Integridade genérica versus versatilidade no editorial de jornal
Francisco Alves Filho (Universidade Federal do Piauí, doutor em lingüística,
[email protected])
RESUMO
Um dos aspectos relevantes apontados nas teorias de gênero é o fato de que os gêneros
incorporam e põem em funcionamento duas forças genéricas (des)reguladoras, uma de
caráter centrípeto, que responde pela estabilidade/integridade dos gêneros, e uma outra
de feição centrífuga, a qual atua para possibilitar a versatilidade/instabilidade. Contudo,
as teorias ainda não esclarecerem suficientemente como se dá a dialética entre estas
duas forças. Tendo em face tal problemática, o objetivo deste trabalho é investigar as
correlações entre integridade e versatilidade genérica tomando como objeto de estudo
exemplares de editoriais de jornal de empresas jornalísticas diferentes.
Percebemos
que o que é caracteristicamente estável neste gênero situa-se no seu funcionamento em
cada jornal, ou seja, enquanto é bastante saliente a recorrência de funções
comunicativas, de estilo, de estrutura composicional e de temas nos editoriais de um
único jornal, o mesmo não ocorre quando se analisa editoriais de jornais diferenciados.
Palavras-chave: editorial de jornal; versatilidade genérica; integridade genérica
ABSTRACT
One of the relevant aspects highlighted in genre theory is related to the fact that genres
incorporate and put into function two generic (dis)regulatory forces. One has a
centripetal character, responsible for the genre stability/integrity. The other, centrifugal,
acts to make versatility/instability possible. However, theories do not make clear the
dialectics between such forces. Taking that into account, this paper aims at investigating
the correlations between generic integrity and versatility analyzing editorial from
different Brazilian journalistic enterprises. One could notice what is stable in such genre
is related to the functioning in each newspaper, that is, while communicative functions,
style, composition structure and theme are very recurrent in the editorial of a single
newspaper, the same does not happen when one analyzes editorial from different
newspapers.
Keywords: newspaper editorial; generical versatility; generical integrity.
1. Forças centrípetas e forças centrífugas do gênero
Várias vertentes teóricas dos estudos sobre gêneros do discurso das últimas quatro
décadas, por percursos diferentes, apontam para o fato de que os gêneros são marcados
por duas forças opostas e aparentemente contraditórias: uma força que regula,
normatiza, estabiliza, generaliza, promove recorrência, a qual será chamada aqui de
força centrípeta; e outra que desestabiliza, relativiza, dinamiza, “plasticiza”, surpreende,
aqui nomeada como força centrífuga. Esta nomenclatura provém de Bakhtin (1988
[1975]) e foi aplicada às forças da língua: as forças centrípetas atuam com vistas a
normatizar e tornar homogênea a língua, ao passo que as forças centrífugas atuam no
sentido de estratificar e tornar heterogênea a língua. Rodrigues (2001) chegou a dizer,
seguindo Bakhtin, que o gênero é uma das forças centrífugas responsável pela
estratificação da língua, o que não deixa de ser pertinente, embora incompleto, pelo fato
de que, como argumentaremos nas linhas que seguem, os gêneros também são uma das
forças centrípetas, pois também regulam e normatizam.
Essa aparente contradição do gênero quanto a sua estabilidade e instabilidade foi
discutida no clássico texto de Bakhtin Os gêneros do discurso (1979 [1953], p. 279280), quanto ele afirmou que o gênero é “um dado tipo de enunciado, relativamente
estável do ponto de vista temático, composicional e estilístico” onde o estável pode ser
lido como componente da força centrípeta e o relativamente como pertencendo à força
centrífuga. Como é dito literalmente no texto, a relativa estabilidade refere-se ao tema,
ao estilo e à composição, mas sabemos hoje que isso se aplica também a outras
categorias genéricas, como propósito, autoria, leitor presumido: todos são relativamente
estáveis em dado gênero. Se observarmos exemplares diferentes de um mesmo gênero
poderemos perceber como não há estabilidade dos propósitos comunicativos, visto que
novos propósitos podem ser acrescidos, alguns podem ser postos de lado ou pode
oscilar a proeminência entre um propósito e outro. Embora a idéia da relativa
estabilidade seja extremamente pertinente para explicar os gêneros, Bakhtin não
explicou exatamente em quais aspectos estão localizados a estabilidade e a
instabilidade 1 e como seria possível mostra a relação dinâmica entre os dois processos.
