CAPACITAÇÃO
para os Mecanismos de Gênero no
GOVERNO FEDERAL
Secretaria de Políticas para as Mulheres
Presidência da República
CAPACITAÇÃO
para os Mecanismos de Gênero no
GOVERNO FEDERAL
1º Edição
Brasília, 2014
Dilma Rousseff
Presidenta da República
Eleonora Menicucci
Ministra de Estado Chefe da Secretaria de Políticas para as Mulheres da Presidência da República
Lourdes Maria Bandeira
Secretária Executiva
Aparecida Gonçalves
Secretária de Enfrentamento à Violência contra as Mulheres
Tatau Godinho
Secretária de Polítcas do Trabalho e Autonomia Econômica das Mulheres
Vera Lucia Lemos Soares
Secretária de Articulação Institucional e Ações Temáticas
Linda Goulart
Chefe de Gabinete
2014. Presidência da República. Secretaria de Políticas para as Mulheres
Organização, Distribuição e Informações Secretaria de Políticas para as Mulheres
da Presidência da República
SCES - Trecho 2 - Asa Sul - Brasília/DF
Ed. Tancredo Neves - 1º andar
CEP: 70.200-002
[email protected]
www.spm.gov.br
Ligue 180 – Central de Atendimento à Mulher
Coordenação Geral:
Secretaria Executiva da SPM – PR
Organização:
Camila Rocha Firmino
Carolina Pereira Tokarski
Leila Giandoni Ollaik
Edição e Revisão:
Camila Rocha Firmino
C236
Capacitação para os mecanismos de gênero no governo federal / Secretaria de Políticas para as Mulheres. -- Brasília :
Presidência da República, 2014.
144 p. : il.
Essa publicação constitui um registro do Seminário para Capacitação dos Mecanismos de Gênero no Governo
Federal no âmbito da 48a Reunião do Comitê de Articulação e Monitoramento do Plano Nacional de Políticas para as
Mulheres.
ISBN 978-85-85142-50-6
1. Igualdade de Gênero - Brasil. 2. Mulheres - Brasil. 3. Políticas públicas - Brasil. 4. Políticas sociais - Brasil. I.
Brasil. Presidência da República. Secretaria de Políticas para as Mulheres. II. Título.
CDD 305.40981
SUMÁRIO
SUMÁRIO
7
Apresentação
9
Introdução
12
Por que criar Mecanismos de Gênero nos órgãos governamentais?
29
Institucionalização das políticas públicas para mulheres rurais no
Ministério do Desenvolvimento Agrário
38
Políticas sociais e igualdade de gênero: conquistas e desafios
49
Desafios e oportunidades de gêneros no mundo do trabalho
54
A situação das mulheres no Brasil: estatísticas e desafios
76
Igualdade de gênero na prática do governo federal – um olhar a
partir de estudo sobre a transversalidade
91
Políticas sociais e gênero como interdisciplinaridade e paradigma
117
Trabalho remunerado e trabalho doméstico – uma tensão
permanente
131
Racismo Institucional – definir, identificar e enfrentar
140
Anexo
141
Siglas e acrônimos
APRESENTAÇÃO
APRESENTAÇÃO
É com muita satisfação que trazemos essa publicação que constitui um registro do
Seminário para Capacitação dos Mecanismos de Gênero no governo federal no âmbito da 48ª
Reunião do Comitê de Articulação e Monitoramento do Plano Nacional de Políticas para as Mulheres.
Mais do que um registro, essa publicação traz para as/os servidoras/es das esferas governamentais,
que atuarão com o viés de gênero nas políticas públicas contribuições, discussões e reflexões sobre
desigualdades de gênero e a estratégia de transversalização das políticas para as mulheres adotada
por nossa Secretaria.
Entendemos que a sociedade brasileira está historicamente estruturada sobre bases
patriarcais e racistas. Essas desigualdades nela entranhadas remetem aos privilégios de certas
categorias e grupos hegemônicos em detrimento das categorias e grupos excluídos. Nesse sentido,
a transformação em prol da igualdade é uma demanda social e uma tarefa assumida pelo governo
federal. A criação da SPM em 2003, como resposta às reivindicações históricas dos movimentos
feministas e de mulheres, anuncia o reconhecimento por parte do Estado da necessidade de políticas
públicas para as mulheres. Em dez anos de SPM, avançamos no enfrentamento às desigualdades de
gênero; entretanto, para que tal enfrentamento seja amplo e irrestrito é necessário que a perspectiva
de gênero seja adotada por todos os órgãos do governo federal.
Uma política para igualdade de gênero só pode ser bem-sucedida se realizada
transversalmente. Em outras palavras, trata-se de considerar as experiências e perspectivas das
mulheres na elaboração e implementação de todas as políticas governamentais. Nossa expectativa
é que essa publicação ajude ecoar o entendimento da urgência do enfrentamento às desigualdades
de gênero e raça e contribua para o trabalho cotidiano das e dos agentes responsáveis pela execução
das políticas públicas concernentes.
Eleonora Menicucci
Ministra de Estado Chefe da Secretaria de Políticas
para as Mulheres da Presidência da República
APRESENTAÇÃO
7
INTRODUÇÃO
INTRODUÇÃO
Reunimos nessa coletânea de textos o conteúdo das apresentações do Seminário para
Capacitação dos Mecanismos de Gênero no governo federal ocorrido nos dias 20 e 21 agosto
de 2013, em Brasília, no âmbito da 48ª Reunião do Comitê de Articulação e Monitoramento do
Plano Nacional de Políticas para as Mulheres1. Ao organizarmos essa publicação, nossa intenção foi
disponibilizar um material formativo para as/os servidoras/es federais, que atuam nos Mecanismos
de Gênero, e para agentes públicos, federais ou de outros entes federados, que operacionalizam as
políticas para as mulheres. O Seminário contou com a participação de especialistas na temática de
gênero em diversas áreas do conhecimento o que redundou em um rico debate sobre a realidade
das mulheres no Brasil e as estratégias de intervenção das políticas públicas com vistas à eliminação
das desigualdades. Assim, por apresentar importantes dados e discussões sobre gênero e políticas
públicas esta publicação firma-se também como insumo para pesquisadoras/es do tema.
Em consonância com o PPA, que apresenta os macrodesafios do governo federal para
cada quadriênio, por meio do Seminário de Capacitação dos Mecanismos de Gênero do Governo
Federal, pretendeu-se contribuir para a efetivação da transversalidade e da multisetorialidade das
políticas públicas brasileiras. No que tange às políticas públicas para as mulheres, o evento integra
uma ação do Plano Nacional de Políticas para as Mulheres – PNPM 2013- 2015 e está articulado
com o PPA 2012-2015, no Programa 2016 – Política para as Mulheres.
Os Mecanismos de Gênero são peças fundamentais na transversalização das políticas
para as mulheres. São eles os responsáveis por introduzir a perspectiva de gênero nas políticas
1
O Comitê tem por objetivo acompanhar e avaliar periodicamente o cumprimento dos objetivos, metas e ações definidas
no Plano Nacional de Políticas para as Mulheres (PNPM); é formado por 33 órgãos governamentais mais três representações do
Conselho Nacional dos Direitos da Mulher e é coordenado pela SPM. Em 2005, o Comitê, era composto por 12 Ministérios (Decreto nº
5.390 de 2005) e três representações do Conselho Nacional dos Direitos da Mulher. Os Decretos nº 5.446, de 20 de maio de 2005;
nº 5.390, de 8 de março de 2005; nº 6.269, de 22 de novembro de 2007 e nº 6.572, de 17 de setembro de 2008, deram nova
redação ao inciso IV do Art. 4º do Decreto nº 5.390, acrescentando dez novos membros ao Comitê. Finalmente, o Decreto nº 7.959,
de 13 de março de 2013, acrescentou mais onze novos membros, ampliando sua capacidade de articulação e de monitoramento do
PNPM. O Comitê passou a ter como membros efetivos 33 órgãos governamentais, além das três representações do CNDM.
INTRODUÇÃO
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dos órgãos governamentais. Uma vez compreendida a situação de desigualdade entre mulheres e
homens, bem como as desigualdades étnica, racial, de identidade de gênero, de orientação sexual
e de classe entre as mulheres, como estruturantes da sociedade brasileira, é possível pensar desde
o interior de cada órgão como suas ações podem contribuir para o enfrentamento dessas desigualdades. O Mecanismo é um espaço de articulação para a formulação de ações ou políticas para a
igualdade de gênero.
Atualmente, existem 15 Mecanismos no governo federal. A relação dos Mecanismos
bem como seus respectivos status de institucionalização encontram-se no Anexo I.
A Secretaria de Políticas para as Mulheres por meio da atuação do Comitê de Articulação
e Monitoramento do Plano Nacional de Políticas paras as Mulheres - Comitê PNPM tem trabalhado
para ampliar o número de Mecanismos. Difundir o debate sobre o papel das políticas públicas no
enfrentamento às desigualdades de gênero e raça é parte desse esforço e um dos objetivos do
Seminário.
Organizado pela Secretaria Executiva da SPM, o Seminário foi uma demanda do
Comitê frente à necessidade de formação na temática de igualdade de gênero das/os servidoras/
es integrantes (atuais e/ou futuros) dos Mecanismos. A programação buscou dar conta de conceitos
iniciais necessários para a compreensão do tema, da proposta de política transversal de gênero,
da relação entre movimentos feministas e demandas por políticas públicas, de dados estatísticos e
qualitativos sobre a realidade das mulheres no Brasil e da questão racial.
O primeiro texto, “Por que criar Mecanismos de Gênero nos órgãos governamentais”,
traz a fala da Secretária Executiva da SPM Lourdes Bandeira que apresenta o conceito de gênero,
de transversalidade e aborda a importância estratégica do Mecanismo de Gênero. Os três textos
seguintes expõe as experiências do MDA, MDS e MTE na institucionalização da temática de gênero
nesses Ministérios. São eles: “Institucionalização das políticas públicas para mulheres rurais no
ministério do desenvolvimento agrário” por Renata Leite, “Políticas sociais e igualdade de gênero:
conquistas e desafios” por Teresa Sacchet e “Desafios e oportunidades de Gêneros no mundo do
10
INTRODUÇÃO
trabalho” por Adriana dos Santos e Esther Alvim. Um panorama das pesquisas e indicadores de
gênero apurados pelo IBGE é apresentado por Ana Saboia no texto “A situação das mulheres no
Brasil: estatísticas e desafios”. O texto de Fernanda Papa “Igualdade de gênero na prática do
governo federal – um olhar a partir de estudo sobre a transversalidade” contribui à reflexão sobre
transversalidade e políticas para as mulheres a partir da prática no governo federal.
O texto de Lia Zanotta, “Políticas sociais e gênero como interdisciplinaridade e Paradigma” nos remete à história do movimento feminista e seus desdobramentos no campo político
e teórico quais sejam a reivindicação das mulheres como sujeitos de direito e o conceito de gênero
engendrado no bojo da teoria feminista que nos possibilita pensar as múltiplas possibilidades de
existência e de identidades para além da categoria mulher.
O texto “Trabalho remunerado e trabalho doméstico – uma tensão permanente”, de
Maíra Saruê e Verônica Ferreira, expõe os resultados do estudo realizado sobre o cotidiano doméstico de mulheres trabalhadoras e discute a desvalorização e sobrecarga de trabalho imposto às
mulheres pelo processo de socialização patriarcal. Essa sobrecarga é ainda maior quando tomado o
recorte de classe.
E considerando que as desigualdades de gênero estão imbricadas nas desigualdades
raciais tal debate se coloca como imprescindível no ciclo das políticas sociais. Assim, o texto de
Nina Madsen e Nilza Iraci, “Racismo Institucional – definir, identificar e enfrentar”, apresenta uma
síntese dos documentos “Guia de Enfrentamento ao Racismo Institucional” e “Racismo Institucional:
uma abordagem conceitual” cujo objetivo é fornecer subsídios para a elaboração de indicadores de
racismo institucional.
Por fim, partindo do pressuposto de que não existe neutralidade nas políticas públicas,
ressaltamos nossa expectativa de que essa publicação alcance o maior número possível de servidoras/es dos poderes públicos pois estas/estes, na formulação e implementação das políticas, têm
a oportunidade de incidir no processo de transformação social rumo à igualdade de gênero e raça.
INTRODUÇÃO
11
POR QUE CRIAR
MECANISMOS DE
GÊNERO NOS ÓRGÃOS
GOVERNAMENTAIS?
POR QUE CRIAR MECANISMOS DE GÊNERO NOS ÓRGÃOS
GOVERNAMENTAIS?
Lourdes Maria Bandeira1
O objetivo deste Seminário é a capacitação dos responsáveis pelos mecanismos de
gênero no governo federal. Por isso a palestra de abertura ser: Por que criar Mecanismos
de Gênero nos órgãos governamentais? Em linhas gerais, o Mecanismo é um espaço de
articulação para a elaboração de políticas para a igualdade de gênero nas ações de cada órgão governamental; é um espaço para inserção da perspectiva de gênero nos órgãos para que os mesmos
possam incorporar tal perspectiva na formulação e na implementação de suas políticas e ações. A
prioridade da Secretaria de Políticas para as Mulheres é que cada órgão governamental tenha em
sua estrutura um Mecanismo de Gênero. Esse mecanismo pode ser uma assessoria da/ o ministra/o
especializada em gênero que possa reunir representantes de todas as áreas daquele ministério para
garantir a perspectiva de gênero em todas as suas ações; ou, em vez de uma assessoria especializada, uma diretoria, ou uma coordenadoria. A nossa proposta é a criação de um Comitê de Gênero em
cada órgão do governo federal, que possa atentar para a questão das mulheres em todas as ações
implementadas por aquele órgão governamental.
A Secretaria de Políticas para as Mulheres foi criada em 2003 para, além de executar
políticas públicas para as mulheres, inserir a perspectiva de gênero nas políticas do governo federal;
e o Comitê de Articulação e Monitoramento do Plano Nacional de Políticas para as Mulheres –
PNPM, criado pelo Decreto nº 5.390/2005, tem também esse papel. A participação dos 33 membros representantes dos órgãos governamentais e da administração pública federal que compõem o
Comitê é fundamental para implementação de políticas para as mulheres; mas, além disso, é preciso
que cada um desses membros seja o ponto focal em seu respectivo órgão para disseminar a visão
de gênero para todas as ações de cada ministério, de cada órgão governamental, internamente. O
Comitê faz a articulação transversal e parcerias; no entanto cada membro do Comitê do PNPM deve
trabalhar para garantir a perspectiva de gênero em seu órgão.
1
Lourdes Maria Bandeira é Secretária Executiva da SPM-PR e professora titular no Departamento de Sociologia da
Universidade de Brasília.
POR QUE CRIAR MECANISMOS DE GÊNERO NOS ÓRGÃOS GOVERNAMENTAIS?
13
O Comitê já realizou duas Oficinas sobre a necessidade de criação de Comitês de Gênero
nos Ministérios. A primeira ocorreu em 19 de maio de 2010, durante a 34ª reunião do Comitê de
Articulação e Monitoramento do Plano Nacional de Políticas para as Mulheres – PNPM, que originou
um documento base para criação de Mecanismos nos ministérios2, que foi amplamente divulgado
e está disponível no site da SPM. A segunda ocorreu em 19 de fevereiro de 2013, quando MME,
MDS, MDA, MMA e BB apresentaram suas experiências acerca do processo de criação dos Mecanismos. Na reunião seguinte, em 16 de abril de 2013, foi discutido e elaborado um projeto para
implementação de Mecanismos de Gênero nos órgãos governamentais que ainda não os têm. As/os
integrantes do Comitê levaram a proposta para suas respectivas Secretarias Executivas a fim de que
dessem os encaminhamentos necessários para criação de Comitês dos Mecanismos. Foi pontuada,
por muitos dos membros, a necessidade de uma capacitação e uma formação em gênero tanto para
quem irá compor os Mecanismos quanto para o próprio Comitê. Daí a realização deste Seminário.
Observamos seis caracteríscas fundamentais dos Comitês existentes: 1) orçamento;
2) representação de todas as secretarias e áreas internas; 3) condição de órgão permanente; 4)
vinculação a órgão com poder de decisão; 5) capacidade do comitê de sensibilizar as/os gestores
internos; e 6) comitê não responder somente à SPM, mas deve dar protagonismo às políticas de
gênero internas à sua instituição. A intenção deste texto é apresentar o contexto dos Mecanismos
como estratégia para a transversalização das Políticas para as Mulheres.
1. CONTEXTUALIZAÇÃO
Embora o campo dos estudos de gênero tenha se consolidado a partir da década de
1980 no Brasil, a incorporação da perspectiva de gênero nas políticas públicas é recente. Para uma
melhor compreensão da questão apresentamos nesta introdução: 1. o conceito de gênero; 2. breve
revisão histórica e marcos legais dos precedentes desta demanda; e 3. os marcos políticos que
embasam propostas de criação de mecanismos de gênero.
2
14
Orientações Estratégicas para Institucionalização da Temática de Gênero nos Órgãos Governamentais.
POR QUE CRIAR MECANISMOS DE GÊNERO NOS ÓRGÃOS GOVERNAMENTAIS?
1.1. GÊNERO
O conceito de gênero refere-se ao aparato sócio-cultural que delimita a diferença sexual,
ou seja, que confere significado à diferença anatômica/ biológica (feminino, masculino). No entanto, a diferença de gênero não é isenta de arranjos de poder, ao contrário, ela subsidia a desigualdade
na medida em que posiciona as diferenças entre masculino e feminino, numa escala hierárquica
de poder. Em outras palavras, o conceito de gênero trata das diferenças socialmente construídas
que surgem da maneira como as sociedades organizam e hierarquizam as atribuições, atitudes e
comportamentos entre mulheres e homens. Refere-se às diferenças entre mulheres e homens não
biológicas, mas sim socialmente construídas.
1.2. HISTÓRICO DOS PRECEDENTES E DOS MARCOS LEGAIS
O principal precedente da demanda por Mecanismos de Gênero nos órgãos governamentais vem do movimento feminista e da relação entre sociedade civil e Estado. É possível datar a
origem do movimento feminista com os movimentos pelo sufrágio e emancipação feminina, a partir
de meados do século XIX, iniciados nos Estados Unidos e na Europa Ocidental. No Brasil, a luta pela
emancipação feminina acontece nas primeiras décadas do século XX junto às mulheres das classes
trabalhadoras, nos movimentos grevistas, e também nas classes mais abastadas, nas quais grupos
de mulheres se mobilizavam em torno da causa sufragista. Na chamada segunda onda, na década
de 1970, no Brasil, as ações do movimento centraram-se em reivindicações pelas creches, por uma
divisão mais igualitária do trabalho reprodutivo (doméstico), pelo combate à violência contra a
mulher, pela garantia dos direitos sexuais e reprodutivos, pelo acesso à educação e pela autonomia
econômica das mulheres. Este momento histórico caracterizou-se, pelo protagonismo dos grupos
feministas autônomos, pela luta contras as diversas formas de opressão contra as mulheres e pela
redemocratização do país (COSTA, 2009).
No âmbito das convenções internacionais, em 1979, foi estabelecida a Convenção
sobre a Eliminação de todas as Formas de Discriminação contra a Mulher (CEDAW) a carta magna
dos Direitos da Mulher tirada nesta convenção é de caráter bastante amplo. Trata da discriminação
contra a mulher em todos os campos: saúde, trabalho, violência, poder. A Convenção foi aprovada
POR QUE CRIAR MECANISMOS DE GÊNERO NOS ÓRGÃOS GOVERNAMENTAIS?
15
pela ONU em 1979, ratificada pelo Brasil em 1984, com reservas aos artigos 15, § 4º e 16, § 1º
(a), (c), (g) e (h) (retirados em 1994), referentes, respectivamente, à liberdade de movimento,
escolha de domicílio e casamento.
No processo da Constituinte, a adesão do Movimento Feminista teve por objetivo garantir uma legislação mais igualitária:
Organizadas em torno da bandeira ‘Constituinte pra valer tem que ter palavra de mulher’,
as mulheres estruturaram propostas para a nova Constituição, apresentadas ao Congresso
Constituinte sob o título ‘Carta das Mulheres Brasileiras’. Várias propostas dos movimentos
– incluindo temas relativos à saúde, família, trabalho, violência, discriminação, cultura e
propriedade da terra foram incorporadas à Constituição (FARAH, 2004, p. 51).
No que tange as políticas públicas, os movimentos feministas também as reivindicaram
como um dos meios de enfrentamento às desigualdades:
Sob o impacto desses movimentos, na década de 80 foram implantadas as primeiras
políticas públicas com recorte de gênero. Tal é o caso da criação do primeiro Conselho
Estadual da Condição Feminina, em 1983, e da primeira Delegacia de Polícia de Defesa
da Mulher, em 1985, ambos no Estado de São Paulo. Essas instituições se disseminaram
a seguir por todo o país. Ainda em 1985 foi criado o Conselho Nacional dos Direitos da
Mulher, órgão do Ministério da Justiça. Foi também a mobilização de mulheres que levou
à instituição do Programa de Assistência Integral à Saúde da Mulher - PAISM, em 1983
(FARAH, 2004, p. 51).
Nota-se um processo dialógico entre sociedade civil e Estado no qual as demandas
por igualdade entre mulheres e homens devem continuar em pauta, bem como as demandas por
igualdade étnica, racial, de orientação sexual e de identidade de gênero. Assim, a igualdade é uma
garantia constitucional explicitada - “homens e mulheres são iguais em direitos e obrigações, nos
termos desta Constituição” (Art. 5o, I); - que necessita de políticas públicas para se efetivar.
1.3. POLÍTICAS PARA AS MULHERES: MARCOS POLÍTICOS
Criada há dez anos, a Secretaria de Políticas para as Mulheres da Presidência da República – SPM/PR representa o reconhecimento por parte do Estado brasileiro da necessidade de
16
POR QUE CRIAR MECANISMOS DE GÊNERO NOS ÓRGÃOS GOVERNAMENTAIS?
enfrentamento às desigualdades de gênero de maneira institucionalizada. Desde então, o compromisso do governo federal com as políticas para as mulheres vem se concretizando por meio da
implementação do Plano Nacional de Políticas para as Mulheres - PNPM, agora atualizado para o
período 2013- 2015.
O PNPM é elaborado a partir das deliberações das Conferências Nacionais de Políticas
para as Mulheres. Em julho de 2004, foi realizada a 1ª Conferência Nacional de Políticas para as
Mulheres - 1ª CNPM. Essa contou com a participação de 1.787 delegadas na etapa nacional, que
debateram as suas agendas e contribuíram diretamente para a elaboração do I PNPM. O processo
como um todo envolveu mais de 120 mil mulheres em todas as regiões do país.
Em agosto de 2007, ocorreu a 2ª Conferência Nacional de Políticas para as Mulheres
- 2ª CNPM, com a participação de 200 mil mulheres das quais 2.800 constituíram a delegação na
etapa nacional, que sistematizou um conjunto de demandas e propostas ao Estado Brasileiro. O II
PNPM foi elaborado a partir das resoluções da 2ª CNPM e publicado em 2008.
Em dezembro de 2011, ocorreu então a 3ª Conferência Nacional de Política para as
Mulheres - 3ª CNPM, com 200 mil participantes em todo país e 2.125 delegadas na etapa nacional.
A 3ª CNPM deliberou pela atualização do II PNPM, optando pela manutenção de seus eixos. Se o II
PNPM sintetizava as principais demandas e aspirações da Política para as Mulheres para um longo
prazo, o PNPM 2013-2015 reafirma o compromisso do Estado com a igualdade de gênero por meio
de ações concretas e transversais.
O PNPM pressupõe a transversalidade na sua elaboração, gestão e implementação.
Temos, portanto, esta como uma estratégia que dever ser realizada articulada por três dimensões: i.
entre os órgãos de governo (intersetorial); ii. entre governo federal, estaduais, municipais e distrital
(federativa); e iii. entre Estado e a Sociedade civil (participação e controle social). Pretende-se, por
seu meio, consolidar o compromisso das políticas do Estado brasileiro com a igualdade; fortalecer os
Mecanismos e os Organismos de Políticas para as Mulheres, garantindo-se recursos orçamentários,
humanos e de infraestrutura, como forma de ampliar a capilaridade das políticas para as mulheres:
e forjar novas estratégias de diálogo e participação social.
POR QUE CRIAR MECANISMOS DE GÊNERO NOS ÓRGÃOS GOVERNAMENTAIS?
17
A perspectiva da transversalidade é fundamental porque as mulheres não se constituem
como um grupo homogêneo, são afetadas por múltiplas desigualdades interseccionáveis que podem
variar de acordo com a condição de classe social, raça, etnia, orientação sexual, geração, deficiência,
contexto geopolítico etc. As desigualdades de gênero perpassam todas as esferas da vida social e
por esse motivo devem ser enfrentadas em todas as áreas de atuação governamental. Embora muitas das ações do PNPM resultem de articulações com outros órgãos governamentais, é necessário
avançar nesse processo. Promover a igualdade entre as mulheres e entre essas com os homens. Esse
é um objetivo que só poderá ser alcançado através da incorporação da perspectiva de gênero nas
ações de todos os órgãos governamentais. Com essa certeza, propomos a criação dos Mecanismos de Gênero; ou seja, um locus na estrutura de cada órgão governamental responsável pela
incorporação das questões de gênero e tradução destas em ações concretas a serem implementadas
nas políticas públicas sob sua responsabilidade.
Para tanto, retomamos, nesta apresentação, o conceito de transversalidade, o conceito
de Mecanismo de Gênero, e em seguida as orientações para a criação de um Mecanismo de
Gênero neste órgão governamental.
2. TRANSVERSALIDADE
O conceito de transversalidade é uma tradução de gender mainstreaming, adotada pelas
Nações Unidas na Plataforma de Ação da IV Conferência Mundial das Mulheres, realizada em Beijing,
China, em 1995. Este conceito tem sofrido transformações e, no Brasil, é utilizado com vistas a garantir a
incorporação da melhoria do status das mulheres em todas as dimensões da sociedade: econômica, política,
cultural e social, com repercussões nas esferas jurídicas e administrativas, incidindo em mudanças relativas
à remuneração, acesso à segurança social, à educação e saúde, partilha de responsabilidades profissionais
e familiares na esfera doméstica e a busca de paridade nos processos de decisão.
No contexto brasileiro, a incorporação da política de promoção da igualdade das mulheres de maneira “transversal” significa – muito além da criação de um órgão específico de atuação
na área da mulher – atenção às especificidades e demandas das mulheres nas políticas públicas
desenvolvidas em cada área governamental.
18
POR QUE CRIAR MECANISMOS DE GÊNERO NOS ÓRGÃOS GOVERNAMENTAIS?
Vale dizer que as ações políticas devem sempre contemplar o objetivo da igualdade de
gênero, vinculando-se e relacionando-se com as demais áreas de ação governamental. Na perspectiva de transversalidade, não há políticas públicas desvinculadas – ou neutras – em relação à condição de gênero. Assim, cada ação política contempla tal perspectiva, uma vez que a pergunta chave
implícita está sempre posta: em que medida essa política pública modifica as condições de vida das
mulheres e incide na busca por sua autonomia? Ou seja, o que se propõe é uma transformação nas
relações de gênero que elimine as visões/representações segregadas e discriminadoras associadas
ao masculino/masculinidade e do feminino/feminilidade. É preciso observar que a finalidade é
erradicar as desigualdades, sem, contudo, deixar de perceber as diferenças.
No contexto das Políticas Públicas para as Mulheres, a transversalidade refere-se também a um pacto de responsabilidades compartilhadas e interseccionadas que envolve todos os
órgãos do governo e todos os entes federativos, garantindo-se a participação social. Isso porque
somente uma ação conjunta de todos os setores pode obter sucesso em mudar a realidade desigual
entre homens e mulheres, tão candente e, ao mesmo tempo, tão quotidiana em nosso país.
A gestão transversal implica articulação horizontal e não hierárquica dos vários órgãos do
governo federal, bem como entre governo federal e governos estaduais, municipais e do Distrito Federal,
com o objetivo de influenciar o desenho, a formulação, a execução e a avaliação do conjunto das políticas
públicas, gerando responsabilidade compartilhada por todos os participantes.
A concretização de implementação de uma postura transversal às políticas para as mulheres
demanda a definição de instrumentos de gestão que permitam a sua operacionalização. Em linhas gerais,
esses instrumentos devem assegurar a definição, de modo sistêmico, de ações a serem implementadas,
da co-responsabilização dos demais órgãos de governo, e, especialmente, da institucionalização de Mecanismos que permitam uma coordenação horizontal – e não hierárquica – das Políticas para as Mulheres.
Para sistematizar e integrar as ações que resultam nas Políticas para as Mulheres, bem
como garantir o compartilhamento de responsabilidades pelos órgãos de governo, foi aprovado o
Plano Nacional de Políticas para as Mulheres – PNPM e foi instituído o Comitê de Articulação e Monitoramento (Decreto nº 5.390 de 8 de março de 2005). Este Comitê é coordenado pela Secretaria
de Políticas para as Mulheres da Presidência da República - SPM/PR.
POR QUE CRIAR MECANISMOS DE GÊNERO NOS ÓRGÃOS GOVERNAMENTAIS?
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Desde então, o Comitê vem se reunindo no mínimo uma vez a cada bimestre, com
ampla participação de praticamente todos os órgãos do governo federal e demais órgãos da Administração Pública Federal direta e indireta (IPEA, IBGE, BB, CAIXA). Ao longo de 2012, a SPM/PR
elaborou, a partir das resoluções da 3ª Conferência Nacional de Políticas para as Mulheres e com a
participação do Comitê de Articulação e Monitoramento do PNPM, o Plano Nacional de Políticas para
as Mulheres – PNPM com vigência para o período de 2013-2015. Para garantir a institucionalização
de Mecanismo que fosse espaço de pactuação e também de acompanhamento das ações, o Comitê
de Articulação e Monitoramento do PNPM foi ampliado (Decreto 7.959, de 13 de março de 2013).
Sua atuação é fundamental para o processo de consolidação das questões de gênero na agenda
política do Governo brasileiro. A atuação do Comitê deve, contudo, ser complementada por outras
ferramentas, que sejam hábeis a suportar o processo de avanço das políticas para as mulheres. É
nesse contexto que se identifica a importância inadiável de institucionalizar Mecanismos de
Gênero nos órgãos de Governo.
3. MECANISMOS DE GÊNERO
Mecanismo de Gênero é um locus – que pode ser uma Secretaria, uma Diretoria, uma
Coordenação-Geral, uma Coordenação, um Núcleo, Assessoria, ou mesmo um Comitê que se reúna
periodicamente com membros das “instâncias decisórias” de um mesmo órgão governamental –
institucionalizado, com representatividade e responsável pela incorporação das questões de gênero
e pela tradução destas questões em políticas e ações concretas a serem implementadas nas políticas
públicas sob a responsabilidade daquele órgão governamental. Independentemente de sua estrutura
o Mecanismo deve estar vinculado à secretaria-executiva ou ao gabinete da/o ministra/o.
Os Ministérios da Saúde (MS), do Desenvolvimento Social (MDS), do Desenvolvimento
Agrário (MDA), do Meio Ambiente (MMA), de Minas e Energia (MME), do Trabalho e Emprego
(MTE), da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (MAPA), da Defesa (MD), das Comunicações (MC)
da Pesca e Agricultura (MPA), das Relações Exteriores (MRE), a Funai, o Ipea, a Caixa e o Banco do
Brasil possuem Mecanismos em pleno funcionamento.
O benefício da institucionalização desses Mecanismos para as políticas da SPM é indiscutível, deixando evidente que para gestão transversal dessas Políticas, além da/o representante de
20
POR QUE CRIAR MECANISMOS DE GÊNERO NOS ÓRGÃOS GOVERNAMENTAIS?
cada órgão no Comitê de Articulação e Monitoramento do PNPM (coordenado pela SPM/PR), é imprescindível a criação de um Mecanismo de Gênero em cada órgão governamental,
bem como o fortalecimento dos existentes nos órgãos governamentais que já o criaram.
A criação de Mecanismos de Gênero em órgãos governamentais está prevista no
Plano Nacional de Políticas para as Mulheres - PNPM 2013-2015, em sua linha de ação 1, ação
1.4, do capítulo de Gestão e Monitoramento:
Linha de Ação 1: Ampliação e fortalecimento da institucionalização
das políticas de gênero nos poderes executivos federal, distrital, estaduais e
municipais.
1.4. Articular e contribuir para a criação e o fortalecimento de mecanismos de gênero em ministérios e
órgãos setoriais.
SPM
- 0935/4ª meta
Também no Plano Plurianual – PPA 2012-2015, os Mecanismos de Gênero aparecem como um
dos indicadores do Programa 2016 – Política para as Mulheres: Índice Federal de cobertura de
mecanismos de gêneros.
E também como uma meta explicita, no sentido de ampliar o número de Mecanismos de Gênero nos órgãos do Governo Federal com prioridade para os representados no Comitê de Articulação e Monitoramento do PNPM, do Objetivo 0935:
OBJETIVO: 0935 - Promover a gestão transversal da Política Nacional para as
Mulheres, por meio da articulação intragovernamental, intergovernamental e
do fomento à participação social, garantindo o monitoramento e avaliação das
políticas públicas, a produção de estudos e pesquisas e o fortalecimento dos
instrumentos e canais de diálogo nacionais e internacionais.
É esse o nosso objetivo.
POR QUE CRIAR MECANISMOS DE GÊNERO NOS ÓRGÃOS GOVERNAMENTAIS?
21
4. ORIENTAÇÕES PARA CRIAÇÃO DE UM MECANISMO DE GÊNERO3
Os princípios norteadores do Mecanismo de Gênero devem estar alinhados com
os princípios norteadores do Plano Nacional de Políticas para as Mulheres – PNPM e das
Conferências Nacionais de Políticas para as Mulheres, quais sejam:
• Laicidade do Estado.
• Igualdade e respeito à diversidade.
• Universalidade das políticas.
• Equidade.
• Autonomia das mulheres.
• Transparência de atos públicos.
• Participação e controle social.
A atuação do Mecanismo de Gênero deve buscar:
• Garantir a implementação de políticas públicas integradas para a construção e a
promoção da igualdade de gênero, raça e etnia.
• Garantir o cumprimento dos tratados, acordos e convenções internacionais firmados
e ratificados pelo Estado brasileiro relativos aos direitos humanos das mulheres.
