai já morava só o velho com a velha e os, os outros que estavam solteiro. Ai iam
casando, iam saindo, formando outras casa [...] Plantaram árvore, fizeram roça e
assim formou esse lugar aqui (Luis. Paraíso, 2010).
As narrativas dos moradores remetem à construção do lugar, e expressam a relação que os
mesmos tem com a natureza. Os vestígios do antigo barracão construído pelo senhor Joaquim, da
capela e das residências dos antigos moradores compõem a paisagem da memória, e é a partir dela
que eles se apoiam para reconstruir o passado e a história de suas vidas e de seu lugar, a
comunidade Paraíso.
Portanto, recontar a historia do lugar é uma maneira de resgatar a memória de fundação e
fortalecer os vínculos com o lugar e o grupo social, que se caracterizam por suas praticas e
atividades coletivas, imprimindo sua marca no lugar. Fortalecendo assim, a identidade do grupo que
é valorizada com as memórias de suas vidas, expressando suas historias, momentos, eventos com
que os moradores se identificam enquanto comunidade, a partir do seu lugar, o Paraíso.
40
2. Ambiente, produção e construção do território.
2.1. “Eles foro os primeiro a abrir isso aqui”
No processo de ocupação de um território um dos elementos que se expressa de maneira
recorrente é a regulamentação do acesso ao espaço. Essa regulamentação é efetivada de maneira
concreta e simbólica de apropriação do território, onde as regras e códigos de uso do mesmo se
expressam no tecido da organização social e constituem uma linguagem de códigos de acesso ao
espaço (MALDONADO, 1993) que no contexto estudado é dado pelo parentesco.
Na representação dos moradores do Paraíso é possível perceber que quando seu Joaquim
“abriu” o Paraíso, o lugar não tinha dono, por isso, estava livre para ser apropriado pela ocupação e
trabalho da família. Motivo pelo qual se reconhece enquanto dona do lugar e, portanto, com todos
os direitos de acesso e uso do mesmo. Pois o critério para apropriação da terra é que não tenha
existido um dono anterior para que futuramente não haja reivindicação de direito sobre o território
(ALENCAR, 2002). Sendo assim, a partir do momento em que se estabeleceu moradia passou-se a
ser também o proprietário daquela terra, antes sem dono.
Ai não tinha ninguém né [...] Começaram a trabalhar ai, fizeram casa, moradia.
Começaram a trabalhar no negócio do plantio e já pensaram também em tirar aquela
área né. Fazer uma demarcação. (Dorival. Paraíso, 2013)
O uso do território implica primeiramente na ocupação e no domínio do espaço como
garantia e afirmação do direito sobre o local, que se evidenciam no ato de fazer uma roça, plantar
uma arvore ou “guardar” um lago. Essas modificações acabam por delimitar o território, que passa a
ser considerado “propriedade” da comunidade. Espaço construído a partir das relações sociais e de
apropriação dos recursos naturais e domínio da natureza. Estabelecendo, desta forma, suas
atividades econômicas, políticas, culturais, simbólicas e sociais, como processo de territorialidade
que constitui seu território.
De acordo com Godelier, o território pode ser entendido como uma porção da natureza sobre
o qual uma determinada sociedade reivindica e garante a seus membros direitos estáveis de acesso a
esse espaço. Dando garantias de controle e de uso dos recursos existentes e que são passíveis de ser
explorados em função de dar condições e meios materiais de existência para o grupo social
(GODELIER, 1984). Esse território é o espaço das atividades econômicas, das práticas coletivas e
do parentesco atribuído a descendência de um ancestral comum e que foi o pioneiro no local. No
41
caso do Paraíso, o senhor Joaquim Furtado que no imaginário dos moradores, surge como herói, que
chegou e deu “vida” a este lugar antes desabitado.
O fato de ter “aberto o lugar” é tido como motivo de orgulho pelos moradores do Paraíso,
que atribuem sua identidade a este território coletivo. A família Furtado, primeira a ocupar o local,
garante que ali era uma terra sem dono. Por isso adquiriram o direito de explorar a terra e os
recursos existentes ao longo deste território. Direito que é reconhecido por moradores de outras
comunidades: “O pessoal dos Furtado são muito antigo ai, no tempo do meu pai já existia eles ai”
(Sr. Delcídio Comunidade Ponto X, 2011). Não só o testemunho de moradores antigos da região,
mas também as modificações no espaço, como as construções e plantações confirmam e garantem o
direito da família Furtado sobre o território que cerca a comunidade. De acordo com Alencar as
modificações na paisagem (2002):
São testemunhas de que houve um investimento, um trabalho sobre aquela terra. De
acordo com as regras costumeiras de uso e posse da terra [...] quem abre o lugar e
zela por ele, tem direito sobre a terra (ALENCAR, 2002 p. 97).
E é nesta perspectiva que se articulam os campos econômico, cultural, simbólico e político
na comunidade Paraíso, onde as relações propiciadas pelas interações cotidianas entre os moradores
e os ambientes de trabalho (roças, castanhais, lagos, etc.) geram um sentimento de posse. Esta
apropriação gera nos moradores um sentimento de posse e poder sobre esses ambientes, de terra
firme e várzea que são à base de subsistência da comunidade. E é a partir desta apropriação concreta
(apropriação dos recursos naturais, construção de moradias, etc.) e abstrata (construção de suas
identidades) que a comunidade constrói suas relações de domínio em uma identidade territorial. O
pertencimento ao território implica na construção de representações que remetem à identidade
cultural, pois o poder do laço territorial revela que o espaço está investido de valores não apenas
materiais, mas também éticos, espirituais, simbólicos e afetivos, definidos “como os saberes
ambientais, ideologias e identidades - coletivamente criados e historicamente situados” (LITTLE,
2002 p. 4).
A partir da narrativa dos entrevistados é possível perceber que na comunidade do Paraíso, os
recursos naturais são os principais referenciais do território, na qual são estabelecidas relações de
poder e disputa entre os moradores do Paraíso com moradores de comunidades vizinhas pela posse
e controle dos territórios que correspondem à comunidade. O espaço da terra firme, por se tratar do
“terreiro” da comunidade é o que menos implica o surgimento de conflitos, pois se torna um espaço
muito mais fácil de controlar, por estar aos olhos dos moradores. Além de ser um espaço em que os
42
moradores possuem um respaldo legal relacionado à documentação da terra, questão que será
tratada mais adiante. Em relação aos lagos, a “guarda” é diferente, pois, por ser um espaço de maior
distancia e maior expansão se tornam mais difíceis de serem fiscalizados e assim passam a ser
“invadidos” por moradores de outras comunidades, questão que gera um descontentamento nos
habitantes do Paraíso que por esse motivo, entraram em conflito pelo território.
O poder exercido sobre o território, em um primeiro momento, é um poder simbólico,
gerado por um sentimento de identidade territorial capaz de incluir ou excluir pessoas quanto à
capacidade de ter direito aos recursos naturais, neste caso, particularmente pesqueiros. A partir do
momento em que se tem permissão para agir sobre o território, é possível ocupar e trabalhar nele,
pois além da permissão, o trabalho legitima a condição do dono. Construindo, assim, um território
através da ocupação e uso da terra, como mostra Alencar (2002) em estudo realizado na região do
Médio Solimões:
A afirmação do domínio sobre o lugar é feita através do roçado, um trabalho que
implica em cortar a mata e estabelecer a cultura, cultivar a roça […] plantar arvores,
que serão os registros de sua ação no tempo e a inscrição de sua historia/biografia no
espaço (ALENCAR, 2002 p. 63)
Neste caso, não se reproduz apenas um roçado, se reproduz uma comunidade
(WOORTMANN, 1988), construída no parentesco, atribuído por filiação, casamento ou compadrio
que aliado a residência permanente, garante o direito e acesso ao território. No caso de pessoas
externas ao grupo de parentesco, o direito é dado pela permissão da família mais antiga como já foi
dito anteriormente. Dado ao fato destes possuírem uma memória de ocupação que lhes garante o
direito sobre o território.
Segundo os moradores do Paraíso, além de serem os primeiros moradores “guardam e zelam”
por todos os espaços de lá, questão que os legitima e lhes dá direitos ao território, esse direito é
afirmado na antiguidade da ocupação feita pelos ascendentes da família que foi pioneira na
formação do lugar (ALENCAR, 2010). Direito que mais tarde foi reforçado pela documentação das
terras obtidas por seu Joaquim Furtado no início da ocupação do local, sendo este, o argumento
utilizado pelos moradores para assegurar os direitos territoriais da família no presente.
Na época era assim, dentro do negócio parece que do INCRA ne? Para estabelecer
esse negócio das terras, e também funcionava na prefeitura que era próximo daqui
que era no Maraã, era aqui no Jacitara [...] Ai começaram a trabalhar assim, pediram
parece que a demarcação, ai vieram na época os topógrafo, vieram topografar e ai
marcaram tudinho (Dorival. Paraíso, 2013).
43
A família Furtado afirma ser a única nessa área, que possui suas terras legalmente registradas,
como mostram documentos que foram obtidos por seus antepassados (FURTADO, 2007). E são
utilizados “como instrumentos de luta e reivindicação, pela posse do território e instrumento de
acesso e controle dos recursos de uso comum” (ALENCAR, 2002 p. 69). Questão que se torna uma
forte ferramenta de luta, indispensável em favor dos moradores na disputa por um território rico em
recursos naturais.
2.1.1. “Aqui nós somos tudo parente”
As pessoas que formam uma comunidade normalmente ocupam coletivamente um mesmo
espaço geográfico, essa ocupação torna as relações diretas e intimas, traços que fazem parte da
construção do espaço. No caso do Paraíso, é possível perceber na fala dos entrevistados que essas
relações são resultado de uma organização social baseada no parentesco. No Paraíso, os principais
laços parentais surgiram dos matrimônios entre os Furtado com os Cavalcante, Lavô e Meireles,
originando o atual grupo social da comunidade.
Com a união das famílias, de acordo com as regras sociais do grupo, os novos membros da
família tiveram que se sujeitar as regras, da família mais antiga, no caso os Furtado. Essa regra
social dá aos Furtado o poder de determinar desde o lugar de construção das casas até os lagos que
podem ser utilizados no trabalho de pesca, relacionados com os aspectos econômicos da
comunidade. Neste sentido, o parentesco é o que garante o acesso e uso do espaço da terra firme e
dos lagos que cercam o território da comunidade, e o tornam comum a todos os moradores incluídos
no circulo de parentesco do Paraíso.
De acordo com Raymund Firth em “A Organização Social” (1974) as relações de
parentesco têm a capacidade de unir além dos limites da família, produzindo uma rede de relações
que vai além dos limites familiares, pois se trata de relações com propósitos sociais. Que por vez,
possibilita compreender a organização social do grupo em assuntos econômicos, domésticos ou da
vida social em geral (FIRTH, 1974), na medida em que se baseia no critério da reciprocidade.
Existe uma “obrigação” implícita entre os parentes, e mesmo que não exista tanta afinidade entre
eles, as obrigações devem ser cumpridas de maneira recíproca em todas as instancias da vida social,
incluindo as esferas econômicas, o que implica no uso dos recursos naturais. Para Godelier “os
pactos empregados nas diversas formas sociais de apropriação da natureza” depende das
particularidades e da interpretação de cada sociedade em relação a sua realidade social. Na qual,
44
esses “são combinados aos meios materiais em acordos sociais, necessários para atuar sobre a
natureza manipulando-a a serviço de sua reprodução física e social” (GODELIER, 1974 p. 29 apud
MALDONADO 1993 p. 38).