O propósito deste texto é justamente tentar avançar neste sentido e matizar como atuam
estas duas forças.
Ao refletir sobre os gêneros literários, Bakhtin (1997, p. 121-123) novamente alude a
este caráter duplo dos gêneros ao apontar para o fato de que tais gêneros ao mesmo
tempo refletem as “tendências mais estáveis, ‘perenes’ da evolução da literatura”,
conservando os “elementos imorredouros”, mas são “atualizados ciclicamente”. No seu
dizer “o gênero sempre é e não é ao mesmo tempo”; “sempre é novo e velho ao mesmo
tempo”; “renasce e se renova em cada nova etapa do desenvolvimento da literatura e em
cada obra individual de um dado gênero”. A estabilidade é indiciada aqui pelos termos
“sempre é” e “velho”, ao passo que a instabilidade configura-se nos termos “não é”,
“novo”, “renova” e “renasce”. Bakhtin também observa esta dualidade dos gêneros ao
se aperceber da relação que eles mantêm com o passado e com o presente, ao enunciar
que “o gênero vive do presente mas sempre recorda o seu passado, o seu começo”.
“Recordar o seu passado” resulta da atuação da força centrípeta, de conservação; já
“viver do presente” indicia que os gêneros sofrem a ação das forças centrífugas da
atualidade, que os fazem pender e moldar-se para atender as necessidades dos que no
momento presente os usam.
Também Bathia (1993 e 1997), tendo em foco outras preocupações teóricometodológicas, dá-se conta do que podemos chamar de instabilidade estável ou da
estabilidade instável dos gêneros. Ele formula a questão dizendo que os gêneros
possuem ao mesmo tempo integridade genérica e tendência para a inovação. Bathia
(1997) desenvolve sua reflexão diretamente sobre gêneros promocionais, situando-os
nas esferas das empresas de mercado, as quais, por necessidades competitivas, induzem
os membros experientes a explorar intensamente a dinamicidade dos gêneros. Bathia
vincula o construto dinâmico dos gêneros a uma exploração tática por parte dos usuários
experientes e expertos, uma vez que, em sua ótica, tal dinamicidade depende da
manipulação operada por estes usuários. Como se vê, Bathia se dá conta da questão que
1
Ao pensar sobre este aspecto não tem como não lembrar o fato de que a língua passa por um
funcionamento parecido, dado que lhe é característico possuir um equilíbrio precário. Toda língua é ao
mesmo tempo estável e instável; não fosse estável, dificilmente os falantes conseguiriam intercomunicarse e compreenderem-se mutuamente; não fosse instável, não se adaptaria tão facilmente a novos contextos
e novas significações.
envolve as forças centrípetas e centrífugas dos gêneros, mas localiza-as num universo
bem particular, qual seja aquele das atividades promocionais e publicitárias no âmbito
das empresas do mercado de negócios.
Creio não haver dúvidas quanto ao fato de que os gêneros são constituídos e regulados
pelas forças que aqui estamos chamando de centrífuga e centrípeta, as quais, muito
provavelmente, atuam simultaneamente e dialeticamente (como forças contrárias, mas
interrelacionadas). O equilíbrio, às vezes precário, existente entre as duas forças, pode
ser tomado como um dos indícios de que estamos diante de um gênero. Ou seja, ao
montarmos um conjunto de textos pertencentes a um mesmo gênero observaremos que
eles exibem ao mesmo tempo marcas e funcionamento recorrentes e não recorrentes,
traços estáveis mas também traços instáveis. A rigor, se buscarmos apenas elementos
recorrentes não conseguiremos identificar um gênero, dado que o conjunto de textos de
um gênero é caracteristicamente também não recorrente. Daria para dizer que o
conjunto de textos daquilo que se convencionou como um gênero específico possui uma
grande descontinuidade, embora isso não seja frequentemente percebido pelos usuários
e se imagine que eles constituem uma classe homogênea e com continuidade entre seus
exemplares empíricos.