• Fomentar e implementar políticas de ação afirmativa como instrumento necessário
ao pleno exercício de todos os direitos e liberdades fundamentais para distintos
grupos de mulheres.
• Promover o equilíbrio de poder entre mulheres e homens, em termos de recursos
econômicos, direitos legais, participação política e relações interpessoais.
• Garantir a alocação e execução de recursos das Leis Orçamentárias Anuais para a
implementação das políticas públicas para as mulheres.
• Formar e capacitar servidores(as) públicos(as) em gênero, raça, etnia e direitos
humanos, de forma a garantir a implementação de políticas públicas voltadas para
a igualdade.
3
O conteúdo a seguir é um extrato da publicação “Orientações Estratégicas para a Institucionalização da Temática de
Gênero nos Órgãos Governamentais”.
22
POR QUE CRIAR MECANISMOS DE GÊNERO NOS ÓRGÃOS GOVERNAMENTAIS?
• Garantir a participação e o controle social na formulação, implementação, monitoramento e avaliação das políticas públicas, colocando à disposição dados e indicadores relacionados aos atos públicos e garantindo a transparência de suas ações.
O Mecanismo de Gênero de cada órgão governamental deve estar voltado para
o desenvolvimento de ações/iniciativas em benefício das mulheres e da igualdade de gênero, e o
aprimoramento da capacidade dos órgãos planejarem, articularem, implementarem, monitorarem
e avaliarem essas iniciativas. Nesse sentido, têm por objetivo atuar junto às diferentes estruturas
do órgão (secretarias, diretorias, departamentos) de modo a sensibilizar, qualificar e comprometer
toda a instituição com a adoção de um olhar de gênero que seja transversal a todas as suas ações.
Devem, portanto, orientar-se pelo propósito de estimular e proporcionar uma qualificação interna à instituição como estratégia para garantir políticas que estejam profundamente articuladas à dimensão de gênero e promovam iniciativas mais adequadas às necessidades das mulheres
brasileiras e à promoção da igualdade de gênero. Não deverá funcionar como uma ouvidoria, nem
atuar nas relações internas de trabalho.
Atividades a serem desempenhadas pelo Mecanismo:
• Participar da formulação do Plano Plurianual em relação à proposição de políticas
e de ações que considerem a perspectiva de gênero.
• Estimular a reflexão conjunta entre as diferentes áreas da instituição a respeito da
incorporação da perspectiva de gênero nas ações desenvolvidas e em outras que
possam vir a ser implementadas, favorecendo o reordenamento da programação
institucional em direção à transversalização de gênero no conjunto das políticas
desenvolvidas.
• Garantir a articulação permanente entre todas as áreas da instituição – finalísticas
ou não – para o planejamento, execução e monitoramento integrado de novas
ações ou a adequação de ações já desenvolvidas em benefício das mulheres ou
da igualdade de gênero.
• Desenvolver ações de capacitação das equipes – permanentes ou não – nos órgãos governamentais na temática de gênero, raça e etnia aplicadas à elaboração
de políticas públicas, incluindo o planejamento e a dimensão orçamentária.
POR QUE CRIAR MECANISMOS DE GÊNERO NOS ÓRGÃOS GOVERNAMENTAIS?
23
• Definir, junto às diferentes áreas, as prioridades de execução anual do Plano Nacional de Políticas para as Mulheres – PNPM e coordenar as atividades de elaboração
das propostas da instituição para as atualizações desse PNPM (que ocorrem após
as Conferências Nacionais de Políticas para as Mulheres).
• Capacitar as equipes – permanentes ou não – para preenchimento do Sistema
de Acompanhamento do Plano Nacional de Políticas para as Mulheres – PNPM e
acompanhar a alimentação semestral desta ferramenta de monitoramento.
• Encaminhar servidoras/consultoras/estagiárias que apresentem denúncias ou
demandas relacionadas ao aprimoramento das relações internas de trabalho às
instâncias responsáveis (ouvidorias, recursos humanos, entre outras) e capacitar
as equipes destas esferas para o atendimento qualificado e humanizado.
Formalização: é recomendável que o Mecanismo/organismo seja instituído por
intermédio de norma legal adequada (portaria, decreto, lei) que o regulamente quanto à composição,
objetivos e recursos disponíveis. Devem, também, contar com regimento interno que detalhe o seu
funcionamento cotidiano, oriente a articulação intersetorial e auxilie na tomada de decisões.
Vinculação: é importante que o Mecanismo esteja vinculado à Secretaria-Executiva,
ou estrutura equivalente, como forma de assegurar a interlocução necessária com todas as áreas da
instituição, finalísticas ou não.
Participação social: o Mecanismo deve assegurar a participação de representantes da sociedade civil, especialmente dos movimentos feministas e de mulheres, como forma de
possibilitar o controle social e de assegurar o desenvolvimento de políticas em consonância com as
demandas apresentadas pelas mulheres brasileiras. A participação deve se dar, preferencialmente,
por meio de movimentos sociais representados nos conselhos setoriais.
Intersecção com as temáticas de raça, etnia, orientação sexual e geração: o Mecanismo deve desenvolver suas iniciativas pautando-se pelo princípio da interseccionalidade da condição de gênero com outros marcadores identitários. Nesse sentido, deve considerar
questões de raça, etnia, orientação sexual, geração, do campo e da floresta no planejamento,
execução e monitoramento das políticas propostas.
24
POR QUE CRIAR MECANISMOS DE GÊNERO NOS ÓRGÃOS GOVERNAMENTAIS?
Metodologia de trabalho: a metodologia de trabalho do Mecanismo deverá ser
definida em regimento interno a ser construído e aprovado pelos seus próprios integrantes. Sugere-se, porém, que as reuniões do Mecanismo com as áreas setoriais do órgão precedam as reuniões
bimestrais do Comitê de Articulação e Monitoramento do Plano Nacional de Políticas para as Mulheres - PNPM. Esta estratégia visa otimizar a participação do órgão governamental no monitoramento
do PNPM.
Recursos: dada a magnitude dos objetivos a que se propõe, cada Mecanismo de
Gênero deve contar com recursos humanos, físicos e orçamentários próprios, considerando-se que:
a) Em relação a recursos humanos: deve dispor de equipe própria, composta por colaboradoras/es com experiência em políticas públicas com a perspectiva de gênero e
expertise nas temáticas de gênero e mulheres. A equipe-base do Mecanismo deve
receber capacitação inicial relacionada às políticas desenvolvidas para as mulheres
e ao Plano Nacional de Políticas para as Mulheres - PNPM, além de formação continuada no campo específico ao qual a instituição esteja vinculada. A esta equipe
cabe a coordenação das atividades do Mecanismo.
b) Em relação a recursos físicos: deve ser dotado de equipamentos mínimos que
garantam seu funcionamento cotidiano (computadores, impressoras, telefones,
material de escritório), bem como de espaço físico adequado, individualizado e
localizado na mesma estrutura física que as áreas setoriais.
c) Em relação a recursos orçamentários: deve contar com orçamento próprio destinado às atividades de capacitação e articulação intersetorial, preferencialmente assegurado no planejamento orçamentário do órgão. Os recursos para implementação
das políticas devem estar lotados nas áreas finalísticas ou, no caso do Mecanismo
desenvolver alguma iniciativa em parceria com as áreas, pode também estar sob
sua responsabilidade.
POR QUE CRIAR MECANISMOS DE GÊNERO NOS ÓRGÃOS GOVERNAMENTAIS?
25
Instituição de comitês como primeiro passo para criação de um Mecanismo de
Gênero
Comitês de gênero são estruturas colegiadas, integradas por representantes de diversas
áreas da instituição na qual se localizam, que se reúnem regularmente para o planejamento e o
monitoramento das ações voltadas às mulheres ou à igualdade de gênero.
O Comitê é a instância indispensável para existência dos Mecanismos e para a efetividade de suas ações, podendo, em um primeiro momento, ser equivalente ao próprio Mecanismo. É
importante garantir a ideia de uma institucionalidade progressiva que pode, inicialmente, corresponder ao Comitê, mas que deve, em uma fase de maior amadurecimento da questão nos órgãos, incluir
o Comitê, mas não se limitar a ele, constituindo-se em um departamento, um setor, uma secretaria,
ou outra institucionalidade semelhante.
Devem integrar o Comitê os/as representantes de todas as áreas finalísticas da instituição, acrescidas do setor de recursos humanos, da assessoria de comunicação, da secretaria-executiva, de empresas vinculadas (quando houver), da ouvidoria (quando houver) e do conselho dos
direitos da mulher – ou outra representação do movimento feminista e de mulheres, na inexistência
de conselho específico. Importante assegurar, também, a participação de todas/os as/os colaboradoras/es que estejam representando a instituição em instâncias de deliberação da Secretaria de
Políticas para as Mulheres – e respectivos organismos estaduais e municipais, tais como o Comitê
de Articulação e Monitoramento do PNPM e o Conselho Nacional dos Direitos da Mulher. É interessante, ainda, estimular a participação de homens e mulheres nos Comitês de Gênero e garantir a
presença de representantes de outras instituições parceiras que possam contribuir para as discussões
temáticas.
Tal como disposto para a equipe base do Mecanismo, as/os participantes do Comitê
devem receber formação inicial relacionada às políticas desenvolvidas para as mulheres e ao Plano
Nacional de Políticas para as Mulheres, além de formação continuada no campo específico ao qual
a instituição esteja vinculada.
26
POR QUE CRIAR MECANISMOS DE GÊNERO NOS ÓRGÃOS GOVERNAMENTAIS?
5. CONSIDERAÇÕES FINAIS
A estratégia de transversalidade nas questões de gênero vem apresentando consideráveis avanços sobretudo se constatamos que esse direcionamento político é bastante recente. Pode-se
atribuir esses avanços a uma combinação positiva de fatores, entre os quais constam: acerto quanto
ao desenho das estratégias, adequada utilização de mecanismos de gestão (como o PNPM e o
Comitê, entre outros); e ativa participação da sociedade civil organizada e dos entes federativos.
Um ponto é essencial, sobretudo quando pensamos em Mecanismos de Gênero é a
co-responsabilização dos órgãos de governo pela consolidação das Políticas para as Mulheres. Trata-se, simultaneamente, de um dos fatores de sucesso e uma das condições essenciais para seguir
avançando. E, ainda, para consolidar os avanços conseguidos até agora, e evoluir para outro patamar qualitativo. A atuação engajada de todo o Governo Federal deve ser a diretriz máxima para a
Política de Gênero no governo federal. Por isso a institucionalização de Mecanismos de Gênero nos
órgãos da Administração Pública constitui uma agenda tão necessária quanto inadiável. Nesse sentido apontamos a necessidade de criação de Mecanismos de Gênero. Propomos, como um primeiro
passo nessa direção, a instituição de um Comitê de Gênero. A SPM/PR coloca-se à disposição para
fornecer todo apoio técnico necessário para a consolidação desse processo.
POR QUE CRIAR MECANISMOS DE GÊNERO NOS ÓRGÃOS GOVERNAMENTAIS?
27
REFERÊNCIAS
BANDEIRA, Lourdes Maria; BITTENCOURT, Fernanda. Desafios da Transversalidade de Gênero nas
Políticas Brasileiras. In: SWAIN, Tânia Navarro; MUNIZ, Diva do Couto Gontijo (orgs): Mulheres
em Ação. Práticas Discursivas, Práticas Políticas. Florianópolis: Ed. das Mulheres, 2005.
BRASIL. Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão. Plano Plurianual 2012 - 2015.
Brasília, 2011.
BRASIL. Secretaria de Políticas para as Mulheres da Presidência da República. Orientações Estratégicas para a Institucionalização da Temática de Gênero nos Órgãos Governamentais. Brasília, 2011. CD-ROM.
BRASIL. Secretaria de Políticas para as Mulheres da Presidência da República. Plano Nacional de
Políticas para as Mulheres 2013-2015. Brasília, 2013.
COSTA, Ana Alice Alcântara. O Movimento Feminista no Brasil: dinâmica de uma intervenção política. In: PISCITELLI, Adriana et al (Org.). Olhares Feministas. Brasília: Ministério da Educação,
Unesco, 2009. p. 51-81.
FARAH, Marta Ferreira Santos. Gênero e Políticas Públicas. Revista de Estudos Feministas, Florianópolis, v. 1, n. 12, p.47-71, jan./abr. 2004. Disponível em: <http://www.scielo.br/
pdf/ref/v12n1/21692.pdf>. Acesso em: 05 maio 2013.
28
POR QUE CRIAR MECANISMOS DE GÊNERO NOS ÓRGÃOS GOVERNAMENTAIS?
INSTITUCIONALIZAÇÃO
DAS POLÍTICAS PÚBLICAS
PARA MULHERES RURAIS
NO MINISTÉRIO DO
DESENVOLVIMENTO
AGRÁRIO
INSTITUCIONALIZAÇÃO DAS POLÍTICAS PÚBLICAS PARA
MULHERES RURAIS NO MINISTÉRIO DO DESENVOLVIMENTO
AGRÁRIO
Renata Leite1
INTRODUÇÃO
A partir de 2003, verifica-se a construção de uma nova institucionalidade no Estado
com foco na promoção da igualdade de gênero e participação social, representada pela: consolidação da Secretaria de Políticas para Mulheres como órgão vinculado diretamente à Presidência da
República com status de ministério; elaboração e implementação dos I, II e III Planos Nacionais
de Políticas para Mulheres; e a constituição de ambientes de gestão de políticas de gênero nos
diferentes ministérios estimulando promoção de ações que visam a maior igualdade nas relações de
trabalho e nas políticas públicas.
No âmbito do Ministério do Desenvolvimento Agrário (MDA) consolida-se uma agenda
de promoção da igualdade entre mulheres e homens no meio rural com orçamento oriundo do próprio governo federal, cujos aportes de recursos alcançam cerca de 170 milhões para ações previstas
no Plano Plurianual de 2012-2015. Constituiu-se o Programa de Promoção da Igualdade de Gênero,
Raça e Etnia2 que se fortaleceu até se consolidar na Diretoria de Políticas para Mulheres Rurais
(DPMR), vinculada à Secretaria Executiva do MDA.
No período de 2003 a 2013, as políticas para mulheres rurais se efetivaram com base
num diálogo permanente com os movimentos de mulheres rurais do campo, da floresta e das águas
a partir de uma agenda que articulou programas voltados à efetivação da cidadania, participação
1
Especialista em Gestão Pública, pela Universidade Dom Bosco; Diretora Adjunta de Politica para Mulheres Rurais e
Quilombolas do MDA; Coordenadora Geral de Organização Produtiva e Comercialização da Diretoria de Politica para Mulheres Rurais.
[email protected]
2
Antes disso, existia o Programa de Ações Afirmativas no MDA, cuja ação de maior destaque foi a instituição de uma
cota mínima de 30% dos recursos de crédito agrícola para as mulheres. Entretanto, a ausência de uma estratégia clara para efetivação
da proposta resultou na não efetivação da medida. Ademais, o programa estava limitado e dependente de recursos de cooperação
internacional.
30
INSTITUCIONALIZAÇÃO DAS POLÍTICAS PÚBLICAS PARA MULHERES RURAIS NO MINISTERIO DO DESENVOLVIMENTO AGRARIO
social, inclusão produtiva e promoção da autonomia. Tais políticas dialogaram com os princípios
da economia feminista, problematizaram a divisão sexual do trabalho e valorizaram o trabalho
das mulheres rurais, reconhecendo, dentre outros, sua contribuição na produção de alimentos e na
agroecologia.
Considerando essa nova institucionalidade e o papel do Estado na promoção de políticas
de igualdade, este artigo apresenta as estratégias adotadas para a promoção de direitos e garantia
de políticas públicas para mulheres no desenvolvimento rural, bem como, descreve, sumariamente,
as principais políticas voltadas para elas articuladas pelo Ministério do Desenvolvimento Agrário no
período de 2003-2013 e seus resultados.
1. POLÍTICAS PÚBLICAS DE ENFRENTAMENTO DAS DESIGUALDADES DE
GÊNERO NO MEIO RURAL
Visando enfrentar e superar as desigualdades de gênero no meio rural e promover a
autonomia econômica e política das mulheres rurais importantes, mudanças foram promovidas pelo
Estado Brasileiro. Reconhece-se a permanência das relações patriarcais no campo e parte-se do pressuposto da inexistência de políticas neutras adotando-se uma estratégia de superação, por parte do
Estado. A partir disto, constroem-se novos arranjos institucionais e qualificam-se as políticas públicas
objetivando visibilizar e reconhecer as mulheres como sujeitos de direito.
Tais mudanças iniciam-se com o reconhecimento das mulheres como beneficiárias diretas das políticas públicas, independente da sua condição civil. Assim, as mulheres rurais são incluídas
nos diferentes cadastros e ou formulários como titulares da política e não mais como cônjuges a
exemplo de mudanças realizadas nos procedimentos de inscrição e acesso a terra na reforma agrária
e no registro da agricultura familiar - a declaração de aptidão ao Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar – Pronaf (DAP). Além das mudanças normativas, as organizações de
mulheres são incorporadas nos diferentes espaços de gestão da política pública, garantindo maior
participação delas nos espaços de formulação e decisão.
Destaca-se, também, o reconhecimento das atividades produtivas desempenhadas pelas
mulheres no autoconsumo e seu papel na composição da renda familiar, já que a economia neoclásINSTITUCIONALIZAÇÃO DAS POLÍTICAS PÚBLICAS PARA MULHERES RURAIS NO MINISTERIO DO DESENVOLVIMENTO AGRARIO
31
sica atribuiu valor apenas a atividades associadas a circuitos monetários, deixando de lado o bem
estar das pessoas como importante elemento da reprodução social e econômica das sociedades.
Como parte deste reconhecimento, busca-se ressignificar a representação social sobre a presença das
mulheres na economia, tradicionalmente associado a atividades domésticas ou não agrícolas. Busca-se o suporte das políticas públicas geradoras de renda, ampliando-se as oportunidades para o acesso
delas à renda monetária por meio de ações de apoio à produção, beneficiamento e comercialização.
À medida que as políticas públicas avançaram, foi-se evidenciando, cada vez mais, a
necessidade de implantar mecanismos de socialização do trabalho doméstico e dos cuidados, como
essencial para promover a autonomia econômica das mulheres. Exemplifica isto, a adoção de ações
afirmativas, tais como a oferta de atividades de recreação infantil nas ações coletivas da Assistência
Técnica Extensão Rural - ATER ou durante os mutirões do Programa Nacional de Documentação da
Trabalhadora Rural.
Os novos arranjos institucionais e o novo arcabouço normativo acompanham uma prática cotidiana de diálogo e parcerias envolvendo os diferentes órgãos governamentais e entidades
da sociedade civil para garantia e efetivação da política pública. A incorporação de metas específicas
para mulheres rurais em diversos planos nacionais, com destaque para o Plano Brasil Sem Miséria,
Plano de Segurança Alimentar e Nutricional e o Plano de Agroecologia e Produção Orgânica (2013),
além das metas pactuadas no Plano Nacional de Políticas para Mulheres e, mais recentemente, no
Plano Nacional de Desenvolvimento Rural Sustentável3, denotam esse novo desenho de diálogo e
transversalidade das políticas públicas para mulheres rurais.
São essas estratégias que, no marco do Desenvolvimento Rural Sustentável e Solidário,
foram construídas e estão sendo implementadas, garantindo e efetivando políticas para às mulheres
rurais. Estas são representadas pelas principais ações e resultados obtidos no período 2003-2013,
a seguir descritas.
Acesso à Cidadania - Para proporcionar condições efetivas de acesso às políticas
públicas, criou-se o Programa Nacional de Documentação da Trabalhadora Rural - PNDTR, em 2004.
3
Documento do Plano Nacional de Desenvolvimento Rural Sustentável e Solidário foi aprovado na II Conferência de
Desenvolvimento Rural Sustentável e Solidário realizada em Brasília no período de 14 a 18 de outubro de 2013.
32
INSTITUCIONALIZAÇÃO DAS POLÍTICAS PÚBLICAS PARA MULHERES RURAIS NO MINISTERIO DO DESENVOLVIMENTO AGRARIO
O PNDTR visa promover a conscientização sobre a importância e uso dos documentos civis, jurídicos e trabalhistas, além de garantir a obtenção dos mesmos, emitindo-os de forma gratuita. De
2004 a 2013, o PNDTR realizou 5.269 mutirões itinerantes em 4.630 municípios, beneficiando
1.182.435 mulheres rurais, emitindo 2.364.595 documentos4. O PNDTR é a porta de entrada das
mulheres às políticas públicas.
Acesso à Terra - O II Plano Nacional de Reforma Agrária assumiu o desafio de superar a desigualdade entre mulheres e homens nos assentamentos rurais. Para isto, revisou-se o marco
legal do Programa Nacional de Reforma Agrária, garantindo-se a inclusão efetiva das mulheres em
todas as fases dos assentamentos. O direito igualitário à terra para mulheres e homens foi garantido
por meio da titulação conjunta e obrigatória, instituído pela Portaria nº 981, de outubro de 2003.
Além disto, a Instrução Normativa nº 38, de 13 de março de 2007, alterou a sistemática de classificação para as/os candidatos/os à reforma agrária reconhecendo e priorizando mulheres chefes de
família como beneficiárias potenciais ao programa. As mulheres chefes de famílias já são a 22,1%
do público beneficiário em 2013 (em 2003 elas eram 13%). Na reforma agrária elas representam
69% dentre os titulares registrados (em 2003 elas eram 24%)5.
Na política de acesso à terra por meio do crédito fundiário os empreendimentos protagonizados por mulheres recebem valor adicional. A participação das mulheres aumentou de 13,6%
em 2003 para 29% em 20126. Ter direito à terra permite à mulher acessar outras políticas de
desenvolvimento econômico, bem como ter reconhecido o trabalho produtivo que ela realiza.
Acesso às políticas de desenvolvimento na reforma agrária - Em relação
às políticas de desenvolvimento econômico dos assentamentos, o Programa Nacional de Assessoria
Técnica, Social e Ambiental à Reforma Agrária - Ates adotou diretrizes e orientações com enfoque de
gênero para os trabalhos das equipes técnicas. Em 2008, o Incra instituiu o crédito Apoio Mulher,
como uma oferta exclusiva de crédito para as mulheres organizadas em grupos produtivos. Trata-se
4
5
6
Período de Tabulação: 2004 a out/2013. Fonte: MDA/DPMR/PNDTR.
Dados do INCRA/Sipra, atualizados em abril/2013.
Dados da Secretaria de Reordenamento Agrário do Ministério do Desenvolvimento Agrário, 2013.
INSTITUCIONALIZAÇÃO DAS POLÍTICAS PÚBLICAS PARA MULHERES RURAIS NO MINISTERIO DO DESENVOLVIMENTO AGRARIO
33
de uma modalidade do crédito instalação e visa reconhecer e valorizar o trabalho produtivo das
mulheres na reforma agrária. De 2008 a 2013, foram celebrados mais de 18.292 contratos, com
investimento aproximado de 46,6 milhões de reais7. A instituição do Programa de Agroindustrialização na Reforma Agrária – Terra Forte, lançado em 2013, atribuiu maior pontuação aos projetos
com maior participação de mulheres, estimulando o acesso delas às políticas de agregação de valor
e geração de renda.
Acesso à Assistência Técnica e Extensão Rural - Ater - A Política Nacional
de Ater passou a contar com a política setorial de Ater para Mulheres, com objetivos de: fortalecer a organização produtiva das mulheres rurais; promover a agroecologia e a produção de base
ecológica; ampliar o acesso às políticas públicas; apoiar a articulação em rede. A Ater Setorial para
Mulheres beneficiou 56,4 mil mulheres, disponibilizando aproximadamente 33,8 milhões de reais
entre 2005 a 20138. Destaca-se que 65% dos projetos apoiados focaram atividades voltadas para
agroecologia no período 2004-2010. Com a Lei de Ater, a partir de 2010, as chamadas de Ater
Mulheres beneficiaram mais de 6.300 mulheres com foco específico no fortalecimento da produção
agroecológica. Na Ater mista, as mulheres já são 41% do público atendido9.
Apoio à Produção - Diferentes ações foram estimuladas para o fortalecimento das
atividades produtivas das mulheres. Em 2008, criou-se o Programa Interministerial de Organização
Produtiva de Mulheres Rurais tendo como perspectiva a promoção da autonomia econômica, da
soberania alimentar e da agroecologia. No período de 2008 a 201310, o programa beneficiou
mais de 139,2 mil mulheres, investindo mais de 40 milhões de reais em ações de fomento à
produção, agregação de valor, capacitação em política pública, apoio à participação em feiras locais.
Fortalecer e divulgar a produção das mulheres nas feiras nacionais da agricultura familiar, também,
se constituiu numa ação de êxito. Na última Fenafra, realizada em 2012, as mulheres expositoras
representaram 56% dos participantes11.
7
8
9
10
11
34
Dados do INCRA, atualizados outubro/2013.
Dados da Diretoria de Políticas para Mulheres do Ministério do Desenvolvimento Agrário, 2013.
Dados parciais do Sistema de Monitoramento da Ater (MDA/SAF/SIATER, 2013).
Dados da Diretoria de Políticas para Mulheres do Ministério do Desenvolvimento Agrário, 2013.
Dados Diretoria de Agregação de Valor - DEGRAV/SAF/MDA, 2012.
INSTITUCIONALIZAÇÃO DAS POLÍTICAS PÚBLICAS PARA MULHERES RURAIS NO MINISTERIO DO DESENVOLVIMENTO AGRARIO
Acesso ao Crédito Produtivo - A produção das mulheres também conta com
apoio financeiro por meio do crédito Pronaf Mulher. A instituição da dupla titularidade para a Declaração de Aptidão ao Pronaf, permitiu o acesso das mulheres ao crédito. Em 2012, 68,61% das
DAPs tinham dupla titularidade. O crédito específico para as mulheres já contratou mais de 40 mil
operações desde sua criação na Safra 2003/2004. No Plano Safra 2013/2014, o limite do Pronaf
Mulher foi ampliado para até R$ 150 mil por mulher. Uma inovação trazida para este Plano Safra
foi a prioridade de destinação de financiamentos do microcrédito produtivo orientado às mulheres
integrantes das unidades familiares de produção enquadradas em qualquer grupo e que apresentem
propostas de financiamento de até R$30 mil. Embora siga sendo um desafio melhorar a participação
delas no Pronaf Mulher; no microcrédito produtivo elas representavam 48% das operações no nordeste (BNB, 2013)12. Outros esforços foram empreendidos na política pública visando empoderar as
mulheres rurais no acesso ao crédito. No Programa Garantia Safra, por exemplo, a Resolução Nº 1
de 2 de janeiro de 2013 institui a titularidade do benefício em nome da mulher assegurando, cada
vez mais, o protagonismo delas nas políticas públicas.
Ações de apoio a Comercialização - As mulheres participam ativamente do
Programa de Aquisição de Alimentos - PAA. Em 2012 elas representaram 29% do total de contratos
efetivados13. A Resolução Nº 44 de 2011 do Comitê Gestor do PAA estipulou que 5% da dotação
orçamentária anual do PAA deve ser destinado a grupos de mulheres (ou grupos mistos com pelo menos 70% de mulheres). Além disto, a participação das mulheres deve ser de pelo menos 40% para
as modalidades de Compra da Agricultura Familiar com Doação Simultânea e Compra Direta Local
com Doação Simultânea; e de 30% para as modalidades: Formação de Estoques para a Agricultura
Familiar e Incentivo à Produção e ao Consumo de Leite. O PAA, também, oferece vantagens aos produtos orgânicos e agroecológicos, pagando 30% a mais no valor pago aos produtos convencionais.
Fortalecimento da participação social no desenvolvimento territorial
Cada vez mais as organizações de mulheres participam da gestão da política pública. Elas estão
presentes nos Conselho Nacional de Desenvolvimento Rural; nos Comitês Gestores do Programa de
12
13
Dados do Banco do Nordeste do Brasil, 2013
Dados SIOP, abril/2013.
INSTITUCIONALIZAÇÃO DAS POLÍTICAS PÚBLICAS PARA MULHERES RURAIS NO MINISTERIO DO DESENVOLVIMENTO AGRARIO
35
Organização Produtiva e do Programa de Documentação da Trabalhadora Rural; participam ativamente do Grupo de Trabalho de Gênero da Reunião Especializada da Agricultura Familiar e, são parte
dos diferentes Grupos de Trabalhos e/ou Comitês e Câmaras de Trabalho temporárias. Ademais na
política de desenvolvimento territorial, criou-se 77 comitês de mulheres garantindo a participação
ativa delas. Em 2013, o Programa de Apoio a Infraestrutura - Proinf nos territórios, destinou 40%
dos recursos para atendimento de metas específicas de mulheres nos territórios.
Produção de estudos e pesquisas - Repensar as políticas públicas com ações
para mulheres demandou estudos e pesquisas sobre a realidade das mulheres rurais. Diferentes
estudos foram apoiados no âmbito do Programa de Organização Produtiva, tais como: Ater para
Mulheres; Cirandas do Pronaf; Participação das Mulheres no PAA; Perfil dos Grupos Produtivos de
Mulheres Rurais; Mulheres Rurais no Mercosul; Estatísticas Rurais sob a perspectiva de gênero; além
disso, premiou-se e estimulou-se a produção de pesquisas no âmbito do Prêmio Margarida Alves de
Estudos Rurais e Gênero14.
Ressalta-se que tais ações têm contribuído para impactar favoravelmente as condições
de vida das mulheres rurais. Elas baseiam-se no diálogo mútuo entre governo e sociedade, com ampla participação dos movimentos de mulheres, no fortalecimento a auto-organização e no reconhecimento das lutas das mulheres rurais no campo. Importantes vitórias foram conquistadas em 2013,
tal como, a realização da primeira conferência nacional com paridade de gênero e a instituição de
paridade na eleição futura de órgãos colegiados de gestão social de política públicas.
Mas os desafios ainda são muitos e persistentes. Incidir sobre os processos que perpetuam a divisão sexual do trabalho no meio rural requerem uma ação de Estado cada vez mais
articulada e integrada. Para além disto, dentro das próprias organizações da sociedade civil, as
mulheres buscam consolidar seus espaços.
Potencializar os instrumentos vigentes, incorporar novas ferramentas e efetivar procedimentos de monitoramento para inclusão, valorização, reconhecimento e promoção da autonomia
das mulheres rurais são os aspectos determinantes na superação das desigualdades de gênero.
14
36
Disponíveis em: http://portal.mda.gov.br/portal/dpmr/institucional/Publicações
INSTITUCIONALIZAÇÃO DAS POLÍTICAS PÚBLICAS PARA MULHERES RURAIS NO MINISTERIO DO DESENVOLVIMENTO AGRARIO
Por fim, gostaria de dizer que ainda temos muitos desafios, mas também, há que se
registrar as mudanças em curso e a necessidade de firmar uma agenda e um pacto social comum
envolvendo Estado e Sociedade Civil na superação das desigualdades entre homens e mulheres,
historicamente, construídas no meio rural e na reforma agrária.
REFERÊNCIAS
BRASIL. Ministério do Desenvolvimento Agrário. Políticas para as trabalhadoras rurais:
relatório de gestão do Programa de Promoção da Igualdade de Gênero, Raça e
Etnia do MDA/Incra. – Brasília: MDA, 2007.
BRASIL. Ministério do Desenvolvimento Agrário/Diretoria de Políticas para Mulheres. Políticas
Públicas para Mulheres: Balanço Governo, 2013. Mimeo.
BUTTO, Andrea; HORA, Karla. Mulheres e Reforma Agrária no Brasil. In: MDA/NEAD. Mulheres na
Reforma Agrária. Brasília: MDA, 2008.
BUTTO, Andrea; DANTAS, Isolda; HORA, Karla (orgs). As mulheres nas estatísticas agropecuárias: experiências em países do Sul. Brasília: Ministério do Desenvolvimento Agrário,
220p. 2012.
INSTITUCIONALIZAÇÃO DAS POLÍTICAS PÚBLICAS PARA MULHERES RURAIS NO MINISTERIO DO DESENVOLVIMENTO AGRARIO
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POLÍTICAS SOCIAIS E
IGUALDADE DE GÊNERO:
CONQUISTAS E DESAFIOS
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POLÍTICAS SOCIAIS E IGUALDADE DE GÊNERO: CONQUISTAS E DESAFIOS
POLÍTICAS SOCIAIS E IGUALDADE DE GÊNERO: CONQUISTAS
E DESAFIOS
Teresa Sacchet1
INTRODUÇÃO
Este artigo discorre sobre impactos de políticas sociais no Brasil, mais especificamente
aquelas relacionadas ao Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome (MDS), em particular do Programa Bolsa Família – PBF, nas relações de gênero e experiência de vida das mulheres.
O artigo discute a contribuição destas políticas para o combate a pobreza e a ampliação da cidadania
de seus beneficiários, as principais questões que são apresentadas a partir de uma perspectiva de
expandir da autonomia das mulheres, e os desafios para aumentar os impactos positivos destas
políticas nas relações de gênero.
As ações do MDS são voltadas para os grupos socialmente mais vulneráveis da população. Políticas de assistência social, de transferência de renda, segurança alimentar e nutricional
e de inclusão produtiva urbana e rural têm como desafio criar e ampliar equipamentos e serviços
que atendam às necessidades destes segmentos, contribuindo para um maior acesso aos direitos
e expansão de sua cidadania. Esta tarefa requer compreender as desigualdades em suas especificidades e desenvolver mecanismos capazes de lidar adequadamente com as persistentes diferenças
regionais, com as desigualdades de gênero, raça, etnia, dentre outras.
A vulnerabilidade é mais pervasiva entre membros de certos grupos sociais, e pode resultar tanto de injustiças materiais, como culturais e de poder. O gênero, a raça/cor, e a sexualidade
da pessoa, por exemplo, impactam a sua experiência de vida e as suas oportunidades. O desafio
para governos é articular ações que assegurem direitos universais e que ao mesmo tempo sejam
capazes de levar em conta as injustiças específicas a cada grupo.
1
Pós-doutorada pela Universidade de São Paulo (USP) e Doutorada pela Universidade de Essex (Reino Unido), ambos
em Ciência Política. Pesquisadora senior do Núcleo de Pesquisa em Políticas Públicas da USP (licenciada), especialistas na temática
de mulheres, gênero e política, sendo autora de diversas publicações no tema. Coordena o Comitê de Políticas para as Mulheres e
Gênero do MDS e é Assessora da Secretaria Executiva deste Ministério.