No geral, os integrantes da família Furtado nunca foram muito rígidos quanto ao acesso de
recursos, por parte de moradores da comunidade que se encontravam fora do grupo de parentesco
dos Furtado, pois estes, mesmo não tendo laços de consangüinidade, possuem laços de fraternidade
e amizade, o que lhes assegura um parentesco simbólico, ligado a questão do território. Desta
maneira, na concepção dos moradores do Paraíso, o parentesco vai além dos laços de sangue, o
parentesco é social, atribuído as praticas comuns e a uma identidade com o grupo e o lugar da
comunidade, o que incentiva com que se autodenominem como parentes entre si.
Por mais que não tenham parentesco consangüíneo com a família, só o fato de partilhar uma
identidade com o lugar, já incluía a pessoa no grupo dos Furtado, lhe dando direitos sobre a terra e
deveres de zelo para com ela. No Paraíso a terra é o maior patrimônio da comunidade, ela
representa a historia de vida dos moradores, mas também o meio pelo qual eles sobrevivem
economicamente e socialmente. Por isso, existe um comportamento recíproco entre os parentes, no
que se refere a deveres, responsabilidades, privilégios e as relações entre indivíduos que cooperam
em qualquer atividade. Com isso, é possível descobrir que é “entre os parentes que a amizade e a
economia se desenvolvem” (FIRTH, 1974 p. 58) de maneira a proporcionar uma relação justa com
o grupo social e o ambiente. Klaass Woortmann (1988) fala que o camponês:
Vê a terra não como natureza sobre a qual se projeta o trabalho de um grupo
doméstico, mas como patrimônio de família, sobre a qual se faz o trabalho que
constrói a família enquanto valor. Como patrimônio ou como dádiva de Deus, a terra
não é simples coisa ou mercadoria (WORTMANN, 1988 p. 3).
A terra tem um valor diferencial para as sociedades camponesas, pois ela implica na relação
com a família e o trabalho, estando essas duas categorias sempre juntas, onde uma não existe sem a
outra. “Não se pensa a terra sem pensar a família e o trabalho, assim como não se pensa o trabalho
sem pensar a terra e a família” (WORTMANN, 1988 p. 22). Isto ocorre porque neste tipo de
organização social, não se pode pensar na terra como economia, sem se preocupar com a
reprodução de seu grupo social e a segurança das gerações futuras. Por isso, a terra é tida como um
patrimônio do qual é possível usufruir dos recursos naturais, mas sem por em risco a segurança do
grupo social e das futuras gerações (GARCIA, 1983 e WANDERLEY 1998).
O que inclui os moradores do Paraíso, num “contexto de valorações éticas” atribuídas a
valores sociais relacionados ao caráter familiar (WORTMANN, 1988 p. 3) da comunidade.
45
Partilhando o mesmo sentimento de reciprocidade e gratidão com a terra que é tudo para eles, pois é
nela que estão suas historias, suas memórias, sua família, sua vida que deve ser preservada pelo
território.
2.2. O Uso do espaço na construção do território
A apropriação de um espaço construído socialmente demonstra ser um campo bastante rico
na pesquisa antropológica, uma vez que permeia as relações humanas e as práticas culturais
empregadas em um território. Os territórios surgem diretamente das condutas que um grupo social
implica em qualquer espaço, como produto histórico de processos sociais e políticos (LITTLE,
2002) empregados a ele de maneira coletiva. Haja vista que, a transformação do espaço em
território é um fenômeno de representação através do qual os grupos humanos constroem sua
relação com o material, “num ponto onde a natureza e a cultura se fundem” (MALDI, 1997 p. 4).
Neste sentido, a relação que os moradores construíram com os ambientes da terra firme e da várzea
foi de fundamental importância para o conhecimento deste espaço e melhor utilização dele,
enquanto território.
Por que o vargeiro, ele não tem assim aquele tempo longo pra colher né, só que na
terra firme não né, na terra firme a pessoa pode deixar muito tempo sem colher né
[...] ai a gente sabe o que da pra fazer, onde da pra fazer […] é melhor pra nos
aproveitar a terra (Mariana. Paraíso, 2011).
Nas narrativas é possível perceber que, a apreensão do espaço enquanto território foi
concebida de maneira muito tradicional, através das praticas econômicas, onde os espaços são
utilizados para a obtenção da subsistência. Essa subsistência é dada pelo uso dos recursos naturais
em via da sazonalidade e da sustentabilidade, e se constroem no convívio dos moradores que
conhecem e vivenciam os diferentes ambientes da comunidade.
No inicio da ocupação os espaços foram construídos através do saber local e da própria
necessidade de sobrevivência que classificou o espaço em uma espécie de zoneamento das áreas a
serem cultivadas de maneira a facilitar o trabalho da família Furtado e beneficiando a produção. Um
exemplo disso são as roças e castanhais existentes na comunidade e que funcionam como uma
forma de facilitar o trabalho dos moradores dado a proximidade da comunidade e das residências
dos mesmos. Assim não precisassem se deslocar para locais muito distantes, caracterizando uma
46
forma de se organizar o espaço para benefício do grupo. Sobre essa questão, Antônio Candido
(1980) explica que as necessidades de caráter natural e orgânico despertam no ser humano a
necessidade de obter uma maior organização social e material em virtude do grupo, que “passam a
ter um caráter racional e cultural” (CANDIDO, 1980 p. 28). Ou seja, é a necessidade vital do
homem que o faz se organizar coletivamente e racionalmente, organizando o espaço em razão de
sua subsistência que segundo o autor, não podem ser compreendidos separadamente das reações
culturais (CANDIDO, 1980).
O uso dos espaços e recursos foi transmitido através das gerações e imprimem marcas e
detalhes na maneira de ser dos habitantes da comunidade, as praticas de seu Joaquim foram
passadas para seu Geraldo e seu Geraldo repassou aos filhos que ainda reproduzem os ensinamentos
sobre o uso da terra até agora, quase 100 anos depois da fundação do lugar. Um exemplo disso é o
trabalho na roça, de acordo com a tradição dos moradores, a lida com a terra é feita de maneira
alternada para “aproveitar a terra”, se utilizando de vários espaços. Neste contexto, Maldonado
(1993) explica que:
A territorialidade se desenvolve no passar do tempo, passando de uma geração a
outra nos processos de socialização e de transmissão da tradição como uma relevante
dimensão da capacidade que o homem tem de conferir significado simbólico ao
espaço onde constroem suas relações e formam lugares (MALDONADO, 1993 p.
35).
Os modos de vida e de viver definem os diversos aspectos ambientais, biológico,
sociocultural e de um segmento social que implica sobre a natureza o uso que é feito dela. Um
exemplo disso é a agricultura itinerante, praticada na terra firme como forma de produção de
alimento básico para a subsistência, mas também como atividade econômica. No caso do rio, a
pesca na comunidade tem grande destaque, pois tira o sustento da família ao mesmo tempo que
serve como fonte de renda na comercialização de peixes de varias espécies, mas especialmente do
Pirarucu (Orapaivagigos), uma das principais fontes de renda da comunidade. Questão que é
refutada por Castro (1997) em um trabalho sobre o modo de vida das populações ribeirinhas.
O uso constante dos saberes relativos aos recursos naturais, bem como dos recursos
d'água estão presentes no modo de vida das populações ribeirinhas, como aspecto
importante na manutenção dos saberes que, constroem através das gerações uma
noção de território, seja de patrimônio comum, seja como uso familiar ou
individualizado pelo sistema de posse ou pelo estatuto da sociedade privada
(CASTRO, 1997 p, 226).
E são esses saberes, essa herança que associada a ocupação e uso do território, guardando-o,
47
que garantem ao morador o direito de uso e acesso aos recursos do território como sendo seu por
direito. Direito que é preservado e repassado para as gerações seguintes como herança de uma vida
dedicada ao lugar da comunidade Paraíso.
2.2.1. Entre a terra firme e várzea
Situada em ambiente de terra firme, mas com acesso às áreas de várzea. A comunidade
Paraíso foi contemplada com sua localização geográfica no ambiente de terra firme, mas com
acesso para área de várzea. A primeira caracteriza-se por ser um ambiente de terras menos férteis,
com menor espaço para cultivo, mas com maior uso consecutivo de uma mesma área e com menor
intervalo de tempo de cultivo (RICHERS, 2010). Além de ser uma área de maior estabilidade por
estar livre de inundações. A segunda caracteriza-se por ser uma área muito rica em termos de
biodiversidade ambiental devido ao fato de ser uma “área de fertilização natural” (RICHERS, 2010
p. 1) que fica inundada durante as cheias dos rios.
Nas entrevistas percebemos que os fundadores do povoado, Joaquim Furtado e sua família,
organizavam suas atividades seguindo um calendário feito de acordo com a sazonalidade dos
diferentes recursos explorados, pois o período de safra dos produtos variava ao longo do ano. O que
explica o fato das atividades dos moradores da comunidade, desde sua origem até os dias de hoje,
estarem relacionadas à atividade sazonal, adaptando-se a demanda natural. A sazonalidade está
dividida em dois períodos bem definidos, a seca que corresponde ao verão amazônico, quando as
chuvas são menos freqüentes e os rios estão em seu nível mais baixo, sendo a época ideal para a
atividade de pesca e o inverno amazônico, época das chuvas e da cheia dos rios onde a pesca é
reduzida e os moradores se voltam para as atividades extrativistas em terra firme.
Ele trabalhava na mata, abrindo castanha... Trabalhava em sorva, seringa. Tempo de
castanha, era castanha, ai naquele tempo compravam sova, tiravam sova, a borracha
também pescavam... O ramo deles era isso, cada um tempo tinha uma opção, no
tempo do inverno era a castanha né, a seringa na terra-firme. Se não fosse chover,
dava para fazer não tinha problema...faziam roça (Luis. Paraíso, 2010).
Como é possível perceber na narrativa, a sazonalidade favorecia a diversificação das
atividades e também da produção. No verão o foco era a pesca que, por segurança, ocorria quando
as roças já estavam plantadas; no inverno, quando as cheias eram pequenas, os moradores podiam
48
se dedicar a produção de farinha que era vendida e consumida no verão, quando as novas roças
ainda estavam crescendo. Desde os tempos de seu Joaquim a subsistência dos moradores da
comunidade Paraíso esteve ligada à agricultura com o cultivo de roças de mandioca e de frutíferas
como a banana, o abacate, o açaí; e à exploração de recursos naturais como a sorva e a seringa, a
coleta da castanha do Brasil, e a caça.
Essas atividades são de grande importância, tanto pela mão de obra, quanto pela produção
direta, além de ser o momento onde também se cultivavam as relações de reciprocidade e de
solidariedade como principio social, fortalecendo os laços de vizinhança e parentesco. No caso da
pesca, o trabalho na maioria das vezes ocorre em grupos pequenos ou é solitário, e por esse motivo
passa a ter outro significado. Para os moradores, o rio, é o espaço onde o morador da comunidade
troca de papel, deixando de ser agricultor para ser pescador, conhecedor do rio, e que navega de
acordo com a ordem da natureza em seu espaço socialmente construído.