2. O nome convencional do gênero
Mas aqui figura outro fator extremamente relevante para os processos de identificação e
reconhecimento de um gênero: as convenções ligadas ao nome do gênero. Um dos
dados mais evidentes de um gênero particular é o fato de que eles possuem um nome
convencionado, em alguns casos fortemente estável, como se dá com editorial de jornal,
embora haja casos em que não há grande estabilidade dos nomes. (Um exemplo
interessante é o que foi apontado por Swales (2007) para o gênero Declaração Pessoal
ou Declaração de Princípios, o qual possui dois nomes concorrentes.) Ou seja, o nome
do gênero resulta diretamente de um processo de categorização cuja força centrípeta é
capaz de rotular uma enorme quantidade de textos como pertencendo a um único
gênero. Não podemos esquecer que o gênero é um referente construído ou fabricado e
que, por isso, sua relação com conjuntos de textos empíricos não decorre de uma relação
especular ou empírica. O argumento de Mondada e Dubois (2003) de que a
referenciação é um processo de construção discursiva de objetos de discurso parece
adequada para discutir os rótulos que são aplicados aos gêneros. Ou seja, mais que uma
classe empírica de textos, um gênero é um objeto de discurso rotulado com a função de
categorizar uma classe de textos.
A estabilidade quanto ao modo de referir um gênero pode facilmente ser vista do ponto
de vista diacrônico. Por exemplo, os nomes dos gêneros notícia, editorial, crônica e
anúncio publicitário, para citar apenas alguns poucos, datam de mais de um século e
permanecem os mesmos, embora os referentes empíricos por estes nomes designados
sejam bastante diferentes entre si e tenham sofrido mudanças acentuadas durante este
tempo, tanto do ponto de vista formal quanto funcional e contextual. Do ponto de vista
sincrônico, tal estabilidade do processo categorizador dos nomes dos gêneros também é
bastante evidente. Se compararmos conjuntos atuais de anúncios publicitários de
produtos diferentes e focados em consumidores diferentes veremos que eles são
extremamente diferentes entre si, embora sejam rotulados por um mesmo nome de
gênero. Tal dissonância entre o nome de um gênero e a integridade genérica de textos
empíricos pertencentes a este gênero deve ser vista como um índice de que a existência
de um nome único para um gênero não garante que estamos diante de conjuntos de
textos que constituam uma classe minimamente homogênea ou estável quanto às
características formais, funcionais e retóricas capazes de delimitar um gênero. Já
discutimos em outro trabalho, (Alves Filho, 2009), a hipótese de que a estabilidade dos
gêneros (mesmo relativa) somente se sustenta quando o gênero é investigado tal como
funciona numa instituição, num conjunto de instituições ou numa comunidade
discursiva. Provindos de instituições ou comunidades discursivas diferentes, os
exemplares de um gênero poderão não apresentar quase nenhum traço inteiramente
estável, embora possam ser percebidos como se fossem estáveis.
3. Gênero como universal concreto
Rojo (2005) e Rodrigues (2005), apoiando-se em Bakhtin, defendem a tese de que o
gênero pode ser tomado como um universal concreto, embora não se detenham a
explicar exatamente o que significa tal caráter universal. Rojo (2005, p. 194), em nota
de rodapé, diz sumariamente que “os gêneros seriam os universais concretos a partir dos
quais se materializam os textos/enunciados”, mas não desmembra em detalhes o
conceito e suas implicações. De minha parte vejo algumas dificuldades em aceitar que
um gênero possa ser tomado como universal por, pelo menos três razões. Primeiro, se os
gêneros são essencialmente históricos, e se todo fenômeno histórico é concebido de
modo heterogêneo e particular por comunidades e ideologias diferentes, como sustentar
que os gêneros possam ser universais? Eles indubitavelmente são uma classe, mas uma
classe particular e situada em culturas específicas. Segundo, os traços constitutivos dos
gêneros (tema, estilo, composição, autoria) são sempre marcadamente situados e não
universais. Terceiro, a relação indissociável do gênero com sua situação de produção e
circulação também é marcadamente particular e situada, tendo em vista que as situações
são particulares, embora sejam percebidas como recorrentes, como bem explicou Miller
(1984). Já ao discutir a questão intercultural ligada aos gêneros, Marcuschi (2009)
apresenta vários exemplos para mostrar como um mesmo gênero é valorado de maneira
bem diferente entre povos diferentes, o que se constitui em mais um argumento
contrário à tese da universalidade dos gêneros de discurso.