POLÍTICAS SOCIAIS E IGUALDADE DE GÊNERO: CONQUISTAS E DESAFIOS
39
As diferentes formas de injustiças tendem a estar mutuamente imbricadas. Membros
de grupos discriminados são também mais propensos a sofrer limitações de ordem material e de
acesso a processos decisórios. Porém, as soluções para estas diferentes formas de injustiças não
são as mesmas, e atuar sobre uma delas não necessariamente contribui para diminuir as demais.
Atuar sobre questões redistributivas, por exemplo, não resolve automaticamente o problema da falta
de reconhecimento e de representação de membros de grupos sociais oprimidos/discriminados/
excluídos.2
Membros de alguns grupos encontram-se em situação de tamanha vulnerabilidade social que torna-se mais difícil para eles terem acesso a serviços públicos essenciais e usufruírem de
direitos básicos de cidadania. Um dos grandes desafios do governo é identificá-los, reconhecendo
suas experiências e vulnerabilidades específicas e incluí-los como cidadãos no exercício de seus
direitos. Uma estratégia criada pelo programa Brasil sem Miséria - BSM para atingir este objetivo é
a Busca Ativa. Esta ação permite que pessoas que sofrem privações sejam identificadas pelo Estado, inclusas no Cadastro Único de Programas Sociais do Governo Federal (Cadastro Único), e que
passem a acessar uma rede de proteção social e de serviços públicos que os auxilie na superação
de suas vulnerabilidades.
O Cadastro Único é um cadastro público que permite mapear os diferentes problemas
sociais, favorecendo, além de uma gestão mais eficiente de recursos, o desenho de políticas mais
efetivas para atender as necessidades da população. A partir da identificação deste público e da
sua inserção no Cadastro são planejadas ações que visam considerar as diferenças e diminuir as
desigualdades sociais. Os dados coletados no Cadastro possibilitam a construção de um diagnóstico
socioeconômico que permite desenvolver iniciativas específicas que são postas em prática por meio
da articulação de ministérios e secretarias de estado, bem como da parceria entre União, estados e
2
O debate sobre a justiça tem incorporado de forma crescente a noção de que este conceito não se limita a questões
de ordem material (redistribuição). Dimensões relacionadas ao status (reconhecimento) e a habilidade de manifestação de opinião e
participação em processos decisórios (representação) dos membros de uma sociedade seriam questões igualmente importante. Uma
das principais referências neste debate é a filósofa americana Nancy Fraser. Fraser, porém, particularmente em seus artigos menos
recentes, defende a preponderância de questões redistributivas sobre as de reconhecimento e, de certa, forma dicotomiza o debate
entre injustiças materiais e culturais. Alguns artigos dela sobre este tema foram traduzidos para o português. Ver, por exemplo, Fraser
(2002, 2007). Para uma crítica a esta visão dicotômica de justiça ver Iris Marion Young (2007).
40
POLÍTICAS SOCIAIS E IGUALDADE DE GÊNERO: CONQUISTAS E DESAFIOS
municípios. Assim, o Cadastro Único é um instrumento central para que problemas inerentes a cada
localidade ou grupo social sejam mapeados e as pessoas possam ser atendidas por políticas públicas
mais adequadas.
1. TRANSFERÊNCIA DE RENDA E AUTONOMIA DAS MULHERES
O Programa Bolsa Família, criado em 2003, é uma das principais políticas públicas
para o enfrentamento da pobreza no Brasil. A partir do lançamento do Plano Brasil Sem Miséria em
2011 houve um aumento substancial no número de pessoas atendidas por este programa e no valor
repassado às famílias. Até o final de 2013 o programa atendeu 14.1 milhões de famílias pobres
e extremamente pobres, com um orçamento de R$ 24,6 bilhões. Houve também, particularmente
com a criação do Brasil Carinhoso (descrito abaixo), um avanço no sentido de erradicar a extrema
pobreza no Brasil.
Além de impactar a pobreza o Bolsa Família tem impulsionado o desenvolvimento
humano das gerações futuras. Os dados permitem verificar que houve melhora significante na frequência e no desempenho escolar de filhos dos beneficiários do PBF, e no seu acompanhamento
médico, e estes se constituem em indicadores centrais do desenvolvimento social.
Há uma tendência mundial crescente para que Políticas de Transferência de Renda Condicionada, como o Bolsa Família, sejam acessadas predominantemente por mulheres. O PBF transfere mensalmente o benefício para 13,8 milhões de famílias, por meio da Caixa Econômica Federal,
e o recurso é acessado via cartão magnético cuja titularidade em 93% dos casos é das mulheres.
Pesquisas revelam que as mulheres gastam mais eficazmente os recursos de benefícios repassados pelo Estado. No caso do Bolsa Família, elas utilizam o recurso para pagar por suprimentos e
serviços que beneficiam todos os membros da família, como na compra de alimentos, de material escolar,
no pagamento de contas de serviços de água, luz e gás, em transporte, em remédios etc.(FIALHO, 2007;
MARIANO e CARLOTO, 2009). São as mulheres, também, que assumem a maior parte das tarefas relacionadas às responsabilidades domésticas e de cuidado dos membros da família. É, assim, compreensível a
decisão do Estado de repassar o recurso para quem mais necessita e melhor faz uso dele.
POLÍTICAS SOCIAIS E IGUALDADE DE GÊNERO: CONQUISTAS E DESAFIOS
41
Autoras feministas, porém, têm apresentado críticas à preferência que é dada as mulheres no repasse do benefício. O argumento é que esta orientação, que tem no cumprimento das
condicionalidades sua contrapartida, reforça uma identidade tradicional feminina ligada ao cuidado e
a maternidade e reproduz um modelo de relação de gênero fundado na desigualdade. As mulheres
seriam inclusas nestes programas a partir de uma perspectiva instrumental, tornando-se parceiras
na implementação de políticas sociais que tem como foco o desenvolvimento de gerações futuras;
porém as condições necessárias para o desenvolvimento das mulheres em si seria uma questão
secundarizada (MOLYNEUX, 2009; JENSON, 2009). Este debate é central em estudos sobre estes
programas a partir de uma perspectiva de gênero.
Mais recentemente, um número crescente de autoras/es feministas tem apresentado
interpretações mais positivas destes programas. Embora a preocupação com a essencialização dos
papeis de gênero permaneça, o pagamento do benefício às mulheres em situação de pobreza é
visto como um meio efetivo para aumentar a autonomia econômica delas, fortalecer seu poder de
influência e barganha sobre as decisões familiares, e de aumentar seu status comunitário. Estas/es
autoras/es propõem, porém, ações complementares para desenvolver as capacidades e a autonomia das mulheres que recebem o benefício.
As propostas não se limitam ao plano material, mas contemplam iniciativas de dimensões pessoais, econômica/social e política do empoderamento das mulheres. Dentre elas são destacadas ações que: a) favorecem a habilidade reflexiva das mulheres sobre seus direitos, por meio da
participação em grupos e em atividades públicas como palestras, debates, eventos, dentre outras;
b) capacite-as profissionalmente através de processos educativos que permitam sua entrada no
mercado de trabalho e o exercício de profissões mais rentáveis, bem como ofereçam orientação,
intermediação e incentivos para a entrada delas no mercado de trabalho formal; c) possibilite ou
incentive a participação e o controle social dos beneficiários do PBF, para que estes possam conhecer
mais a fundo o próprio Programa, reconhecendo-o como um direito de cidadania, podendo em contrapartida contribuir com seu aporte para o planejamento de ações do Programa. Uma iniciativa que
perpassa todos estes objetivos, relacionada a uma demanda histórica no movimento de mulheres,
42
POLÍTICAS SOCIAIS E IGUALDADE DE GÊNERO: CONQUISTAS E DESAFIOS
é por provimento público de serviços capazes de aliviar as mulheres do encargo com as tarefas
domésticas e de cuidado.
Como visto, as perspectivas apresentadas vão além de propostas por ampliação de
políticas distributivas. Elas incorporam a visão de que iniciativas pelo aumento do reconhecimento e
do poder decisório das mulheres são igualmente importantes para incentivar mudanças nas relações
de gênero, promover autonomia e maior autoestima entre as mulheres e dar incentivo para que
elas possam se manifestar diante de situações de violação de seus direitos e de desrespeito as suas
identidades. Estas iniciativas podem ser postas em curso tanto por agentes do estado, como da
sociedade civil. O Estado, porém, pode facilitar estes processos por meio de incentivos.3
2. BOLSA FAMÍLIA E EMPODERAMENTO DAS MULHERES
As mulheres têm de fato contribuído para o sucesso do PBF pelo apoio que trazem a
este programa, por intermédio do bom uso que fazem dos recursos que são repassados a elas, bem
como pelo cumprimento das condicionalidades. Porém, um número de iniciativas do governo federal
tem, em contrapartida, contribuído para aumentar a autonomia das mulheres.
Os programas de inclusão produtiva urbana e rural são destaques neste sentido, na
medida em que auxiliam no processo de capacitação técnica e profissional do público do Cadastro
Único. O Programa Nacional de Acesso ao Ensino Técnico e Emprego –- Pronatec - Brasil Sem Miséria
e o Programa Mulheres Mil são exemplos de iniciativas desta natureza. O Pronatec – Brasil Sem
Miséria já atingiu 900,8 mil matrículas, e a meta é ampliá-las para um milhão até o final de 2014.
Embora os cursos sejam ofertados para um público mais amplo do que aquele do Bolsa Família, 67%
dos matriculados nestes cursos são mulheres. Com o Pronatec, as mulheres passaram a se capacitar
para desempenhar funções mais rentáveis antes predominantemente ocupadas por homens.
O Mulheres Mil é um programa de capacitação exclusivo para as mulheres que objetiva
a formação profissional e tecnológica, ao mesmo tempo em que eleva o nível de escolaridade delas.
O projeto utiliza uma metodologia específica de ensino baseada no reconhecimento dos saberes
3
Por exemplo, oferecer bônus as mulheres beneficiárias de programas de transferência de renda que entrassem no
mercado formal e incentivos fiscais para as empresas que contratassem essas mulheres.
POLÍTICAS SOCIAIS E IGUALDADE DE GÊNERO: CONQUISTAS E DESAFIOS
43
das mulheres. De acordo com os dados da Secretaria Extraordinária para a Superação da Extrema
Pobreza, 11 mil mulheres se matricularam neste programa em 2011; 12 mil em 2012; e em 2013
foram 20 mil matrículas.
Para as mulheres, particularmente aquelas que vivenciam privações de cunho material,
um grande desafio é conciliar trabalho remunerado e outras atividades da esfera pública, com responsabilidades familiares. As famílias de baixa renda com crianças de 0 a 5 anos mais dificilmente
tem acesso a serviços públicos de cuidado e educação em tempo integral. Assim, há um desincentivo
para a participação destas mulheres em atividades do espaço público como trabalho formal, educação e política.
Nos últimos anos houveram mudanças importantes relacionadas a estas políticas. No
que diz respeito a creches foi recentemente criada pelo governo federal a Ação Brasil Carinhoso,
que além de aumentar os benefícios das famílias que recebem o PBF, promove incentivo para a
ampliação do número de vagas em creches, por intermédio de um aumento no repasse de recursos
do governo federal. O programa aumenta em 50% o valor do repasse do FUNDEB para creches
públicas e conveniadas com as secretarias municipais de Educação, por vaga ampliada para filhos de
beneficiários do PBF em idade até 48 meses. Em 2013, mais de 453.465 mil crianças com este
perfil foram atendidas em 3.451 municípios.
Sobre as escolas em tempo integral, desde 2008 o Programa Mais Educação tem
impulsionado um aumento expressivo nesta modalidade de educação. Segundo os dados do MEC enquanto em 2008 havia apenas 1.374 escolas em tempo integral, em 2013 elas somaram 47.000
unidades. Além do aumento no número de escolas, o cruzamento dos dados do Cadastro Único e do
MEC a partir de 2011 permitiu uma focalização desta política que conduziu à expansão de escolas
em tempo integral em áreas com maior incidência de beneficiários do PBF. Em 2008 o número de
escolas em áreas onde a maioria dos moradores eram beneficiários do Bolsa Família representava
28% do número total, em 2013, porém, este percentual passou para 65%. A expansão no número
de creches e escolas em tempo integral além de contribuir para a educação das crianças é também
uma política que impacta as mulheres, pois aumenta o tempo disponível delas para o exercício de
outras atividades na esfera pública.
44
POLÍTICAS SOCIAIS E IGUALDADE DE GÊNERO: CONQUISTAS E DESAFIOS
No que diz respeito às políticas de inclusão produtiva rural, existem iniciativas específicas voltadas para o fortalecimento das mulheres e suas organizações. Alguns exemplos são:
a) no Programa de Aquisição de Alimentos - PAA está previsto reserva de recursos para organizações
constituídas por mulheres e percentuais mínimos de participação de mulheres nas suas diferentes
modalidades (40% na modalidade compra e doação simultânea e 30% na modalidade formação
de estoques e incentivo a produção e ao consumo de leite); b) as políticas de Assistência Técnica
Extensão Rural - ATER têm focado nas necessidades específicas das mulheres, bem como aumentado
o número de extensionistas do sexo feminino. Estas iniciativas visam a construção da autonomia das
mulheres no campo as quais, embora contribuam de forma significativa para a produção familiar,
têm acesso limitado ao recursos provenientes da mesma.
Crédito é um insumo importante para as pessoas criarem alternativas de investimento
e superarem sua situação de pobreza. As operações de microcrédito do Programa Crescer oferecem
crédito produtivo orientado a taxas reduzidas, constituindo-se em uma opção para pessoas que querem iniciar um micro negócio. Das pessoas inscritas no Cadastro Único que acessam o microcrédito
do Programa Crescer, 72% são mulheres.
Na área de Assistência Social houve uma expansão significante no número de equipamentos e serviços nos últimos anos. No final de 2013, havia no país 7.446 Centros de Referência
em Assistência Social (Cras) e 2.216 Centros de Referência Especializado em Assistência Social
(Creas). Estes equipamentos oferecem serviços para prevenir o rompimento de vínculos familiares
ou para assistir aquelas pessoas que sofreram violação de direitos, que impactam de forma direta as
mulheres, já que são elas que mais tendem a utilizar serviços de socioassistenciais.
O planejamento de políticas para as mulheres e de gênero requer conhecimento,
reflexão e avaliação constantes sobre processos que potencializam as igualdades de gênero e o
empoderamento das mulheres. Por isso é fundamental a criação de espaços dentro das estruturas
ministeriais que, além de propor ações, sejam capazes de monitorar políticas com o intuído de construir a igualdade de gênero. Desde março de 2012, o Comitê MDS de Políticas para as Mulheres e
de Gênero cumpre este papel. Este Comitê, que é coordenado pela Secretaria Executiva do MDS,
reúne-se regularmente e tem planejado ações junto às diferentes áreas deste ministério.
POLÍTICAS SOCIAIS E IGUALDADE DE GÊNERO: CONQUISTAS E DESAFIOS
45
As ações citadas acima são destaques de um número de iniciativas no âmbito do Plano
Brasil Sem Miséria que têm contribuído de forma crescente para aprofundar direitos das mulheres.
3. CONCLUSÕES
Fazendo uma análise das políticas do MDS com um enfoque na questão da ampliação
da autonomia da mulheres e da igualdade de gênero observamos que, embora existam ainda desafios, houve avanços significativos. Além da transferência de renda outras políticas têm contribuído
também para ampliar a cidadania das mulheres.
Um dos mais significativos impactos do PBF foi a retirada de 22 milhões de pessoas
da extrema pobreza, representando uma conquista sem precedentes em um país historicamente
marcado por uma grande desigualdade de renda e exclusão social. A diminuição da pobreza impacta
de forma particular as mulheres, que tendem a ser as que se encarregam do desenvolvimento das
tarefas e responsabilidades da esfera doméstica.
No que concerne às relações de poder entre homens e mulheres, persistem importantes
desafios para que ocorra um salto qualitativo. Isso não surpreende dado que as relações desiguais
de gênero se solidificaram através de processos materiais, culturais e legais históricos que estabeleceram a preponderância masculina tanto na esfera pública quanto na familiar. Houve, porém, nos
últimos anos avanços em diferentes áreas. Um dos mais importantes é a transferência de renda para
as mulheres. Por intermédio dela foram criados incentivos para que as mulheres se tornassem menos
dependentes de seus maridos/companheiros e melhorassem sua autoestima e poder de ingerência
sobre as decisões familiares. A expectativa é que estes resultados somados a outros derivados de
políticas de inclusão produtiva urbana e rural, da iniciativa recente de ampliação da rede de serviços
públicos para a área de cuidado e educação, bem como da implementação de projetos que possam
favorecer a participação social e política das mulheres irão contribuir ao longo prazo para que ocorram mudanças substantivas na autonomia das mulheres.
Por fim, em termos de desafios um dos principais é tornar o tópico dos direitos das mulheres e da igualdade de gênero, questões centrais do desenho, gestão, monitoramento e avaliação
46
POLÍTICAS SOCIAIS E IGUALDADE DE GÊNERO: CONQUISTAS E DESAFIOS
das políticas públicas. Isso implica em tomar indicadores relacionados a estas agendas como parte
integral do processo de planejamento das políticas de governo. As ações governamentais seriam
planejadas e os seus impactos medidos levando em conta a igualdade de gênero e a diminuição das
assimetrias entre homens e mulheres tanto na esfera pública como na privada.
A eficácia das políticas públicas está relacionada à sua habilidade de ir ao encontro das
necessidades e questões centrais população, de dialogar com as diversidades dos segmentos sociais,
com as particularidades regionais, e de criar respostas adequadas que reflitam estas diferenças.
REFERÊNCIAS
BRASIL. Ministério do Desenvolvimento Social. Secretaria de Avaliação e Gestão da Informação.
Síntese do 1º. Relatório contendo os Principais Resultados da Pesquisa de Avaliação de Impacto do Bolsa Família – 2ª Rodada – AIBF II, Nota Técnica nº
110/2010. Disponível em: http://www.mds.gov.br/saladeimprensa/noticias/2010/agosto/
arquivos/nt-110-2010-sintese-aibf-2a-rodada-educacao-e-saude-2.pdf.
FIALHO, Paula Juliana. O programa Bolsa Família em São Luís (MA) e Belém (PA): um
estudosobre a relação entre a gestão local e os efeitos do programa na condição
de vida das mulheres. Dissertação de mestrado: Departamento de Serviço Social da Universidade de Brasília, 2007. disponível em: http://bdtd.ibict.br/.
FRASER, Nancy. A justiça social na globalização: redistribuição, reconhecimento e participação. Revista Crítica das Ciências Sociais, 63, 2002. p. 7-20.
FRASER, Nancy. Mapping the feminist imagination: from redistribution to recognition to representation.
Revista Estudos Feministas, vol.15, no.2, Florianópolis, 2007.
JENSON, Jane. Lost in Translation: The Social Investment Perspective and Gender Equality. Social
Politics: International Studies in Gender, State & Society 16(4), 2009. p. 446-483.
MARIANO, Silvana Aparecida e CARLOTO, Cássia Maria. Gênero e combate à pobreza: programa bolsa família. Revista Estudos Feministas, Dez, vol.17, no.3. Florianópolis, 2009. p.901-908.
POLÍTICAS SOCIAIS E IGUALDADE DE GÊNERO: CONQUISTAS E DESAFIOS
47
MOLYNEUX, Maxine. Conditional Cash Transfers: A Pathway to Women’s
Empowerment? Pathways Brief5. London: DFID, 2009.
SUÁREZ, Mireya and LIBARDONI, Marlene. The Impact of the Bolsa Família Program: Changes and
Continuities in the Social Status of Women, in Vaitsman, J. and Paes-Sousa, R. Evaluation of
MDS Policies and Programs – Results, Volume 2. Brasília: MDS, 2007.
YOUNG, Iris Marion. Categorias desajustadas: uma crítica à teoria dual de sistemas de Nancy Fraser.
Revista Brasileira de Ciência Política, Nº 2, julho-dezembro, Brasília, 2009. p. 193-214
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POLÍTICAS SOCIAIS E IGUALDADE DE GÊNERO: CONQUISTAS E DESAFIOS
DESAFIOS E
OPORTUNIDADES DE
GÊNEROS NO MUNDO
DO TRABALHO
DESAFIOS E OPORTUNIDADES DE GÊNEROS NO MUNDO
DO TRABALHO
Adriana Rosa dos Santos1
Esther Baltazar Alvim2
Na data de 07 de maio de 2008, o Ministro de Estado do Trabalho e Emprego, Carlos
Lupi, através da Portaria nº219/2008, instituiu a Comissão de Igualdade de Oportunidades de
Gênero, de Raça e Etnia, de Pessoas com Deficiência e de Combate à Discriminação, tendo em vista
o compromisso do governo brasileiro de promover políticas públicas de igualdade, de oportunidades
e de combate à discriminação no mundo do trabalho. A referida Comissão é composta por uma
instância Central e instâncias Regionais.
A Comissão Central é composta por quatro sub-comissões, responsáveis pelas ações
afirmativas de Igualdade de Oportunidades de Gênero, de Raça e Etnia, de Pessoas com Deficiências
e de Combate a Discriminação.
Ela é constituída por representantes:
• Do Gabinete do Ministro.
• Da Secretaria Executiva.
• Da Secretaria de Políticas Públicas e Emprego.
• Da Secretaria de Relações do Trabalho.
• Da Secretaria Nacional de Economia Solidária.
• Da Secretaria de Inspeção do Trabalho.
As competências da Comissão Central são:
• Orientar a execução das ações de promoção de igualdade de oportunidade e de
combate à discriminação no mundo do trabalho.
1
Adriana Rosa dos Santos é Assessora em Gênero do Gabinete do Ministro do Trabalho e Emprego. Socióloga e Especialista em Saúde e Trabalho.
2
Esther Baltazar Alvim é Agente Administrativa, atua na Assessoria em Gênero do Gabinete do Ministro do Trabalho e
Emprego. Formada em Arquivologia pela Universidade de Brasília.
50
DESAFIOS E OPORTUNIDADES DE GÊNEROS NO MUNDO DO TRABALHO
• Monitorar e avaliar a implementação de ações sob responsabilidade do MTE.
• Promover a articulação interna e parcerias com os diversos órgãos governamentais
e com a sociedade civil, com a finalidade de combater todas as formas de discriminação e de promover a igualdade de oportunidades de tratamento no mundo
do trabalho.
• Orientar na efetivação das ações afirmativas enquanto políticas de Estado.
• Acompanhar as atividades das Comissões Regionais.
As competências das Comissões Regionais são:
• Elaborar plano de ação, a ser referendado pela Comissão Central, em parceria com
os representantes das/os trabalhadoras/es e empregadoras/es e as instituições
envolvidas com o tema.
• Implementar ações educativas e preventivas voltadas para a promoção da igualdade de oportunidades e de combate à discriminação no mundo do trabalho.
• Propor estratégias e ações que visem eliminar a discriminação e o tratamento degradante e que protejam a dignidade da pessoa humana, em matéria de trabalho
e emprego.
• Articular-se com organizações públicas e privadas que tenham como objetivo o
combate à discriminação, na busca da convergência de esforços para a eficácia e
efetividade social de suas ações.
• Acolher denúncias de práticas discriminatórias no trabalho, buscando solucioná-las
de acordo com os dispositivos legais e por meio de negociações e, quando for o
caso, encaminhá-las ao Ministério Público do Trabalho.
• Produzir relatório mensal sobre as atividades exercidas e resultados alcançados,
encaminhando-o à Comissão Central.
Cumpre informar que, tendo em vista a transversalização da temática de Gênero
e, devido à mesma não se constituir em uma ação finalística do MTE, esta Assessoria em Gênero
contribui para efetivação com as agendas de políticas públicas para as mulheres do governo federal.
DESAFIOS E OPORTUNIDADES DE GÊNEROS NO MUNDO DO TRABALHO
51
Acreditamos que através da perspectiva transversal, com aplicação de medidas específicas de políticas públicas de emprego, nas ações de geração de emprego e renda e qualificação social e profissional , poderemos melhorar, promover e ampliar o acesso das mulheres
ao mundo laboral, rompendo definitivamente o vínculo que se estabelece entre o aumento da
população, os níveis de pobreza e a desigualdade de gênero.
A título de exemplo, podemos citar a importância dos dados de 2011 do Programa
Nacional de Microcrédito Produtivo e Orientado - PNMPO, que girou em torno de 62% o número de
mulheres que acessaram o programa de micro crédito.
Temos também as atividades do Subcomitê de Igualdade de Gênero no âmbito
da Agenda Nacional do Trabalho Decente - ANTD, coordenação conjunta com a SPM , o qual objetiva a construção e a implementação da Agenda de Promoção do Trabalho Decente voltada para
a Igualdade de Gênero, tendo como referência a ANTD e o Plano Nacional de Emprego e Trabalho
Decente - PNETD.
E no que se refere aos desafios e oportunidades, temos:
1. Revitalização da Comissão de Igualdade de Oportunidades.
2. Definição de Indicadores: para assinalar em que medida os programas,projetos
e políticas tem atingido seus objetivos e resultados previstos em matéria de igualdade de oportunidades.
3. Acompanhamento, monitoramento e atualização das ações do
MTE que constam do Plano Nacional de Políticas para as Mulheres,
e no Sistema Integrado de Planejamento e Orçamento - SIOP, junto
às diversas instâncias do Ministério sobre a discussão/inclusão de Gênero em suas
políticas.
4. Implementação do Sistema de Cadastro de Discriminação do Trabalho - SCDT de
acolhimento e denúncias nas Superintendências Regionais do Trabalho e Emprego
-SRTEs.
52
DESAFIOS E OPORTUNIDADES DE GÊNEROS NO MUNDO DO TRABALHO
5. Ampliação, diversificação e melhoraria da participação das mulheres na
formação e qualificação profissional e técnica.
6. Interface com as SRTE por meio da Comissão Regional de Igualdade de Oportunidade de Gênero, de Raça e Etnia, de Pessoas com Deficiência e de Combate
à Discriminação.
7. Coordenação conjunta com a SPM, do Subcomitê de Igualdade de
Gênero no âmbito da Agenda Nacional do Trabalho Decente.
8. Campanhas de divulgação da Comissão de Gênero.
9. Curso de Capacitação em Gênero.
Contamos assim, com as parcerias abaixo :
• Universidades, Secretarias do Trabalho Estaduais e Municipais.
• Ministério Público do Trabalho.
• Sistemas.
•
FUNDACENTRO.
• Conselhos Municipais e Estaduais dos Direitos das Mulheres.
• Coordenadorias/Secretarias dos estados e municípios de Organismos para as Mulheres.
• Delegacias Especializadas no Atendimento à Mulher.
Para encerrar, acreditamos que promover a igualdade de gênero e a autonomia das
mulheres por meio das políticas públicas, é um passo necessário na direção de um Brasil mais
equânime.
DESAFIOS E OPORTUNIDADES DE GÊNEROS NO MUNDO DO TRABALHO
53
A SITUAÇÃO DAS
MULHERES NO BRASIL:
ESTATÍSTICAS E
DESAFIOS
54
A SITUAÇÃO DAS MULHERES NO BRASIL: ESTATÍSTICAS E DESAFIOS
A SITUAÇÃO DAS MULHERES NO BRASIL: ESTATÍSTICAS E
DESAFIOS
Ana Lucia Saboia1
A construção da igualdade de gênero e a perspectiva inclusiva de gênero pressupõe a
existência de estatísticas que sejam capazes de mensurar a situação das mulheres e homens na sociedade brasileira. Os desafios são enormes dado que a produção de estatísticas de gênero ainda se
concentra predominantemente nas áreas tradicionais como trabalho, saúde e educação e a maioria
dos países produz regularmente informações por sexo. Entretanto, são poucos aqueles países que
produzem estatísticas sobre temas emergentes como violência contra as mulheres.
Segundo a Divisão de Estatísticas das Nações Unidas (2012), o foco na integração de
uma perspectiva de gênero nas estatísticas consiste em quatro vertentes: (a) melhor compreensão
do processo de integração do gênero nas estatísticas nacionais; (b) identificar lacunas nas estatísticas de gênero e desenvolver um plano coerente e abrangente para a produção de estatísticas de
gênero; (c) assegurar que a concepção de pesquisas e censos leve em conta as questões de gênero
e evite preconceitos de gênero na mensuração; e (d) melhorar a análise e apresentação de dados
para fornecer estatísticas de gênero em um formato que seja de fácil de uso por formuladores de
políticas públicas.
A apresentação que segue está pautada nos quatro eixos da 3ª Conferência Nacional
de Políticas para as Mulheres:
I. Autonomia econômica e social - indicadores sobre mercado de trabalho e uso do
tempo.
II. Autonomia cultural: indicadores sobre educação.
III. Autonomia pessoal: saúde e enfrentamento à violência.
IV. Autonomia política: informações sobre liderança.
1
Coordenadora de Indicadores Sociais do IBGE. Colaboraram Cintia Agostinho e Betina Fresneda
A SITUAÇÃO DAS MULHERES NO BRASIL: ESTATÍSTICAS E DESAFIOS
55
1. INDICADORES DE AUTONOMIA ECONÔMICA E SOCIAL
Em 2011, 42,3% das pessoas ocupadas eram mulheres. Mulheres ocupadas apresentam maior escolaridade: 23,5% tinham 12 anos ou mais de estudo, enquanto para homens essa
proporção era de 14,4%; a maioria dos homens ocupados (51,6%) tinham até 8 anos de estudo,
comparados com 38,6% das mulheres.
GRÁFICO 1
Taxa de atividade, taxa de ocupação e taxa de desocupação das pessoas de 16 anos
ou mais de idade, por sexo, Brasil - 2011
79,7
75,9
55,9
50,9
4,7
Taxa de atividade
Taxa de ocupação
Taxa de desocupação
Fonte: IBGE,Homem
Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios. Rio de Janeiro, 2011.
Mulher
56
9,0
A SITUAÇÃO DAS MULHERES NO BRASIL: ESTATÍSTICAS E DESAFIOS
Apesar da maior escolaridade das mulheres ocupadas e da elevada taxa de ocupação
daquelas com 12 anos ou mais de estudo, é neste grupo que a desigualdade no rendimento médio
por hora trabalhada é maior entre mulheres e homens.
GRÁFICO 2
%
Taxa de ocupação das pessoas de 16 anos ou mais de idade, e razão entre o
rendimento médio por hora trabalhada de mulheres em relação ao dos homens, por
anos de estudo e sexo, Brasil - 2011
84,1
83,1
79,5
75,9
72,1
71,4
68,7
73,7
66,1
56,7
50,9
39,5
Total
Até 8 anos de estudo
9 a 11 anos de estudo
12 ou mais anos
de estudo
Taxa de ocupação homem
Taxa de ocupação mulher
Razão rendimento médio por hora trabalhada (Mulher/Homem)
Fonte: IBGE, Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios. Rio de Janeiro, 2011.
A SITUAÇÃO DAS MULHERES NO BRASIL: ESTATÍSTICAS E DESAFIOS
57
Grupamentos ocupacionais com elevada proporção de mulheres ocupadas apresentam
maior desigualdade de rendimento entre homens e mulheres.
GRÁFICO 3
Distribuição percentual das pessoas de 16 anos ou mais de idade ocupadas, por grupamentos de atividade no
empreendimento do trabalho principal e sexo, e razão entre o rendimento médio por horatrabalhada de
mulheres em relação ao dos homens, por grupamentos de atividade no empreendimento do trabalho principal,
Brasil - 2011
Educação, saúde
e serviços sociais
Indústria de
transformação
Alojamento e
alimentação
Outros serviços
coletivos, sociais
e pessoais
3,8
13,9
11,0
3,9
6,2
Administração
pública
Transporte,
armazenagem e
comunicação
18,3
10,9
Outras atividades
industriais
Construção
0,9 15,5
5,7
5,3
1,7
68,3
75,2
18,0
17,6
Agrícola
%
64,3
74,8
2,5
5,6
Comércio e
reparação
Serviços
domésticos
17,0
75,5
79,8
82,2
94,3
8,4
99,0
1,2
0,2
0,5
131,1
14,2
Distribuição percentual homem
Distribuição percentual mulher
Razão rendimento médio por hora trabalhada (Mulher/Homem)
Fonte: IBGE, Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios. Rio de Janeiro, 2011.
58
A SITUAÇÃO DAS MULHERES NO BRASIL: ESTATÍSTICAS E DESAFIOS
166,9
As Pesquisas de Uso do Tempo fornecem uma visão global de como as várias atividades
remuneradas, voluntárias, domésticas, de cuidados e de lazer estão inter-relacionadas e influenciam
umas às outras, em diferentes segmentos da população. Estas pesquisas fornecem o entendimento
dos comportamentos e hábitos da população, das formas de interação social, dos relacionamentos
sociais e familiares, do desempenho dos papéis de gênero e dão suporte para formulação de políticas
direcionadas aos hábitos e comportamentos.
As Informações relacionadas ao tema nas pesquisas do IBGE são:
•• Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios - PNAD – número de horas trabalhadas na semana de referência, tempo gasto para ir do domicílio ao local de trabalho (desde 1992), se
cuidava de afazeres domésticos na semana de referência (desde 1992), número de horas que
dedicava normalmente aos afazeres domésticos por semana (desde 2001).
•• Pesquisa Piloto sobre Uso do Tempo (Projeto Pnad Contínua) – 4º trimestre 2009, formato:
diário.
•• PNAD Contínua (Sistema Integrado de Pesquisas Domiciliares) – Questionário estruturado
sobre realização de algumas atividades (trabalho voluntário, cuidado de pessoas, afazeres
domésticos).