O trabalho sazonal na comunidade Paraíso também possibilita que os moradores tenham
produção em todos os períodos do ano, garantindo certa estabilidade aos mesmos, que diferente de
outras comunidades da reserva Amanã, não precisam se deslocar para outras áreas entre os períodos
da cheia e da seca, justamente pelo fato de ter acesso aos dois ambientes, o que lhes proporcionava
sobreviver de outras atividades econômicas, além da pesca na várzea. Sendo este o fator que
segundo eles os manteve fora das atividades de feitoria13, que exige um deslocamento, no qual o
morador por um determinado período, troca sua residência pelo local de produção, estabelecendo
moradia por lá até o fim da safra do produto. A feitoria é uma atividade econômica que recebe
muitas críticas por parte dos habitantes do Paraíso que condenam a prática e afirmam nunca ter
participado dessa atividade que é vetor de conflitos socioambientais na região, assunto que será
tratado posteriormente.
2.3. Produção e uso dos Recursos Naturais
Como a produção dos moradores do Paraíso era grande e diversificada, incluindo produtos
tanto da várzea como da terra-firme, sempre atraiu muitas pessoas interessadas na produção local.
Dentre elas, muitos comerciantes que passaram por lá ao longo dos anos e, por isso, são sempre
lembrados pelos moradores que elencam os que faziam as visitas mais constantes no lugar.
13 Atividade sazonal que ocorria quando havia a safra de um produto, como o peixe. Geralmente as feitorias ocorriam
em áreas de várzea (Alencar 2002; Alencar 2007).
49
Era o Armando Cabral de Tefé, o Geraldo Alves do Coarí; o Ursulino, Zé Gomes, o
Omero Façanha de Tefé; o Chico Velho, pai desse Omero; aquele que era prefeito de Tefé
Mozar Bessa; aquele Otávio Bessa também, viajou muito aqui pelo Japurá; o João
Martins, o Omar Rosa... (Raimundo. Paraíso, 2010).
Os moradores relatam que antigamente, sem o acordo de manejo de pesca e madeira, os
comerciantes levavam de tudo, de madeira a pele de animais, como onça, lontra, Jacaré, queixada e
alguns peixes. Por conta da atividade sazonal, por volta dos anos 1970, a comunidade passou a
trabalhar bastante com a extração de madeira que, segundo eles, infelizmente não compensava, pois
o trabalho exigia muito sacrifício, fazendo com que eles até corressem risco de vida e não trazia o
esperado retorno financeiro. Mesmo assim, a atividade se estendeu até os anos 1990.
A riqueza de recursos naturais é motivo de orgulho para os moradores da comunidade que
elencam os recursos existentes na região e lamentam o abandono do local por parte dos filhos dos
antigos que já não prezam tanto pela terra como faziam os pais. É o caso do antigo Igarapé do
Urumutum, local de moradia de José Furtado que é lembrado com saudosismo por um de seus
sobrinhos que recorda as riquezas do lugar.
Ele plantava pimenta-do-reino. A castanha a gente sabia, dava fruta, lá a gente ajuntava
castanha, andiroba, sorva, seringa cabeça de macaco, sucuarí. Dava tudo quanto é tipo de
fruta lá. Agora tá na mata bruta, porque o tempo que faz... Ficou dois filho dele, o
Joaquino e o Estefanio, ai ficaram trabalhando ai, trabalhando ai depois baixaram para
Manaus e abandonaram ai. (Luis. Paraíso, 2010).
Na fala dos moradores percebemos a tristeza e a decepção deixadas pela exploração
desenfreada dos recursos naturais, que só foi amenizada após a implantação da reserva Mamiraua e
a criação das políticas de manejo. Por isso, são vistas como ferramentas positivas e necessárias para
preservar os recursos naturais existentes que, no ponto de vista deles nem existiriam se não fossem
essas políticas de preservação e manejo.
Antigamente tinha muita, muita madeira e acabaram o pessoal. Agora não tem mais né
(Maria. Paraíso, 2011)
[...] é porque na época tinha gente que já derrubava atoravam a ponta aqui né pra da na,
na coisa da medida né, porque até mesmo não dava. Por que numa parte a proibição da
coisa da madeira foi boa né, porque se não, não existia mais né (Pedro. Paraíso, 2011).
50
Com a criação da Reserva de Amanã, os moradores tomaram consciência dos impactos da
ação do homem sobre a natureza, motivo que segundo eles, os fez mudar de hábitos quanto ao uso
dos recursos naturais. Com isso, passaram a fazer uso do manejo, reforçando algumas práticas em
benefício da natureza, como o habito de “guardar” um lago na atividade do manejo de pesca e se
utilizar dos recursos de maneira racional, sem esgotá-los. O reforço14 desta prática ressurgiu por
interferência do (CEUC) do governo do Estado do Amazonas e (IDSM) Instituto de
Desenvolvimento Sustentável Mamirauá, responsável por gerenciar a gestão dos recursos naturais
junto aos moradores das reservas Mamirauá e Amanã. Entretanto, a responsabilidade da execução
dos planos de manejo só depende das comunidades para ter sucesso ou não, depende da consciência
de cada morador.
14 Neste trecho refiro-me ao manejo de pesca como reforço de uma prática, em virtude de corrigir um erro cometido
por mim mesma no início da pesquisa. Por isso, para que outras pessoas não interpretem a questão do manejo de
maneira errônea da mesma forma que aconteceu comigo, resolvi esclarecer que o manejo de pesca é uma prática
adotada pelos moradores da região muito antes da implementação da reserva. Deborah Lima (2010) explica que: “A
história de lagos de pesca é anterior a criação da reserva e não se restringe a ela. É fruto de um movimento social de
ribeirinhos da várzea, apoiados por sindicatos, pela comissão pastoral da terra e pela igreja católica” (LIMA, 2010 p.
11).
51
3. O território do Conflito
3.1. Conflitos Sociais
No decorrer deste trabalho foi possível perceber a importância do parentesco que une os
moradores da comunidade Paraíso, principalmente no que diz respeito ao uso do território, e este,
por ser o maior patrimônio dos moradores, em algumas situações se tornou motivo de disputas e
vetor de conflitos na comunidade. Para entender esses conflitos é preciso identificar os atores
sociais que estão envolvidos, identificar os fatores sociais e ambientais e ainda, a historicidade
desses conflitos para poder compreender o motivo de seu surgimento e os desdobramentos que
ocorreram ao longo do tempo.
Os conflitos territoriais existentes no Paraíso estão relacionados ao controle do acesso a
recursos naturais, em particular pesqueiros, caracterizando-o como conflito socioambiental. De
acordo com Paul Little (2000), caracterizar conflitos socioambientais é perceber as varias formas
com que os diferentes atores envolvidos se relacionam com o ambiente. Esse tipo de conflito se
configura na medida em que diferentes atores sociais discordam quanto à gestão de recursos
naturais coletivos. Segundo este autor, para o antropólogo investigar um dado conflito
socioambiental é preciso identificar os atores sociais e os tipos de recursos naturais que permeiam o
conflito (LITTLE, 2000).
A partir de informações obtidas em relatórios de técnicos e pesquisadores do IDSM, é
possível perceber que os conflitos existentes na comunidade Paraíso podem ser caracterizados tanto
como intra-comunitário, já que a disputa por recursos e territórios envolve moradores de uma
mesma comunidade, e inter-comunitário quando envolve moradores de várias comunidades (IDSM
2004 e 2010).
Um exemplo de conflito intra-comunitário ocorreu entre pessoas da família Furtado e
pessoas da Família Meireles, particularmente com o senhor João Meireles que, por conta do conflito
saiu do Paraíso. O motivo do conflito, de acordo com um dos entrevistados seria o desacordo em
algumas questões relativas a organização da comunidade. Em uma das reuniões, um dos membros
da Família Furtado teria se desentendido com um dos Meireles que provocou uma briga maior com
o restante da Família Meireles. Após este evento, foi se distanciando do local chegando ao ponto de
todos mudarem de lá, formando uma nova comunidade, a comunidade Nova Esperança.
A data precisa da mudança não foi explicitada pelos entrevistados, mas fica claro na fala de
um membro da família Meireles que o conflito foi agravado devido a uma questão fundiária. Esse
entrevistado afirma que eles compraram de um dos Furtado o espaço de terra onde hoje se situa a
52
comunidade Nova esperança e pela qual ainda há uma disputa de poder. Na opinião do entrevistado,
como a comunidade Paraíso está situada dentro de uma reserva deveria ser proibida de vender a
terra.
[...] Eles não podiam vender aquela área que era reserva né. Só podia legalizar pra
poder morar, que a qualquer momento podia tirar assim pra trabalhar naquela área
né[...] Pagou, ele pagou, parece que ele pagou pro Filipe Furtado essa área aqui. [Por]
que naquele tempo não tinha esses negocio né. Essa parte aqui era deles, desde aquela
parte onde tinha aquela casinha, até aqui nessa parte que era deles trabalhar. (Sr.
Tadeu. Nova Esperança, 2011).
No que diz respeito ao conflito inter-comunitário, é possível citar o conflito entre os
moradores do Paraíso, com os moradores da comunidade São Rafael, com quem disputam a posse
dos lagos que cercam o território do Paraíso. Esses lagos são ricos em pescados de grande valor
comercial no mercado, como pirarucu e tambaqui, e por isso, se tornam alvo de pesca predatória. Os
moradores contam que pessoas de outras comunidades como Porto Alegre, Igarapé-Açu e Joacaca
vem constantemente para a comunidade São Rafael e praticam atividade de pesca nos lagos
guardados pelo Paraíso, com a permissão dos moradores de lá. Prática que é muito condenada por
eles.
E ai já veio de la do Porto Alegre, já veio uns de la do Igarapé-Açu, do
Joacaca se localizar aqui no lago ali que daqui a gente enxerga[....] Não tá
certo isso (Mariana. Paraíso, 2011).
As pessoas que vivem no São Rafael são as que os moradores do Paraíso alegam fazer um
controle dos lagos que abrangem a área guardada por eles. Em particular Rosa, a presidenta da
comunidade São Rafael, casada com o filho de seu Evilasio um dos primeiros moradores da região
junto com seu Joaquim. Os entrevistados afirmam que Rosa não permite que eles pesquem nos
lagos, restringido o uso a seus familiares e negando a entrada dos moradores do Paraíso que se
sentem indignados por seu direito ter sido tomado: “É metida a besta e já quer proibi nós de pescar
nessa ilha todinha ai...Essa ilha aqui ó, essa ilha ai todinha ela não quer que pelo menos nós, pesque
ai (Raimundo. Paraíso, 2010)”
Esta situação gera uma disputa entre as duas comunidades e mostra que sua origem está no
histórico de formação das duas comunidades, sendo a chave para entender este conflito que perdura
no tempo, pois eles tiveram inicio ainda nos primeiros momentos da chegada dos fundadores das
duas comunidades (Seu Evilásio e seu Joaquim). Descendentes de Joaquim e Júlia Furtado afirmam
ser a única família que possui suas terras legalmente registradas em documentos que foram obtidos
por seus antepassados (FURTADO, 2007), o que assegura e valida suas reivindicações quanto aos
53
direitos de uso do território. Segundo os moradores do Paraíso, embora o Sr. Evilásio Marques,
fundador do lugar que deu origem ao São Rafael, tenha demarcado suas terras na mesma época que
o Sr. Joaquim Furtado, seus descendentes não possuem mais os documentos que comprovam a
posse da terra. Esta questão mostra que, na luta pelo controle do território as famílias alegam ter
adquirido o direito de uso e exploração de lagos e florestas, a partir da demarcação e compra das
terras por seus antepassados.