Talvez o único aspecto que possa ser considerado universal num gênero é o seu nome
rotulador (desprezando o fato de que em línguas diferentes o nome possa significar algo
particular e os casos de falta de consenso quanto ao nome). Em face de tal problemática,
parece-me mais apropriado pensar que os gêneros nem são construtos universais nem
únicos, mas construtos de nível intermediário situados em culturas, grupos sociais e
instituições, sendo nestas instâncias onde é possível compreender seu funcionamento e
sua caracterização. Ou seja, o valor genérico somente pode ser apreendido em estreita
relação com as situações recorrentes nas quais são produzidos e compreendidos
(correlação, aliás, grandemente consensual entre os teóricos de gêneros, inclusive os que
falam dos universais, como Rojo (2005) e Rodrigues (2001)). O que queremos defender
aqui é que a estabilidade é um traço do gênero como uma subclasse situada em esferas
de atividades, comunidades discursivas ou instituições (embora, mesmo nesta
concepção a estabilidade possa entrar em confronto com a instabilidade).
4. A estabilidade e a instabilidade em editoriais de jornal
O gênero editorial pode ser compreendido, numa abordagem grandemente
generalizante, como um gênero da esfera jornalística cuja função principal é apresentar
uma avaliação acerca de fatos recentes e considerados relevantes para certa comunidade
de leitores, patrocinadores e produtores de informação. Melo (1994), por exemplo,
aponta que a função do editorial é expressar a opinião da empresa jornalística acerca dos
fatos recentes de uma sociedade. Dito desta maneira, esta concepção do gênero editorial
aspira dar conta de um universal, e é isso que comumente se faz em manuais de
jornalistas e mesmo em descrições de gêneros nos estudos realizados no campo da
lingüística e do discurso. Entretanto, os bilhões de editoriais empíricos existentes na
face da Terra não se acomodam confortavelmente a esta definição, visto que a
variabilidade funcional e formal é muito grande.
Uma discussão desta natureza pode ter um interessante desdobramento metodológico.
Se montarmos um conjunto de textos de um mesmo gênero pertencentes a instituições,
culturas e comunidades discursivas diferentes chegaremos a um conjunto de tendências
ou recorrências muito rarefeitas e dispersas. Por outro lado, ao montar um conjunto de
textos de um mesmo gênero conforme praticados numa única instituição num mesmo
período de tempo, será possível formular um conjunto de tendências ou recorrências
bem mais coesos e homogêneos. Saussure nos chega quase automaticamente: o ponto de
vista (e também de recorte) cria o objeto gênero.
Vejamos aqui o que ocorre com um conjunto de cinco editoriais de cinco jornais
brasileiros diferentes. São dois jornal de perfil nacional (Folha de S. Paulo e O Estado
de São Paulo, ambos da cidade de São Paulo) e três jornais de perfil regional (O Dia, de
Teresina, O Jornal, de Maceió e Zero Hora, de Porto Alegre). Faremos uma análise
comparativa observando os propósitos comunicativos (principais e secundários).
Tabela 1 Propósitos comunicativos de editoriais de jornais diferentes
Jornais
Propósito comunicativo
Propósito
principal
secundário 1
Folha de S.
Defender-se
de
Paulo
acusação
entidade
O Estado de
Fazer o relato de um
Relatar
S. Paulo
protesto
relação
comunicativo
Propósito
comunicativo
secundário 2
Criticar e desqualificar
a
história
instituição
da
entre
uma
e
sua
-
Posicionar-se diante de uma
controvérsia.
comunidade
O Dia
O jornal
Zero Hora
Fazer
um
relato
Enaltecer as virtudes de
biográfico.
um homem público
Divulgar o resultado de
Relatar
uma pesquisa.
resultados.
Lamentar mudança de
Conclamar a sociedade
comportamento do Rio
para
Grande do Sul
comportamento perdido
análises
dos
-
Relatar
repercussões
da
pesquisa.
-
recuperar
Uma leitura da tabela 1 evidencia diferenças significativas quanto aos propósitos
comunicativos dos cinco editoriais. Quanto a este aspecto eles são grandemente
diferentes, não comungando nenhum propósito, o que leva a pensar que o propósito
comunicativo, por si só, pode ser altamente problemático se for tomado como critério
único ou dominante para definir o pertencimento de um conjunto de textos a um dado
gênero. Esse fato deve servir de alerta para que a definição e delimitação de um gênero
leve em conta um conjunto variável e dinâmico de critérios.