GRÁFICO 4
Homem
Mulher
Trabalho e
trabalho
voluntário
Afazeres
domésticos
Estudo
Socialização
00:42
00:47
00:38
00:54
01:02
00:46
00:24
00:19
00:28
00:26
00:12
00:39
Cuidado de
pessoas da
família
03:37
03:30
03:44
02:58
03:00
02:56
03:35
02:26
01:14
02:45
03:57
05:12
Total
08:09
08:16
08:02
Tempo médio por dia dedicado às atividades principais, das pessoas de 10 anos ou mais de idade, por sexo,
segundo grupos de atividades, total - 2009 (em horas)
Atividades
culturais,
hobbies e
esportes
Uso de meios
Cuidados
de comunicação pessoais
de massa
(exceto
dormir)
Dormir
Fonte: IBGE, Resultados preliminares do Teste piloto da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua / Teste piloto da Pesquisa de Uso do Tempo. R io
de Janeiro, 2009. Nota: O total corresponde às 5 Unidades da Federação selecionadas: Pará, Pernambuco, Distrito Federal, São Paulo e Rio Grande do Sul
A SITUAÇÃO DAS MULHERES NO BRASIL: ESTATÍSTICAS E DESAFIOS
59
GRÁFICO 5
Tempo médio por dia dedicado às atividades principais de afazeres domésticos, das pessoas de 10 anos ou
mais de idade, segundo os grupos desagregados de atividades, por sexo, total - 2009 (em horas)
Afazeres
domésticos total
2:26
1:14
Preparar e servir a
comida, lavar
louças
0:23
Limpar o domicílio
0:17
3:35
1:00
1:36
0:39
1:01
Manutenção de
roupas e sapatos
Adquirir bens de
consumo duráveis
e não duráveis
Atividade de
afazeres
domésticos não
especificada
Manutenção e
pequenos reparos
do domicílio pela
própria pessoa
Administração da
casa e contratação
e avaliação
serviços
Deslocamentos
relacionados aos
afazeres
domésticos
Cuidar de animais
0:02
0:12
0:22
0:12
0:11
0:14
0:06
0:04
0:08
0:04
0:04
0:04
0:02
0:02
0:03
Total
Homem
Mulher
0:05
0:06
0:03
0:01
0:02
0:01
Fonte: IBGE, Resultados preliminares do Teste - piloto da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua / Teste - piloto da Pesquisa de Uso do Tempo.
Rio de Janeiro, 2009. Nota: O total corresponde às 5 Unidades da Federação selecionadas: Pará, Pernambuco, Distrito Federal, São Paulo e Rio
Grande do Sul. * Identifica o resultado cujo coeficiente de variação é superior a 30.
2. INDICADORES DE AUTONOMIA CULTURAL: EDUCAÇÃO, CULTURA E
COMUNICAÇÃO
Indicadores educacionais
A vantagem feminina no percurso escolar é apontada por diversas pesquisas e é observada
desde o início da escolarização. Em 2011, 9,9% das crianças com oito anos de idade não sabiam ler nem
escrever. Essa proporção era 11,2% entre os meninos e de 8,5% entre as meninas. O atraso masculino na
alfabetização pode estar afetando negativamente tanto o desempenho quanto o fluxo escolar.
60
A SITUAÇÃO DAS MULHERES NO BRASIL: ESTATÍSTICAS E DESAFIOS
GRÁFICO 6
Proporção de crianças de 8 anos de idade, que não sabiam ler e escrever
por sexo Brasil e Grandes Regiões - 2011
%
20,2
Homens
Mulheres
18,9
17,0
13,6
11,2
8,5
6,7
5,5
3,4
Brasil
Norte
Nordeste
Sudeste
3,4
4,3
Sul
4,6
Centro-Oeste
Fonte: IBGE, Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios. Rio de Janeiro, 2011.
Do total de cerca 5.500 milhões de adolescentes entre 15 e 17 anos que frequentavam
o Ensino Médio em 2011, observa-se uma proporção maior de mulheres (54,6%) se comparada
com a de homens (45,4%).
Essa situação não é fruto da desigualdade de gênero na incidência do abandono escolar,
pois a taxa de frequência escolar bruta dessa faixa etária é elevada, tanto para os homens (83%),
quanto para as mulheres (84%).
Logo, somente o atraso escolar dos homens pode explicar a sobre representação feminina dessa faixa etária no ensino médio. De fato, 59% dos jovens de 15 a 17 anos que frequentavam
o ensino fundamental eram homens, enquanto apenas 41% eram mulheres.
Essa defasagem também pode ser ilustrada a partir das taxas frequência líquida por
sexo no Ensino Médio.
A SITUAÇÃO DAS MULHERES NO BRASIL: ESTATÍSTICAS E DESAFIOS
61
GRÁFICO 7
Taxa de frequência líquida no ensino médio dos adolescentes de
15 a 17 anos, por sexo - Brasil e Grandes Regiões - 2011
Homens
%
Mulheres
57,6
63,6
61,3
55,0
34,6
Norte
50,2
49,1
49,4
47,9
45,9
Brasil
64,5
36,1
Nordeste
Sudeste
Sul
Centro - Oeste
Fonte: IBGE, Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios. Rio de Janeiro, 2011.
Conciliar escola e trabalho nessa faixa etária também pode ser determinante do percurso escolar dos jovens. A proporção de adolescentes de 15 a 17 anos que trabalha e estuda é
significativamente maior entre os meninos.
TABELA 1
Jovens de 15 a 17 anos de idade total e respectiva distribuição percentual por condição de atividade
na semana de referência, Brasil - 2011
Indicador de escolaridade
Total
Homem
5.402,172
5.177,888
Só estuda
66,0
61,1
71,1
Trabalha e estuda
17,8
22,0
13,3
Só trabalha
6,4
8,8
3,9
Não trabalha e não estuda
9,9
8,1
11,7
Fonte: IBGE, Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios. Rio de Janeiro, 2011.
62
Mulher
10.580,060
Total
A SITUAÇÃO DAS MULHERES NO BRASIL: ESTATÍSTICAS E DESAFIOS
Como consequência possível do atraso escolar e de outros fatores associados a papeis
de gênero, como a inserção precoce no mercado de trabalho, os jovens do sexo masculino não
seguem para o ensino superior na mesma proporção que as jovens mulheres.
Em 2011, havia um contingente maior de mulheres entre os universitários de 18 a
24 anos de idade. Sua proporção supera em 15,6% a dos homens, abarcando 57,8% do total de
estudantes que frequentam o ensino superior dessa faixa etária.
GRÁFICO 8
Distribuição percentual das pessoas de 18 a 24 anos deidade que
frequentam o ensino superior, por sexo e rede de ensino - Brasil - 2011
%
Homens
Mulheres
57,8
42,2
Total
58,9
55,1
44,9
Pública
41,1
Particular
Fonte: IBGE, Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios. Rio de Janeiro, 2011.
A SITUAÇÃO DAS MULHERES NO BRASIL: ESTATÍSTICAS E DESAFIOS
63
Entretanto, há concentração das mulheres em cursos e carreiras “ditas femininas”, com
menor valorização profissional e limitado reconhecimento social.
GRÁFICO 9
Distribuição das pessoas com graduação concluída
por sexo e áreas gerais de formação - Brasil - 2010
%
8,4
Educação
Humanidades
e artes
Ciências sociais,
negócios e direito
Ciências, matemática
e computação
Engenharia, produção
e construção
Agricultura
e veterinária
Saúde e bem estar social
Serviços
Área de formação
mal - especificada
4,7
5,8
2,8
3,1
0,9
2,1
1,9
2,7
2,8
28,4
9,5
32,8
9,5
13,7
Homens
9,5
14,9
Fonte: IBGE, Censo Demográfico. Rio de Janeiro, 2010.
64
A SITUAÇÃO DAS MULHERES NO BRASIL: ESTATÍSTICAS E DESAFIOS
Mulheres
46,2
TABELA 2
Lista dos 10 cursos de ensino superior com as maiores proporções de concluintes
mulheres e homens 2005/2010 2005
2010
Mulheres
Mulheres
Formação de professor de educação infantil
Ciências domésticas
Serviços de beleza
Secretariado e trabalhos de escritório
Serviço social e orientação
Ciências da educação
Ciências da educação
Serviços de beleza
Formação de professor da educação básica
Serviço social e orientação
Vida profissional
Terapia e reabilitação
Enfermagem e atenção primária (assistência
Língua materna (vernácula)
básica)
Psicologia
Psicologia
Enfermagem e atenção primária (assistência básica)
Humanidades e letras (cursos gerais)
Humanidades e letras (cursos gerais)
Artes (cursos gerais)
Homens
Proteção de pessoas e de propriedades
Engenharia mecânica e metalurgia (trabalhos com
metais)
Eletricidade e energia
Serviços de segurança (cursos gerais)
Homens
Proteção de pessoas e de propriedades
Engenharia mecânica e metalurgia (trabalhos
com metais)
Eletricidade e energia
Eletrônica e automação
Veículos a motor, construção naval e aeronáutica
Ciência da computação
Setor militar e de defesa
Física
Processamento da informação
Uso do computador
Eletrônica e automação
Transportes e serviços (cursos gerais)
Veículos a motor, construção naval e aeronáutica
Setor militar e de defesa
Ciência da computação
Mineração e extração
Fonte: Ministério da Educação Censo da Educação Superior. Brasília, 2011
A SITUAÇÃO DAS MULHERES NO BRASIL: ESTATÍSTICAS E DESAFIOS
65
3. INDICADORES AUTONOMIA PESSOAL: SAÚDE E ENFRENTAMENTO À
VIOLÊNCIA
O “Guidelines for producing statistics on violence against women: statistical survey
(draft)2” coloca os seguintes parâmetros e orientações em relação às pesquisas sobre violência
contra a mulher :
•• Tipos de violência: Violência física, sexual, psicológica e econômica.
•• Estratégias para encorajar revelações honestas sobre a violência incluem:
•• Introduções que mostram sensibilidade ao tópico e permitem que as entrevistadoras desenvolvam uma relação de confiança com entrevistada.
•• Proporcionar diferentes oportunidades para que entrevistada revele sua
experiência.
•• Usar questões relacionadas aos diferentes comportamentos, passando daqueles menos sérios para os mais sérios, ao invés de usar questões muito
diretas e gerais.
•• Selecionar entrevistadores com cautela e proporcionar treinamento adequado.
•• Evitar termos carregados ou ambíguos como “abuso”, “estupro” ou “violência”.
FIGURA 1 - Orientações para pesquisa sobre violência contra a mulher
Status marital
(questão filtro)
2
66
Respondentes com
parceiros atual
(MS1=1,2 ou 3
Violência
psicológica e
econômica
Violência
fisíca e
sexual
Respondentes com
parceiros anterior
(MS1=1,2 ou 3
Violência
psicológica e
econômica
Violência
fisíca e
sexual
Todos respondentes
(aquelas sem
parceiros atual ou
anterior - direto)
Violência fisíca e sexual
por agressor que não
parceiro intimo
Relação com
agressor
Consultive Meeting: Beirut, Lebanon, 8-10 November 2011.
A SITUAÇÃO DAS MULHERES NO BRASIL: ESTATÍSTICAS E DESAFIOS
Questões que a pesquisa deve conter no período de referência.
•• Violência sofrida com parceiro atual ou parceiro anterior.
•• Violência psicológica: últimos 12 meses.
•• Violência física e sexual: alguma vez na vida.
•• Outros agressores violência física: a partir dos 15 anos de idade.
•• Violência sexual: alguma vez na vida.
As Informações relacionadas ao tema nas pesquisas do IBGE são:
XX PNAD 1988 - Pesquisa suplementar de Participação Político-Social
•• Se vítima de agressão física nos últimos 12 meses.
•• Quem foi o agressor na última ocorrência (parente, pessoa conhecida, policial,
segurança privada, pessoa desconhecida, não sabe).
••
Local em que ocorreu agressão.
XX PNAD 2009 - Pesquisa suplementar de Vitimização e Justiça
•• Se Vítima de agressão física nos últimos 12 meses.
•• Quem foi o agressor na última vez (Pessoa desconhecida, policial, segurança privada, cônjuge/ex-cônjuge, pessoa conhecida, parente, pessoa conhecida).
•• Local em que ocorreu agressão.
XX PNAD – Pesquisa suplementar de Saúde - 1998 e 2003
Não houve pergunta relativa à violência nas pesquisas suplementares.
XX 2008 – Pesquisa suplementar de Saúde
•• Se vítima de agressão física nos últimos 12 meses.
•• Deixou de realizar quaisquer de suas atividades habituais por causa da violência.
•• Procurou algum serviço de saúde.
A SITUAÇÃO DAS MULHERES NO BRASIL: ESTATÍSTICAS E DESAFIOS
67
XX Pesquisa Nacional de Saúde 2013
1. Vítima de alguma violência ou agressão de pessoa desconhecida, frequência da violência:
•• Tipo de violência mais grave (física, sexual, psicológica, outra).
••
Foi ameaçada/o ou ferida/o.
•• Local em que ocorreu agressão/ agressor.
2. Vítima de alguma violência ou agressão de pessoa conhecida, frequência da violência:
•• Tipo de violência mais grave.
•• Foi ameaçada/o ou ferida/o.
•• Local em que ocorreu agressão.
•• Relação com agressor (Cônjuge, companheira/o, namorada/o, ex-cônjuge, ex-companheira/o, ex-namorada/o, pai, mãe, padrasto, madrasta, filha/o, irmã/o,
outro parente, amigas/os, colegas, chefias, outra pessoa conhecida).
GRÁFICO 10
Percentual de pessoas que foram vítumas de agressão física, no
período de referência de 365 dias, na população de 10 anos ou
mais de idade, segundo as Grandes Regiões - 1988/2009
1,9
1,8
1,6
1,4
1,2
1,1
1,0
1,4
1,2
0,8
Brasil (1) Norte e Centro Nordeste
Oeste urbanas
Sul
Sudeste
1988
2009
Fonte: IBGE, Diretoria de Pesquisas, Coordenação de Trabalho e Rendimento, Pesquisa Nacional por Amostra de
Domicílios. Rio de Janeiro, 1988/2009.
Nota: (1) Exclusive as pessoas da área rural de Rondônia, Acre, Amazonas, Roraima, Pará e Amapá.
68
A SITUAÇÃO DAS MULHERES NO BRASIL: ESTATÍSTICAS E DESAFIOS
GRÁFICO 11
Distribuição de pessoas que foram vítumas de agressão física, no período
de referência de 365 dias, na população de 10 anos ou mais de idade,
segundo a situação do domicílio, o sexo e a cor ou raça - Brasil- 1988/2009
87,5
91,2
Urbana
Rural
12,5
8,8
Homens
39,8
42,9
Mulheres
Branca
Preta
ou...
Preta
41,1
43,4
7,4
11,0
Parda
36,0
60,2
57,1
56,3
58,2
1988 2009
47,1
Fonte: IBGE, Diretoria de Pesquisas, Coordenação de Trabalho e Rendimento, Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios. R io de Janeiro, 1988/2009. Nota:
Exclusive as pessoas da área rural de Rondônia, Acre, Amazonas, Roraima, Pará e Amapá.
TABELA 3
Distribuição das pessoas de 10 anos ou mais de idade que foram vítimas de agressão física, no período de referência de
365 dias, por agressor da última agressão física, segundo o sexo, a cor ou raça e os grupos de idade- Brasil - 2009
Sexo, cor
ou raça e
grupos de
idade
Distribuição das pessoas de 10 anos ou mais de idade que foram vítimas de agressão física,
no período de referência de 365 dias (%)
Agressor na última agressão física
Total
Pessoa
desconhecida
Policial ou
segurança privada
Cônjuge ou
ex-cônjuge
Parente
Pessoa
conhecida
100,0
39,0
4,5
12,2
8,1
36,2
Homens
100,0
46,4
6,7
2,0
5,6
39,3
Mulheres
100,0
29,1
1,5
25,9
11,3
32,2
Total (1)
Sexo
Cor ou raça
Branca
100,0
44,8
3,7
11,9
7,0
32,7
Preta ou parda
100,0
35,1
5,0
12,4
8,9
38,6
Preta
100,0
33,1
6,5
14,0
12,2
34,3
Parda
100,0
35,5
4,7
12,1
8,1
39,6
Grupos de idade
10 a 24 anos
100,0
35,2
5,1
6,5
7,3
45,8
25 a 34 anos
100,0
38,0
4,9
19,7
7,5
29,8
35 a 39 anos
100,0
36,6
3,6
19,5
8,6
31,8
40 a 49 anos
100,0
43,1
4,6
15,6
7,8
28,9
50 anos ou mais
100,0
49,3
2,3
7,7
11,3
29,3
Fonte: IBGE, Diretoria de Pesquisas, Coordenação de Trabalho e Rendimento, Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios. Rio de Janeiro, 2009. (1) Inclusive as pessoas de cor ou raça amarela, indígena ou sem declaração. A SITUAÇÃO DAS MULHERES NO BRASIL: ESTATÍSTICAS E DESAFIOS
69
4. INDICADORES DE AUTONOMIA POLÍTICA
GRÁFICO 12
Proporção de assentos ocupados por mulheres no Parlamento
(Congressos Nacionais - Lower orSingle House) - Março/2013
Rwanda (1)
Cuba (3)
Sweden (4)
Finland (7)
South Africa (8)
Norway (11)
Mozambique (12)
Denmark (13)
Ecuador (14)
Costa Rica (15)
Argentina (18)
Mexico (19)
Spain (20)
Germany (25)
Italy (28)
Portugal (32)
Afghanistan (36)
France (37)
Bolivia (42)
Australia (45)
China (53)
United Kingdom (56)
Israel (60)
Peru (61)
United States of America (77)
Paraguay (78)
Venezuela (80)
Russian Federation (96)
Uruguay (104)
India (109)
Brazil (120)
Nigeria (127)
Haiti (133)
Egypt (139)
56,3
48,9
44,7
42,5
42,3
39,6
39,2
39,1
38,7
38,6
37,4
36,8
36,0
32,9
31,4
28,7
27,7
26,9
25,4
24,7
23,4
22,5
21,7
21,5
17,7
17,5
17,0
13,6
12,1
11,0
8,6
6,7
4,2
2,0
Fonte: Inter - Parliamentary Union.
70
A SITUAÇÃO DAS MULHERES NO BRASIL: ESTATÍSTICAS E DESAFIOS
GRÁFICO 13
Proporção de assentos ocupados por mulheres
no Senado (Upper House) - Março/2013
47,2
46,3
40,8
38,9
38,5
38,2
34,2
32,8
32,1
29,0
27,5
27,5
22,6
22,2
20,0
20,0
19,6
18,6
17,3
16,3
16,0
13,2
13,0
12,9
11,7
10,6
10,0
8,0
6,4
4,4
1,8
%
Bolivia
Burundi
Belgium
Argentina
Rwanda (1)
Australia
Spain
Mexico
South Africa 1
Italy
Germany
Afghanistan
United Kingdom
France
United States of America
Paraguay
Switzerland
Japan
Czech Republic
Ethiopia
Brazil
Chile
Poland
Uruguay
Jordan
India
South Sudan
Russian Federation
Nigeria
Egypt
Yemen
Fonte: Inter - Parliamentary Union.
A SITUAÇÃO DAS MULHERES NO BRASIL: ESTATÍSTICAS E DESAFIOS
71
GRÁFICO 14
Distribuição de ministros por sexo - Brasil, 2013
75,4
25,6
Homens
Mulheres
Fonte: Presidência República. Brasília, 2013.
TABELA 4 - Prefeitos por sexo – Brasil 2013
Total
%
Ano
Total
2001
5.559
5.224
335
94,0
6,0
2005
5.564
5.115
449
92,0
8,1
2009
5.564
5.052
512
90,8
9,2
Homem
Mulher
Fonte: IBGE, Pesquisa de Informações Municipais. Rio de Janeiro, 2001/2005/2009.
72
A SITUAÇÃO DAS MULHERES NO BRASIL: ESTATÍSTICAS E DESAFIOS
Homem
Mulher
TABELA 5 - Distribuição de Ministros do Supremo Tribunal por sexo – Brasil 2013
Órgão
Total
Ministros ativos
Homens Mulheres
% Participação Presidente
de Mulheres
Mulher
TSE
7
4
3
42,9
1
STJ
30
24
6
20,0
0
TST
25
20
5
20,0
0
STF
11
9
2
18,2
0
STM
14
13
1
7,1
0
CNJ
15
14
1
6,7
0
Institucional
O Tribunal Superior Eleitoral, órgão máximo da Justiça Eleitoral,
exerce papel fundamental na construção e no exercício da
democracia brasileira (Lei nº 4.737, de 15.7.1965).
O Superior Tribunal de Justiça é a corte responsável por uniformizar a interpretação da lei federal em todo o Brasil, seguindo
os princípios constitucionais e a garantia e defesa do Estado de
Direito.
O Tribunal Superior do Trabalho é órgão de cúpula da Justiça
do Trabalho, cuja função precípua consiste em uniformizar a
jurisprudência trabalhista brasileira (art.111 da CF)
O Supremo Tribunal Federal é o órgão de cúpula do Poder Judiciário, e a ele compete, precipuamente, a guarda da Constituição
(art.102 da CF)
A Justiça Militar da União é justiça especializada na aplicação da
lei a uma categoria especial, a dos militares federais - Marinha,
Exército e Aeronáutica, julgando apenas e tão somente os crimes
militares definidos em lei.
O Conselho Nacional de Justiça é uma instituição pública que
visa aperfeiçoar o trabalho do sistema judiciário brasileiro,
principalmente no que diz respeito ao controle e à transparência
administrativa e processual.
Fonte: TSE, Brasília; STJ, Brasília; TST, Brasília; STF, Brasília; STM, Brasília; CNJ, Brasília. 2013
Distribuição das posições de gerência em organizações do Governo (DAS) – Brasil 2013
GRÁFICO 15
100%
90%
80%
70%
55,0
53,9
53,9
63,5
60%
71,6
78,3
50%
40%
30%
20%
45,0
46,1
46,1
36,5
10%
0%
1
2
3
Mulher
4
28,4
5
21,7
6
Homem
Fonte: Ministério do Planejamento, Boletim Estatístico de Pessoal. Brasília, Janeiro de 2013.
A SITUAÇÃO DAS MULHERES NO BRASIL: ESTATÍSTICAS E DESAFIOS
73
GRÁFICO 16 - Distribuição de empregados em grupos ocupacionais por sexo – Brasil 2011
Ocupações
mal definidas
Membros das forças
armadas e auxiliares
Trabalhadores de produção de bens
e serviços e da reparação e manutenção
42,6
6,2
57,4
93,8
13,6
Trabalhadores
agrícolas
Vendedores e prestadores
de serviço no comércio
Trabalhadores
dos serviços
86,4
30,3
Trabalhadores de
serviços administrativos
Técnicos de
nível médio
Profissionais das
ciências e das artes
Dirigentes
em geral
52,2
47,8
33,1
36,7
44,4
38,4
36,4
66,7
66,9
60,3
55,6
61,6
Mulher
Homem
63,8
Fonte: IBGE, Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio. Rio de Janeiro, 2011.
5. CONSIDERAÇÕES FINAIS
As pesquisas nacionais que investigam as características da mão de obra têm várias limitações
para mensuração das desigualdades de gênero. As pesquisas de Uso do Tempo são de grande importância
para a área de gênero, especialmente aquelas cujo formato é um diário de preenchimento das atividades
diárias.
Devido à dificuldade de se obter amostras significativas desagregadas para as ocupações, a
principal explicação para a desvantagem salarial feminina no mercado de trabalho, levando em conta que
as mulheres são, em média, mais qualificadas do que os homens, é a discriminação salarial. Assim, diversos
estudos que utilizam grupos ocupacionais agregados subestimam a segregação ocupacional.
Talvez o maior desafio seja implementar uma pesquisa de violência contra a mulher a nível
nacional devido as especificidades regionais do país. O ideal seria poder contar com pesquisas menores ou
módulos especiais para melhor entendimento de questões específicas relacionadas a gênero.
REFERÊNCIAS
BRASIL. Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Censo Demográfico. Rio de Janeiro, 2010.
74
A SITUAÇÃO DAS MULHERES NO BRASIL: ESTATÍSTICAS E DESAFIOS
BRASIL. Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Pesquisa de Informações Municipais. Rio de
Janeiro, 2001.
BRASIL. Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Pesquisa de Informações Municipais. Rio de
Janeiro, 2005.
BRASIL. Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Pesquisa de Informações Municipais. Rio de
Janeiro, 2009.
BRASIL. Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio.
Rio de Janeiro, 2011.
BRASIL. Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Diretoria de Pesquisas, Coordenação de Trabalho e
Rendimento. Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios. Rio de Janeiro, 1988/ 2009.
BRASIL. Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Resultados Preliminares do teste Piloto da
Pesquisa nacional por Amostra de Domicílios Contínua. Rio de Janeiro, 2009.
BRASIL. Ministério da Educação. Censo da Educação Superior. Brasília - DF, 2011.
BRASIL. Ministério do Planejamento. Boletim Estatístico de Pessoal. Brasília, Janeiro de 2013.
UNITED NATIONS. Economic Comission for Latin America and Caribbean. Annual report 2012 the
bonds in focus: contribution and burden for women, 2013.
UNITED NATIONS. Statistics Division. Guidelines for producing statistics on violence against
women: staistical survey (draft), 2011.
UNITED NATIONS. ECONOMIC AND SOCIAL COUNCIL. STATISTICAL COMMISSION. Gender Statistics: Report of the Secretary-General . E/CN.3/2013/10. 19 december 2012.
SITES CONSULTADOS:
Conselho Nacional de Justiça. http://www.cnj.jus.br/. Acesso em junho de 2013. Inter-Parliamentary
Union. http://www.ipu.org/english/home.htm. Acesso em junho de 2013.
Supremo Tribunal Militar. http://www.stm.jus.br/. Acesso em junho de 2013.
Supremo Tribunal de Justiça. http://www.stj.jus.br/. Acesso em junho de 2013.
Supremo Tribunal Federal. http://www.stf.jus.br/. Acesso em junho de 2013.
Tribunal Superior do Trabalho. http://www.tst.jus.br/. Acesso em junho de 2013.
Tribunal Superior Eleitoral. http://www.tse.jus.br/. Acesso em junho de 2013.
Presidência da Repúblca. http://www2.planalto.gov.br/presidencia/ministros. Acesso em junho de 2013.
A SITUAÇÃO DAS MULHERES NO BRASIL: ESTATÍSTICAS E DESAFIOS
75
IGUALDADE DE GÊNERO
NA PRÁTICA DO GOVERNO
FEDERAL - UM OLHAR A
PARTIR DE ESTUDO SOBRE A
TRANSVERSALIDADE
76
IGUALDADE DE GÊNERO NA PRÁTICA DO GOVERNO FEDERAL – UM OLHAR A PARTIR DE ESTUDO SOBRE A TRANSVERSALIDADE
IGUALDADE DE GÊNERO NA PRÁTICA DO GOVERNO
FEDERAL - UM OLHAR A PARTIR DE ESTUDO SOBRE A
TRANSVERSALIDADE
Fernanda de Carvalho Papa1
A apresentação que este texto registra anseia contribuir à reflexão sobre transversalidade e políticas para as mulheres a partir da prática no governo federal e teve como base pesquisa
realizada para minha dissertação de mestrado – “Transversalidade e políticas públicas para mulheres
no Brasil – percursos de uma pré-política”, defendida em maio de 2012, na EAESP-FGV, sob orientação da Profa. Dra. Marta Farah.
Agradeço a oportunidade desse momento de reflexão, para compartilharmos da vivência como gestoras/es em iniciativas pela construção da igualdade entre homens e mulheres, e da
superação da desigualdade também entre mulheres, por meio da nossa ação com as Políticas Públicas. Isso é o que também move o nosso trabalho constantemente dentro ou fora do Governo. O que
eu trouxe para discutirmos é basicamente uma síntese do que foi a minha pesquisa na dissertação.
A pesquisa teve como uma das inspirações o diálogo e a referencia que tenho em várias
servidoras feministas que estão hoje na SPM. E veio também da motivação advinda do contato que
tive com gestoras de Política para as Mulheres em governos locais desde o ano 2000. Lembro-me
delas sempre dizendo que o difícil quase não era criar o organismo de Política para a Mulher, porque
isso, no compromisso político, o Movimento Feminista com a sua incidência histórica fundamental
consegue fazer. Mas uma vez criados esses organismos, o difícil seria conseguir convencer as demais
áreas do governo, da importância de orientar suas políticas na perspectiva da construção da igualdade, da superação das descriminações e das desigualdades não só em relação a mulheres e homens,
mas também entre mulheres (PAPA, 2012).
Nós sabemos que as mulheres também vivem desigualdades de raça, desigualdades
relativas à região do país ou ao bairro em que elas moram, há ainda desigualdades geracionais, pela
orientação sexual, entre outras. Então foi com essa motivação que procurei verificar o que significa
1
Fernanda C. Papa é comunicadora social, mestre em Administração Pública e Governo, e desde março de 2012
Coordenadora Geral de Relações Institucionais da Secretaria Nacional de Juventude / Secretaria Geral da Presidência da República.
Conselheira governamental do Conselho Nacional dos Direitos da Mulher na gestão atual.
IGUALDADE DE GÊNERO NA PRÁTICA DO GOVERNO FEDERAL – UM OLHAR A PARTIR DE ESTUDO SOBRE A TRANSVERSALIDADE
77
fazer transversalidade na prática. Considero o nosso encontro aqui como um momento de troca,
porque me parece que todas nós estamos tentando fazer transversalidade no dia a dia do governo
federal. Falo todas nós, pois aqui somos maioria, mas é muito bom também encontrar aqui colegas
homens, com quem a gente compartilha essa tarefa e desafio, isso é muito importante.
Para situar essa reflexão, e isso já deve ter sido abordado no momento anterior do seminário, é importante falar das Políticas para as Mulheres, relembrar o histórico da redemocratização
do Brasil, e que as políticas públicas para as mulheres brasileiras precedem a Constituição de 1988,
pois naquela mesma década já tinham sido criados os primeiros Conselhos. Também vem deste período toda a incidência das mulheres nos movimentos de mulheres e feminista, no contexto de lutas
contra o Regime Militar e pela redemocratização do país. Vem a nossa Constituição Cidadã, em que
estão garantidas uma série de conquistas para as mulheres, e ali surgem os primeiros organismos de
Política para as Mulheres nos Governos locais, e mais tarde a criação da Secretaria de Política para
as Mulheres, que depois em 2003 vai do Ministério da Justiça para a Presidência da República, como
a Secretaria de Políticas para as Mulheres - SPM.
Este pode ser considerado um ponto de inflexão, uma oportunidade para a consolidação
e institucionalização das Políticas para as Mulheres no país: a construção do Ministério da Mulher
com o status que ele tem até hoje e o reconhecimento permanente da incidência do movimento
feminista nesta construção. Parece-me que esses são os paradigmas e a orientação que não se pode
deixar de mencionar nos preâmbulos, porque sem a força e a persistência das mulheres organizadas
não teríamos a construção desse espaço, tampouco a ampliação de uma relação intersetorial e
interministerial com outras áreas do governo.
Então para iniciar, partimos da inquietação de por que, por vezes, tem-se a sensação de
que não há o entendimento sobre o que é a política que as mulheres estão propondo? Essa frase:
“Mas não é uma coisa como beber água e ir ao médico. Não é. Estamos lutando por um direito que
uma parte sente. Outra parte não” captei da gestora que foi responsável pelo primeiro organismo de
Política para as Mulheres, criado no município de Santo André, ainda no início dos anos 90. A Ivete
Garcia que disse isso, explicando que naquela época esse era um grande desafio.
78
IGUALDADE DE GÊNERO NA PRÁTICA DO GOVERNO FEDERAL – UM OLHAR A PARTIR DE ESTUDO SOBRE A TRANSVERSALIDADE
Portanto, proponho-me a compartilhar o que encontrei nas conversas com gestoras/
es de diferentes ministérios, tentando acompanhar e observar o que é fazer a transversalidade
na prática do foverno federal. Como estudo de caso, escolhi o Pacto de enfrentamento à violência
contra as Mulheres, no período de 2008 a 2011, relativo ao último Plano Plurianual - PPA antes do
atual. O desafio foi tentar entender como fazer com que a Política para as Mulheres aconteça de
concretamente, quais as formas para alcançar este objetivo e se a transversalidade é uma estratégia
válida para isso. A inquietação de tentar se deslocar para o lugar do outro é importante. Mas nem
sempre o outro enxerga o que precisamos, pois quando se fala de uma disputa de sentidos e de
quebrar a naturalização da desigualdade, por meio das Políticas Públicas para as Mulheres, muitas
vezes é preciso provocar o outro que não se coloca no lugar desta fala.
Daí a necessidade de colocar algumas questões, como: os fatores que permitem que
a construção da igualdade nas Políticas Públicas aconteçam a partir de uma ação transversal. Ao
discutirem também neste seminário as experiências dos Comitês de Gênero, certamente lançou-se
luz a este tema para conhecer o que tem avançado. Quero situar que essa minha pesquisa se deu em
2011, então sabemos que de 2011 para cá deve ter havido mais avanços. E o próprio Comitê tem
mostrado isso. Proponho continuarmos a reflexão, com um olhar sobre as percepções do que é fazer
a Política para as Mulheres a partir da transversalidade, que pode ser entendida como a ação de levar
a perspectiva da igualdade para outras áreas, que já trabalham com missões muito importantes, mas
que não necessariamente têm incorporada a leitura e a prioridade política da igualdade de gênero.
Ou seja, não necessariamente consideram que aquela ação pode ter um impacto diferente sobre
homens e mulheres, reconhecendo que existem desigualdades a serem superadas.
Outra questão inerente à primeira é como levar essa abordagem para o ciclo da Política
Pública, desde a sua concepção, da definição de prioridades, da implementação, do monitoramento
e da avaliação. Esta foi uma orientação importante, que vem da Plataforma de Ação da Conferência
de Beijing, a IV Conferência Mundial de Mulheres, realizada pela ONU na China em 1995, e que
a partir dali, com o conceito de “gender mainstreaming”, tentou permear uma série de Políticas
Nacionais no mundo todo. O Brasil também foi impactado por esse processo, do qual as feministas
brasileiras participaram ativamente. E de lá para cá muito se buscou construir e a própria existência
da SPM pode ser considerada também um resultado disso.
IGUALDADE DE GÊNERO NA PRÁTICA DO GOVERNO FEDERAL – UM OLHAR A PARTIR DE ESTUDO SOBRE A TRANSVERSALIDADE
79
A partir do que foi observado na pesquisa em torno do Pacto, observamos que a transversalidade de gênero é uma tarefa difícil de ser executada no Governo Federal. Verifica-se que não é
“natural” para muitas áreas do Governo considerar que uma política pode afetar mulheres e homens
de forma diferente, e que por isso ela precisa ser desenhada considerando esse impacto, se ela
não tiver capacidade de corrigir desigualdades. Mas ao observar a ação do Pacto de Enfrentamento
a Violência Contra as Mulheres, também foi possível perceber que embora complexa, a tarefa é
possível de se concretizar de diferentes formas, que variam em alcance e intensidade, e é isso que
a interlocução com cada Ministério permitiu revelar.