E é neste momento que o parentesco é retomado para reafirmar o pertencimento ao lugar,
através do nascimento e da descendência dos fundadores, com a intenção de garantir direitos
pretéritos e futuros, mas principalmente para garantir seus direitos territoriais no presente
(ALENCAR, 2007). Evidenciando o que Oliveira (1998) chama de processos de “territorialização”,
que consiste na mudança de conduta em contextos de conflito. Neste caso, “a conduta territorial
surge quando as terras de um grupo estão sendo invadidas e a defesa do território unifica o grupo e
as pressões exercidas pelos outros grupos moldam as formas de conceber o território” (OLIVEIRA,
1988 apud LITTLE, 2002 p. 5). Essa conduta política adotada pelos moradores do Paraíso com o
intuito de criar seu território e assegurar seus direitos em relação a este “é um produto histórico de
processos sociais e políticos” (LITTLE, 2002 p.3) baseados na descendência de seu Joaquim. Neste
sentido, “a memória coletiva é sem duvida, uma das maneiras mais importantes pelas quais os
povos se localizam num espaço geográfico” (LITTLE, 1994 p. 6) contando suas memórias que
revivem a história de formação do local. Ainda de acordo com Little (1994):
O conflito surge quando um grupo tenta tornar hegemônica sua reivindicação do
espaço ou acredita que sua memória coletiva seja mais legítima que a dos outros,
graças à afirmação de maior “veracidade” de sua memória ou de sua presença
histórica mais prolongada; são argumentos altamente problemáticos (LITTLE, 1994
p. 15-16).
A memória social narrada e conservada ao longo das gerações dá às pessoas a capacidade de
reforçar seus direitos ao território, à medida que reafirmam o pertencimento a família que fundou o
lugar e preservam as ações que as gerações do presente desenvolvem no território. Com isso,
garantem a continuidade do vínculo com as gerações passadas e com o território (ALENCAR, 2007
e 2010): “[...] nós temo direito nesses lago, bem dizer, de todo jeito que nós mora da boca de tudo
quanto é lago aqui”.(Raimundo. Paraíso, 2010)”
Como conseqüência do acirramento das disputas, e visando manter definitivamente o
controle sobre o território, os moradores do São Rafael entraram com um pedido de reconhecimento
da comunidade como indígena junto a (FUNAI) Fundação Nacional do índio (FURTADO, 2007).
54
Mas, como tem sido recorrente nos vários casos de pedido de reconhecimento de grupos sociais
como grupo étnico, as lideranças indígenas tendem a reforçar e apoiar as mudanças de condutas em
relação ao território, independente do pedido ter sido atendido na forma da realização de um laudo
antropológico que deve subsidiar a demarcação e homologação da terra pretendida que é
reivindicada por um grupo étnico (LIMA e ALENCAR 2001).
Assim, tão logo se efetivou a reunião onde se deliberou sobre o interesse dos moradores do
São Rafael em ser reconhecido como grupo étnico, à única família que forma a comunidade e que
ocupa três casas, passou a cercear as demais famílias que moram nas comunidades vizinhas e com
as quais possuem estreitos laços de sociabilidade e parentesco, o direito de uso dos territórios
historicamente construídos. Neste cenário, a questão étnica é uma estratégia política muito forte na
disputa por direitos, pois o fundamento da terra indígena é histórico e cada grupo indígena tem
direito a terra porque tem um vinculo histórico como os primeiros ocupantes (CUNHA e
ALMEIDA, 1999). Em estudo sobre identidade e territorialidade na região do Solimões, Alencar
(2004) chama atenção para a questão da disputa pelo controle e acesso de recursos naturais que
evidenciam como as comunidades indígenas concebem o espaço e manipulam de maneira
instrumental a noção de território (ALENCAR, 2004).
Para os moradores do Paraíso o que motivou os moradores do São Rafael a buscarem o
reconhecimento como indígenas, foi o interesse em “se apossar dos lagos” para uso exclusivo e
sem, no entanto, fazer o trabalho de manejo, ou seja, usar os recursos de forma racional e sem por
em risco sua oferta no futuro, como parece ser esperado de quem afirma ser indígena. Esse é um dos
pontos centrais da crítica que os moradores do São Rafael recebem do Paraíso, e também de outras
comunidades vizinhas. Para eles o interesse do São Rafael em controlar esse amplo território seria
movido por interesses financeiros, e isso pode ser constatado pelo fato dos mesmos realizarem a
pesca sem preocupação com o futuro dos recursos, ou seja, fazendo a captura de espécies
protegidas, e restringindo o uso dos lagos apenas para seus familiares. Com isso, eles prejudicam
aqueles que estão passando pelas mesmas dificuldades, e acabam favorecendo os comerciantes que
compram o peixe, geralmente a valores muito abaixo do que seria alcançado caso os recursos
fossem manejados e comercializados de outra forma.
Os moradores do Paraíso alegam que seus direitos são desrespeitados pelos moradores do
São Rafael, pelos órgãos públicos que fazem a gestão da reserva, e pela própria FUNAI que,
segundo os narradores, “fecham os olhos” para as irregularidades cometidas por essas pessoas que
se valem da questão étnica para reclamar direitos de posse sobre um território que antes era comum
às demais comunidades. Tudo isso desperta um sentimento de indignação entre os moradores do
55
Paraíso que reclamam direitos iguais para todos:
Mas o direito é de todos né? Não é porque eles são indígena que eles vão ter
mais direito que nos. (Mariana. Paraíso, 2011)
Ai que deveria entrar a lei né, porque já que vigora pra um, pra esses ai deveria
vigorar também. Eu acho que a lei, se é pra vigorar pra um, tem que vigorar pra
todos. (Pedro. Paraíso, 2011)
Os entrevistados afirmam que apesar de serem proibidos por Rosa de pescar nos lagos, por
possuírem outros meios de sobrevivência preferem não entrar em conflito direto com o São Rafael.
“Nós não quer entrar na confusão com a D. Rosa, mas uma vez ela disse na reunião que nós não
podia pegar peixe nem pra comer. Isso não existe, isso” (Dorival. Paraíso, 2013). Mas defendem a
posição de morar e guardam todos os lagos com todo zelo e respeito. Já os moradores do São Rafael
querem ficar com os lagos para uso exclusivo motivo pelo qual recebem críticas dos habitantes do
Paraíso.
3.1.1. O acordo de manejo de pesca
Na tentativa de solucionar os conflitos, os moradores do Paraíso se uniram com moradores
das comunidades Nova Esperança e Boa Fé do Joacaca para desenvolver um projeto com a
finalidade de “guardar” o lago do Seringa com intuito de fazer o manejo de pesca, principalmente
do pirarucu. Entretanto, este acordo vem passando por muitos impasses por parte dos interessados,
o que acaba por dificultar o fechamento do mesmo.
Eles aceitaram o acordo, mas não querem cumprir o acordo (se referindo a questão de
guardar um lago somente para o desenvolvimento dos peixes, onde o mesmo não deve
ser tocado por um determinado período de tempo) eles invadem e nós não. Nós respeita
o lago, respeita o acordo (Mariana. Paraíso, 2011)
Estudos recentes levantam a hipótese de que mudanças na organização da forma de uso dos
recursos naturais tendem a agregar sujeitos que não partilham de uma ideologia conservacionista ou
projeto de sociedade sustentável (FERREIRA e CAMPOS, 2007). Isso talvez explique a dificuldade
em fechar o acordo, pois os moradores do Paraíso alegam interesses particulares, ou puramente
econômicos, por parte dos moradores de comunidades vizinhas em relação ao trabalho de “guardar”
56
os lagos. Segundo os habitantes do Paraíso, os povoados vizinhos já não possuem mais lagos com
pescado, pois acabaram com a reserva do peixe, e por isso estão com interesse de se unir ao Paraíso
no acordo de manejo, pois pretendem usufruir dos lagos fartos que são guardados pelo Paraíso
(Januário, Araçá e Putama).
Também afirmam que as outras comunidades possuem a guarda de outros 18 lagos, os quais
os moradores do Paraíso defendem que devem ser compartilhados entre as comunidades que estão
no Acordo de Pesca do Seringa, e que poderiam trabalhar juntos na guarda dos três lagos. Mas, até o
momento da entrevista os moradores das outras comunidades não haviam se manifestado a respeito
da proposta que ficou em aberto. Mesmo com todas as desavenças o acordo foi fechado e o Setor
foi batizado com o nome de Joacaca.
Quanto ao acordo do Seringa, em uma de suas reuniões, Dorival afirma que ficou acordado
entre os presentes que os moradores do Paraíso ficariam com dois dos lagos que já protegiam e mais
o complexo Seringa. Entretanto, estava ciente de que esta decisão não era definitiva, pois haveria
uma reunião com o vereador “Bebé”, de Maraã que é também presidente do Sindicato dos
Pescadores do município. Após isso, eles iriam dividir os lagos em categorias para subsistência e os
lagos para procriação das espécies, que deveriam permanecer intocados por um período de tempo.
Mas essa proposta acabou tendo resistência por parte das outras comunidades. Na categoria de
procriação, foi apontado o lago Januário que é quase intocado, e por isso o mais cobiçado porque
conserva muito peixe na época da seca. Motivo pelo qual os moradores do Paraíso, acusam as
outras comunidades de terem interesses financeiros quanto ao acordo.
Por apresentarem uma postura crítica em relação às irregularidades cometidas por outras
comunidades, os moradores do Paraíso afirmam que procuram sempre ter uma postura correta,
principalmente no que diz respeito ao manejo de pesca, e por isso, contam que sofrem represálias
por parte das pessoas que não praticam o manejo de maneira correta e dizem não entender a
hostilidade dos habitantes das outras comunidades em relação ao trabalho de guardar os lagos, pois
quando eles guardam os lagos, na verdade estão beneficiando os moradores de toda a região. No ato
de preservar um lago, eles garantem a reprodução do pescado que quando saem desses lagos se
expandem para toda região, beneficiando a todos, uma prática tida como honra pelos moradores da
comunidade.
Por que tá no estatuto da comunidade que a comunidade do Paraíso tinha como
dever ajudar todas as comunidades da região e não só o Paraíso, só que as outras
comunidades não ajudam nós e ainda querem entrar em conflito (Dorival. Paraíso,
2013)
57
Pelo acordo de pesca que está sendo construído, envolvendo as comunidades que formam
um Setor15 devem controlar uma determinada área, e proteger os lagos existentes nesta área,
restringindo a pesca a determinados lagos. Mas na prática o que se verifica é a “invasão” dos lagos
de um determinado Setor por pessoas de comunidades situadas em outros Setores. Isso ocorre
especialmente nos casos em que os moradores dessas comunidades não realizam atividades de
manejo de pesca em seus lagos, e tendem a usar de forma indevida os recursos que estão sendo
protegidos nos lagos de outras comunidades (REIS, 2005).
É o que eu tava falando, nunca, nunca consegue o manejo né, que eles estão
reclamando sobre o manejo, ai eles ficam usando (se referindo ao ato de pescar em
lagos reservados para manejo), como ai o Ponto X. Ontem até eu tive lá né, eu vi lá
eles estarem conversando. Vão la né, vão la pra matar uns pirarucú lá não sei o que
tem, e eles sempre estão lá usando. Ai nunca vai ter as coisas aqui (Pedro. Paraíso,
2011)
A respeito disso, existem controvérsias quanto aos verdadeiros motivos que dificultam a
execução dos projetos de manejo de pesca nesta área, evidenciando vários tipos de conflitos que
envolvem moradores de diferentes comunidades. Para alguns, o problema estaria na pesca que
acontece de maneira abusiva por parte dos próprios moradores das comunidades que pretendem
fazer o manejo, pois embora digam que são os pescadores da área urbana os principais responsáveis
pela escassez de peixe nos lagos, outros afirmam que tanto os pescadores locais, quanto os da área
urbana são responsáveis pela “invasão” dos lagos e, conseqüentemente, pela falta de peixe.