A tabela acima nos mostra também que a comparação entre exemplares de texto
considerados de um mesmo gênero, mas pertencentes a instituições diversas, indica que
eles são muito diferentes entre si. Entretanto, quando comparamos exemplares
considerados de um mesmo gênero e pertencentes a uma mesma instituição percebemos
uma grande homogeneidade quanto a propósitos comunicativos, estilo, tema e
composição. Ou seja, a (relativa) estabilidade de um gênero ocorre num recorte menor
do que o do gênero como um todo, mas em instituições ou comunidades discursivas ou
microculturas. Por esta razão, o nome de um gênero precisa ser visto com cautela pelo
fato de ele rotular uma classe de textos extremamente heterogênea. Por outro lado, não
deixa de ser curioso o fato de que classes de textos tão heterogêneas quanto a
propósitos, temas, estilos e composição sejam tão facilmente reconhecidas como
homogêneas. E, em contrapartida, provoca curiosidade o fato de classes bem mais
estáveis que a classe geral do gênero não possuírem rótulos que as identifiquem.
Observemos agora os dois editoriais reproduzidos abaixo, o primeiro publicado em
Maceió, no estado de Alagoas, na Região Nordeste do Brasil e o segundo publicado em
Teresina, também na Região Nordeste do Brasil.
Editorial 1
Emergentes
O Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA) divulgou ontem estudo segundo o qual 13,8
milhões de brasileiros subiram de faixa social entre 2001 e 2007. Os números confirmam a
Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios de 2007 (Pnad 2007), divulgada na semana passada,
e mostram que 74% ou 10,2 milhões, saíram da classe de baixa renda e 3,6 milhões de pessoas
passaram da classe intermediária para a classe de renda mais alta.
Analistas atribuem a migração das pessoas de baixa renda ao crescimento da economia e aos
programas de transferência de renda. Já o caso dos emergentes da classe intermediária é atribuído
ao crescimento do mercado de trabalho, que teria proporcionado a inserção da mão-de-obra no
mercado formal e de forma duradoura.
Apesar dos números favoráveis, especialistas alertam que o crescimento econômico é insuficiente
do ponto de vista da redução das desigualdades regionais. Ou seja, os emergentes da classe de
baixa renda têm baixa escolaridade e concentram-se nos estados do Norte e do Nordeste. A
avaliação causou inquietação no Planalto. Ontem, o presidente Lula afirmou que vai convocar os
governadores das duas regiões a tomar atitudes “mais ousadas” para reduzir as desigualdades.
O presidente Lula citou problemas históricos das duas regiões, como a falta de saneamento, a
coleta inadequada do lixo e o analfabetismo como os entraves a combater prioritariamente. Ele
voltou a defender a aplicação de recursos da exploração das novas descobertas do setor petrolífero
em políticas sociais. O presidente sinalizou que o governo federal está interessado em reduzir as
distâncias entre o Sul/Sudeste e o Norte/Nordeste. Cabe aos estados definir o que, dentre suas
dificuldades, deve ser tratado como prioridade. E levar a Brasília não apenas a conta de quanto
seria necessário para salvar o Estado, mas programas eficientes de gestão. (O Jornal, Maceió, 23 de
setembro de 2008, p. A2)
Editorial 1
O EXEMPLO DE CHAVES
A morte do monsenhor Joaquim Chaves, ocorrida ontem, é o fim biológico de um dos mais
importantes intelectuais do Piauí, cuja formação humanística fez um clérigo respeitado, um
dedicado estudioso dos costumes e da História, um professor admirado e um homem de aura de
santo, cuja fé e as virtudes sempre foram alvo de generalizada admiração.
Com poucos, ele seguiu um modelo católico da busca da santidade, que não significa
necessariamente operar milagres, mas ter atos bons e justos, construir e disseminar conhecimento.
Também foi um homem humilde cultuando essa qualidade tão incomum num mundo dominado
pela vaidade, presente mesmo em instituições não-seculares.
Chaves foi professor e guia de umas pelo menos três gerações e reportou uma sociedade inteira,
olhando-a pelo viés do passado, dando-lhes meios para se conhecer melhor, ao produzir seus textos
sobre a História do Piauí, peças fundamentais para a compreensão de quem somos e para onde
caminhamos. Cumpriu com rigor uma missão que o faz grandioso.