Observamos uma necessidade de o organismo de Política das Mulheres, a SPM, dar passos graduais para ampliar a sua incidência em relação à questão de igualdade de gênero nas Políticas
Públicas nacionais. Diferentemente do que se observa em um conceito, por exemplo, como é o que
está traduzido na definição sobre “gender mainstreaming” - que em português é frequentemente
usado como transversalidade de gênero -, colocar o gênero no centro da concepção de toda política
é algo normativo, mas difícil de concretizar. Porque depende de decisões de pessoas, de suas visões
de mundo, de normas e regras estabelecidas nas instituições do Estado, do momento histórico em
que se está vivendo e de uma série de outros fatores como, por exemplo, ter cotas ou paridade para
mulheres no Legislativo, ou ter uma Presidenta mulher que contribua para o fortalecimento desta
agenda.
São muitos os elementos, como se ter ou não um movimento social ativo na rua, ou
acontecer algum caso absurdo de violência que se torna emblemático, que vai para os meios de
comunicação, e que obriga ação rápida das instituições e assim por diante. São muitos os fatores que
contribuem para formar a agenda – ou para tirá-la de cena. Então o fato de existir uma prioridade
da Política Nacional para as Mulheres não necessariamente implica um automático compromisso das
diferentes áreas de governo para levar essa política adiante. E a transversalidade não se realiza em
todas as áreas de governo envolvidas com essa iniciativa da mesma forma, ou no mesmo tempo.
Em relação ao Pacto de Enfrentamento à Violência contra as Mulheres, uma primeira
aproximação é considerar que quem está no organismo que tem que promover a política transversal
80
IGUALDADE DE GÊNERO NA PRÁTICA DO GOVERNO FEDERAL – UM OLHAR A PARTIR DE ESTUDO SOBRE A TRANSVERSALIDADE
vive uma espécie de ansiedade permanente por chegar a todos os ministérios estratégicos, dialogar
com todos e de pactuar ações relevantes. Percebemos uma diferença em relação ao interesse dos
Ministérios para se somar nesta relação proposta com o Pacto. Para isso, e pode parecer um
pouco óbvio, é necessária muita negociação, é necessário um investimento grande de tempo para
conversar e para negociar prioridades, entendendo os diferentes lados do problema, de quem está
propondo e a visão de quem está no outro ministério. Entender que não necessariamente se tem
ali a mesma compreensão em relação à necessidade de correção das desigualdades de gênero e
das outras desigualdades que estão também implicadas, a exemplo da questão racial e também
da questão da orientação sexual, geracional, entre outras. Então a importância de dedicar tempo
para estabelecer relações de confiança entre gestoras/es aparece como um fator importante para
a transversalidade. Esse fator foi trazido principalmente por quem elogiou a SPM no processo, pelo
cuidado e pelo investimento feito para dialogar com as pessoas de outras áreas.
Quando entrevistei a Secretária Aparecida Gonçalves, da Secretaria de Enfrentamento à
Violência Contra a Mulher da SPM-PR, ela disse: “Você vai ver que na minha equipe não tem quase
ninguém aqui.” Porque de fato estavam na rua, na Esplanada, indo conversar com os parceiros e
parceiras, para tentar chegar a entendimentos. Entre os seis ou sete Ministérios que foram ouvidos
na pesquisa, foi possível observar diferentes formas de envolvimento e que, todas legítimas, expressam um avanço importante das Políticas para as Mulheres no nosso país, no momento em que
estamos vivendo.
Variam as maneiras como se revela a construção da perspectiva de gênero nesses
Ministérios. O Ministério da Justiça, por exemplo, expressou, entre várias de suas Secretarias, uma
incorporação que variou de inicial a muito consistente da perspectiva de gênero. Uma das Secretarias, por exemplo, nunca tinha trabalhado a questão de fato, mas em função do Pacto passou
a incorporar e buscava iniciar uma política nova. Naquele momento, dizia-se: “olha, temos ideias,
ajudaram muito os estudos da SPM, mas ainda não temos nada concreto, estamos desenhando”.
Hoje, dois anos depois, recebemos a notícia de formalização de uma política para as mulheres
presas. Isso mostra que “leva um tempinho”, mas no processo gradual, com evidente compromisso
das diferentes partes, ocorrem avanços.
IGUALDADE DE GÊNERO NA PRÁTICA DO GOVERNO FEDERAL – UM OLHAR A PARTIR DE ESTUDO SOBRE A TRANSVERSALIDADE
81
Ter uma certa “tranquilidade” e paciência em relação a como incorporar a perspectiva
de gênero pode ser valioso. E os resultados aparecem também. Outros Ministérios, como o da
Saúde, mostravam muito entusiasmo ao afirmar que a SPM se tornou uma “aliada para a vida”,
pois sem ela o ministério não teria a incidência que tem hoje em relação à saúde da mulher, e isso
está refletido também em maior orçamento para as ações. Nomear novas sinergias possíveis no
interior do próprio ministério, em função de uma provocação por se olhar a questão das mulheres
de maneira específica, neste caso estudado de enfrentamento à violência, é outro fator que ajuda
a compreender a transversalidade na prática. Isto é, a possibilidade de novas sinergias, provocadas
pelo encontro com o organismo específico de Políticas para as Mulheres.
Por outro lado, há também os casos de ministérios em que esta sinergia ainda “não
flui”, ou não fluía, mesmo com a presença de gestoras feministas à frente de áreas importantes e
com o movimento social de mulheres presente pressionando o ministério por meio de demandas
apresentadas de forma organizada. A explicação era a da que ainda não havia sido possível encontrar “o lugar para encaixar gênero e dar um salto”. Uma hipótese é a de que existem diferenças
de concepção na orientação da política, que por construção política e histórica não tem por base a
mulher, mas sim a família.
A política com orientação feminista, por sua vez, reordena e reorganiza o mundo na
perspectiva da igualdade de gênero, reconhecendo que as relações sociais, entre elas as familiares,
também expressam desigualdades de poder e de acesso a determinados direitos. Por isso busca evidenciar que homens e mulheres podem ganhar em qualidade de vida com o desenvolvimento dessa
política, na medida em que se busca corrigir desigualdades. Convivemos, no entanto, com diferentes
abordagens no desenho das diferentes políticas, de modo que nem sempre é possível construir a
política de gênero em contraponto a outras concepções. Convivemos também com orientações que
não são pautadas ainda pela construção da autonomia e do fortalecimento do sujeito de direito
mulher em primeiro lugar, mas seguem outras concepções.
Não se trata, no entanto, de modelos estáticos ou monolíticos. Mesmo em ministérios
em que essa “dificuldade” está presente para a orientação feminista das políticas públicas, o movimento social faz a diferença e é reconhecido por isso. É possível citar exemplos, como o da Marcha
82
IGUALDADE DE GÊNERO NA PRÁTICA DO GOVERNO FEDERAL – UM OLHAR A PARTIR DE ESTUDO SOBRE A TRANSVERSALIDADE
das Margaridas, cuja pauta dialoga com muitos ministérios. A Marcha das Margaridas convoca ao diálogo
atores que talvez não o fizessem só pelo chamado do organismo específico de Política para as Mulheres, e
a permanente ação dos movimentos sociais foi citada como uma fortaleza.
Há ainda exemplo de ministério em que a política de igualdade está na concepção da
Política do Ministério, não só de uma Diretoria da Mulher. Seria um caso de verificação do conceito
de “gender mainstreaming” se concretizando, porque existe a orientação proposta por ele desde a
concepção das grandes linhas de ação do órgão, com priorização nas diretrizes de suas políticas e
não só das Políticas para as Mulheres. Trata-se do reconhecimento de que o sujeito da ação finalística
não vive em condição de igualdade, em relação aos demais sujeitos. Um exemplo é a mulher que
vive no meio rural. A mulher rural não está em situação de igualdade em relação aos homens do
meio rural em diferentes dimensões da vida cotidiana e simbólica. Sendo negra, ribeirinha ou de
comunidades tradicionais da floresta, e assim por diante, as condições de desigualdade ficam mais
complexas. Ao se reconhecer que existe uma desigualdade de acesso a direitos para o sujeito que
recebe a ação da política na ponta, já se procura definir ações que priorizem esse sujeito, que está
vivendo em uma condição inferior aos demais. O Ministério do Desenvolvimento Agrário - MDA se
destaca, neste sentido, em relação à Política para as Mulheres Rurais.
Já outros Ministérios têm uma incorporação um pouco mais normativa em relação à
perspectiva de gênero, indicando que isso está no PPA ou na designação de uma pessoa específica
para responder pelo tema. Verifica-se ainda dificuldade de relatar a sua experiência prática em
relação ao assunto. Não significa dizer que não exista algo em curso, que uma equipe não esteja
valorosamente trabalhando pelo objetivo, mas ainda se observa fragilidade para “encontrar eco ou
mais vozes” que se somem a estes esforços no interior de seu ministério. Observa-se não haver uma
prioridade por parte de quem toma a decisão em uma esfera acima de quem está respondendo pelo
tema. Nota-se “uma certa solidão” entre algumas gestoras e alguns gestores que não conseguem ir
além de uma meta que está escrita no PPA.
Entre estas diferentes percepções, ou nuances em que se observa o avanço da perspectiva de gênero em algumas áreas do governo federal, é central reconhecer que faz muita diferença o
papel exercido pela SPM para persistir nesse desenvolvimento, ressaltando-se a importância de gesIGUALDADE DE GÊNERO NA PRÁTICA DO GOVERNO FEDERAL – UM OLHAR A PARTIR DE ESTUDO SOBRE A TRANSVERSALIDADE
83
toras com uma trajetória ou com uma atuação ligada ao movimento feminista. Esta experiência lhes
permite contar com redes e mais ferramentas para sensibilizar as pessoas que estão no seu entorno,
ao seu redor, no seu ministério e nos demais espaços do governo e na relação com a sociedade civil.
Outro ponto a se destacar em relação à experiência brasileira, e isso aparece pouco na
literatura acadêmica sobre o tema - que muito se debruça sobre a experiência européia -, é a questão
da participação social. Uma hipótese que vale atenção é de que sobre o Brasil, em função dos processos de Conferências Nacionais impulsionados com os governos do Presidente Lula e de resultados
importantes que as Políticas para as Mulheres têm conseguido a partir de então, a exemplos dos
Planos Nacionais de Políticas para as Mulheres e da Lei Maria da Penha, haveria algo de diferente
a dizer sobre a política de “gender mainstreaming” considerando-se a participação dos movimentos
sociais como um fator mais acentuado que em outros países estudados na literatura.
Também a partir dessa hipótese, além das outras características do caso estudado mencionadas anteriormente, tentamos descrever quais são os fatores que contribuem para que tenha
sucesso a política de promoção da igualdade, de construção de autonomia das mulheres e de
superação das discriminações de gênero no Brasil.
Em síntese, trata-se de tentar identificar e apresentar os elementos que explicam o
bom funcionamento da política de forma transversal em relação aos demais ministérios, e também
dificuldades que constrangem o avanço das políticas para as mulheres a partir da estratégia da transversalidade. A seguir apresenta-se um resumo do que foi possível identificar a partir da pesquisa:
•• O já mencionado papel fundamental do Organismo de Políticas para
as Mulheres: motor que impulsiona, que gera informação, dados e questões,
que zela pelos processos por estar olhando especificamente para a inclusão das
mulheres, o que não necessariamente outras áreas fazem “de forma espontânea”. Revela-se fundamental a ação desse organismo específico, articulador das
políticas, com um projeto político bem definido.
•• A SPM como executora também de políticas. Além de iluminar questões
e problemas que provavelmente não teriam sido tratados se não fosse a existência
dos organismos específicos - “Você já tinha ouvido falar de quilombolas antes da
84
IGUALDADE DE GÊNERO NA PRÁTICA DO GOVERNO FEDERAL – UM OLHAR A PARTIR DE ESTUDO SOBRE A TRANSVERSALIDADE
SEPPIR existir? Ou será que existiria a Lei Maria da Penha antes de a SPM ser
criada?” – é importante reconhecer a SPM também como executora, além de
articuladora, de políticas. Isso exige estrutura física, de recursos humanos, políticos
e financeiros. O organismo não deve ser apenas o centro irradiador de expertise
sobre a agenda, mesmo sabendo-se que sua especialidade no tema é um recurso
valioso. Mas também por isso, a SPM deve ainda atuar como executora, porque há
demandas para as políticas públicas que se não forem assumidas por iniciativa este
órgão, não serão trabalhadas. É o caso do serviço disque 180, de denúncia em
casos de violência contra a mulher, que faz muita diferença na vida das mulheres.
•• A perspectiva feminista do projeto político do Organismo de Políticas para as Mulheres é igualmente importante porque não é suficiente apenas afirmar que se realiza política de gênero e despolitizar o conceito
de gênero, sem reconhecer que existe uma tensão política e ideológica em relação
ao sujeito mulher. É preciso reconhecer que há uma questão de poder colocada
na reivindicação de políticas para as mulheres, evidenciar um acesso desigual ao
poder em relação a homens e mulheres, quando se trata das políticas de gênero.
•• Para avançar nesta agenda, é preciso reunir capacidade técnica para negociação política, com habilidades de relacionamento interpessoal
e boa escuta. É preciso dedicar tempo para demonstrar, com fatos e dados,
a necessidade de afirmação das mulheres, em sua diversidade, como sujeitos
de direitos, perspectiva esta que nem sempre está visível para quem atua em
outro Ministério, com outras prioridades. É comum que estas/es servidoras/es
entendam muito de outros temas, mas que ainda não tiveram a oportunidade de
refletir sobre a condição da mulher, em suas múltiplas dimensões, sejam elas de
raça, classe, idade, se vive no campo ou na cidade, se sofre violência doméstica
etc., e assim por diante. É preciso contar com prioridade e tempo para efetivá-la.
Investir na capacidade de se inter-relacionar para falar no assunto é fundamental.
•• Perceber que a intersetorialidade é o começo é outro passo importante.
Isto é, entender que é mais difícil fazer a política transversal se antes, ou concomitantemente, não houver a aproximação por meio da ação intersetorial. Qual a
diferença de intersetorial para transversal? Uma compreensão possível é de que o
intersetorial aproxima interlocutores que não interagiriam se não houvesse a necessidade, em muitos casos até formal, de agir em torno de um problema comum,
IGUALDADE DE GÊNERO NA PRÁTICA DO GOVERNO FEDERAL – UM OLHAR A PARTIR DE ESTUDO SOBRE A TRANSVERSALIDADE
85
o qual ganha prioridade na agenda governamental. O Pacto de Enfrentamento à
Violência contra as Mulheres é um exemplo disso, por ter se tornado prioridade na
Agenda Social do segundo Governo do Presidente Lula. A partir dali, vários ministérios foram convocados a trabalhar junto em torno deste problema comum. No
trabalho intersetorial, cada um aporta seus conhecimentos, questões, expertises,
visões e recursos para resolução do problema comum. Juntam-se e cada um faz
a sua parte.
•• O “salto” da transversalidade, em relação à incorporação da perspectiva da
igualdade, está em continuar a fazer “a sua parte”, mas passando a agir para que este
trabalho contribua para a correção de desigualdades, no caso aqui, de gênero. Significa
incorporar também a perspectiva feminista, não sexista, antirracista e assim por diante,
em processos até então não permeados por estes olhares.
•• O trabalho é gradual. Então, sugere-se começar pela intersetorialidade, contar com
o encontro de áreas. Inicialmente, até sem expectativa de que já cheguem com a visão
de trabalhar para superação das desigualdades de gênero. Há casos em que isso ocorre,
há outros em que não, mas tal postura pode ser desenvolvida.
•• Portanto, investir em reuniões bilaterais também é importante, dado que muitas vezes os espaços de diálogo interministeriais coletivos não dão o tempo suficiente
para aprofundar certas questões. Em que pese o tempo escasso no cotidiano da gestão,
em geral as reuniões bilaterais são muito enriquecedoras, porque permitem tirar dúvidas
e conhecer um pouco melhor aquela outra pessoa, aquele outro projeto, aquele outro
ministério. E é ali que se pode aprofundar relações de confiança.
•• Contar com espaço de gestão intersetorial para negociação da transversalidade, a exemplo dos grupos de trabalho como o Comitê de Monitoramento
do PNPM, as Câmaras Técnicas do Pacto, os Comitês Gestores em geral, etc. Tal espaço
constitui uma estratégia importante porque formaliza o compromisso do conjunto de
áreas envolvidas na política em questão e impactam a institucionalidade. Reconhecer a
importância de formalizar este ponto de encontro, que é o lócus em que esses pactos
vão se dar em torno de como se pode avançar nessa política de igualdade, é um passo
importante. Mas vale lembrar que estes espaços não se bastam, sendo preciso combiná-los com outras estratégias para fazer avançar a política.
•• Do ponto de vista interno aos ministérios, os seus Comitês de Gênero trazem
86
IGUALDADE DE GÊNERO NA PRÁTICA DO GOVERNO FEDERAL – UM OLHAR A PARTIR DE ESTUDO SOBRE A TRANSVERSALIDADE
boas notícias, a exemplo do que se sabe estar realizando o Ministério do Meio
Ambiente, Minas e Energia, o MDS também, entre outros. A organização desses
Comitês é importante, mas deve ser vista como um passo inicial em um caminho
que é mais longo. Existe um desafio de tornar estes espaços cada vez mais estratégicos, em meio a dificuldades de disponibilidade de tempo e pessoas para
se reunirem, traçarem metas, contarem com a parceria do conjunto do ministério
para alcançá-las etc. Fazer política para as mulheres a partir de outras áreas não
significa criar um comitê apenas, mas pode ser um bom começo para impulsionar
estas políticas a partir deste comitê. Ele é uma célula viva para contar com pessoas
que incidam sobre as políticas do ministério, mas de uma forma estratégica, não
isolada.
•• Por isso é igualmente importante sensibilizar os atores principais para
a política de igualdade. Se a/o ministra/o ou mesmo a/o secretária/o
daquela pessoa que participa dos espaços intersetoriais, com toda dedicação e boa
vontade, não está convencido de que aquela política é importante, aquela pessoa
vai levar um bom legado para sua vida, o que já é positivo, mas ainda não terá
sido dado o salto de que se necessita para avançar a política para as mulheres
político e institucionalmente. Contar com uma estratégia para que tomadoras/es
de decisão nos níveis mais altos da hierarquia possam ser aliadas/os da agenda
é extremamente importante.
•• A idéia dos diálogos que geram entendimento também merece destaque. Valorizar espaços de reuniões em que se busca construir os argumentos
consistentes, recolher esses argumentos para desenvolver a política, e não por
“imposição da perspectiva feminista”, que por vezes pode causar incompreensão,
mal estar ou estranheza entre certas/os interlocutoras/es. Trata-se, então, de
tornar acessível a descrição da realidade comprovada das desigualdades que ainda
fazem de nossa democracia uma democracia em construção. De buscar a compreensão dos pontos de vista do interlocutor das outras áreas do governo e construir
conjuntamente objetivos para avançar no trabalho comum.
•• Reconhecer, portanto, uma co-responsabilidade em atender esse grupo da nossa população, as mulheres, para ganhar aliadas/os nesta construção.
Reconhecer que é preciso andar junto, que as ações de todas as áreas são tão
importantes quanto as do organismo específico de políticas para as mulheres, e
que é possível contar com a referencia histórica e atual de organizações feministas
IGUALDADE DE GÊNERO NA PRÁTICA DO GOVERNO FEDERAL – UM OLHAR A PARTIR DE ESTUDO SOBRE A TRANSVERSALIDADE
87
na sociedade civil para fortalecer a construção, a exemplo daquelas que estão
representadas no Conselho Nacional dos Direitos da Mulher.
•• Contar com especialistas, como consultorias ou com parcerias institucionais,
para acompanhar os espaços de desenho e implementação das políticas públicas,
produzindo estudos, é ponto de apoio importante para se construir a transversalidade. Esta percepção veio de depoimentos em mais de um ministério, que se
referiram à importância “da autoridade da SPM e do CNDM”, para trazer dados
com consistência, para desmistificar e desconstruir determinadas visões que estão
na sociedade que “naturalizam” determinados papéis em relação às mulheres, as
quais as políticas de igualdade têm o objetivo também de desconstruir.
•• Importante identificar e contar com uma nova geração de gestoras
sensíveis à questão de gênero. Observa-se depois de uma década do trabalho da
SPM um novo momento em relação ao que foi o período inicial de atuação da
Secretaria. Foram vividos vários processos em que servidoras/es tiveram a oportunidade de construir uma compreensão da necessidade de políticas com perspectiva
de gênero no interior do Governo Federal. As Conferências Nacionais que implicavam a atuação de delegadas/os governamentais de forma combinada, os cursos
de formação que a SPM ou outros ministérios e entidades externas ao governo
promovem são citados como exemplos de iniciativas que despertaram interesse e
aproximam servidoras/es ao tema.
•• A igualdade como questão de decisão política. Definir que a igualdade
seja colocada no centro da orientação das ações do governo federal é uma questão
de decisão política, o que também vale dizer para os governos estaduais e municipais. Desenvolver a transversalidade é também agir para que a definição de uma
política para todo o público reconheça que essa política deve olhar as mulheres de
forma específica. E a decisão de fazê-lo implica reconhecer que vivemos, dentro e
fora do Estado, relações de poder desiguais entre homens e mulheres. Atuar com
a transversalidade explicita este desafio. Como diria uma das gestoras ouvidas na
pesquisa, “significa ter a preocupação de atender as mulheres de forma diferenciada, porque as políticas não podem chegar de forma igual para todo mundo se, na
ponta, no cotidiano, não está todo mundo igual”. Essa construção da prioridade
política não é banal, não é menor, pelo contrario.
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IGUALDADE DE GÊNERO NA PRÁTICA DO GOVERNO FEDERAL – UM OLHAR A PARTIR DE ESTUDO SOBRE A TRANSVERSALIDADE
1. DIFICULDADES
•• Por isso por vezes verifica-se desânimo entre gestores e gestoras que não contam
com chefes atentos ou abertos a esse debate. É necessário não perder de vista que
estamos tocando relações de poder historicamente construídas, e em desvantagem
para as mulheres, como observa a Secretária Executiva Lourdes Bandeira.
•• Na visão de pessoas ouvidas pela pesquisa, o que dificulta também o
trabalho é o tempo do ciclo da gestão em relação ao tempo que urge por
transformações sociais de fundo para que nossa sociedade possa cada vez mais
viver em igualdade. Observa-se que o tempo da administração pública para
absorver importantes mudanças de valores, que devem orientar essas novas
Políticas Públicas, é diferente, infelizmente, do tempo da duração de uma gestão.
Encontramos relatos de pessoas de vários ministérios que afirmam estar engajadas
nas metas construídas com a SPM para o PNPM, por exemplo, mas o tempo se
mostra insuficiente para as expectativas e necessidades da SPM na produção de
indicadores, e para demonstrar determinada transformação da realidade como
decorrência das políticas para as mulheres em andamento.
•• Desafio de reunir informações que são produzidas por outros órgãos – O organismo específico, por outro lado, é um conector importante de
ações pela construção da igualdade, contando com ações dos ministérios para
seu plano nacional, a exemplo do PNPM. Mas não lhe cabe controlar a ação finalística, fazer a execução financeira destas ações e responder por elas aos órgãos
de controle. Isso não significa dizer que seu papel de “tradutor” das informações
geradas para a construção de indicadores pelo avanço da perspectiva da igualdade
de gênero e que sua parceria neste processo não sejam importantes. Por isso pode
ser útil tentar trabalhar com “certa tranqüilidade” para contar com quem está do
outro lado buscando fazer o que pode. E provavelmente descobrindo que pode
fazer ainda mais pelas mulheres.
•• Existem choques de visão entre as diferentes diretrizes que orientam algumas ações ministeriais, que nem sempre estão coadunadas, ou exatamente
alinhadas, com a concepção da política para as mulheres. Também a baixa capacidade de escuta entre o organismo específico e os ministérios setoriais, quando
ocorre, pode comprometer um bom processo em curso.
IGUALDADE DE GÊNERO NA PRÁTICA DO GOVERNO FEDERAL – UM OLHAR A PARTIR DE ESTUDO SOBRE A TRANSVERSALIDADE
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2. PROCESSO EM CONSTRUÇÃO
A noção de processo em construção pode ajudar a reconhecer que há avanços significativos sendo alcançados e que muitos desafios seguem colocados. Se considerado o tempo de existência das políticas para as mulheres no nível do Governo Federal, em “perspectiva de impaciência
histórica”, em relação ao lugar de subordinação das mulheres que estas políticas buscam superar,
pode ser pouco tempo para o que já se fez até agora. E ainda falta muito tempo para tudo que
é preciso transformar. Trata-se de um processo que está em construção, e essa percepção ajuda a
compreender, ainda que não verificados em todas as áreas, que o avanço para uma mudança na
definição das políticas na direção de maior inclusão das mulheres está em curso. Que cada ação é
relevante. Que cada retrocesso é perigoso também. O trabalho cotidiano de cada uma e de cada um
que está aqui é importante. A sensação de estar contribuindo, inclusive com questionamentos, para
mover alguma coisa na construção da igualdade deve ser sempre valorizada.
Essas são idéias gerais, muito simples até, que o trabalho com gestoras de políticas para
as mulheres por alguns anos, a pesquisa em 2011 e a vivência no Governo Federal desde março
de 2012, me permitem trazer hoje para compartilhar com as nossas reflexões e ações. Vamos
continuar dialogando.
REFERÊNCIA
PAPA, Fernanda de Carvalho. Transversalidade e políticas públicas para mulheres no
Brasil – percursos de uma pré-política. 2012. Dissertação (Mestrado em Administração
Pública e Governo), EAESP-FGV, São Paulo, 2012.
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IGUALDADE DE GÊNERO NA PRÁTICA DO GOVERNO FEDERAL – UM OLHAR A PARTIR DE ESTUDO SOBRE A TRANSVERSALIDADE
POLÍTICAS SOCIAIS
E GÊNERO COMO
INTERDISCIPLINARIDADE
E PARADIGMA
POLÍTICAS SOCIAIS E GÊNERO COMO INTERDISCIPLINARIDADE E
PARADIGMA
Lia Zanotta Machado1
Obrigada a Ministra Eleonora Menecucci, a Lourdes Bandeira, e a Sonia Malheiros,
por terem me convidado em nome da Secretaria de Política das Mulheres para uma palestra neste
Seminário de Capacitação de Mecanismos de Gênero no Governo Federal. Gostaria de começar,
situando-me. Participei dos anos 2005 até 2008 do Conselho Nacional dos Direitos da Mulher
(CNDM) como representante da Rede Nacional Feminista de Saúde e Direitos Reprodutivos. E como
representante do Conselho Nacional de Direitos da Mulher, participei naquele período, do Comitê de
Articulação do Monitoramento das Políticas Públicas para as Mulheres, instância e comitê, do qual
vocês, muitas de vocês e muitos de vocês participam agora. Tenho assim uma certa experiência, de
refletir, de montar plano, de pensar como delinear temáticas e definir metas a partir dos resultados
das Conferências Nacionais e então articulá-las com as políticas e especificidades de cada ministério. Por outro lado, faço parte do campo acadêmico como pesquisadora e professora antropóloga
onde uma das minhas especialidades é a questão de gênero, vinculada à questão dos direitos das
Mulheres. Ao me convidarem para essa palestra neste Seminário de Capacitação, propuseram-me
como tema: Políticas Sociais e Gênero como Interdisciplinaridade e Paradigma. Se a referência fosse
intersetorialidade e não interdisciplinaridade, seria tentada a entender que estava sendo demandada
para falar sobre o trabalho possível no Comitê de Articulação, pois lá o que está em foco, é como
tratar de gênero e direitos das mulheres, de forma intersetorial. Mas eu estou sendo demandada
para discorrer e debater gênero como interdisciplinar e como paradigma. Essa temática específica me
leva para o campo acadêmico. A noção de gênero é fundamental para delinear conceitualmente e
fundamentar pesquisas qualitativas e quantitativas com mais densidade. Espero que consiga aqui fazer a passagem entre o entendimento acadêmico a partir do meu lugar de pesquisadora e feminista
do que é a questão de gênero e a questão da interdisciplinaridade e se gênero é ou não paradigma
1
Lia Zanotta Machado Professora Titular de Antropologia da UnB, Dra. em Ciências Humanas pela Universidade de São
Paulo, 1980, especialista em Direitos das Mulheres e Violência de Gênero, autora de várias publicações e do livro Feminismo em
Movimento, Editora Francis, 2010.
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POLÍTICAS SOCIAIS E GÊNERO COMO INTERDISCIPLINARIDADE E PARADIGMA
conceitual e depois chegar a refletir sobre como a perspectiva de gênero é capaz de permitir uma
nova formulação e abordagem das políticas sociais. Por que gênero é interdisciplinar, e por que a
palavra interdisciplinar?
1. FEMINISMO E INTERDISCIPLINARIDADE DE GÊNERO
A palavra gênero e o entendimento de gênero como interdisciplinar no campo acadêmico, veio após a emergência do campo feminista político que aparece nos anos 60 nos Estados
Unidos. Farei também referência aos campos intelectuais acadêmicos e aos campos de políticas
públicas que se construíram em torno da temática de gênero nos países em que mais nos espelhamos e debatemos: Estados Unidos, Reino Unido e França. Poderia abranger muitos outros países,
mas esse é o universo com o qual o espaço brasileiro mais se comunica, e onde a articulação
das feministas brasileiras com feministas e intelectuais daqueles países fez e faz mais efeitos na
configuração do feminismo brasileiro. Hoje, é claro, há uma maior circulação entre os feminismos
latino-americanos que nos anos históricos dos seus inícios. No Brasil, o início do movimento feminista
tem muito a ver com mulheres que saíram do Brasil durante o período autoritário, pelo exílio forçado
ou voluntário em busca de formas de lutar pela democracia no Brasil e foram para a França, para
o Chile, e para os Estados Unidos. Houve assim uma densa circulação internacional de ideias entre
o que as mulheres feministas diziam nos anos 60 nos Estados Unidos e nos anos 70 na França e
o que foi dito, pensado e construído pelo emergente movimento feminista brasileiro ao final dos
anos setenta. É exatamente a movimentação feminista em todos esses países que é a fonte, e não
outra, de introdução das questões dos direitos das mulheres e da questão de gênero nos diferentes
campos intelectuais acadêmicos. Tanto no campo francês, como no americano, quanto no inglês, e,
depois no brasileiro, a questão de gênero somente entrou no campo acadêmico em decorrência da
movimentação feminista. As formas de entrada foram diferentes.
Nos Estados Unidos como se tinha já instalados no campo acadêmico, ao lado de departamentos de estudos disciplinares, centros vinculados a estudos interdisciplinares sobre questões
específicas temáticas, como os chamados Cultural Studies (Estudos Culturais), surgem os Women’s
Studies (Estudos das Mulheres) em centros com enfoque interdisciplinar. Depois se transformam em
Gender Studies (Estudos de Gênero) que continuam interdisciplinares. Constituem-se como pares
POLÍTICAS SOCIAIS E GÊNERO COMO INTERDISCIPLINARIDADE E PARADIGMA
93
acadêmicos em Estudos de Gênero: Filósofas, Cientista Políticas, Sociólogas, Antropólogas, Historiadoras, Profissionais e Pesquisadoras em Letras e Literatura. São grupos acadêmicos que já começam
de forma interdisciplinar. Na França não é nada disso, o conhecimento acadêmico se organiza basicamente através das disciplinas, e a chamada “cité universitaire” (cidade/citadela universitária) é
mais refratária inicialmente à entrada das questões feministas. Assim, os primeiros textos feministas
teóricos foram organizados e publicados em revistas propostas e organizadas pelas “teóricas feministas”, a partir de revistas organizadas pela movimentação feminista e não por revistas já presentes no
campo acadêmico. Era um grupo de intelectuais feministas que escreviam textos políticos e teóricos.
Se havia sempre essa intenção de fazer teoria, a politização estava sempre implicada.
É interessante como o feminismo sempre produziu além de uma politização social e
uma movimentação social, uma movimentação e politização do conhecimento. Tanto nos Estados
Unidos, quanto na França houve uma variedade de feministas em termos de posicionamento em
classes sociais e em segmentos sociais: operárias, mulheres de classe média, mulheres intelectuais,
estudantes, profissionais, mulheres donas de casa. Na França, desde o início, há diversidade de
origem de classe das mulheres feministas e de posição política: operárias, intelectuais, estudantes,
socialistas, comunistas, liberais. A politização do conhecimento é levada adiante pelas feministas intelectuais que querem a introdução das relações de gênero no campo acadêmico, até então invisibilizadas. Nos Estados Unidos a movimentação começa um pouco mais concentrada na classe média,
entre intelectuais, estudantes e entre mulheres brancas, mas é lá que, depois aparece claramente
o movimento do feminismo negro. Será o feminismo negro que, claramente, propõe a intersecção
entre classe, raça e gênero; questões postas por Collins (1990) de forma inovadora que passam a
ter lugar em todo o conhecimento feminista e teórico. Por diferentes caminhos e diferentes momentos, tem-se uma entrada muito forte da politização no campo social pelos vários segmentos sociais
diferenciados das feministas, às vezes se contrapondo, às vezes convergindo, transformando-se, e
entrando sempre em movimentação.
O desafio está posto no campo de conhecimento e é incessante. Na França, os estudos
de gênero começaram como estudos disciplinares na História, com a História das Mulheres, na
Sociologia e na Antropologia, com o estudo das chamadas “relações sociais de sexo”, na Literatura
e na Psicanálise, com os estudos das “escritas femininas” e das “estruturas psíquicas femininas”.
94
POLÍTICAS SOCIAIS E GÊNERO COMO INTERDISCIPLINARIDADE E PARADIGMA
O desafio é grande. Para a historiadora Michelle Perrot (1994), uma das intelectuais pioneiras
feministas, sua tentativa de fazer doutoramento sobre a história das mulheres, não se realiza de
imediato. É levada a fazer a tese sobre a movimentação das mulheres operárias. Somente depois,
como professora reconhecida é que consegue levar adiante o projeto de uma História das Mulheres.