No entendimento de algumas pessoas envolvidas no acordo, são os moradores da
comunidade Paraíso que dizem “guardar” um lago para que o peixe aumente e todos possam
realizar a pesca de forma coletiva, mas quando chega o verão, quando há mais facilidade de realizar
a pesca nos lagos, eles acabam se aliando a pescadores urbanos, recebendo alguma vantagem
econômica para permitir que estes pesquem nos lagos até acabar com o estoque de pescado na
região. Tal pratica é motivo de muitos conflitos entre os moradores das comunidades que pretendem
realizar o manejo dos lagos do complexo do Seringa.
Aquele Marivaldo16 dali, ele botou o peixeiro para pescar no rio e quando foi
um dia ele ia subindo e os peixes estavam ali boiando. Quando foi subindo eu
vi aquilo branco no rio, e fui espiá, era puro Pacú. Aquilo estava assim de
15 Um setor representa um conjunto de comunidades que estão geograficamente próximas e que podem partilhar um
mesmo território (Reis 2005; Alencar 2007).
16 Nome fictício para preservar a identidade da pessoa apontada pelo morador.
58
pacu (se referindo a quantidade de peixe) desse tamaninho. (Sr. Aristides.
Comunidade Novo Joacaca, 2011)
Estudos recentes como os de Neves (2006) mostram que, as administrações municipais,
tomam a iniciativa de selecionar alguns lagos destinados a atividade de manejo através de portarias
expedidas pelas prefeituras, mas, em razão da disputa entre os moradores das comunidades que
guardam os lagos com vizinhos e pescadores urbanos existe uma série de fatores de dificulta o
manejo de pesca (NEVES, 2006), neste contexto, existe a hipótese de que na prática:
[...] nem um dos lagos alcança o status de preservado ou protegido. Uma vez que são
invadidos constantemente, e na maioria das vezes pelos próprios moradores
interessados pela expansão comercial do pescado (NEVES, 2006 p. 12).
Esta questão gera um descontentamento por parte dos moradores do Paraíso que acabaram
travando conflitos com moradores vizinhos em razão da má intenção de alguns quanto ao manejo
do pescado. Os moradores do Paraíso defendem a realização do manejo de pesca, principalmente
do pirarucu. Mas por outro lado lamentam a demora na implementação do acordo de pesca. Na
opinião deles, a demora ocasiona uma desordem quanto a execução do manejo dos lagos. Pelo
acordo, cada Setor deve realizar a pesca em sua área, mas de acordo com os moradores do Paraíso,
isso não acontece na prática. Por essa razão, eles reclamam de serem proibidos de pescar nos lagos
do Setor que ficam próximos da comunidade, enquanto pessoas de outros povoados, principalmente
do São Rafael vem pescar nos lagos que seriam guardados por eles. Motivo pelo qual, recorrem ao
histórico de ocupação para reclamar seus direitos.
Portanto eu acho assim, o mesmo direito que o Arauacá [São Rafael] tem de pescar
nesses lagos, o Paraíso também tem. Até porque esses daqui são veteranos,
nasceram e se criaram aqui. Então porque que eles não tem direito de pescar aqui
também? Pelo menos pra se alimentar né?(Mariana, Paraíso. 2011)
Os moradores do Paraíso afirmam não ter problemas com a questão da preservação, o
problema é o falso discurso por trás da prática de preservação, que da direitos ao território a pessoas
que não praticam de fato o manejo e nem a preservação. Portanto não concebem o território,
especialmente os lagos como parte de si, de sua vida, mas apenas mercadoria.
59
4. Trabalho, Religião e Sociabilidades
4.1. Organização social do trabalho
O trabalho na comunidade Paraíso sempre foi encarado como algo virtuoso, motivo de
orgulho para os moradores, que se identificavam ao compartilhar esse sentimento em relação ao
trabalho. De acordo com Georg Simmel (1983) os interesses individuais unem os homens em
organizações sociais que garantem a seus membros um sentimento de pertencimento e satisfação
(SIMMEL, 1983) dado por uma determinada atividade.
Os moradores contam que no início, o trabalho era realizado por todos e em diferentes faixas
etárias. As crianças, por exemplo, por volta dos 8 anos de idade já ajudavam no processo de
produção, colhiam ouriços de castanha, descascavam mandioca para fazer farinha, ajudavam nos
afazeres domésticos. No caso das meninas, especificamente se encarregavam de cuidar dos irmãos
menores e de alguns afazeres domésticos. Na fase da adolescência, os moradores relatam que seus
pais contavam que nesta fase já iam para roça, continuavam na produção da farinha, mas com
tarefas muito mais complexas como relar e peneirar a mandioca, colocar a maça no tipiti e mexer a
farinha no forno (essas atividades dependiam das capacidades físicas de cada um e não
discriminavam por gênero). Na fase adulta os homens se encarregavam de cortar seringa, sorva,
madeira e fazer o beneficiamento do produto. Ainda pescavam e caçavam para consumo da família
e também, a comercialização. Além de fazer trabalho na roça, atividade indispensável para a
subsistência familiar, mulher e filhos ajudavam o pai durante o trabalho que é dividido por etapas de
produção.
A mulher tinha um papel muito importante no processo de produção, pois ela é uma grande
parceira na produção. No caso da pesca, era a mulher que ia “tratar” e salgar o peixe que seria
consumido e comercializado. Processo semelhante deveria ser feito com a carne da caça, que
também deveria ser “descorada” e posta para secar ao sol para ser posteriormente vendida. Já o
trabalho na roça era principalmente relacionado à plantação e colheita dos produtos que seriam
consumidos pela família.
De acordo com Garcia Jr (1983) a subsistência do grupo é responsabilidade do chefe de
família, que é quem organiza as tarefas de seu grupo doméstico no ambiente de trabalho, designado
de “roçado”, sendo este o espaço onde o pai de família desempenha seu papel social de provedor da
casa (GARCIA, 1983, p. 101). Segundo Garcia (1983), é no roçado que as necessidades do
camponês são atendidas, tanto em âmbito econômico como social, pois é de la que se tira o sustento
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da casa e também é lá que são atendidas as necessidades sociais, caracterizada pelas relações de
sociabilidade e solidariedade entre os membros da família.
Ainda de acordo com este autor, os membros da família têm acesso ao trabalho do roçado
“conforme as regras que presidem o consumo familiar”, onde cada um desempenha sua função a
partir do sexo e idade e tem por característica o trabalho não assalariado, que se mostra de maneira
voluntária ou gratuita (GARCIA, 1983, p. 102). A recompensa por este trabalho é obtida sob a
forma de consumo direto pela unidade familiar ou vendido e com o dinheiro, são comprados
produtos que vão ser consumidos pelos mesmos. Os produtos comprados geralmente são aqueles
que o camponês não produz e que são calculados de acordo com uma necessidade semanal para
serem obtidos na “feira” que também marca a responsabilidade do pai de família como provedor da
subsistência do grupo (GARCIA, 1983, p. 141).
Em favor da reprodução do grupo social, os moradores criaram regras em relação ao
trabalho, uma delas é uma espécie de “lei” criada pela associação da comunidade e que consiste no
compromisso quanto a realização dos trabalhos comunitários. Caso os moradores não cumprissem o
acordo, deveriam pagar uma multa de 5 reais que acumulava e aumentava conforme o número de
faltas nos dias de trabalho.
[…] a gente criou uma “lei”, não é uma “lei” assim documentada, mas é uma lei
que a gente criou e tá até na ata […] não tem problema nenhum, quem não quiser
participar, mas vai pagar 5 reais. Se faltar não vai ter problema que vai pagar 10
reais. Se eles não quiserem roçar dois dias, não vai ter problema não que eles ter
que pagar 10 reais para à associação que vai ficar aqui no caixa […] (Dorival.
Paraíso, 2013)
Esta “lei” tem por objetivo garantir o compromisso no trabalho, e garantir também um fundo
monetário extra para os momentos de emergência sejam coletivos ou individuais. O objetivo é a
reprodução do grupo social e a preservação da comunidade, pois os bens adquiridos são coletivos e,
por isso, todos poderiam usá-los. Do contrário “por mais que você gaste 10, 20 centavos, mas não é
da comunidade, então eu penso assim, bora ajudar que o que tem aqui é nosso, é da comunidade”
(Dorival. Paraíso, 2013). O trabalho era pensado de maneira coletiva em prol de toda a comunidade
“e por isso, todos merecem reconhecimento, porque se alguém ajuda, eu não posso mais dizer que
sou eu, é nós, se alguém trabalha e ele não é coisado (reconhecido) ele se sente mal” (Dorival.
Paraíso, 2013).
De acordo com Chayanov (1981) as categorias econômicas não capitalistas e de produção
agrária baseada em uma forma de produção voltada para economia familiar e não assalariada,
61
possuem “motivações específicas para a atividade econômica e uma concepção específica da
lucratividade” (CHAYANOV, 1981 p.34). Para estas categorias econômicas, a lucratividade se dá
em função de cada unidade familiar que “ao mesmo tempo é uma unidade de consumo” e por esse
motivo, “o orçamento é em grande medida qualitativo” (CHAYANOV, 1981 p. 136). Sendo assim, o
trabalho familiar tem como retorno os bens adquiridos com seu trabalho, em forma de troca de bens
e não de lucro monetário como na economia capitalista.
A determinação da quantidade do produto do trabalho é dada pelo tamanho e pela
composição da família trabalhadora, pelo “número de seus membros capaz de trabalhar e pela
produtividade da unidade de trabalho, “o grau de exploração, determinado pelo equilíbrio entre a
satisfação familiar e a própria penosidade do trabalho” que é controlada pelo camponês podendo ser
mais ou menos intensa, dependendo do contexto. (CHAYANOV, 1981 p. 138). A decisão sobre o
consumo é influenciada pela produção familiar que visa sempre atender as necessidades básicas da
subsistência do grupo (ABRAMOVAY, 1980).
Segundo os moradores, a comunidade tinha uma produção grande e diversificada, o que lhe
deu fama de lugar com grande produção na região. Por isso, a comunidade sempre era procurada
por comunidades vizinhas que em algum momento ficavam sem determinado produto e recorriam
ao Paraíso para suprir esta necessidade. Sendo assim, é possível dizer que o Paraíso não tinha
problemas para comercializar seus produtos, a não ser a questão ambiental que hora favorecia e
hora prejudicava a produção, uma característica marcante na região como apontam Moura e Peres
(2000) em estudo das migrações decorrentes da enchente de 1999. Nesta região, a adaptação dos
grupos humanos diz respeito a possibilidade de utilização dos recursos naturais e fica sujeita a um
diversificado calendário de atividades econômicas, “predominando o plantio na vazante, pesca na
seca, colheita agrícola na enchente e extração de madeira na cheia” (MOURA e PERES, 2000 p. 4).
Dependendo do período do ano o trabalho era realizado de uma maneira. No inverno,
quando as chuvas eram mais constantes, os moradores se uniam para ter um melhor aproveitamento
da produção, por isso trabalhavam todos juntos para ter uma quantidade maior de produtos. Por
exemplo, a castanha que era coletada, após ser comercializada, o lucro era redistribuído para todos
que trabalharam naquela produção, tendo por objetivo principal o bem estar da comunidade.