Na França, a divisão disciplinar é hegemônica e os modos de focalizar a questão de gênero são bastante diferenciados segundo a pertença a uma disciplina ou outra. A pertença disciplinar
parece duplicar a contraposição entre dois tipos de feminismo que logo se configuram depois de um
início conjunto e convergente da movimentação feminista francesa, chamada de “movimentação
pela liberação das mulheres”. As feministas das disciplinas, especialmente, da psicanálise, das letras
e da filosofia, em especial constroem um tipo de feminismo que se dizia “diferencialista”, pois se
posicionavam contra a univocidade do masculino. Contrapunham-se ao pensamento hegemônico de
pensar toda a cultura a partir da égide do uno, do idêntico, cujo modelo seria o masculino. A proposta
era a de construir fortemente a noção do feminino, enfocando e reforçando a presença e os valores
culturais diferentes das mulheres, valores que deveriam ser mantidos, contrapondo-se, no entanto,
ao lugar inferior dado às mulheres e a seus valores. Eram contra a inferiorização dos valores femininos, mas os essencializavam, transformavam tais valores em valores que essencialmente eram diferentes. Propunham que haveria uma certa eternidade do feminino que se expressaria numa forma
de escrita feminina e numa estrutura psíquica feminina. Se vocês olharem culturalmente, é possível
identificar uma certa forma de escrita feminina em algumas escritoras e literatas, como é o caso das
sempre referidas escritoras brasileiras Clarice Lispector e Nélida Piñon: um alto grau de introspecção,
e frases que não terminam, fazem circunvoluções e se enredam, parecendo se contrapor a qualquer
reflexão no sentido da “reta” entre dois pontos que seria o pensamento masculino chamado de
falo-logocêntrico. Por outro lado, como diz o Sociólogo francês Pierre Bourdieu, em pesquisa por
ele realizada, apresentadas redações escritas por alunos, meninos e meninas, a vários leitores, os
leitores não souberam acertar se os autores eram homens ou mulheres. Formas mais identificadas
pelo feminismo diferencialista como masculinas eram escritas por homens e mulheres e formas mais
identificadas como femininas eram escritas por homens e mulheres. A Psicanálise Lacaniana inspirou
feministas francesas a entenderem que há fronteiras entre a estrutura do feminino e a do masculino
no simbólico, mas com a ressalva que, se homens e mulheres tendem a se colocar reciprocamente
POLÍTICAS SOCIAIS E GÊNERO COMO INTERDISCIPLINARIDADE E PARADIGMA
95
na posição do masculino e do feminino, é sempre possível que homens se coloquem na estrutura
simbólica feminina e mulheres na estrutura simbólica masculina. Podem se constituir ou serem
constituídos em posições inversas, apesar da tendência convergente de homens para o masculino e
mulheres para o feminino. Então vejam que a Psicanálise já faz uma ressalva, já não são homem e
mulher obrigados a estarem no masculino e no feminino. Contudo, propõe-se a existência de uma
estrutura psíquica do feminino e uma estrutura psíquica do masculino.
Vejam como o próprio conhecimento, do meu ponto de vista, vai mexendo com as
categorias do masculino e do feminino. Antes do feminismo dos anos setenta, a diferença de gênero
era a diferença de sexo posta no biológico e era a diferença percebida como inferioridade do sexo feminino. Nos anos setenta e oitenta com o feminismo igualitarista e com o feminismo diferencialista,
a diferença de sexo deixa de estar assentada no biológico. O feminismo igualitarista que, na França,
foi desenvolvido teoricamente pelas feministas no campo acadêmico das disciplinas de História, Sociologia e Antropologia, propugna a igualdade de gênero e considera todas as diferenças produções
sociais e culturais, portanto transformáveis. Mas o feminismo diferencialista repõe a diferença de
sexo na dimensão do cultural e do simbólico, como uma diferença essencial, não transformável,
mas em que o feminino não é visto como inferior, mas como diferente. Os homens concretos e
as mulheres concretas é que podem se distribuir por essas duas estruturas, obedecendo ou não à
tendência dominante de se dirigir a uma ou a outra.
2. GÊNERO COMO CONSTRUÇÃO CULTURAL E COMO PARADIGMA
Hoje, no modo atual tendencial da produção de conhecimento feminista e no meu
entender, pode-se perceber a necessidade de relativizar qualquer forma de definir estilos de escrita e
de características psíquicas a serem considerados mais femininos ou mais masculinos, assim como é
impossível marcar fronteiras nítidas entre o feminino e o masculino. A construção do feminino e do
masculino assim como a construção de uma polifonia de gênero e de orientação sexual, são sempre
construções culturais, sociais e históricas, e, portanto transformáveis. A produção cultural das diferenças é contínua, assim como é contínua sua desconstrução e transformação. Hoje, longe dos anos
setenta, nós temos que prestar atenção naquilo que o feminino tem, pode ter ou pode deixar de ter
96
POLÍTICAS SOCIAIS E GÊNERO COMO INTERDISCIPLINARIDADE E PARADIGMA
de diferente, sem jamais essencializar ou tornar “natural”, pois sempre se trata de uma construção
cultural. Ao pensar em políticas públicas qualquer característica hoje é fundamental pensar no lugar
de reprodução das mulheres advindo do lugar diferencial em termos biológicos e que tem efeito na
reprodução social, pela forma em que a reprodução biológica é imediatamente percebida social e
culturalmente como reprodução social.
Já se diz que não é o biológico determinando o cultural, nem o econômico determinando o cultural. Essa relação entre como se percebe, socialmente, a capacidade de reprodução
biológica da mulher, e como se imagina e se concebe o que deve ser o cuidado das mulheres e/
ou dos homens em relação às crianças é variado, absolutamente variado, e depende do olhar da
cultura. Mas preciso voltar um pouquinho na história do feminismo: essa discussão posta pelo
feminismo diferencialista na relação com o feminismo igualitário é importante porque me permite
chegar à configuração atual da questão de gênero que supera a dicotomia entre igualdade e diferença. Para o feminismo da produção da igualdade, desde o começo, o que mais importava é que se
lutasse por uma igualdade entre homens e mulheres. No entanto, no seu começo, o feminismo da
igualdade muitas vezes era pensado e se pensava como feminismo da identidade: se todos temos
que ser absolutamente iguais, homens e mulheres, teríamos que ser idênticos? Sempre, no entanto,
a perspectiva fundamental foi, era e é a questão da igualdade de direitos: não importa se nós
sejamos mais vistos culturalmente como femininos ou masculinos, não importa a escolha de estilos
de personalidade, estilos de aparência, estilos de escrita, estilos de fala, formas de sexualidade, o
fundamental é que, sejam mais ou menos marcadas ou desmarcadas as fronteiras entre as formas
masculinas e femininas, todos homens e mulheres tenham plena igualdade de direitos.
Na concepção hodierna dos estudos de gênero e sexualidade, as fronteiras de gênero ultrapassam de longe quaisquer diferenças entre homens e mulheres. Hoje se fala na produção cultural
de diversos outros gêneros. Ao se pensar na constituição de gênero, a questão da sexualidade, mais
do que simplesmente sexo, entra fortemente através das opções ou das orientações de sexualidade.
Permite que o gênero seja e abarque, como diz a filósofa americana Judith Butler (1990), uma proliferação de gêneros, homens e mulheres, heterossexuais e homossexuais, lésbicas, gays, travestis,
POLÍTICAS SOCIAIS E GÊNERO COMO INTERDISCIPLINARIDADE E PARADIGMA
97
transexuais, transgêneros e várias outras categorias. A questão de gênero implica não só o modo
pelo qual eu me constituo como estilo feminino, masculino, como eu me visto, como eu penso, etc.,
mas também implica em determinadas formas de sexualidade que exercemos. Hoje, estamos longe
da ideia de que haja uma diferença eterna entre homens e mulheres biologicamente assentadas e
simbolicamente reproduzidas. A igualdade politicamente é que é importante. O fundamental é que
se tenha a capacidade de valorizar politicamente, da mesma forma, todas as nomenclaturas possíveis de gênero da sociedade atual, todas as escolhas sexuais e todos os estilos de estética e modo
de vida. É por isso que hoje tanto se fala e se exige, ao mesmo tempo em respeito à diversidade e à
igualdade. A busca da igualdade não é a busca da identidade única, é a busca da igualdade política
de direitos e do respeito à diversidade de estilos de vida, de estilos de sexualidade, de exercícios
de opções, enfim, da diversidade de perfis emocionais. Hoje nós tornamos mais complexa a noção
de gênero. Por quê? Porque sobre o gênero agora se tem uma grande certeza: não há consenso
nenhum, nem essência nenhuma sobre o que é masculino e o que é feminino. O conceito de gênero
complica, pois ele não mais admite dizer o que é o masculino, o que é o feminino, o que é o ser
lésbica, o que é o ser gay. Não define nenhum dos gêneros nem quantos são, os estudos de gênero
afirmam que há uma proliferação de formas de ser e de se construir. Se há um consenso hoje nos estudos de gênero é que não há uma constância da definição do que é masculino e do que é feminino.
Duas foram as metodologias nascidas das movimentações feministas e de sua inserção
no campo acadêmico e político do conhecimento: primeiro os estudos de mulheres e depois os estudos de gênero. Podemos falar da construção de um novo paradigma metodológico pelas análises de
gênero diante da proposta metodológica dos estudos sobre mulheres. Ao se afirmarem os estudos
das relações de gênero a partir dos anos oitenta, passa-se a estar diante da afirmação compartilhada
da ruptura radical entre a noção biológica de sexo e a noção social de gênero, de sua construção
cultural e da afirmação do privilégio metodológico das relações de gênero, sobre qualquer substancialidade das categorias de mulher e homem ou de feminino e masculino. Já o afirmava neste
termos: Gênero como paradigma (Machado,1998). É clássica na Antropologia britânica a inscrição
em 1980 do conceito de gênero por MacCormack e Strathern: Nature, Culture and Gender. Afirma-se, ao mesmo tempo, a transversalidade de gênero, isto é, o entendimento de que a construção
98
POLÍTICAS SOCIAIS E GÊNERO COMO INTERDISCIPLINARIDADE E PARADIGMA
social de gênero perpassa as mais diferentes áreas do social e se constitui como interdisciplinar.
Para a posição paradigmática dos estudos de gênero é ainda fundamental a afirmação de que a
análise das relações sociais e dos processos sociais, somente se faz quando se leva em conta as
posições distintas dos sujeitos segundo o gênero, interseccionado com classe e raça/etnia, nas mais
diferentes sociedades e contextos.
3. A DIVERSIDADE DAS MULHERES E OS OBJETIVOS DAS POLÍTICAS
SOCIAIS DE IGUALDADE DE GÊNERO
O desafio é grande na hora em que se vai pensar a política social e em como se dá
a relação entre os movimentos feministas e o Estado. Como é possível atender essas diferenças,
essa diversidade? Se não há constância da definição de qualquer gênero, e não há identidade
dentre todas as mulheres, e se temos que dar conta da diversidade, de outro lado há problemas
que culturalmente afetam mais as mulheres. É evidente que, ao se pensar em grandes amostras,
pode-se dizer que, algumas questões são mais pertinentes às mulheres e outras mais pertinentes
aos homens. Mas sempre temos que pensar que qualquer atendimento diferenciado para mulheres
e homens e para distintos estilos de vida, ocupações e situações sociais, tem que ter como objetivo
máximo a igualdade de direitos: políticos, sociais e civis. O movimento feminista hoje no Brasil e no
mundo, cada vez mais, propõe que o desenvolvimento da igualdade de gênero chegue a alcançar as
mais diferentes formas de viver e de fazer política. O senso comum às vezes pensa que o feminismo
já alcançou seus objetivos, já “chegou lá”, ou que a sociedade já alcançou o caminho “natural”
do futuro no rumo da igualdade de gênero. Falta muito para construir o fim da desigualdade de
gênero, e para construir uma igualdade de direitos em relação à diversidade de estilos de vida e de
opções que se organizam em torno da proliferação de gêneros na sua intersecção com raça e classe.
Igualdade e diversidade tornam complexas as formas de se demandar e fazer políticas sociais. Nas
Conferências Nacionais de Políticas Públicas para as Mulheres cada vez mais emerge a defesa das
especificidades de identidades diversas. São as vozes das mulheres negras, das mulheres lésbicas,
das mulheres ribeirinhas, das mulheres que quebram coco, das mulheres das florestas, das jovens,
das mais velhas.
POLÍTICAS SOCIAIS E GÊNERO COMO INTERDISCIPLINARIDADE E PARADIGMA
99
As demandas em torno da questão de gênero, tal como concebidas hoje, fazem efeitos:
ao valorizarem-se as identidades específicas e a noção de abrangência, as diversidades acabam
sendo reforçadas pelas movimentações feministas desde que não entendidas como restritivas ou
eternizadas. Então, esse é um ponto, eu diria que a ideia, a noção de gênero, produziu o efeito
de que não se falasse apenas de condição da mulher no singular, mas que se falasse de mulheres
diversas no plural, e que se falasse de gêneros no plural. Se nós pensarmos em momentos iniciais
do feminismo onde o conceito de gênero não havia emergido, mas se falava apenas de diferença de
sexo e da condição da mulher como sinônimo de todas as mulheres, poderemos nos dar conta mais
acuradamente do processo de complexidade que o conceito de gênero trouxe para o feminismo e
para as políticas sociais. Voltemos na história para um nome expoente do pioneirismo do feminismo
da metade do século passado. Simone de Beauvoir foi uma grande precursora do feminismo
francês. Feminista, escreveu o livro sobre o “Segundo Sexo” em 1949, antes mesmo da grande
movimentação feminista dos anos setenta que vai às ruas e que alcança a repercussão mundial hoje
tão conhecida.
O que há de novidade entre hoje com a noção de gênero e a forma de pensar de Simone
de Beauvoir? Simone de Beauvoir tinha uma dificuldade muito grande de trabalhar com o sexo
biológico feminino, porque achava que o sexo biológico das mulheres era um fator limitador, fazia
referência à menstruação e à reprodução. Entendia-os como fatores limitadores frente à possibilidade
de se desenvolver como um ser humano com projeto social. O projeto social é o que faz do humano
um sujeito, segundo a ideia sartriana existencialista. Assim, para Simone, as mulheres tinham que
superar duas coisas: a inferioridade social a elas imposta que fez do sexo feminino o “segundo
sexo” e as desvantagens e limitações do sexo biológico feminino. As mulheres ao se proporem um
determinado projeto social deixariam de serem consideradas inferiores. Este é um dizer bastante
precursor identificado com o feminismo da igualdade. No entanto, sua visão negativa do lugar do
sexo biológico, de alguma forma, dificultava a visão de sua igualdade. Era como se o sexo biológico
continuasse a ser uma das razões para seu lugar cultural inferior. Estava implícita uma dicotomia
entre natureza e cultura.
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POLÍTICAS SOCIAIS E GÊNERO COMO INTERDISCIPLINARIDADE E PARADIGMA
4. GÊNERO, SEXUALIDADE E CORPO
Hoje, temos a noção de que natureza e cultura não são coisas tão distintas, em que
uma, a biológica, determina a outra, a cultural. Hoje se as pensa como estando entranhadas. O que
chamamos de biológico, é sempre definido a partir do cultural. É a partir do lado cultural que se diz
se o sexo biológico inferioriza ou não, porque o sexo biológico não faz nada, o efeito de inferiorizar
ou não advém de uma definição que se dá no interior das relações sociais e culturais. A noção de gênero, e não a de sexo biológico, é aquela que faz o corte, que mostra que há um arbitrário cultural.
Não é o sexo que determina o gênero, mas é o gênero que, na verdade, a partir do próprio gênero ou
da própria concepção de gênero que vivo e experimento que faz com que eu veja o sexo. É a partir
do gênero que se atribui causas, características e determinações ao sexo biológico.
Li um texto muito interessante autobiográfico de João W. Nery (2011) - Viagem
Solitária, Memórias de um Transexual Trinta Anos Depois - cujo autor foi entrevistado em vários
programas de televisão. Trata-se de um autor cujo sexo biológico é mulher, que é referido como
female to male, ou seja, alguém que se transformou de mulher (com aparato biológico fêmea) em
homem (com aparato biológico macho). No Brasil, é o primeiro homem transexual que muda de
identidade social, um dos primeiros ou o primeiro que introduz modificações cirúrgicas e hormonais
no seu corpo, além de mudar sua forma aparente de se vestir e apresentar. É impressionante como
os seus relatos mostram como é a partir da noção que ele tem do que é ser homem e de que ele
é homem, que não consegue viver o seu corpo de mulher. Vê, percebe e sente a questão do sexo
e do corpo a partir do modo pelo qual se constituiu social e psicologicamente. Quer dizer, não é o
sexo que determina sua percepção do seu sexo e do seu corpo, é de um outro lugar, do modo como
concebe a ideia do masculino e do feminino (do gênero) que concebe o entendimento do sexo,
do corpo e da sexualidade. A tragédia dele é ter um corpo feminino, a tragédia dele é se olhar no
espelho tendo relação sexual e ver que seu corpo não corresponde a como ele se entende: homem.
O autor escreve muito bem, e mostra como é de um lugar cultural de gênero que se percebe o sexo,
que, portanto, gênero e sexo estão entranhados, mas que o acesso ao significado é sempre através
da dimensão cultural das relações sociais onde se constroem as percepções psíquicas.
POLÍTICAS SOCIAIS E GÊNERO COMO INTERDISCIPLINARIDADE E PARADIGMA
101
Não há assim, no meu entender, um primeiro sexo e um segundo sexo como diz
Simone de Beauvoir fora da dimensão cultural de gênero. A importância do corpo não é uma
instância metafórica, ela é fundamental, mas ela deve ser percebida junto ao cultural, pois é a
densidade cultural que faz ver e construir estilos, gêneros, corpos, sexualidades. É dando o peso e a
densidade à dimensão das relações sociais e culturais que se pode pensar o lugar de sujeitos sociais e
políticos e pensar o que se pode fazer para lutar incessantemente pela igualdade de gênero, levando
em conta as posições diferenciais e desiguais dos sujeitos sociais mulheres na sua diversidade. Esta
é uma questão fundamental para as pesquisas feministas de gênero, aquilo que trouxeram de novo
para o campo acadêmico e para o campo das políticas sociais.
5. POLITIZAÇÃO E INOVAÇÃO DOS ESTUDOS DE GÊNERO NO CAMPO DO
CONHECIMENTO
As pesquisas de gênero fazem o caminho interdisciplinar e como elas estão preocupadas
com o conhecimento e politizam o conhecimento mudam muito as formas de saber e conhecer.
Escrevi textos: “Campo Intelectual e Feminismo” (1994) e “Estudos de gênero: para além do jogo
entre intelectuais e feministas” (1997) em que faço a crítica ao conhecido sociólogo francês Pierre
Bourdieu, (1990), autor de “La Domination Masculine”, que coloca em dúvida que os estudos
feministas tenham trazido algo de novo para o campo acadêmico, pois, segundo ele, a questão
tradicional do estudo da divisão sexual do trabalho já apontava e resolvia as questões trazidas pelo
feminismo. Sua pergunta poderia ser assim traduzida livremente: “Vocês feministas, o que estão
trazendo de novo?” Para Bourdieu, tanto na Antropologia, como nas Ciências Sociais, a tão velha
questão da divisão sexual do trabalho sempre esteve presente. Não haveria nada de novo ao dizer
que as sociedades dividem os seu trabalho sexualmente. O autor já faleceu, e já escreveu outro
texto atenuando o dito crítico. Considero, no entanto, importante afirmar aqui que há novidade nos
estudos feministas de gênero, contrariamente ao que o autor escreveu. As abordagens tradicionais
da antropologia e das ciências sociais simplesmente descreviam como realidade a divisão sexual do
trabalho. Ela se repetia nas sociedades africanas, nas sociedades indígenas da América do Norte e do
Sul, nas sociedades orientais. Esses estudos antes do feminismo o que traziam de volta ao mundo
ocidental? Ao tratarem da divisão sexual nas mais diferentes sociedades como fenômeno a ser
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POLÍTICAS SOCIAIS E GÊNERO COMO INTERDISCIPLINARIDADE E PARADIGMA
descrito, naturalizava-se o princípio da divisão sexual, mesmo que seus formatos fossem diferentes.
Assim se produzia um processo de “naturalização”, a que chamei de “naturalização de segundo
grau”, produzida pelo próprio meio acadêmico: isto é, a divisão sexual parecia decorrer da natural
existência da diferença sexual biológica. A fala acadêmica enfatizava o processo como “natural”.
Construía-se assim a mensagem de que se para as outras sociedades sempre há divisão sexual do
trabalho, é por isso que a divisão sexual também se dá na nossa sociedade...
Digo que muitos autores do campo acadêmico, inclusive Bourdieu, mesmo depois do advento do feminismo, continuam trazendo de volta, a mesma coisa: reiteram, naturalizam, e acabam
por terem o efeito de legitimar a divisão sexual do trabalho. A ideia de dominação masculina, tal
como formulada por Bourdieu incide no risco de naturalizá-la, pois o autor a ela se refere como quase
inerente à ordem social, como prática e regra, quando, ao contrário, do olhar paradigmático da
metodologia feminista de gênero, a dominação masculina deve ser lida como se dando em processo
relacional, onde as posições e os olhares de mulheres e de homens sempre as percebem diferentemente. Ao se dizer sobre a dominação masculina segundo o paradigma metodológico feminista de
gênero, tratam-se de relações sociais em processo que, tanto podem estar sendo reinventadas, como
podem estar sendo transformadas e colocadas em jogo. Segundo o paradigma feminista de gênero,
aponta-se e critica-se ao mesmo tempo a dominação masculina por não considerá-la fenômeno
quase imutável, entendendo que as relações sociais são sempre vividas a partir de posições diferenciadas de sujeitos e em processo e estão sempre sendo transformadas. Quando o campo acadêmico
naturaliza a divisão sexual do trabalho, reforça o senso comum do funcionamento do mercado de
trabalho que reproduz a diferença de salários entre os gêneros, e o senso comum de uma natural
vocação exclusiva das mulheres ao cuidado da casa e dos filhos. Pela entrada do paradigma feminista de gênero nas mais diferentes disciplinas é que se traz para o campo acadêmico a ideia de
rever e de não refazer a naturalização no gênero tal como ela está, mas de pensá-la em mudança.
Buscarei agora responder a uma pergunta antropológica conjectural que advém da teoria de um eminente antropólogo, também francês, Lévi-Strauss. Para Lévi-Strauss, a sociedades
se dividem em dois grandes tipos: as sociedades quentes e as sociedades frias. As sociedades
POLÍTICAS SOCIAIS E GÊNERO COMO INTERDISCIPLINARIDADE E PARADIGMA
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quentes são as sociedades modernas que adotam positivamente a ideia de mudança. Mudam, estão
mudando, e seria por isso, que nestas nossas sociedades modernas falamos de mudanças na divisão
sexual do trabalho, por isso é que estaríamos mudando as formas de construção de gênero. Mas as
sociedades frias, segundo Lévi Strauss, elas mantêm e repetem eternamente a sua tradição, pois o
seu valor é a tradição e não a mudança. Assim, e nesse sentido, autores antropólogos entendem que
a noção de gênero talvez nem seja adequada para o uso nas sociedades indígenas, pois naquelas
sociedades, não haveria a ideia de que as relações de gêneros possam ser repensadas ou mudadas.
Contudo, hoje há também uma forte crítica, não somente advinda do campo feminista, no campo
antropológico deste entendimento da noção de tradição.
Hoje, considera-se por muitos que esta noção, da forma como foi concebida nos inícios
da antropologia britânica e francesa, é uma noção reificada. Não é mais a “verdade única” dentro da
Antropologia. Por quê? Porque tem várias questões que exigem o repensar da questão da tradição.
Não há tradição que não se mantenha por uma vontade política de uma comunidade, portanto a
tradição não é uma coisa inerte fisicamente. A ideia de trazer uma metáfora da física aqui, é minha
pois, no meu entender, a palavra inércia e repetição, foram fundamentais, ao lado de outras palavras/conceitos que significam seus opostos, foram fundamentais para o desenvolvimento da física.
Considerar a tradição como uma inércia, poderia ser uma noção da física. Isso não é Sociologia,
isso não é Antropologia. Para se manter uma tradição, nunca se a mantem exatamente como é ou
como era: para se manter há que ter vontade política. E se é possível manter, é possível modificar,
modificar pouco, flexibilizar, reinventar, sempre em contexto e dentro da densidade do contexto.
Há textos relevantes como o de Sahlins (1990) onde fala da reinvenção das tradições
(Ilhas da História) e onde explicita que o conhecimento antropológico advindo do conhecimento da
sabedoria dos povos tradicionais indígenas permite dizer que “uma tradição sempre implica alguma
consciência”, que a “consciência da tradição implica alguma invenção”, e que a “invenção da tradição implica alguma tradição” (1990, p.89). Wagner (2011) em seu livro: “A invenção da cultura”
enfatiza o sentido social da construção e transformação das culturas no interior das relações sociais.
As tradições são inventadas e reinventadas, elas não são inertes e nem se reproduzem inertemente.
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POLÍTICAS SOCIAIS E GÊNERO COMO INTERDISCIPLINARIDADE E PARADIGMA
Se nós pensarmos e devemos pensar sobre a existência das diversidades culturais que se conformam
delimitando fronteiras culturais, também devemos pensar nas interações entre as diversidades culturais e, sempre que se tratam de relações sociais e culturais em contexto e em processo. Assim, as
relações de gênero nessas sociedades seguem tradições distintas das nossas, mas se constituem em
processo e a partir das posições de sujeitos diferenciados. Assim, não há uma visão uniformatada
de toda uma cultura. Esta é uma ilusão, talvez criada, ao se pensar as sociedades como absolutamente outras, como logicamente opostas às nossas, tal como a oposição dicotômica clássica, mas
ultrapassada dos termos durkheimianos de consciência coletiva e consciência individual. Isso seria
reificar a noção de tradição e desconsiderar a força e complexidade das relações sociais de gênero
e o seu caráter dinâmico. Considerar, no entanto, a diversidade cultural é fundamental, desde que
não se a reifique.
6. TRANSFORMAÇÕES DE GÊNERO E DIVERSIDADE CULTURAL
Temos que pensar não somente nas diferenças advindas das diversidades culturais no
interior dos nossos sistemas sociais com seus diferentes estilos e formas de vida, mas também
como sistemas sociais distintos, como é o caso relevante das sociedades indígenas no Brasil. Isso
não significa que a cultura seja um lugar eterno, nem que o masculino seja eterno, nem que o seja
o feminino. A cultura se constrói na movimentação das relações sociais, portanto, onde os sujeitos
se situam em posições sempre diferenciadas, mesmo nas sociedades onde a divisão do trabalho se
distingue especialmente pela diferença de gênero e idade e se organiza em torno do parentesco e/
ou das facções e metades. A alteridade não é pensada apenas em relação às sociedades indígenas.
Uma forma de alteridade que toma cada vez mais atenção das movimentações feministas e do campo intelectual de gênero é o mundo oriental onde as formas hegemônicas das
relações de gênero introduzem uma forte desigualdade em termos de direitos e de possibilidades
de escolha de estilos de vida. Face ao recente cuidado e atenção com a necessidade de respeito
aos direitos à diversidade cultural, eu já ouvi dizer assim: “Vamos esquecer a questão das mulheres
do Oriente porque eles têm lá uma cultura diferente, nós temos que respeitar.” Estive nos Estados
Unidos em 2009 e 2010 e fiquei surpreendida, do ponto de vista brasileiro de que a esquerda crítica
POLÍTICAS SOCIAIS E GÊNERO COMO INTERDISCIPLINARIDADE E PARADIGMA
105
considerava politicamente incorreto denominar determinados crimes de violência doméstica como
crimes de honra. Qual a razão? Pois esta nomenclatura somente era atribuída aos crimes contra
mulheres, filhas, enteadas, esposas, quando se tratavam de crimes cometidos por imigrantes dos
países orientais. Em contraste, no Brasil, nós feministas falamos que os crimes domésticos contra
mulheres referem-se ao poder patriarcal de gênero que é todo significado em torno da ideia de honra
das famílias e da honra dos homens. Denominei que as famílias, historicamente, se organizaram em
torno do “código relacional da honra”. A honra do homem, neste código, depende da fidelidade da
esposa e da virtude das filhas e das irmãs no longo percurso da história. Foram histórias que compartilhamos no passado, mas em grande parte ainda no presente, em formatos bastante semelhantes,
mas não idênticos, não apenas no mundo oriental, no mundo ocidental mediterrâneo, mas também
no mundo anglo-saxão.
Surpreendi-me também com colegas intelectuais feministas que se manifestaram contra
a organização feminista internacional que fazia campanha contra o apedrejamento das mulheres
que traem seus maridos, em países do oriente. Entendiam que, o alvo das campanhas deveriam
ser as Guerras declaradas contra esses países pelos Estados Unidos em nome dos direitos humanos.
Entendiam que a manipulação do uso dos direitos humanos pode ser muito forte, com a supressão
de determinado apoio econômico a um país porque não obedece o respeito aos direitos humanos
dos gays, ou da mulheres, por exemplo. Entendi e considero relevante a percepção crítica das
intelectuais ao uso e manipulação dos direitos humanos em nome de poderes de Estado contra
Estado. Sobre a Guerra contra o Afeganistão, por exemplo, muito foi dito em nome dos direitos das
mulheres. Evidentemente fez efeitos positivos para os direitos das mulheres, mas foi um desastre
em termos dos tormentos de uma Guerra para homens, mulheres e crianças. Pergunto-me, no
entanto, por que nós feministas não podemos fazer as duas críticas ao mesmo tempo? Denunciar
as guerras devastadoras e ao mesmo tempo continuar a fazer a crítica ao apedrejamento de mulheres, aos direitos suprimidos de gays e lésbicas, por quê? O que estaria em jogo, nesta negação
por algumas feministas intelectuais americanas, de uma das metas fundamentais do feminismo
internacional como a campanha contra o apedrejamento de mulheres? Analiticamente, entendo que
seja o recente crescimento internacional da defesa dos direitos à diversidade cultural. O medo de se
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POLÍTICAS SOCIAIS E GÊNERO COMO INTERDISCIPLINARIDADE E PARADIGMA
reconhecerem como universalistas e não respeitarem o princípio do relativismo cultural. Contudo,
entendo que o conceito de cultura e de diversidade cultural que parece embasar estas asserções,
está absolutamente equivocado.
As culturas não são uniformatadas e não fazem desaparecer os conflitos entre as posições diferenciadas dos sujeitos no entranhado das relações sociais. Não existe nenhuma cultura,
nenhum código relacional da honra que consiga, quer esteja inscrito no código penal e civil, quer
esteja inscrito na memória oral e na inscrição dos desejos e emoções dos sujeitos, que consiga anular
a diferença de sentimentos, de emoções e de sofrimentos entre o sujeito do ato violento ou do ato
punitivo em relação ao sujeito que recebe e sofre o ato violento ou o ato punitivo. Não há mulher
apedrejada que não sofra ao ser apedrejada, porque sabe que se trata de um ato compartilhado
pela hegemonia do contexto cultural ao qual pertence. Ela sente a pedra que a mata, ela sente a
violência psicológica que a amordaça. As posições sociais dos agentes sociais são distintas, porque as
posições de poder, hierarquia e prestígio nas relações de gênero são extremamente desiguais. Esta
é uma grande questão e um grande ensinamento que o feminismo traz. Nós temos que estudar as
relações de gênero nas diferentes sociedades, diferentes culturas, respeitá-las, mas sempre verificar
as posições diferenciadas dos sujeitos. A pesquisadora e o pesquisador tem que levar em conta o
ponto de vista situado dos sujeitos mulheres nas relações de gênero e da mesma forma se situar a
partir de um ponto de vista que busca desvendar as relações de desigualdade e poder. Teóricas feministas como Sandra Harding (1990 e 2004) desenvolveram teorias metodológicas do standpoint,
que consideram que o conhecimento é socialmente situado e que as posições dos sujeitos em uma
sociedade e cultura são relacionais, não são idênticas ou uniformatadas.
No Brasil, as mulheres indígenas de diversas comunidades participaram e estão participando de várias reuniões entre elas, reuniões e encontros que começaram nos anos 90, e se intensificaram nesta década. A questão de saúde e da violência são as questões que mais as mulheres
indígenas querem falar, e decidir o que fazer nas suas comunidades e o que reivindicar em termos
de políticas públicas. Ouvi algumas lideranças indígenas em comissão do Senado e em reunião em
Manaus organizada por uma organização não governamental de direitos humanos. Há uma variação
muito grande em que umas se manifestam para que seja aplicada a Lei Maria da Penha, especialPOLÍTICAS SOCIAIS E GÊNERO COMO INTERDISCIPLINARIDADE E PARADIGMA
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mente aquelas que vivem nas cidades e outras, predominantemente mulheres indígenas que vivem
nas reservas, propõem: “ Nós não queremos o mesmo processo jurídico, mas nós queremos nas
nossas comunidades o mesmo espírito da Lei,o espírito da Lei contra a violência contra as mulheres.”
E dizem que a violência vem aumentando não só porque ela advém do alccolismo dos brancos,
da cultura branca, mas porque ela já estava instalada. Ela é uma das questões presentes. Embora
compartilhem a mesma cultura com seus companheiros, e que, como eles, suas culturas estejam
em interação com a cultura branca, sempre são vivenciadas diferentemente pelos sujeitos a partir
de suas posições distintas. Várias mulheres indígenas, no encontro em Manaus, diziam o seguinte:
“Eu quero ter cuidados na saúde ginecológica, porque meu marido não deixa que eu seja examinada
pelo médico. Mas eu quero, eu preciso.” A outra dizia: “O meu marido deixa, mas o meu cacique
não deixa.” Mas, a violência ou a obediência exigida sobre as mulheres jamais é uma questão que
você possa dizer: “É cultural, é imexível.” Na interlocução com as comunidades indígenas, tem que
ser respeitadas as suas diversidades, mas também saber que há uma relação com saberes da cultura
branca e que as demandas de indígenas homens e mulheres por estarem em posições e situações
diferenciadas podem se configurar de maneira, ora semelhante, ora contrastante e distinta. Quanto à
ambivalência e ambiguidade que as mulheres vítimas de violência sexual ou doméstica apresentam
nas sociedades indígenas, elas também estão presentes nas sociedades modernas. A ambiguidade
em relação aos fatos ocorridos, está muito presente nas suas emoções, percepções, representações
e desejos. São decorrentes do seu lugar desigual onde as mulheres tendem a ser colocadas, quer
seja em ambientes públicos ou familiares e afetivos.