Lá, tinha uma castanheira logo assim em frente e todo mundo juntava. Era usufruto
de todos. Tinha vez que vinha muita gente, parecia que era da família né?! E era
usufruto de todos, todo mundo se juntava e depois se repartia né. Pegavam tudo de
lá, cada um tinha seu monte, cada um quebrava e depois vendia. Nós tira tudo
junto, tira um valor, paga essas divida que a gente tá devendo tudinho e a gente não
tira nada particular não, é tudo para manter a coisa da comunidade […] (Dorival.
Paraíso, 2013)
62
No verão, os moradores relatam que precisavam se organizar em razão do transporte, pois
como neste período o rio secava muito, as embarcações de grande porte não chegavam até a
comunidade. Com isso, eram obrigados a percorrer grandes distancias para poder comercializar seus
produtos, sendo este apontado como um fator de grande dificuldade por eles. Os moradores contam
ainda que na época dos antigos era mais difícil, pois, dependendo da distancia, os moradores
precisavam ir a pé ou a remo levar a produção para ser comercializada, por isso era vantajoso ter o
auxilio do patrão. Hoje, com o motor a diesel eles mesmos levam sua produção até os locais que
devem ser comercializados e em alguns casos a locais de grande distancia como Maraã e Tefé, uma
facilidade que é bem vista pelos moradores.
[...] agora pra gente comprar tem que ir na cidade né, pelo menos ainda fica muito
melhor porque aqui, no beiradão é muito caro pra gente comprar na cidade a gente
ainda compra mais em conta (Dorival. Paraíso, 2010).
Hoje, para percorrer grandes distancias, os moradores contam com alguns benefícios
proporcionados pela “modernidade” e que “no tempo dos antigos” não existiam. São questões que
diminuíram as distancias e o tempo empregado ao trabalho. Uma questão que na opinião dos
moradores favoreceu a produção na comunidade e facilitou a vida dos mesmos, questão a ser tratada
neste próximo tópico.
4.1.1. Mudanças na produção
Entre as gerações mais recentes, os modos tradicionais de produção são vistos como
atrasados e por isso, pouco utilizados. De acordo com os narradores, hoje, dependendo da condição,
é comum que o morador tenha sua própria motosserra, a mandioca já não é mais “relada” na mão e
já se tem um motor para poder percorrer distancias maiores que, antes ocorria com muita
dificuldade devido a exaustão de se locomover a remo. Todas essas mudanças são vistas de maneira
positiva pelo atual grupo da comunidade que vê no uso de novas ferramentas um aliado no trabalho
em favor da boa produção.
I....agora tá muito melhor, nos tem a motosserra que corta madeira rapidinho assim.
Antes era só no machado, era muito ruim […] agora é tudo mais rápido, da pra
produzir mais (Pedro. Paraíso, 2011).
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Essas mudanças garantem aos moradores agilidade na produção e maior aproveitamento do
tempo, de manira que podem se dedicar a mais de uma tarefa durante o dia, pois tudo se tornou
mais rápido. Ha um melhor aproveitamento do tempo e com isso, uma melhor distribuição do
trabalho, resultando em um maior rendimento da produção. Essas mudanças são resultado da maior
interação entre a comunidade e a cidade, onde novos elementos tecnológicos passaram a ser
introduzidos no cotidiano das famílias como novas necessidades, passando a ser indispensáveis na
vida da comunidade. Em seu estudo sobre agricultura familiar Wanderley (1996) explica este
fenômeno como sendo resultado:
[...] das transformações culturais que ocorreram ao longo do tempo influenciaram o
modo de vida das populações camponesas que passaram a se adaptar a um novo
contexto de reprodução, transformando-se interna e externamente em um agente da
agricultura moderna. Essas mudanças podem ser interpretadas como a transição entre
o modo de vida de comunidade tradicional para uma “organização mais diferenciada,
próxima do modelo urbano (WANDERLEY, 1996 p. 6).
Ainda neste estudo, Wanderley reconhece essa nova configuração como sendo a introdução
de novas necessidades impostas pelo capital que despertam no camponês um maior esforço de sua
força produtiva em virtude de obter uma “mais-valia” que exige uma “racionalidade moderna”, na
qual, o agricultor recicla seu modo de produzir. Com isso, o mundo rural perde seus contornos de
sociedade parcial e se integra plenamente a sociedade nacional” (WANDERLEY, 1996 p. 6).
Mas isso não significa o fim do campesinato como preveu Mendras (1978), significa apenas
uma nova configuração na qual cada grupo reage à sua maneira, sempre buscando preservar sua
identidade (WANDERLEY, 1996). Entretanto, esta é uma questão muito mais complexa, que
esbarra nas lutas traçadas pelos camponeses ao longo do tempo, e que estão diretamente ligadas a
busca de “um espaço próprio na economia e na sociedade” (WANDERLEY, 1996 p. 8). Neste
contexto, Wanderley explica que no Brasil, a identidade de camponês surge como ferramenta de luta
e reivindicação de direitos sociais a partir de um saber específico, transmitido de geração em
geração. E é este saber que orienta a relação entre a atividade mercantil e a de subsistência do
grupo, baseada na divisão do trabalho familiar (WANDERLEY, 1996).
De acordo com a reflexão de Wanderley (1996), o modo de vida das sociedades camponesas
está centrado no esforço para construir um território familiar, um lugar de vida e de trabalho, capaz
de guardar a memória da família e de reproduzi-la para as gerações futuras como perpetuação da
identidade camponesa expressada através de suas práticas sócio-culturais em relação com o meio
ambiente (WANDERLEY, 1996). Em uma racionalidade baseada no fato de que não é o número de
64
horas de trabalho e nem a remuneração que determinam a satisfação do grupo, pois o equilíbrio
entre trabalho, tempo e produção independe do mercado, depende das relações de reciprocidade que
mantêm e reforçam os laços sociais dos mesmos.
Por isso, as novas condições de produção interferem nas relações de produção tradicionais
que precisam lidar com a nova organização do trabalho, alterada pelo uso de novos elementos na
produção. E apesar da facilidade proporcionada pelo uso das novas tecnologias, os moradores
afirmam ter um grande respeito pela floresta e pelos recursos oferecidos por ela. Preservando todos
os ensinamentos de respeito e reciprocidade com a mata, que foram repassados do senhor Joaquim
para seu Geraldo e deste para os filhos que nos contam essa historia.
4.2. Trabalho e Festa no Paraíso
O trabalho e a festa inicialmente podem ser tidos como elementos distintos que se
confrontam quanto a seu objetivo. O trabalho, por exemplo, tem por característica a seriedade e a
penúria empregada ao labor, já a festa apresenta o caráter de descontração, lazer e diversão que
acabam por colocar os dois em campos opostos. Entretanto, ambos apresentam por característica, a
organização de um grupo social em prol de uma finalidade comum. Pois, “a interação entre os
indivíduos sempre surge em função de certos propósitos ou com base em certos impulsos”
(SIMMEL, 1983 p. 165) que tem por objetivo as relações sociais.
No Paraíso, essa questão é muito bem observada, pois, existem momentos em que os dois
elementos se confundem, onde já não se sabe mais o que é trabalho e o que é lazer, pois ambos se
apresentam como elemento de sociabilidade em uma “forma lúdica de sociaçao” (SIMMEL, 1983
p. 169). O trabalho como elemento de sociabilidade não é visto como algo ardo e penoso, mas sim
como um momento de diversão, onde se joga conversa fora e brinca com os amigos. É uma fuga da
rotina diária para um momento de trabalho e lazer que amplia e fortalece os laços sociais entre os
moradores. E neste contexto, o trabalho e o lazer, associado a festa de santo, é a perfeita ilustração
de que trabalho e festa se confundem na organização social de uma comunidade amazônica
(WAGLEY, 1988).
65
4.2.1. Trabalho e sociabilidade
O trabalho na comunidade Paraíso tem uma organização comunitária e familiar, na qual cada
um dispõe de seus espaços e funções que tem por finalidade a reciprocidade com sua rede social de
maneira a conservar os laços sociais entre eles. Neste sentido, a sociabilidade é de fundamental
importância para a existência do grupo social, pois é através dela que se reproduzem as relações de
solidariedade e reciprocidade, na qual, “os homens vivem por outros homens, agindo por eles, com
eles [...] organizando desse modo reciprocamente as suas condições, ou seja, para influenciar os
outros ou ser influenciado por eles” (SIMMEL, 1983 p. 166). Questão que desperta um sentimento
de pertencimento entre os moradores da comunidade, desperta “um sentimento de igualdade” neste
momento de sociabilidade (SIMMEL, 1983 p. 166).
Momento que proporciona unir esses
“indivíduos com interesses comuns a se organizarem em uma unidade, em uma sociedade”
(SIMMEL, 1983 p. 166), em uma organização social como uma comunidade.
Ao narrarem sua vida na comunidade, os moradores enfatizam um modo de vida onde as
relações sociais se mostram, desde o início da formação do lugar, uma extensão da atividade
produtiva, na qual, o trabalho era celebrado como lazer. No território do Paraíso, as relações de
“sociação” (SIMMEL, 1983) se manifestavam através da amizade, do companheirismo e do
parentesco, em uma reciprocidade que se evidenciava na solidariedade mutua, principalmente
quando se tratava do trabalho. É uma regra social em favor da comunidade, da reprodução do grupo
social.
O ambiente privilegiado da comunidade atraia pessoas de áreas mais distantes para trabalhar
no Paraíso, onde a característica sazonal do ambiente é um importante meio pelo qual os moradores
estabeleceram relações de sociabilidade com moradores de outras comunidades. A safra de um
produto como a castanha proporcionava que os habitantes do Paraíso se encontrassem com
moradores de outros locais para realizar trabalhos conjuntos, sendo um dos momentos de
sociabilidade entre os moradores do Paraíso e de outras comunidades. Está questão é recorrente em
outros locais da região como mostra Alencar em estudo realizado sobre a dinâmica territorial e
ocupação da região de Amanã:
Devido à dispersão geográfica das casas, o contato entre as famílias ocorria de forma
esporádica na época da safra dos principais produtos extrativos como a castanha e a
borracha, quando as pessoas se encontravam nos pontos de coleta que eram as
colocações. (ALENCAR, 2010 p.48).
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O trabalho sazonal levou os moradores do Paraíso a se unirem com moradores de outros
locais para ter um melhor aproveitamento da produção. Como exemplo, aparece a seringa, que teve
espaço importante na história econômica da comunidade. Na época de cortar a seringa, os
moradores do Paraíso se uniam com os moradores do igarapé do Urumutum e faziam uma espécie
de mutirão em busca de um melhor aproveitamento do tempo de oferta do produto.
Mais era assim quando o dono tava né, que convidava ai a gente ia lá. Ai a gente
sempre ia lá. Às vezes eles traziam [a produção] para cá, porque às vezes tavam sem
rancho né, ai vinha vender pra cá. Ai era assim que eles faziam... Era mais fácil,
ainda mais quando o igarapé tava seco que ficava ruim, ai preferia trazer de lá.
(Raimundo. Paraíso, 2011).
Os moradores relatam que antigamente havia um fluxo intenso entre o Paraíso e o
Urumutum durante o período de fabrico da castanha, e também no verão, durante as atividades de
pesca. Era uma relação que, na fala de um dos entrevistados, simbolizava uma relação de trocas
sociais e culturais: “Como é que a gente pode dizer, era uma troca entre vizinhos né. Eles vinham
pra cá e nós ia pra lá” (Dorival. Paraíso, 2013).
Além da colheita e pesca de maneira sazonal, os moradores do Paraíso costumavam realizar
atividades coletivas simplesmente em função dos critérios de reciprocidade e solidariedade ao
próximo, para manutenção dos laços sociais. Esse trabalho podia ser de maneira coletiva, em prol
de toda a comunidade, como a reforma da capela, aquisição de um bem em favor da comunidade,
ou em beneficio de uma única pessoa/família, no aproveitamento de algum produto, como uma
“fornada” de farinha ou plantação de uma roça. Esse trabalho é conhecido como ajuri17, e consiste
na ajuda de várias pessoas em beneficio de uma única família que se encarregava de alimentar os
colaboradores, além de fornecer bebidas (ALENCAR, 2002) que animava os participantes durante o
trabalho.
Quando o pessoal estavam aqui os antigo né. Eles mandavam corta cana e muio né,
tinha a aquela moenda, moíam dois, três lata de coisa... De garapa, ai iam ferver
aquilo para fazer esse tal de gramichó né, coavam aquele negocio [...] Ai tiravam a
garapa pra beber (Luis. Paraíso, 2010)
Sai uma cachacinha né [...]Ichi...tinha muita cachaça, cachaça. Minha vó sempre
fazia isso, negocio de caiçuma, ainda faziam por aqui... (Raimundo. Paraíso, 2010)
Os narradores contam que eles mesmos produziam vários tipos de bebida artesanal que eram
muito apreciadas pelos visitantes que vinham até o local.
17 Nos anos 1960 o ajuri foi tomado como modelo para as atividades da Igreja católica através do MEB (movimento de
Educação pelas Bases), mas com o nome de mutirão (ALENCAR, 2002).
67
Pajuarú é de mato que se faz [...] Caiçuma, agoa na água e vai bebendo aquilo, que
nem índio (Raimundo. Paraíso, 2010)
A caiçuma é de pupunha que faz. Despelo né, cozinho tudinho ai molho. Cozinha
abafa ali, ai vai fazendo aquele negocio, agou (dilui) na água e vai tomando,
tomando até...(risos) o povo gosta... (Luis. Paraíso, 2010)
Por ser um momento de muita animação, o convite para um trabalho como este nunca era
recusado, pois além da diversão a pessoa que participava tinha garantia de que, se em algum
momento precisasse, também seria atendida. Normalmente o pedido era feito aos parentes e amigos
mais próximos, e mesmo aqueles a quem o pedido não havia chegado, mas sabiam da noticia iam
até la ajudar também.
O ajuri era um momento de trabalho, mas também um momento de lazer, onde os moradores
se encontravam para trabalhar, mas, sobretudo para se socializar botando o assunto em dia e
reafirmando os laços sociais existentes entre eles. Fortalecendo com isso, a identidade do grupo nas
praticas coletivas de sociabilidade. De acordo com Gerog Simmel (1983) existe um caráter
democrático e positivista da sociabilidade que, “cria um mundo sociológico ideal, no qual o prazer
de um indivíduo esta intimamente ligado ao prazer dos outros” (SIMMEL, 1983 p. 172). Desta
forma, a sociabilidade cria uma espécie de unidade no grupo, através de uma realidade recriada, e
contribui para que o grupo se mantenha estável, à medida que os integrantes do grupo se concebem
em categoria de simetria, e com isso, evitando o surgimento de conflitos.
Conforme indica este autor, a sociabilidade presume um prazer coletivo que, no contexto da
comunidade Paraíso, se manifesta nas práticas coletivas que permitem um reconhecimento entre os
integrantes do grupo social. Neste contexto, “a sociabilidade é o jogo em que se faz de conta que
todos são iguais e se faz de conta que cada um é reverenciado em particular” (SIMMEL, 1983 p.
173) nesse momento que é lúdico, onde o trabalho se confunde com lazer que oferece uma fuga da
rotina do dia a dia. Esse trabalho não é penoso, pelo contrario, é gratificante, pois funciona como
uma recarga que revigora para a vida que assim se mostra mais feliz e mais fácil de viver, tendo
motivos para ser festejada.
68
4.2.2. Festas de santo como espaço de sociabilidade
Outro momento que proporcionava a sociabilidade entre os moradores da comunidade eram
as festas de santo, que permitiam encontros entre as pessoas, reforçando os laços sociais já
existentes e estabelecendo novos. Permitindo a ampliação das relações sociais e em conseqüência a
ampliação do território.
Os habitantes do Paraíso, inicialmente realizavam vários festejos, dentre os quais estão os
em homenagem a Santo Antônio, a São João e a São Pedro e São Paulo que tinham suas datas
comemorativas no mês de junho, verão amazônico, época em que os rios estavam em nível menor e
a locomoção era muito mais fácil devido ao numero menor de chuvas, atraindo muitas pessoas até o
local. Além disso, nesta época, a comunidade passava a ser mais freqüentada que o normal, pois se
tratava da época em que normalmente se faziam os trabalhos de ajuri que eram precedidos pelas
festas de santo como forma de agradecimento por alguma promessa que foi atendida. As promessas
eram das mais variadas possíveis e iam desde os pedidos mais simples como boa produção, à cura
de uma doença, o afastamento de vícios até as mais complexas como a realização de casamentos,
nascimento de um filho, obtenção de bens materiais, etc. As festas de santo possibilitaram que os
moradores ampliassem suas relações sociais e territoriais com os moradores do Urumutum, e por
isso, ficou marcado na memória dos mesmos.
Era, mas eles festejavam nessa época, era São João, Santo Antônio parece que
também festejavam. Eu lembro que depois que tinha a festa aqui né, eles vinham de lá
do Urumutum, depois que fizeram esse varador18 ai, ai fizeram contato de lá pra cá e
daqui pra lá né os pessoal que moravam ai dentro. Ai todo final de semana eles
estavam aqui (Pedro. Paraíso, 2010).
Os narradores contam que as festas aconteciam por volta dos anos 197019 e atraiam pessoas
de vários locais, sendo parte do calendário de eventos festivos da região. E apesar da comemoração
ser dirigida a vários santos, as festas não entravam em conflito quanto ao calendário de realização,
pelo contrario, essa dinâmica favorecia a participação de todos ao longo do ano. Principalmente dos
parentes que haviam migrado para outros locais e retornavam à comunidade em virtude do trabalho
da pesca e dos festejos de Santo. Portanto, este era um momento de reencontro com os parentes que
moravam distantes do local. Galvão (1976) em seu estudo na comunidade de Ita, baixo Amazonas,
conta que a dispersão das famílias em razão da migração é amenizada com as festas de santo, pois
18 Antiga trilha indígena descoberta e reaberta pelos moradores do Urumutum e que possibilitava o transito de la até a
comunidade do Paraíso.
19 As festas se realizaram até o ano de 1998 (Domingos Furtado. Paraíso, 2013)
69
as mesmas promovem um “intercambio social” dentre outras coisas (GALVÃO, 1976, p. 15).
Porem, com a morte de Joaquim Furtado, que era o promesseiro da comunidade, as pessoas
deixaram de realizar festejos em homenagem aos primeiros santos20. Foi então que se iniciou o
festejo em homenagem a São Lazaro que era o santo de devoção de Geraldo e Idalina, já na segunda
geração da Família Furtado. Segundo a Sra. Idalina, este Santo havia curado seu esposo Geraldo de
uma doença que o impossibilitava de trabalhar, e tendo alcançado a cura ele passou a realizar os
festejos em homenagem ao santo, que passou a ser considerado como protetor e padroeiro da
comunidade. Este episódio ilustra muito bem a religiosidade dos moradores, que são muito
católicos, e com forte apego às tradições cristãs.
Ele tava todo cheio das enfermidade, que ele não podia nem trabalhar. Quando ele
trabalhava, batia, ai saia sangue da mão dele e tudo. Ai foi que ele fez promessa para
São Lazaro, que se ele ficasse bom, ele ia..., como é que a gente diz, recomendar,
encomendar... É, que quando ele ficasse bom, ia mandar rezar ladainha. E graças a
Deus ele ficou bonzinho... (D. Dada, Paraíso, 2011)
De acordo com Galvão (1976), os santos ou as imagens que os representam são consideradas
entidades benevolentes que tem em seu poder o bem estar da comunidade e de seus moradores,
pedido e agradecido através das orações, ladainhas e novenas. Sua vontade é propiciada pelas
promessas, por isso, se o indivíduo honrar sua palavra com o santo, tudo ocorrera bem, e isso é
levado a sério na comunidade (GALVÃO, 1976).
A festa de São Lazaro contava com a ajuda de todos os moradores na preparação do evento,
e mesmo não tendo feito nem uma promessa, todos ajudavam, em razão da devoção ao santo. Toda
a comunidade se responsabilizava por cuidar da preparação da festa, organizar a ladainha, enfeitar o
barracão, recolher as ofertas. Cada um ficava responsável por uma tarefa e aquele que não
cumprisse sua promessa era castigado pelo santo, mas aquele que não cumprisse sua tarefa era
castigado pela comunidade, pois, passava a ser mal visto por todos que por ter uma tradição muito
católica passavam a sancionar o violador dos costumes, o “descrente”. Sobre isso, Maués (1980) em
seu “Estudo religioso numa comunidade amazônica” explica que:
As crenças, que surgem ao nível ideológico, relacionam-se com as praticas sociais, sendo
que, para estas existem normas ou padrões de comportamento, que fazem parte também da
ideologia dos atores do sistema social, as quais correspondem determinadas sanções
(positivas e negativas) socialmente estabelecidas (Maués 1980 p. 7).
Apesar da promessa ser uma obrigação para com o Santo, a festa era sempre muito esperada
20 São Antônio, São João, São Pedro e São Paulo.
70
por todos da comunidade. Pois ao festejar o santo, de alguma forma “as pessoas estão festejando a
si mesmas, pois festejam a sua própria comunidade” (MAUÉS, 1995, p. 357). Em comemoração ao
Santo, os moradores relatam que antes da festa, eles produziam uma espécie de fogos de artifício
artesanal que servia como uma espécie de convite anunciando a festa e chamando as outras
comunidade a participarem do festejo. Eles compravam pólvora e introduziam em uma espécie de
canhão preparado de maneira artesanal21. Segundo relatos, o impacto era tão forte que o estrondo
dava a impressão de ser realmente um canhão. Esse costume, de acordo com informações dos
moradores foi herdado dos avos Joaquim e Júlia Furtado como uma maneira de homenagear o
Santo.
Os moradores contam que as festas eram muito animadas e duravam vários dias, durante os
quais as pessoas comiam, bebiam, e dançavam para festejar o santo. Esse evento tirava a
comunidade da rotina, pois neste período as atividades do cotidiano sofriam uma ruptura para serem
retomadas num novo estado ao fim da festa, como um “rito de passagem” (MAUÉS, 1995) que
marca o início de um novo ciclo.
Era também durante as festas de santo que normalmente surgiam alguns casais da
comunidade, pois era o momento que os rapazes e moças se encontravam dando inicio a namoros e,
posteriormente, a casamentos que envolviam pessoas de dentro e de fora da comunidade. Mariana
Franco em seu estudo sobre famílias seringueiras do vale do Juruá mostrou que as festas “são
momentos especiais onde os encontros constantes podem favorecer e despertar um interesse entre
os jovens participantes que devido a distancia das localidades não dispõe de tantas parcerias na
vizinhança” (FRANCO, 2001 apud ALENCAR, 2002 p. 97). Um exemplo disso é o senhor João
Lavor, que residia na área do Urumutum e se casou com Joaquina Furtado, ampliando assim o
território social da comunidade com a união parental das duas famílias. Com isso, possibilitou o
livre transito entre os dois locais, fato que é muito lembrado pelos moradores da comunidade.