Nas pesquisas que realizo, no âmbito da cultura urbana moderna, com mulheres vítimas
de violência doméstica que denunciam e buscam o sistema judiciário, deparo-me com inúmeras ambiguidades. A cada dia a resposta de como avaliam seu agressor pode ser diferente, seja dirigida à
pesquisadora ou ao Juiz: “Olha, ele agora está uma benção.” “Não quero mais, eu quero suspender
esse processo.” Aí o Juiz pergunta: “Vamos esperar um pouquinho, eu vou fazer uma outra audiência para você vir aqui dizer que você quer suspender o processo...” Aí na segunda audiência ela
diz assim: “Não, eu quero continuar. Tenho medo. Ele quer me matar. Quero continuar o processo.”
Seus dizeres apontam a presença conjunta do medo e da vontade e do desejo imaginário que venha
a dar certo o casamento ou a união.
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POLÍTICAS SOCIAIS E GÊNERO COMO INTERDISCIPLINARIDADE E PARADIGMA
Concluindo, somente podemos usar politica e analiticamente a categoria de mulheres,
se jamais esquecermos a categoria de gênero, porque sem conhecer a categoria do gênero como
construção cultural e sem levar analitica e politicamente a categoria de diversidade cultural social,
as mulheres seriam essencializadas sob a ilusão de uma identidade única. As mulheres no plural e
na diversidade, ao se reconhecerem duplamente nesta forma, podem construir alianças que podem
ser fecundas e produtivas em favor da igualdade de gênero e de um mundo misto de homens e
mulheres com maior igualdade. Judith Butler em Undoing Gender (2004) refere-se ao seu primeiro
livro (Gender Trouble, 1990) e afirma que lá, ela fora absolutamente crítica ao uso pelo feminismo
da categoria de mulheres, porque a categoria das mulheres não daria lugar à diversidade das mulheres, especialmente das mulheres lésbicas. Como as mulheres eram pensadas pelo senso comum
abstratamente como heteronormativas, e hegemonicamente, como brancas, a categoria de mulher
poderia ser impeditiva de pensar o que eram as mulheres plurais e o que eram as mulheres homossexuais. Em Undoing Gender reconhece que a categoria mulheres possibilitou a politização da causa
e a produção de alianças. Se não se acionassem questões identitárias, dificilmente se politizaria a
questão das mulheres, ou a questão dos direitos da diversidade das identidades homossexuais. Mas
alerta para que nenhuma categoria identitária possa ser eternizada ou não admitir diversidades.
Seu texto passa a mensagem como se fosse nos seguintes termos: “É preciso saber que não se
pode eternizar a categoria de mulheres.” Quanto a mim, uso a categoria de mulheres, mas com
muito cuidado, desde que seu sentido seja político e que inclua a diversidade. Ao se pensar com a
categoria de gênero como construção cultural transformável, em termos acadêmicos, psicológicos,
sociológicos e antropológicos, torna-se claro que não há identidades mas identificações em processo,
jamais identidades eternas e uniformatadas.
Estudos antropológicos mostram que em várias culturas se dão determinadas ações sexuais entre homens do mesmo sexo, algumas bem vistas, outras mal vistas, mas que não produzem
identidade. Em determinadas culturas em que os homens fazem o arco e as mulheres fazem o cesto,
podem haver homens que fazem o cesto. Ele faz o cesto, porque ele não é nem homem e nem
mulher, nem homossexual. Outras culturas, você tem que homens mais velhos estabelecem relações
sexuais como jovens, como forma de os jovens poderem aceder à masculinidade e se transformarem
POLÍTICAS SOCIAIS E GÊNERO COMO INTERDISCIPLINARIDADE E PARADIGMA
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em homens. O jovem tem que ter uma relação oral com homem mais velho, de tal maneira que o
sêmen masculino que o jovem introjeta se torna a substância que o ajudará a se tornar homem. Em
nossa sociedade, embora as identificações possam ser sempre abertas e mudadas, há uma forte
construção da identificação do homossexual.
Nas sociedades modernas, por outro lado, se examinarmos nossas vidas pessoais, pode-se facilmente constatar que determinadas formas de se comportar podem ser vistas por si mesmo
ou pelo outro, de forma divergente, como mais feminina ou masculina, como mais homossexual ou
heterossexual, ou como mais andrógena. Pode-se constatar que, às vezes, sequer se sente a necessidade de se dizer o gênero de um ato, de um comportamneto ou de um estilo. Sempre penso que
há lugares, dimensões em nós, homens e mulheres, onde ou somos tão parecidos ou não nos parece
importante designar qualquer gênero para o que fazemos ou pensamos. Para outros lugares e outras
dimensões, nós designamos gêneros e nos designam gêneros. Entendo que foi a construção social e
simbólica dos gêneros que, em graus e formatos diferentes, superdiferenciou a questão das diferenças e desigualdades entre homens e mulheres e entre heterossexuais e homossexuais, constituindo
diferentes sistemas de gênero e sexualidade. Assim, se há um lado positivo na categoria mulheres
por sua politização onde mulheres plurais entenderam que as situações vividas demandavam ações
conjuntas, há o lado negativo de reificar a categoria da identidade “mulher” como fixa e sem espaço
para a diversidade, quer seja entre as mulheres de uma mesma sociedade, quer seja entre mulheres
de distintas sociedades e culturas.
7. POLÍTICAS SOCIAIS PARA A IGUALDADE DE GÊNERO NO BRASIL
As relações de gênero estão presentes como um dos eixos estruturadores históricos
das relações sociais no Brasil. Ao pensar as políticas sociais a questão de gênero toma assim um
lugar transversal na sociedade, um lugar interdisciplinar no meio acadêmico e um lugar intersetorial
na divisão de trabalho de competências entre Ministérios na área Federal e entre Secretarias nas
áreas estaduais e municipais. Reivindica-se para as mulheres a igualdade de salários e rendimentos,
o acesso a todas as profissões, o acesso à educação onde não haja desigualdade e discriminação
de gênero, raça e orientação sexual, o acesso ao sistema de saúde, à saúde integral das mulheres
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POLÍTICAS SOCIAIS E GÊNERO COMO INTERDISCIPLINARIDADE E PARADIGMA
em todas as fases do seu ciclo de vida, a uma gravidez não obrigatória, ao parto humanizado, o
acesso aos documentos, posse e propriedade da terra, o acesso à moradia, o acesso às creches, o
acesso a postos políticos, dentre outras demandas. Às vezes não se pensa que toda a construção
do Código Penal e do Código Civil no Brasil da colônia até o momento da Constituição de 1988, é a
diferença e desigualdade de gênero que está posta o tempo todo. Não estava declarada a questão
da igualdade de gênero. A filósofa britânica feminista, Carole Pateman (1988), analisa em Sexual
Contract, a construção dos Estados nações modernos como tendo realizado, ao mesmo tempo, um
contrato social da igualdade entre os homens, independente do seu status social, e um contrato
sexual de desigualdade de gêneros/sexos. Como se fosse um contrato de igualdade entre indivíduos
e ao mesmo tempo uma cláusula de desigualdade entre homens e mulheres. A construção colonial
da ideia de família no Brasil, e da ideia da harmonia familiar, se fez em torno a um pátrio poder
onde se podia bater o quanto se quisesse na mulher, desde que sem excesso, para corrigi-la e fazer
obedecer e se ela o traísse, o marido poderia matar a mulher e o amante, este último, desde que
fosse de situaçao social inferior. Ele estaria salvando a sua honra. Então, legalmente, as mulheres
que traíssem poderiam ser mortas. É essa tradição que nós temos que mudar, reinventá-la, porque é
essa que permite que se “bata nas suas mulheres e nos seus filhos”. Essa é uma tradição violenta
que chamo de “longa duração”. Ao lado dessa violência tradicional que busca resolver conflitos
interpessoais através da violência verbal e física, especialmente violência de gênero, aglutinam-se
novas formas mais modernas, que são a violência do tráfico de drogas, do tráfico de pessoas e de
toda essa construção da ideia do ethos guerreiro entre jovens errantes: dificuldade de emprego, ganho rápido no tráfico ou no assalto, desafio de ser o maior: “ninguém olha no meu olho, eu pego o
revólver, e todo mundo abaixa o olhar”. Novas formas de violência que também seguem e reforçam
a desigualdade de gênero.
Para a historiadora francesa, Michelle Perrot (1994), o século XIX é o século que
instaura a contradição dos direitos e dos lugares das mulheres. As mulheres entram no mercado de
trabalho, mas ao mesmo tempo são designadas por excelência e “por vocação” ao cuidado do lar
e dos filhos. Este duplo e contraditório lugar tem por resultado que elas são consideradas merecedoras de salários inferiores porque somente “ajudam os maridos” e porque “não são tão capazes
POLÍTICAS SOCIAIS E GÊNERO COMO INTERDISCIPLINARIDADE E PARADIGMA
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para o trabalho” quanto os homens. Iguais ou “quase iguais” para o trabalho e desiguais quanto
aos poderes na família, onde devem se dedicar aos cuidados do marido, dos filhos e da casa, mas
sempre obedecendo aos maridos. A ideia de que a mulher “ajuda” no trabalho está profundamente
dentro da forma como se naturaliza a desigualdade das mulheres no mercado de trabalho até hoje.
Há muito tempo atrás, lembro-me que um Secretário de Estado de Educação se permitiu dizer nos
anos 70 diante de uma greve do magistério por melhores salários – mas foi um escândalo para a
opinião pública - o seguinte: “O salário das Professoras está bom, a maior parte aqui são mulheres,
elas só ajudam os seus maridos.” Hoje não se pode mais dizer isso, mas se faz. Pesquisas em
meios empresariais mostram que, nas razões presentes para fixar salários de gerentes, há uma
cumplicidade masculina entre aquele que é o empresário presidente da empresa e os seus diretores
e gerentes masculinos, até os trabalhadores masculinos pois, entendem que são eles quem devem
prover a família.
É importante verificar o quanto a produção de uma igualdade de gênero vem revolucionar
uma ideia consolidada de desigualdade e diferença que está na cabeça de juízes, operadores de
direito, policiais, médicos, advogados e empregadores do comércio e da indústria diante de seus
clientes, pacientes, empregados ... Por isso digo que a relação de gênero deve ser analisada
interdisciplinarmente porque, afeta os mais diferentes setores da sociedade; é intersetorial. Já fiz
pesquisas na área de saúde em que um médico obstetra dizia para a parturiente que atendia: “A
senhora aí, não vou fazer seu parto agora a senhora não para de chorar. Fica aí, só quando parar de
gritar, eu vou te atender.” E atendeu uma outra que não tinha tanta urgência, reforçando assim o sofrimento daquela que mais padecia. É como houvessem dispositivos emocionais nas mais diferentes
categorias de profissionais, para, ao atenderem as mulheres, as discriminarem por respeitarem mais
seus mais semelhantes através da cumplicidade masculina. Por outro lado, como a discriminação
de gênero se entrelaça com a discriminação de classe e raça, muitas vezes profissionais mulheres
também discriminavam pacientes, empregadas ou clientes mulheres. Então, se há intersetorialidade
na dimensão da vida e da sociedade, pode-se concluir da importância de que as políticas sociais se
façam intersetorial e articuladamente entre os Ministérios e o quanto ainda é necessário fazer para
atingir e implementar a igualdade de gênero nos mais diferentes espaços e dimensões da vida.
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POLÍTICAS SOCIAIS E GÊNERO COMO INTERDISCIPLINARIDADE E PARADIGMA
Comparando os anos oitenta com os anos atuais, acredito que alcançamos o objetivo
de legitimar que a igualdade é um valor positivo. Nos anos 80 quando fazia pesquisa com as mulheres vítimas de violência, encontrava muitas que diziam que este era o seu destino, o destino das
mulheres, tal como fora o destino de suas mães e avós. Hoje ninguém mais me diz que violência
é destino. Dizem que o companheiro ou marido não tem direito de bater, mas que bate, mas que
não está certo. Agora, quanto aos homens agressores é impressionante como não falam dos direitos
das mulheres e como eles incorporam a ideia de que estão certos porque cabe aos homens mandar,
corrigir e castigar. Parecem estar vivendo o que estava posto nas Ordenações Filipinas coloniais: cabe
aos homens fazer obedecer as mulheres e corrigir fisicamente, desde que sem excessos. Afirmam
muitos: “Só bati um pouquinho, ah, ela machucou só um pouco.” Outro diz assim: “O mundo vai
acabar, se eu não posso corrigir a minha filha.” Este caso era de um pai que mandara a filha jovem
tirar um piercing que havia colocado na orelha, depois que ele não deixara. E mandou: “Você tira
o piercing.” Como ela não tirou o piercing o pai arrancou o piercing e rasgou a orelha da menina,
fato que deu origem à denúncia. Ele estava então indignado porque estava acabada a moralidade,
a capacidade de educação dos pais sobre os filhos e sobre a família. O fato de a denúncia ter sido
aceita significava que se estava diante de um mundo sem salvação e sem moralidade. Senti como
se o mundo da moralidade inscrita nas Ordenações Filipinas da época colonial estivesse sendo vivido
como um mundo do presente.
Minha análise e minha conclusão é a de que há muito o que fazer para atingirmos a
igualdade de gênero e o fim da violência doméstica e da violência de gênero. Além do conservadorismo da tradição que se mantém de uma moralidade oral que foi constituída há séculos passados
em torno da honra das famílias, o momento político atual está comportando o surgimento de um
neoconservadorismo que, politica e impositivamente quer voltar a uma moralização pela chefia do
poder pátrio heterossexual familiar, com a volta/ida exclusiva das mulheres para seus lugares domésticos de reprodução, cuidado dos filhos e obediência aos maridos e demonização da interrupção
da gravidez. Foi recentemente proposta uma nova lei que obriga a mulher a levar adiante a gravidez ainda que resultante de um estupro ou que traga risco de morte para a mulher. As opções das
mulheres de levar adiante ou não a gravidez decorrente de um estupro devem ser delas; as opções
POLÍTICAS SOCIAIS E GÊNERO COMO INTERDISCIPLINARIDADE E PARADIGMA
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das mulheres se dedicarem exclusivamente aos cuidados da casa e dos filhos ou se dirigirem ao
mercado de trabalho devem ser delas. São exemplos fortes de um neoconservadorismo que cresce
em segmentos políticos e religiosos, cujo alicerce parece ser o de impor politicamente através de leis,
novamente lugares fixos ao masculino e feminino, quando exatamente a questão de igualdade de
gênero é a de levar em conta os direitos das mulheres.
De outro lado, sem que tenha sido imposto por qualquer ideia política neoconservadora,
uma das tendências das novas configurações familiares é a do aumento das mulheres que passaram
a exercer a chefia monoparental. Assim, os lugares da reprodução biológica e da reprodução social,
culturalmente, tendem a se repetir, fazendo com que as mulheres sejam cada vez mais responsáveis pelas
famílias, agora, muitas mais de forma solitária como provedoras e cuidadoras exclusivas e simultaneamente. Apesar de todos os cuidados que as políticas sociais e o feminismo tenham tido para incentivar a
paternidade responsável, a responsabilidade familiar do cuidado é quase exclusivamente feminina e a ela
se acresceu a de compartilhar a função do provimento ou exercê-lo solitariamente. Então, nós temos que
pensar a partir das condições sociais e culturais tais como vividas pelas mulheres. Outros arranjos familiares
se organizam advindos de ex-casados e ex-casadas que se casam novamente com terceiros e que articulam
novos irmãos e irmãs não biológicas. Casais de lésbicas e gays se unem e adotam ou procriam filhos e
filhas. Temos que deixar de imaginar que apenas pai e mãe dão a educação familiar e a educaçao de gênero, é aí realizada e enraizada. A educação do gênero se passa em um contexto muito mais amplo: avó,
avô, tio, tia, vizinho, vizinha. Qual o referencial de gênero que é transmitido? Casais heterossexuais podem
educar filhos e filhas que venham a se constituir como homossexuais. Casais homossexuais podem educar
filhos e filhas que venham a ser heterossexuais. A referência de idade, de gênero, do meu ponto de vista,
não está circunscrita ao casal nem homossexual, nem heterossexual. Além de todas estas identificaçoes
de gênero e sexualidade, há ainda escolhas de sexualidade e gênero que não se querem rotuladas, fixas
ou constantes.
É a diversidade de sexualidade e gênero que devem ser reconhecidas para uma política
social em prol da igualdade de direitos entre gêneros nas mais diversas dimensões e setores da
sociedade e que venham a se confrontar contra as posições discriminativas. Quanto menos houver
discriminação e desigualdade de gênero, quanto mais misto poderá ser esse mundo entre seres
humanos diversos com igualdade de direitos.
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POLÍTICAS SOCIAIS E GÊNERO COMO INTERDISCIPLINARIDADE E PARADIGMA
As políticas sociais para as mulheres com perspectiva de gênero são imprescindíveis para
se alcançar o fim da desigualdade no mundo do trabalho, no mundo da política e o fim da violência
e desigualdade de gênero no mundo familiar, afetivo e doméstico.
REFERÊNCIAS
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116
POLÍTICAS SOCIAIS E GÊNERO COMO INTERDISCIPLINARIDADE E PARADIGMA
TRABALHO
REMUNERADO E
TRABALHO DOMÉSTICO
UMA TENSÃO
PERMANENTE
TRABALHO REMUNERADO E TRABALHO DOMÉSTICO – UMA
TENSÃO PERMANENTE
Verônica Ferreira1
Maíra Saruê Machado2
A participação da mulher no mercado de trabalho se intensificou nos últimos anos, mas
aparentemente não houve uma redistribuição dos cuidados com a casa e a família, tradicionalmente
atribuídos às mulheres. Para entender o cotidiano das mulheres brasileiras e compreender as tensões
e estratégias existentes para conciliar o trabalho remunerado e o trabalho doméstico, foram ouvidas
mulheres que exercem trabalho remunerado em um estudo realizado pelo SOS Corpo – Instituto
Feminista para a Democracia, junto ao Data Popular, com planejamento e supervisão do Instituto
Patrícia Galvão, no Projeto Mais Direitos e Mais Poder (consórcio que envolve as seguintes organizações feministas: CFEMEA, Coletivo Leila Diniz, CUNHÃ Coletivo Feminista, GELEDÉS Instituto da
Mulher Negra, Instituto Patrícia Galvão, REDEH e SOS Corpo Instituto Feminista para a Democracia).
Na primeira etapa do estudo, ocorrida entre março e abril de 2012, foram realizados
oito grupos de discussão, com homens e mulheres de 24 a 45 anos, em Recife e São Paulo, com
os seguintes perfis: mulheres das classes C e D responsáveis pelos cuidados da casa; homens das
classes C e D casados com mulheres; e trabalhadoras domésticas mensalistas ou diaristas. A segunda
etapa, ocorrida entre junho e julho de 2012, teve abordagem quantitativa, com a aplicação de
800 questionários semiestruturados a mulheres de 18 a 64 anos, moradoras das capitais e regiões
metropolitanas da Bahia, Ceará, Distrito Federal, Minas Gerais, Pará, Paraná, Pernambuco, Rio de
Janeiro, Rio Grande do Sul e São Paulo, totalizando 31 municípios. Todas essas mulheres exerciam
trabalho remunerado. Os dados a seguir referem-se às duas etapas desse estudo.
1. TRABALHO DOMÉSTICO E CUIDADOS COM A CASA E A FAMÍLIA
Praticamente todas as mulheres ouvidas na etapa quantitativa do estudo, 98% das
participantes, além de exercer trabalho remunerado, exercem tarefas de cuidados com a casa. Ou
1
Pesquisadora do Sos Corpo Instituto Feminista para a Democracia, Assistente Social e Doutoranda do Programa de
Pós-Graduação em Serviço Social da Universidade Federal de Pernambuco – UFPE.
2
Diretora de Pesquisa no instituto Data Popular, Cientista Social e Mestre em Sociologia pela Universidade de São Paulo – USP.
118
TRABALHO REMUNERADO E TRABALHO DOMÉSTICO – UMA TENSÃO PERMANENTE
seja, trabalhar, para essas mulheres, significa exercer atividade remunerada, em geral fora de casa,
e também cuidar da casa. Destas, 63% declararam ter ajuda gratuita de alguém para cuidar da
casa – um auxílio que é exercido basicamente por outras mulheres. Um contingente de 10% paga
por alguma ajuda para cuidar da casa – também majoritariamente exercida por outras mulheres.
Essas mulheres que as ajudam nos cuidados com a casa, mediante pagamento ou não, em geral
pertencem a sua própria rede de sociabilidade, como sua mãe, filha ou vizinha. Ainda, 27% das
entrevistadas declararam não ter ajuda nenhuma nos cuidados com a casa – ou seja, apesar de
exercerem trabalho remunerado, elas são responsáveis exclusivas pelo trabalho doméstico. “Eu me
acho na obrigação de cuidar da casa”3, disse uma participante de grupo de discussão em São Paulo.
Com relação ao cuidado com os filhos, 97% das mulheres com filhos menores de 12
anos cuidam deles. O descompasso entre os horários da mulher que está no mercado de trabalho e o
horário das creches é um fator complicador no cuidado com os filhos menores, que acaba demandando ajuda externa e muitas vezes paga. 45% declararam não ter nenhuma ajuda nessa tarefa, 31%
têm uma ajuda pela qual pagam e 24% têm ajuda gratuita – ajuda também exercida sobretudo por
outras mulheres de sua rede de relacionamento. Chama a atenção o fato de que, entre as casadas,
71% não contam com o apoio do marido para cuidar dos filhos.
Os dados acima evidenciam como a divisão sexual do trabalho perdura e gera a desigual
divisão do trabalho doméstico entre homens e mulheres. O cuidado com a casa permanece como
uma atribuição das mulheres. O mesmo se passa no cuidado com os filhos. Assim, as mulheres
recorrem a outras mulheres de suas redes de apoio, remuneradas ou não, ou cuidam elas mesmas
da casa e dos filhos, o que em si já aponta uma grande dificuldade na sua inserção no mercado
de trabalho e ajuda a compreender o porquê das mulheres exercerem, sobretudo, atividades mais
precárias, já que, muitas vezes, são essas as atividades nas quais elas podem articular o cuidado das
crianças (principalmente as que têm filhos pequenos) com o trabalho remunerado.
Ao se especificar algumas tarefas de cuidados com a casa e a família, é possível ter
uma visão mais clara sobre a multiplicidade de tarefas que essas mulheres que exercem trabalho
3
Algumas frases ditas por mulheres na etapa qualitativa estão transcritas para ilustrar os argumentos apresentados. As
frases trazem a referência da cidade em que foram ditas.
TRABALHO REMUNERADO E TRABALHO DOMÉSTICO – UMA TENSÃO PERMANENTE
119
remunerado cumprem diariamente. Nos lares em que cada tarefa é executada, 94% das entrevistadas lavam roupa, 93% lavam louça, 92% varrem a casa, 92% compram produtos para a casa, 91%
preparam refeições, 89% limpam os móveis e 88% passam roupa.
Quando se faz um corte etário, é possível perceber uma diferença geracional entre a
participação dos homens no trabalho doméstico, o que pode operar como um indicativo de mudança.
Entre as mulheres casadas de 18 a 34 anos, há uma maior participação dos companheiros nas
tarefas domésticas do que entre as casadas de 35 a 64 anos, conforme tabela a seguir.
Tabela 1: Participação dos maridos / companheiros por faixa etária da mulher
Total
18-34 anos
35-64 anos
Passar roupa
13%
16%
11%
Lavar roupa
14%
17%
12%
Limpar móveis
22%
28%
18%
Preparar refeições/ cozinhar
25%
25%
24%
Varrer a casa
26%
33%
20%
Lavar louça
33%
40%
27%
Comprar produtos para a casa
50%
53%
48%
Base: Mulheres casadas/ moram junto – 18-34 anos: 195/ 35 anos ou mais: 294
Assim, ainda que haja uma maior participação dos companheiros entre as mulheres
casadas mais jovens, os lares em que os maridos executam tarefas também são minoritários. O
cotidiano de cuidados com a casa mostra, portanto, que embora haja um indicativo de ampliação da
participação masculina, a responsabilidade ainda é majoritariamente feminina.
Na prática, mais do que contribuir com essas tarefas, as mulheres têm a responsabilidade por sua execução. 94% das mulheres casadas / que moram com o companheiro são as principais
responsáveis por lavar ou passar roupa, sendo que apenas 1% disseram que essa é uma responsabilidade de seu marido. A mulher também é a principal responsável por cozinhar e por lavar a louça em
92% dos casos (5% o marido), por limpar os móveis e varrer a casa em 86% dos casos (também
5% o marido) e, em 76% dos lares, a mulher é responsável por comprar produtos para a casa,
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TRABALHO REMUNERADO E TRABALHO DOMÉSTICO – UMA TENSÃO PERMANENTE
função exercida fora de casa e na qual os maridos têm maior responsabilidade (22%) – mas ainda
bastante inferior à das mulheres. Ou seja, não apenas o trabalho doméstico é assumido majoritariamente pelas mulheres, como também há uma diferenciação e uma divisão entre tarefas no que diz
respeito a quem as executa e à frequência de execução. A participação dos homens na manutenção
do lar é praticamente insignificante na grande maioria das tarefas. Só é mais presente justamente na
tarefa de fazer compras, realizada no espaço público (mercado, feira etc), que envolve o controle da
renda e que também não é uma tarefa sistemática. A compra de suprimentos para a casa em geral
é concentrada em um dia do mês, diferente das tarefas que são inadiáveis, incontornáveis e que são
sistemáticas e diárias, como lavar a louça ou cozinhar, assumidas majoritariamente pelas mulheres.
Essa divisão do trabalho entre tarefas acirra, portanto, a desigualdade entre mulheres e homens.
Estratégias de negociação para que os parceiros das mulheres casadas participem de
atividades de manutenção da casa foram apontadas pelas participantes da etapa qualitativa: “Falo
assim: estou cansada, tô com dor nas costas, daí ele faz alguma coisa” (São Paulo). Não é secundário o fato de que a participação masculina nas tarefas domésticas seja entendida como uma “ajuda”,
no sentido de que o termo empregado deixa implícito que a responsabilidade pela execução das
tarefas de cuidados com a casa e a família é, de fato, da mulher. E por trás dessa “ajuda” há a
geração de tarefas: 58% das mulheres casadas concordaram com a frase “pensando nos cuidados
da casa, os maridos dão mais trabalho do que ajudam” (32% discordam e 10% não concordam
nem discordam).
Outras frases ilustram essa situação tão comum nos lares brasileiros:
O trabalho pesado é meu, não posso contar com ele. (São Paulo).
Ele faz do jeito dele, não falo nada, mas quando ele sai eu ajeito! (Recife)
Meu marido ajuda em 1%, o resto faço eu. (São Paulo).
Você prefere fazer sozinha do que pedir para que ele faça e acabe mal feito. (São Paulo)
A questão de manter a casa organizada e limpa ele não faz, não. (Recife)
Assim como as mulheres acionam estratégias para fazer com que esse trabalho seja
mais partilhado – embora sempre de uma forma secundária, ou seja, como uma “ajuda” –, nos
TRABALHO REMUNERADO E TRABALHO DOMÉSTICO – UMA TENSÃO PERMANENTE
121
relatos nos grupos de discussão foi possível apreender que os homens também mobilizam estratégias para continuar não fazendo esse trabalho. Fazer mal feita uma tarefa, como varrer a casa de
qualquer modo, sem se preocupar de fato com a limpeza, é uma forma de desencorajar a mulher a
pedir para que ele faça essa tarefa novamente. Ou seja, o não comprometimento com a qualidade
da execução da tarefa é uma forma de evitar que as mulheres busquem esse compartilhamento.
Assim, os homens não se desresponsabilizam de maneira passiva, mas acionam estratégias que
desencorajam a sua convocação, por parte das mulheres, com o “fazer mal feito” ou “de qualquer
jeito”.
A falta de comprometimento dos homens com as tarefas de manutenção do lar e da
família ficou bastante evidente também quando, na etapa qualitativa do estudo – na qual mulheres
e homens foram ouvidos separadamente – os participantes foram perguntados sobre sua rotina diária. Os homens disseram que se levantam, vão ao banheiro e tomam o café da manhã. As mulheres,
por sua vez, contaram que se levantam, acordam os filhos, o marido, preparam o café da manhã
para toda a família e arrumam os filhos para ir à escola. Chama a atenção que o cotidiano dos
homens seja focado em ações individuais que beneficiam a si próprios ao passo em que o cotidiano
das mulheres se foca em cumprir com uma multiplicidade de tarefas que beneficiam à família como
um todo.
O estudo reforça, portanto, a percepção de que a maior participação das mulheres no
mercado de trabalho não tem sido acompanhada por uma transformação da divisão do trabalho
doméstico no interior das famílias. Ou seja, permanece a divisão desigual do trabalho doméstico
entre homens e mulheres, que coloca como realidade cotidiana a jornada extensiva com o trabalho
remunerado e não remunerado para a vasta maioria das mulheres que trabalham. A desigualdade na
divisão do trabalho doméstico dentro de casa é tamanha, que muitas mulheres executam todas as
tarefas sem contar com a ajuda de qualquer pessoa, e grande parte das que têm ajuda contam com
o apoio de outras mulheres de sua rede de sociabilidade para realizar esse trabalho. Ainda no caso
de uma pequena parcela que pode pagar, o serviço é executado por uma trabalhadora doméstica. A
divisão sexual do trabalho permanece como uma invariável no cotidiano das mulheres entrevistadas.
122
TRABALHO REMUNERADO E TRABALHO DOMÉSTICO – UMA TENSÃO PERMANENTE
2. TRABALHO REMUNERADO
A possibilidade de ter um trabalho remunerado, que lhe dê a autonomia de uma renda
própria, é um fator muito bem avaliado pelas mulheres. Nesse sentido, o trabalho é encarado como
uma emancipação. Frases ouvidas na etapa qualitativa ilustram isso: “Já pensou pedir dinheiro ao
marido para comprar uma calcinha?” (São Paulo). O trabalho, contudo, monopoliza a maior parte
do dia das mulheres e, por isso, gera culpa, pois as afasta dos cuidados com os filhos, o marido e
a casa.
Assim, embora a ida ao mercado de trabalho muitas vezes gere um sentimento ambivalente, o acesso ao mercado de trabalho é visto como uma conquista pelas mulheres. Vale lembrar
que, em 10 anos, entre 2002 e 2012, a taxa de atividade das mulheres subiu de 46% para 50%,
enquanto a dos homens manteve-se estável, 66% em 2002 e 67% em 2012 (IBGE, Pesquisa
Mensal de Emprego). Embora a maioria das mulheres casadas e que trabalham ainda vejam o homem como provedor – 54% concordam que “o papel do homem é botar dinheiro dentro de casa”,
e 36% discordam (as demais não se posicionaram), o trabalho do homem não é mais importante
do que o da mulher para 73% das respondentes, que discordam que “o trabalho do homem é mais
importante do que o da mulher” (apenas 19% concordam).
A tensão entre ter um trabalho remunerado que dá certa autonomia e ter que afastar-se das responsabilidades com trabalho doméstico se expressa na concordância com a frase “se eu
pudesse, eu pararia de trabalhar para cuidar da casa”. Quanto menor a renda (e, de modo geral,
mais precário o trabalho e/ou a situação de trabalho), maior a vontade de parar de trabalhar – na
classe econômica AB, 32% concordam com a frase, na classe C, 37% e, na classe D, 59% – ou seja,
a maioria das mulheres – concordam com a frase.
Assim, fica claro o sentido vital do trabalho na vida das mulheres, ainda que diante
de uma situação de sobrecarga com um trabalho não remunerado e em uma situação de trabalho
muitas vezes precária, com baixos rendimentos. Ainda, a necessidade de articular essas esferas determinam a forma de inserção desigual das mulheres no trabalho remunerado, levando-as a ocupar
postos de trabalho precários como estratégia de enfrentamento desta tensão e comprometendo,
TRABALHO REMUNERADO E TRABALHO DOMÉSTICO – UMA TENSÃO PERMANENTE
123
assim, as possibilidades de autonomia econômica que buscam no trabalho remunerado. Instala-se, desse modo, uma das principais contradições apontadas pelos resultados da pesquisa: entre a
percepção da importância do trabalho remunerado e as condições desiguais que marcam sua experiência. Nessa direção, 91% das mulheres concordam com a frase “meu trabalho é fundamental na
minha vida”. Um depoimento de uma participante de grupo de discussão sintetiza esta contradição:
“sobrecarregou, mas você não se sente mais submissa” (São Paulo).
No entanto, a realidade vivenciada no trabalho remunerado altera significativamente a
percepção sobre o sentido do trabalho, o que explica a realidade de maior concordância com a frase
“se eu pudesse, pararia de trabalhar para cuidar da casa” entre aquelas com menores rendimentos
e, possivelmente, com as piores condições no mercado de trabalho, que é também lugar de exploração e desigualdade. Para elas, trabalhar remuneradamente significa superexploração, desproteção
e, no contexto da injusta divisão sexual do trabalho doméstico, sobrecarga. Ademais, muitas delas,
conforme apontado nos grupos da etapa qualitativa, comprometem seus já baixos rendimentos com
o pagamento de outras mulheres para cuidar dos filhos, de modo que nem sempre essa inserção no
trabalho remunerado é tão mobilizadora. Este dado revela que a promoção de políticas para a autonomia econômica das mulheres deve abranger melhores condições no trabalho remunerado e políticas para enfrentar a sobrecarga com o trabalho doméstico e a escassez de tempo dela decorrente.
“Já fiz tudo para os patrões, a casa deles é até mais arrumada que
a minha.” (Empregada doméstica – São Paulo).
A disparidade salarial entre homens e mulheres é percebida pela maioria das mulheres
– 63% concordam que “as mulheres sempre ganham menos do que os homens” sendo que, na
classe D, a concordância é de 71%. Além disso, 35% das mulheres declararam trabalhar por mais
tempo que a jornada diária para a qual elas foram contratadas, sendo que, dessas, 82% trabalham
mais de uma hora além da jornada diária formal que deveriam cumprir. Isso problematiza ainda
mais a gestão do tempo no cotidiano dessa mulher que trabalha fora e dentro de casa e se soma à
explicação de por que algumas mulheres pensam em ficar em casa e parar de trabalhar.
124
TRABALHO REMUNERADO E TRABALHO DOMÉSTICO – UMA TENSÃO PERMANENTE
Configura-se um cenário, portanto, em que a sobrecarga no trabalho remunerado, somada ao trabalho doméstico, cria uma rotina desgastante, que gera conflitos na gestão do tempo
e desencoraja muitas mulheres de permanecer no mercado de trabalho. Esses fatores apresentam,
assim, uma contradição fundamental entre a relevância do trabalho para a própria vida e para a
autonomia pessoal e as condições em que esse trabalho é realizado, sobretudo para as mulheres
mais pauperizadas da classe trabalhadora. Isso, no contexto de uma sociedade de superexploração,
de precarização e de baixos rendimentos – sobretudo para as mulheres – ajuda a compreender a
percepção que a maioria (54%) das mulheres tem do homem como provedor. É evidente que a
análise dessa percepção deve levar em conta a construção social de gênero e a existência ainda
forte da cultura do homem como provedor, mas ao mesmo tempo também é necessário considerar
que as mulheres têm ciência de que elas ganham menos. Então, se elas ganham menos do que os
homens e grande parte delas – principalmente as que têm renda menor – percebe essa diferença,
isso também possibilita que elas vejam que os homens têm muito mais condições de serem provedores do que elas mesmas. E, ao mesmo tempo, como eles não realizam o trabalho doméstico
não remunerado, é possível que esperem que cumpram com o trabalho remunerado e a provisão da
renda. As percepções das mulheres devem ser analisadas considerando as condições objetivas em
que vivem sua experiência de vida e trabalho.
Assim, a divisão de opiniões com relação à frase “cuidar da casa é responsabilidade da
mulher” (47% concordam, 43% discordam e 10% não se posicionaram) mostra que também está
presente uma disputa de sentido e que a transformação das visões de gênero já mostra avanços.
Certamente, se a pergunta fosse feita há 20 anos, o resultado traria um percentual muito menor de
mulheres que discordariam disso.
3. DIA A DIA
Ao falarem de seu dia a dia, as mulheres enfatizam a multiplicidade de tarefas, funções
e responsabilidades que devem ser enfrentadas cotidianamente. Fica clara a longa e cansativa
rotina da mulher que trabalha e também cuida da casa, é esposa e mãe. “É tudo corrido, saio do
trabalho, passo no mercado, cuido da casa, é uma loucura” (São Paulo). “Trabalhar não é ruim, é
ruim o ônibus: congestionamento, 40 minutos esperando, quebra, gente mal educada” (Recife).
TRABALHO REMUNERADO E TRABALHO DOMÉSTICO – UMA TENSÃO PERMANENTE
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Como resultado, 75% das entrevistadas concordam com a frase: “minha rotina é extremamente
cansativa”. Ainda, 68% sentem que falta tempo para algo no seu dia a dia. Esses dados trazem à
tona o fato de que a divisão sexual do trabalho, mostrada nos dados anteriores, tem rebatimentos
sobre a questão do uso de tempo. Ou seja, opera uma organização temporal desigual, na qual as
mulheres são desfavorecidas por serem responsáveis tanto pelo trabalho remunerado, com jornadas
que se estendem, quanto pelo trabalho doméstico não remunerado.
Mas para que essas mulheres sentem falta tempo? Entre as mulheres que disseram
sentir falta de tempo, 58% alegaram que falta tempo de cuidar de si, 46% para ficar com a família
e os filhos, 42% para se divertir, 32% para dormir e/ou descansar, 16% dizem que falta tempo
para limpar ou cuidar da casa, 11% para estudar ou fazer um curso, 3% para atividades físicas e 2%
para trabalhar. A escassez de tempo é uma das principais dificuldades enfrentadas pelas mulheres
brasileiras, mostrou a pesquisa. A permanência de uma rígida e injusta divisão sexual do trabalho,
no contexto de ausência de políticas públicas que favoreçam o enfrentamento das jornadas extensivas de trabalho pelas mulheres, produz uma outra dimensão da pobreza entre elas – a pobreza
de tempo. Ademais da expropriação do tempo, a sobrecarga com o trabalho remunerado e não
remunerado gera a extenuação da força física; falta-lhes tempo não só para ocupar-se com outras
atividades, mas para restaurar-se. A percepção da ausência de um tempo para cuidar de si, apontada
na pesquisa, surge como uma interessante questão e expressa uma contradição da maior relevância.
Se, de um lado, a perpetuação da divisão sexual do trabalho usurpa o tempo da vida das mulheres
(Ávila, 2010), por outro lado, a percepção sobre a falta de um tempo para si, o reconhecimento da
necessidade deste tempo pelas mulheres, é, em si, um indicativo de transformação, de afirmação
de uma necessidade como indivíduo para si, quando as dimensões materiais e simbólicas seguem
socializando e exigindo que as mulheres constituam-se como seres para os outros. Essa contradição,
certamente, é tributária da existência e da atuação do movimento feminista e de mulheres.
A principal atividade de lazer realizada no dia a dia por essas mulheres é assistir à
novela, citada por 44%: “vou dormir depois da minha novela” (São Paulo). É importante ressaltar
que, como foi possível ver na etapa qualitativa, assistir à novela não significa necessariamente ficar
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TRABALHO REMUNERADO E TRABALHO DOMÉSTICO – UMA TENSÃO PERMANENTE
sentada frente à TV em um momento de relaxamento. As mulheres veem a novela enquanto fazem
o jantar, colocam a mesa, varrem a casa, cuidam dos filhos, colocam as crianças para dormir etc –
de modo que assistir à novela não é uma atividade desprendida das demais. Com relação às demais
atividades de lazer cotidianas, 31% conversam com amigos(as); 27% passeiam; 23% jantam com
a família (sendo que, em geral, a mulher é quem prepara a refeição); 3% navegam na internet;
2% assistem a filmes; 2% leem e vão ao cinema. Chama a atenção também o fato de que 22%
declararam que não exercem nenhuma atividade de lazer no dia a dia.
Com relação aos finais de semana, 73% das mulheres realizam tarefas domésticas em suas
casas. Vimos, na etapa qualitativa, que durante a semana são realizadas diversas atividades mais curtas,
como varrer a casa, trocar o lixo, cozinhar, lavar a louça e a roupa etc – a que as mulheres costumam
chamar de “básico” ou “tapinha”. Durante os finais de semana, são feitas tarefas classificadas como
“faxina”, tarefas mais pesadas, como esfregar o banheiro, arrastar todos os móveis, lavar o quintal. Apenas
pouco mais da metade das mulheres, 52%, disseram que, dentre outras atividades, descansam no fim de
semana. 50% disseram que vão ao shopping, parque ou à praia com a sua família, 45% ao salão de beleza
ou cuidam da beleza em casa, 32% saem com o companheiro para ir ao cinema, bar ou alguma outra
atividade, 27% exercem trabalho remunerado e 5% estudam durante o fim de semana.
4. DEMANDAS E PREOCUPAÇÕES
A dificuldade das mulheres em equilibrar as diferentes atividades diárias de trabalho
remunerado e doméstico é reforçada pelo descompasso entre os horários de creche e escolares e o
horário de trabalho. Embora partilhado pelas entrevistadas, o problema do gerenciamento desses
horários é entendido como de ordem individual e solucionado na esfera pessoal: de modo geral,
as entrevistadas mobilizam favores de outras mulheres de suas redes de sociabilidade (vizinhas,
parentes) para auxiliá-las. Muitas mulheres pagam por esses serviços ou por escolas particulares que
tenham melhor localização ou horário estendido de funcionamento. Ao pensar sobre a principal dificuldade que as mulheres encontram no seu dia a dia, dentre as opções apresentadas, 34% citaram
creche para os filhos, 27% a falta de tempo para se cuidar, 23% transporte para ir trabalhar, e 14%
ajuda nas tarefas domésticas.
TRABALHO REMUNERADO E TRABALHO DOMÉSTICO – UMA TENSÃO PERMANENTE
127
A creche aparece com centralidade, pois é um ponto fundamental para que essas mulheres enfrentem sua realidade e tem grande importância como política do cuidado. A percepção de
que este é o principal problema é transversal a todas as classes econômicas (classe AB 36%, classe
C 33% e classe DE 34%). Isso porque a creche, embora cumpra importante papel como política
que assegura o direito da criança à educação infantil, tem papel importante também como política
necessária para que as mulheres tenham autonomia econômica, uma vez que gera condições para
uma melhor inserção da mulher no mercado de trabalho e permite que ela se libere subjetivamente,
ao lhe dar maior autonomia sobre o seu tempo. Nesse momento, seu sentido é desafiado, inclusive, pelas transformações próprias ao mundo do trabalho e pela realidade atual das mulheres no
mercado de trabalho. Como as mulheres têm ocupações muitas vezes precárias e maior presença
no trabalho informal – que são trabalhos e ocupações que muitas vezes perpassam os finais de semana, cujas fronteiras de jornada são menos definidas, como no caso das trabalhadoras domésticas
–, a política de creche também está sendo desafiada a pensar sobre sua extrema relevância para as
mulheres hoje. O final de semana ou os horários noturnos, por exemplo, são questões a se pensar:
como garantir o cuidado das mulheres que trabalham nesse período, cujas jornadas se estendem? É
um momento oportuno para que a política de creche seja atualizada considerando a realidade atual
das mulheres no mercado de trabalho.
O transporte, como foi possível ver nos grupos de discussão, é outro ponto fundamental
a impactar o dia a dia dessas mulheres. As mulheres de São Paulo e de Recife relataram que o
tempo de deslocamento para o trabalho pode chegar a mais de três horas, o que aponta para o
impacto que a precariedade do transporte público acarreta sobre o tempo. Quando esse período
é somado à jornada de trabalho remunerado e à jornada de trabalho doméstico, é possível ter a
dimensão da dificuldade que a gestão do tempo representa para essas mulheres. Além do tempo
que se esvai, esse período diário no transporte público precário é extremamente cansativo, levando
muitas mulheres à exaustão.
Quando perguntadas sobre o que pediriam para o governo como uma sugestão de melhoria que ajudasse no seu dia a dia com a sobrecarga de trabalho em casa e para ganhar dinheiro,
16% falaram creche (vaga em creche, horário de funcionamento estendido, proximidade da creche
128
TRABALHO REMUNERADO E TRABALHO DOMÉSTICO – UMA TENSÃO PERMANENTE
de casa ou do trabalho etc) e/ou transporte (buscando sobretudo melhoria no transporte público),
14% pediriam melhoria no emprego / trabalho, 10% citaram educação / estudo, 8% um salário
melhor, 7% escolas para os filhos e/ou valorização e benefícios para as mulheres, 4% uma ajuda
financeira / empréstimos, além de outras citações menores. Chama a atenção o fato de que a menção mais frequente, citada por 17% das entrevistadas, foi “não sei”, ou seja, parcela significativa
não sabia apontar sequer alguma melhoria que o governo pudesse promover para ajudá-la nesse dia
a dia de duas jornadas intensas. Isso reforça a percepção, mapeada na etapa qualitativa, de que a
gestão temporal é encarada pelas mulheres como exclusiva do âmbito pessoal, a ser solucionada na
esfera privada, o que demonstra a necessidade de se avançar no debate público sobre o papel do
Estado na socialização desses cuidados e o papel das políticas públicas no apoio à reprodução social,
ou seja, de pensar a reprodução social também como uma questão pública.
Por outro lado, quando foram apresentadas ações que poderiam ser voltadas para a
população, 97% disseram que um serviço de saúde mais eficiente ajudaria no seu dia a dia, para
88% um transporte público mais eficiente ajudaria, para 83% escola em tempo integral para as/os
filha/os, para 76% parque gratuitos, para 75% creches, para 64% restaurantes populares, e para
42% lavanderias públicas ou coletivas ajudariam no seu dia a dia. Isso mostra que, embora essas
mulheres tenham dificuldade em pensar como o poder público poderia ajudar no seu cotidiano marcado pela dupla jornada, quando são apresentadas a algumas soluções, a maioria dessas mulheres
concorda que o governo poderia ajudá-las a conciliar as atribuições do dia a dia.
Ao passo em que a gestão do tempo e a multiplicidade de tarefas que essas mulheres
executam diariamente continuam sendo resolvidas no âmbito privado pelas entrevistadas, já há um
reconhecimento entre elas, quando estimuladas, dos mecanismos que poderiam apoiar essa difícil,
tensa, cotidiana e permanente articulação entre vida profissional e vida reprodutiva das mulheres, a
exemplo de lavanderias coletivas e restaurantes populares. A pesquisa aponta, desse modo, demandas das trabalhadoras brasileiras para a ação do Estado e, nesse sentido, contribui para visibilizar
as problemáticas que as mulheres enfrentam no campo do trabalho remunerado e não remunerado
cotidianamente e a necessidade de que políticas públicas fundamentais, como a de creches, enfrentem essa realidade. Busca, dessa forma, contribuir para o avanço das políticas públicas e, ao mesmo
tempo, se somar e dar uma contribuição para estudos que já vêm sendo feitos nesse sentido.
TRABALHO REMUNERADO E TRABALHO DOMÉSTICO – UMA TENSÃO PERMANENTE
129
REFERÊNCIAS
ÁVILA, Maria Betânia de Melo. O Tempo do Trabalho das Empregadas Domésticas:
Tensões entre Dominação/Exploração e Resistência, Recife, Editora Universitária UFPE, 2010.
BRASIL. Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Pesquisa Mensal de Emprego, 2002/
dez e 2012/dez.
HIRATA, Helena. Vida reprodutiva e produção: família e empresa no Japão. In: KARTCHEVSKY-BULPORT, Andrée et al. O sexo do trabalho. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1986. p. 63-78.
______; KERGOAT, Danièle. Novas configurações da divisão sexual do trabalho. Cadernos de
Pesquisa. v.37. n. 132. São Paulo : Fundação Carlos Chagas / Autores Associados, set/dez
2007. p. 595-609.
ERGOAT, Danièle. Dinâmica e consubstancialidade das relações sociais. Novos estudos
- CEBRAP, São Paulo, n. 86, Mar. 2010. Disponível em <http://www.scielo.br/scielo.
php?script=sci_arttext&pid=S0101-33002010000100005&lng=en&nrm=iso>. access on 22
Nov. 2012.
MARCONDES, Mariana Mazzini e YANOULLAS, Silvia C. Práticas sociais de cuidado e responsabilização
do Estado. Revista Ártemis, edição V. 13, jan-jul. 2012.
MIOTO; Regina Célia Tamaso. Família e Políticas Sociais. In: BOSCHETTI; Ivanete.; BEHRING; Elaine Rosseti;
SANTOS; Silvana Mara Moraeis dos; MIOTO; Regina Célia Tamaso (orgs.); Política Social no Capitalismo: tendências contemporâneas. São Paulo: Cortez, 2008. Cap. 6. p. 130-148.
RODRIGUES; Marlene Teixeira. Equidade de Gênero e Transferência de Renda: reflexões a partir do
Programa Bolsa Família. In: BOSCHETTI; I.; BEHRING; E. R.; SANTOS; S. M. M.; MIOTO; R. C. T.;
Política Social no Capitalismo: tendências contemporâneas. São Paulo: Cortez, 2008.
Cap. 10. p. 220-241.
130
TRABALHO REMUNERADO E TRABALHO DOMÉSTICO – UMA TENSÃO PERMANENTE
RACISMO INSTITUCIONAL:
DEFINIR, IDENTIFICAR E
ENFRENTAR
RACISMO INSTITUCIONAL: DEFINIR, IDENTIFICAR E ENFRENTAR
Nilza Iraci1
Nina Madsen2
Apresentamos aqui uma síntese do Guia de Enfrentamento ao Racismo Institucional
e o livro Racismo Institucional: Uma abordagem conceitual, documentos elaborados o âmbito do
Projeto Mais Direitos e Mais Poder para as Mulheres Brasileiras3. A proposta visa
a oferecer novos elementos para a construção de indicadores de racismo institucional que permitam
a criação de um ambiente favorável à formulação e implementação de políticas públicas equitativas,
buscando a efetiva transformação das relações de poder na sociedade.
Esses instrumentos resultam de uma concentração de esforços e de compromissos coletivos que reuniu sociedade civil, organizações feministas antirracistas, instituições públicas – Ipea, SPM e
Seppir – e também agências do sistema ONU comprometidas e realmente interessadas em fazer avançar
essa agenda. Contamos também, durante o projeto, com a colaboração do Professor Ronaldo Sales, que
deu os primeiros passos na elaboração do marco conceitual sobre racismo institucional a partir do qual
trabalhamos, e de Jurema Werneck, responsável pela elaboração do texto final.
E é a expressão institucional do racismo que abordamos nesses trabalhos. Como defini-lo e identificá-lo, como enfrentá-lo, são questões consideradas neste material, pensado como um
instrumento para que instituições públicas, organizações e empresas se avaliem, construam seus
diagnósticos, seus indicadores e suas estratégias de enfrentamento do racismo institucional.
1. EXPRESSÕES DO RACISMO NO BRASIL
O racismo continua se constituindo como um dos principais entraves à realização plena da democracia e dos direitos humanos no Brasil. O reconhecimento da existência dessa
1
Nilza Iraci, é comunicadora social e presidenta do Geledés - Instituto da Mulher Negra.
2
Nina Madsen, é socióloga e integra o Colegiado de Gestão do CFEMEA, Centro Feminista de Estudos e Assessoria.
3
O projeto é integrado por um consórcio de sete organizações não-governamentais feministas: Cunhã, CFEMEA, Coletivo
Leila Diniz, Geledés - Instituto da Mulher Negra, Redeh, Instituto Patrícia Galvão, SOS Corpo e a Secretaria de Políticas para as
Mulheres (SPM/PR).
132
RACISMO INSTITUCIONAL: DEFINIR, IDENTIFICAR E ENFRENTAR
dimensão da desigualdade, que tão profundamente estrutura nossa sociedade e nosso Estado, é
essencial para enfrentá-la. E reconhecer que ela se manifesta e se expressa em diferentes níveis,
a partir de diferentes mecanismos, também é fundamental para avançarmos em direção a uma
sociedade mais justa e igualitária.
O caminho de combate ao racismo, iniciado há alguns anos pelo Estado brasileiro, está apenas
começando a ser trilhado. Um passo importante deste processo foi estabelecer o enfrentamento do racismo
institucional como um objetivo prioritário do Plano Plurianual 2012-2015. Além de aparecer como objetivo
do Programa 2034, “Enfrentamento ao Racismo e Promoção da Igualdade Racial”, consta também como
meta de diversos Programas Temáticos (20154, 20705, 20446).
Os dados a seguir demonstram, no entanto, que, apesar dos avanços do governo nas
questões sociais, as políticas não foram capazes de alterar as condições de vida de significativa
parcela da população brasileira.
•• Segundo a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios - PNAD de 2008, 40,9%
das mulheres pretas e pardas acima de 40 anos de idade jamais haviam realizado
mamografia em suas vidas, frente a 26,4% das brancas na mesma situação.
•• Ainda segundo a PNAD 2008, das mulheres acima de 25 anos de idade, 18,1%
das mulheres negras e 13,2% das brancas jamais havia realizado o exame de
papanicolau.
•• A taxa de mortalidade materna entre as mulheres negras, em 2007, era 65,1%
superior à das mulheres brancas.
•• De acordo com a PNAD 2009, a taxa de distorção idade-série no ensino fundamental atingia a 22,7% da população negra, contra 12,4% da população branca.
•• No ensino médio, a taxa de distorção era de 36,6% para a população negra e de
24% para a população branca.
4
Programa 2015, Aperfeiçoamento do Sistema Único de Saúde. Define metas de enfrentamento do racismo institucional nos objetivos 0713, 0721, 0724.
5
Programa 2070: Segurança Pública com Cidadania.
6
Programa 2044: Autonomia e Emancipação da Juventude.
RACISMO INSTITUCIONAL: DEFINIR, IDENTIFICAR E ENFRENTAR
133
•• “Considerando o país como um todo, o número de homicídios brancos caiu de
18.867 em 2002, para 14.047 em 2010, o que representa uma queda de
25,5% nesses oito anos. Já os homicídios negros tiveram um forte incremento:
passam de 26.952 para 34.983: aumento de 29,8%” (Waiselfisz, 2012: 14).
O racismo institucional também pode ser verificado na iniciativa privada, como por
exemplo, na hora das contratações no mercado de trabalho. A pesquisa O Perfil Social, Racial e de
Gênero das 500 Maiores Empresas do Brasil e Suas Ações Afirmativas, realizada pelo Instituto Ethos
e IBGE em 2010, revela que nos quadros funcionais e de chefias intermediárias os negros ocupam,
respectivamente, 31,1% e 25,6% dos cargos. Na gerência são 13,2% e na diretoria, 5,3%. A
situação da mulher negra é pior: ela fica com 9,3% dos cargos da base e de 0,5% do topo. Em números absolutos significa que, no universo que as empresas informaram, de 119 diretoras e 1.162
diretores de ambos os sexos, negros e não negros, apenas seis são mulheres negras.
Estes dados e indicadores demonstram a clivagem que o racismo, independentemente
de qualquer outra variável, estabelece em nossa sociedade, mantendo a população negra em situações de vulnerabilidade e de desproteção social: a população negra continua tendo menor acesso a
direitos e a serviços que deveriam ser garantidos a toda população brasileira. Direitos e serviços que
o Estado, por obrigação, deveria assegurar.
E os dados demográficos sobre o Brasil evidenciam que não estamos falando de uma
minoria, de acordo com o IBGE em 2010:
•• População total: de 191 de milhões de habitantes.
•• População Negra: 97 milhões – o equivalente a 51% do total.
•• Mulheres Negras: 47 milhões de pessoas, 25 % da população total.
•• O Brasil é o maior país do mundo em população afrodescendente, fora do continente africano.
•• É o segundo país em população negra depois da Nigéria e o último país a abolir
a escravidão negra. Foi também o país que mais importou africanos para serem
escravizados.
134
RACISMO INSTITUCIONAL: DEFINIR, IDENTIFICAR E ENFRENTAR
2. CAMINHOS DE ENFRENTAMENTO DO RACISMO INSTITUCIONAL
O conceito de racismo institucional é relativamente recente no Brasil, e esse trabalho
aprofunda essa construção de uma maneira muito nova e muito importante. Saímos de uma concepção do racismo institucional como o fracasso institucional, ou seja, o Estado falhando em prestar o
serviço para uma determinada população, para uma idéia de Estado que está, desde a sua origem,
comprometido, no pior sentido da palavra, com uma estrutura racista.
O racismo institucional perpassa, portanto, desde a constituição do Estado e das suas
instituições, passando pelo processo de formulação e implementação de políticas públicas, até chegar à prestação de serviços que deveriam garantir e efetivar direitos.
Jurema Werneck definiu o racismo institucional como “um modo de subordinar o direito
e a democracia às necessidades do racismo, fazendo com que os primeiros inexistam ou existam
de forma precária, diante de barreiras interpostas na vivência dos grupos e indivíduos aprisionados
pelos esquemas de subordinação desse último”(Geledés, 2013). Esse fenômeno limita o acesso da
população negra no Brasil a direitos, produzindo efeitos objetivos e subjetivos na vida das pessoas.
Passar da ideia do fracasso institucional para a idéia de uma performance que produz
o racismo é um salto conceitual importante de se dar porque explicita e amplifica a dimensão
multidimensional do problema. Trata-se de como a construção do Estado, o processo de formulação
e implementação de políticas públicas e a oferta de serviços que efetivem e garantam direitos se
subordinam e se comprometem por causa do racismo institucional.
3. O GUIA DE ENFRENTAMENTO DO RACISMO INSTITUCIONAL
Acreditamos que a superação das desigualdades esteja intrinsecamente relacionada à
capacidade dos movimentos sociais, das organizações da sociedade civil, das empresas públicas
e privadas e das instituições do Estado de se articularem de forma cooperativa, por meio de um
compromisso compartilhado e na busca por alternativas eficientes e eficazes para o alcance desses
objetivos. RACISMO INSTITUCIONAL: DEFINIR, IDENTIFICAR E ENFRENTAR
135
Nesse sentido, o Guia de Enfrentamento ao Racismo Institucional pretende colaborar
para: a identificação e a construção de diagnósticos, por cada organização, instituição ou empresa;
para a elaboração de um Plano de Ação para o seu enfrentamento; e para a construção de indicadores para o monitoramento desse Plano de Ação.
O instrumento pode ser utilizado para que cada instituição possa construir um diagnóstico sobre o racismo institucional, buscando dados, conceitos e produzindo debates. A partir desse
diagnóstico, elaborar um plano de ação que defina o que a instituição vai fazer efetivamente para
enfrentar o racismo institucional; e construir indicadores que permitam o monitoramento, avaliação
e a prestação de contas para a sociedade.
O Guia está organizado em dois grandes blocos: um que se refere à cultura institucional e outro que se refere às manifestações para o público. O primeiro diz respeito à incidência
do racismo institucional no funcionamento interno da instituição; e o segundo, à maneira como o
racismo institucional incide na relação que a instituição estabelece com a sociedade.
Cada grande bloco, por sua vez, está sub-dividido nos seguintes eixos:
1. Cultura Institucional
•• Visibilização do compromisso institucional.
•• Instância de governança.
•• Ações afirmativas e outras políticas de enfrentamento do racismo institucional.
2. Manifestações para o Público
•• Produção de dados e informações cadastrais sobre o público.
•• Competência cultural.
•• Avaliação de políticas e serviços.
A cada grande eixo correspondem algumas perguntas norteadoras. São precisamente as
respostas a essas perguntas que deverão compor um diagnóstico institucional e definir um conjunto
de indicadores, os quais deverão gerar o plano de ação e seu sistema de monitoramento.
136
RACISMO INSTITUCIONAL: DEFINIR, IDENTIFICAR E ENFRENTAR
Um exemplo: a pergunta a organização já identificou as formas atuais de racismo
institucional? A resposta a essa pergunta implica em um trabalho de pesquisa e de formação da instituição, que precisará debater sobre o que é o racismo institucional, como ele se manifesta, e como
ele se expressa dentro da própria instituição. A partir desse esforço inicial, responder a pergunta e
definir seus indicadores.
A cada pergunta norteadora, portanto, o Guia apresenta a possibilidade de se construir
um diagnóstico e ao mesmo tempo construir indicador que permita o monitoramento posterior. No
quadro abaixo, apresentamos a título de ilustração o modelo de um dos quadros que integram o
Guia.
QUADRO DE INDICADORES
Grandes Eixos
Perguntas Norteadoras
Cultura Institucional
A organização já identificou
as formas atuais de racismo
institucional?
Visibilidade do
Compromisso
Institucional
Indicadores
Observações
Periodicidade de estudos
e avaliação interna sobre
incidência do racismo
O acompanhamento regular e as avaliações constantes dos processos institucionais de enfrentamento ao
racismo atestam o compromisso institucional e sua
capacidade de corrigir rumos em tempo.
O enfrentamento ao racismo e a correção das disparidades raciais devem ser prioridades de políticas,
Meta de enfrentamento
O enfrentamento ao racismo é
programa e ações
ao racismo estabelecida e
uma das metas de sua políticas
monitorada pela direção da
A responsabilização da direção expõe o grau de
e programa prioritário? como?
instituição
compromisso institucional e colabora com eficiência
e eficácia das ações desenvolvidas
Existência de portaria
Existem normas internas para o
interna ou outro tipo
A regulamentação do compromisso institucional pode
enfrentamento do RI?
e regulamento para o
garantir maior adesão e estabilidade às iniciativas.
enfrentamento do RI.
Comunicação institucional
A organização tem forma
com diferentes linguagens
Comunicar os objetivos de enfrentamento do
de comunicação internas e
(segundo gênero, raça
racismo contribui para maior confiança e adesão às
externas do compromisso de
e cultura) e veículos
propostas.
eliminação do RI?
acessíveis
4. CONSIDERAÇÕES FINAIS
A grande inovação apresentada neste Guia é dar visibilidade e sistematizar o racismo
institucional de uma maneira que não só permita sua identificação, como também que facilite o
seu enfrentamento. O grande desafio para a efetividade do Guia é vencer uma cultura institucional
RACISMO INSTITUCIONAL: DEFINIR, IDENTIFICAR E ENFRENTAR
137
de resistência, que na maioria das vezes, não é explícita, e que só pode ser vencida com a sensibilização de gestoras/es, com ações políticas concretas, incisivas e continuadas; e também com o
compromisso político das instâncias superiores.
Esperamos que esse material produza maior consciência sobre o problema e que dê
a dimensão da urgência das respostas e soluções necessárias. Acreditamos que se as instituições
públicas, de preferência todas, tomarem um instrumento como esse, fizerem o esforço de responder
a essas perguntas, elaborarem um plano de ação, um sistema de monitoramento, uma instância de
governança, um orçamento, as coisas possam caminhar para uma mudança efetiva. Sabemos dos
esforços e da dimensão do compromisso necessários para a implementação deste instrumento. Mas
sabemos também que eles tem a exata dimensão da democracia que desejamos alcançar.
O Guia de Enfrentamento ao Racismo Institucional e o Racismo Institucional, uma abordagem conceitual estão disponíveis nos sites do Geledés (www.geledes.org.br), do Cfemea (www.
cfemea.org.br.) e da SPM (www.spm.gov.br).
138
RACISMO INSTITUCIONAL: DEFINIR, IDENTIFICAR E ENFRENTAR
REFERÊNCIAS
BRASIL. Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Pesquisa Nacional por Amostra de
Domicílios. Rio de Janeiro, 2008.
BRASIL. Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Pesquisa Nacional por Amostra de
Domicílios. Rio de Janeiro, 2008.
BRASIL. Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Censo. Rio de Janeiro, 2010.
BRASIL. Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão. Plano Plurianual 2012 - 2015.
Brasília, 2011.
GELEDÉS – INSTITUTO DA MULHER NEGRA. Guia de Enfrentamento ao Racismo Institucional. São Paulo, 2013.
GELEDÉS – INSTITUTO DA MULHER NEGRA. Racismo Institucional: uma abordagem conceitual. São Paulo, 2013.
INSTITUTO ETHOS. Perfil Social, Racial e de Gênero das 500 Maiores Empresas do
Brasil e Suas Ações Afirmativas – Pesquisa – 2010. São Paulo, 2010. Disponível em:
<http: //www1. e t hos.org.br /EthosWeb/arquivo/ 0 -Aeb4Perfil_2010.pdf>. Acesso em: 01
out. 2013.
PAIXÃO, Marcelo et al. Relatório Anual das Desigualdades Raciais no Brasil 20092010. Rio de Janeiro: Garamond, 2010.
WAISELFISZ, Julio Jacobo. Mapa da Violência 2012. Caderno Complementar 1: Homicídio de
Mulheres no Brasil. São Paulo. Instituto Sangari, 2012.
RACISMO INSTITUCIONAL: DEFINIR, IDENTIFICAR E ENFRENTAR
139
ANEXO
Mecanismos de Gênero nos órgãos do poder executivo federal:
1. Ministério do Desenvolvimento Agrário - MDA: Assessoria Especial de Gênero, Raça e
Etnia para a Diretoria de Mulheres Rurais e Quilombolas (Decreto nº 7.255/2010).
2. Ministério de Minas e Energia - MME: Comitê Permanente para as questões de Gênero
(funciona ativamente desde 2004 mas não tem instrumento normativo que o institui,
embora tenha Regimento Interno).
3. Ministério de Desenvolvimento Social e Combate à Fome - MDS: Comitê Permanente
para as Mulheres e Gênero (Portaria n. 381/2009).
4. Ministério do Trabalho e Emprego - MTE: Comissão de igualdade de oportunidades de
gênero, de raça e etnia, de pessoas com deficiência e de combate à discriminação
(Portaria nº 219/2008).
5. Ministério da Saúde - MS: Coordenação Geral da Saúde das Mulheres (Decreto nº
8.065, de 7 de agosto de 2013).
6. Ministério do Meio Ambiente - MMA: Comitê Interno de Gênero (Portaria nº 25/2008
e Portaria nº 287/2012).
7. Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento – MAPA: Comitê de Políticas para
as Mulheres e de Gênero (Portaria nº 806/2013).
8. Ministério da Defesa - MD: Comissão de Gênero (Portaria nº 893, de 14 de abril de
2014).
9. Ministério das Comunicações - MC: Comitê de Políticas para as Mulheres e de Gênero
(Portaria nº173, de 10 de junho de 2014).
10. Ministério da Pesca e Aquicultura – MPA: Comitê de Gênero (Portaria nº 361, de 11
de setembro de 2014).
11. Ministério das Relações Exteriores – MRE: Comitê Gestor de Gênero e Raça (CGGR)
(Portaria nº 491, de 12 de setembro de 2014).
12. Fundação Nacional do Índio - Funai: Coordenação de Gênero e Assuntos Geracionais
(Portaria nº 26/2007).
13. IPEA: Coordenação de Estudos de Gênero na Diretoria de Estudos e Políticas Sociais
(Disoc)
14. Banco do Brasil- BB: divisão dentro de gestão de pessoas que trata de temas como
igualdade de oportunidades de gênero, raça, etnia.
15. Caixa Econômica Federal – CAIXA: gerência de relacionamento com o empregado dentro de
gestão de pessoas, que trata de temas relacionados à igualdade de gênero.
140
RACISMO INSTITUCIONAL: DEFINIR, IDENTIFICAR E ENFRENTAR
SIGLAS E ACRÔNIMOS
SIGLAS E ACRÔNIMOS
142
ANDT
Agenda Nacional do Trabalho Decente
Ater
Assistência Técnica Extensão Rural
Ates
Programa Nacional de Assessoria Técnica, Social e Ambiental à Reforma
Agrária
BB
Banco do Brasil
CFEMEA
Centro Feminista de Estudos e Assessoria
Fenafra
Feira Nacional de Agricultura Familiar e Reforma Agrária
Funai
Fundação Nacional do Índio
Geledés
Instituto da Mulher Negra
IBGE
Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística
Ipea
Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada
Mapa
Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento
MC
Ministério das Comunicações
MD
Ministério da Defesa
MDA
Ministério do Desenvolvimento Agrário
MDS
Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome
MMA
Ministério do Meio Ambiente
MME
Ministério das Minas e Energia
MRE
Ministério das Relações Exteriores
MS
Ministério da Saúde
MTE
Ministério do Trabalho e Emprego
SIGLAS E ACRÔNIMOS
PAA
Programa de Aquisição de Alimentos
PNAD
Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios
PNDTR
Programa Nacional de Documentação da Trabalhadora Rural
PNEDT
Plano Nacional de Emprego e Trabalho Decente
PNPM
Plano Nacional de Políticas para as Mulheres
PNMPO
Programa Nacional de Microcrédito Produtivo e Orientado
Proinf
Programa de Apoio a Infraestrutura
Pronaf
Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar
PR
Presidência da República
Siop
Sistema Integrado de Planejamento e Orçamento
SPM
Secretaria de Políticas para as Mulheres
SIGLAS E ACRÔNIMOS
143
Download

CAPACITAÇÃO - Secretaria de Políticas para as Mulheres