Com a ampliação do território, as relações sociais também se ampliaram, e quando
questionados sobre como era naquela época, é comum ouvir dos moradores “Ichi, naquele tempo
aqui era bem animado aqui […] aqui era animado, animado mesmo” (Raimundo. Paraíso, 2010).
Por possuir um “campo” bonito, pessoas de outras localidades vinham até lá para jogar bola, não só
nos dias de ajuri ou nos dias de festa, mas também nos finais de semana, durante a tarde,
principalmente os moradores do Urumutum que residiam mais perto da comunidade. Para quem as
tardes eram sempre animadas.
21 Se tratava de uma barra de ferro com um furo no meio que era fechada com barro de um lado, e do outro era
introduzida a pólvora.
71
Eles vinham de lá desse Urumutum moravam pra lá pro Paracuá e vinham pra cá,
passavam festa direto, sexta, sábado, domingo, segunda, terça... Iam embora tudo
lombrado (bêbado) com uma ressaca desgraçada por ai por dentro desse varador
ai, mas era limpo mesmo, eles vinham de lá bate bola aqui (Raimundo. Paraíso,
2010).
Com isso, a comunidade passou a ser muito conhecida entre as outras comunidades,
tornando-se motivo de orgulho para os moradores, que idealizam o passado a partir da lembrança da
fartura na produção, das festas de Santo, dos jogos e da animação, quando comparado ao tempo
atual sem a vasta produção, a solidariedade e as festas, se torna um referencial que remete a um
saudosismo de um tempo melhor, pois a memória é seletiva (POLLACK, 1989) e implica em
apagar os aspectos empobrecedores da vida.
Por conta da migração de grande parte dos moradores, se tornou inviável realizar os festejos
de São Lazaro que foram encerrados no ano de 1998, devido a quantidade pequena de moradores
que prejudicou a organização da festa, pois a mesma, exigia um esforço muito maior dos moradores
restantes o que acabou desestimulando-os. Como é possível perceber na fala de um deles: “Nós
ficamos pouco e ficou difícil fazer a festa. Dava muito trabalho e tinha muito custo. Para pouca
gente é difícil fazer” (Dorival. Paraíso, 2013).
Apesar de ter sido encerrado, o festejo permaneceu na memória dos moradores, expressando
os aspectos positivos do passado, que são lembrados orgulhosamente pelos mesmos, unindo-os em
uma identidade que é atribuída a memória e ao lugar da comunidade Paraíso. Essa questão
despertou nos moradores a vontade de retomar os festejos de São Lazaro e, por isso, planejam pedir
apoio ao novo gestor municipal, em uma tentativa de resgatar a tradição herdada dos avós e também
unir os moradores em prol da comunidade neste momento de crise ocasionada pela migração que
ameaça a existência do grupo social que tenta com todos os recursos manter a “vida” na
comunidade Paraíso.
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Considerações finais
Neste trabalho, foi possível perceber que a ocupação e formação da comunidade Paraíso se
deu a partir de fatores sociais e ambientais, como o modelo econômico, a localização na terra firme,
a proximidade de lagos ricos em recursos pesqueiros e uma forte rede de parentesco que também
contribuiu com o povoamento local. A economia centrada na figura de um patrão que exercia uma
relação patriarcal (LIMA e ALENCAR, 1994) com seus fregueses determinando a moradia e
controlando a mão de obra que se fixava no local.
A presença de atores sociais como a Igreja Católica, teve um papel fundamental no início
dos anos 1960 dando um novo caráter para a organização social dos moradores e promovendo a
política social de vários setores através do Movimento de Educação pelas Bases (MEB). As
administrações municipais, que foram determinantes para a fixação das famílias e a formação da
comunidade, com a intervenção do poder político municipal nos anos 1980 através de investimentos
em educação, mais precisamente na construção da escola, foi um fator determinante para se
considerar o povoamento na comunidade. E, por ultimo, a organização política dos moradores com
a eleição de seus representantes comunitários, contribuindo com a conquista de assistência e infraestrutura para a mesma.
Outro fator importante na historia de formação da comunidade, foi a criação da reserva de
Amanã no final dos anos de 1990 que mudou a maneira como os moradores lidavam com os
recursos naturais. Com a criação da reserva, houve a implantação de ações voltadas para a
realização de projetos de manejo amenizando os impactos sobre a exploração da natureza, devido
ao acompanhamento e fiscalização do instituto junto às comunidades, proporcionando a
recuperação do estoque de alguns produtos com estoque reduzido em virtude de uma economia
predatória. Por isso são vistas como ferramentas positivas e necessárias para preservar os recursos
naturais existentes que no ponto de vista dos moradores, nem existiriam se não fossem as políticas
de preservação e manejo. O manejo como ferramenta promotora da preservação das espécies é
consenso entre os habitantes do Paraíso que, apesar dos conflitos, se uniram com moradores da
comunidade Nova Esperança e Boa Fé do Joacaca para desenvolver um projeto com a finalidade de
“guardar” o lago do Seringa e fazer o manejo de pesca no local. Entretanto, existe uma dificuldade
em fechar o acordo, pois os moradores do Paraíso alegam interesses econômicos por parte das
outras comunidades em relação aos lagos de pesca. Esta questão gera conflito entre os moradores
causando dificuldades quanto o fechamento do acordo de pesca.
Outro conflito envolvendo os moradores do Paraíso, diz respeito ao acesso e utilização dos
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lagos ao redor da comunidade que passaram a ser motivo de conflito, quando os moradores da
comunidade São Rafael restringiram o uso dos lagos a seus familiares proibindo a entrada dos
moradores do Paraíso que antes faziam seus trabalhos de pesca por lá. O conflito acirrou quando os
moradores do São Rafael buscaram fazer o reconhecimento como grupo étnico, alegando a
descendência de Quintino, um antigo índio que morou no local. Mas, nem bem deram entrada no
processo, já demarcaram uma área que abrange os lagos guardados pelos moradores do Paraíso, que
reivindicam direitos iguais e lutam por uma melhor distribuição na utilização desses lagos, pois
assim como os moradores do São Rafael têm direitos, os do Paraíso também se consideram com
direitos, e afirmam guardar todos os lagos e respeitar a natureza fazendo uso do manejo que não é
adotado pelos moradores do São Rafael. Além de serem os primeiros a ocupar o local, portanto, na
opinião deles com mais direitos. Por isso, compreender como ocorreu o processo de ocupação na
área estudada é importante para podermos analisar a dinâmica territorial e, assim, ter um
entendimento dos conflitos existentes, que foram gerados pela tentativa de controle ao acesso dos
recursos naturais.
No que se refere à dinâmica de mobilidade das pessoas podemos constatar através das
entrevistas que essa mobilidade se restringe somente aos lugares da região, como as cidades de
Maraã, Tefé e Manaus. Essa mobilidade é ocasionada, em parte, pela interferência de fatores
naturais, no caso, as grandes secas que prejudicam a dinâmica de vida dos moradores. Outro fator é
a questão da infra-estrutura e políticas públicas, principalmente no que diz respeito aos serviços de
saúde e educação que são precários na comunidade, fazendo com que os moradores busquem a área
urbana como alternativa para a solução de seus problemas. Essa migração em direção aos centros
urbanos vem prejudicando a estabilidade do grupo social, que se vê em meio ao desaparecimento
devido a evasão dos moradores da comunidade.
Por outro lado, reafirmam seus laços sociais fortalecidos no parentesco e na identidade
atribuída ao lugar da comunidade e a descendência do senhor Joaquim Furtado, fundador do lugar.
Identidade que é reforçada nas praticas sociais e na memória coletiva que assim como o parentesco,
se torna elemento de luta por direitos ao território e também como elemento precursor da identidade
do grupo através das gerações para que os “mais novos” conheçam e preservem suas raízes com o
grupo e o lugar do Paraíso, e na opinião deles, deve ser “guardado” e cuidado como símbolo da
historia da comunidade.
Este trabalho é realizado através das lembranças dos moradores com “recorte” dos
elementos e modificações na paisagem feita pelos mais antigos, assim como nas lembranças de
eventos que marcaram o ciclo de vida dos mesmos, como nascimentos, casamentos e mortes. Sendo
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esta ultima a principal preocupação quanto a existência desde grupo. Não só por se tratar do
encerramento de um ciclo de vida, mas também por se tratar do encerramento da historia, pois
quando ocorre a morte de um “antigo”, morre com ele uma parte da historia do grupo que vem se
perdendo em meio a novas interferências como o deslocamento dos moradores para área urbana e a
adoção de novas praticas como o uso da televisão que de certa forma interferem na relação dos mais
jovens com os mais antigos, onde a pratica de contar historia vai se perdendo e com ela a historia do
grupo.
Em meio a toda essa problemática, a comunidade do Paraíso se vê em meio ao
desaparecimento, ocasionado por este transito permanente das migrações entre a cidade e a
comunidade, se vêem inseridos em todos os lugares, não tendo mais um lugar. E eu me questiono
será que a comunidade vai acabar? Penso que não, pois apesar de todos os problemas, ainda existe
uma resistência em permanecer no local e preservar a memória, a historia do grupo. Mesmo que
seja somente por uma pequena parcela que tentar garantir o território, ainda há essa resistência
porque ainda há um vinculo com o lugar. Se não, seria mais simples todos mudarem para cidade, já
que a grande maioria já possui residência por lá. Se o que ocorre é o contrario, significa que, ainda
existe uma vontade de continuar com a comunidade. Portanto ainda existe essa vontade coletiva de
guardar, preservar este lugar. Sendo assim, em minhas conclusões provisórias, levanto a hipótese de
que a comunidade Paraíso não vai acabar, devido ao apego a terra atribuída a herança material e
emocional construída pela historia dos Furtado. Questão que pode ser tema de estudo para um novo
trabalho.
Mas posso concluir que de minha percepção, aprendi que o cotidiano de uma vida ribeirinha,
ligado a natureza, demonstra mais claramente a relação mutua e interligada com o meio ambiente,
ligação essa, bem perdida em nós citadinos. Pois em nossa sociedade o que se vê é o cotidiano em
volta de trabalho e consumo quase sempre longe da fonte de onde se retira a matéria prima para a
fabricação dos materiais que serão consumidos. Há uma desnaturalização da natureza, um
distanciamento identitário das zonas urbanas para com o meio ambiente, agregando à natureza um
valor de mercado, o mesmo valor de um objeto, sendo ela vista como um atraso ao avanço da
sociedade.
Este trabalho possibilitou a percepção de que a relação subjetiva e objetiva direta entre o ser
humano e a natureza é importante para a conscientização da necessidade de se melhor utilizar o
meio ambiente para que as gerações futuras também possam usufruir do mesmo. Percebei também
que comunidades ribeirinhas têm uma visão muito mais nítida da presença constante da natureza na
existência do homem, na relação com a natureza todo um campo simbólico e, conseqüentemente,
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uma compreensão maior da necessidade da conservação da mesma. Uma lição que todos devemos
aprender.
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ANEXOS
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UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARÁ INSTITUTO DE FILOSOFIA E