Historiador responsável por obras de fundamental importância para o Piauí, Chaves foi, entretanto,
vítima da falta de memória de boa parte das pessoas. Para quem tem menos de 40 anos e não
freqüenta os círculos intelectuais e acadêmicos, monsenhor Chaves é o nome de uma Fundação de
Cultura do município de Teresina, ou menos que isso. Uma injustiça muito própria destes tempos
contemporâneos em que tudo se dissolve no ar com grande facilidade.
A figura aparentemente frágil de Chaves escondia um gigante da virtude e do conhecimento. Foi
virtuoso não somente pelo sacerdócio clerical, mas em grande parte pelo amor que dedicou ao seu
mister no magistério, como professor e diretor do Colégio Diocesano. Gigante com sua vasta
historiografia e ainda mais com uma obra prática: as torres da Igreja Matriz de Nossa Senhora do
Amparo, por muito tempo a mais elevada edificação da cidade de Teresina, cuja beleza
arquitetônica lhes confere status de símbolo da cidade.
Este homem santo agora não está entre nós, mas seu exemplo haverá de perdurar por muitos anos,
seguramente por gerações inteiras, ainda que restrito aos círculos acadêmicos, porque sua obra está
assentada sobre os pilares da virtude e do conhecimento científico, que são indestrutíveis, tal e qual
a fé que ele professava. Sua grande bondade, sua dedicação à fé, à Igreja e à academia o
acompanham para o túmulo, mas nos servem como guias para mantê-lo vivo como um símbolo da
cidade de Teresina e do Estado do Piauí. (Editorial do Jornal Meio Norte 09/05/07)
O que poderíamos dizer que há de comum e de diferente entre os dois textos acima? Os
propósitos comunicativos são claramente diferentes: o primeiro visa divulgar os
resultados, as avaliações e as repercussões de uma pesquisa, ao passo que o segundo
objetiva fazer um relato biográfico de um homem público enaltecendo suas virtudes e
qualidades. No primeiro caso não há uma tomada de posição por parte da empresa
jornalística, a qual apenas relata opiniões de outros setores da sociedade, enquanto no
segundo exemplar a empresa jornalística claramente assume uma posição ao realizar
uma avaliação extremamente positiva de um homem público recentemente falecido.
Dois aspectos considerados por muitos autores como decisivos para determinar o
pertencimento de um texto a um gênero, o propósito comunicativo (Swales, 1990) e o
acabamento do enunciado (Bakhtin, 1979) não são aqui capazes de promover tal
“enquadramento” a um gênero. Mas por que será que ainda assim, se aceita que os dois
exemplares de texto, tão diferentes entre si, pertencem ao mesmo gênero? Neste
contexto, trata-se de uma pergunta de difícil resolução, cabendo-nos apenas levantar
algumas hipóteses. Uma delas refere-se à convenção (até certo ponto arbitrária)
genérica. Ou seja, o fato de o texto ter sido publicado na seção do jornal destinada a
editorial e de o editor ter enunciado que ali se trata de um editorial, parece ter uma força
muito grande para indicar o pertencimento genérico, a despeito de diferenças entre
características retóricas, funcionais e formais dos textos. Outra hipótese pode advir do
fato de haver uma grande estabilidade quanto às características retóricas, funcionais e
formais conforme praticadas em cada instituição, embora tais características divirjam
em relação a outras instituições.
Por esta razão é que quando montamos um conjunto de editoriais pertencentes a uma
mesma instituição jornalística chegaremos a resultados bem diferentes quanto à
estabilidade do gênero do que chegaríamos se agrupássemos editoriais de instituições
diferentes. Em cada instituição jornalística haverá uma grande estabilidade do gênero
quanto a propósitos comunicativos, estilo e composição, embora ainda haja variação,
mas num grau bem menor do que ocorre naquilo que se supõe ser a universalidade do
gênero. É provável que o leitor assíduo de certo jornal consiga reconhecer a que gênero
pertence um conjunto de textos deste jornal, mesmo se as marcas convencionais do
gênero tiverem sido alijadas dos exemplares. Mas talvez não consiga identificar o
pertencimento genérico de um conjunto de textos de um jornal que não lhe é familiar.
5. considerações finais
O conceito de gênero é de uma natureza grandemente complexa porque os textos podem
se agrupar em classes com base em mais de um critério. Além do mais, podemos
deduzir que o nome que rotula um gênero pode mais refratar do que refletir o conjunto
de textos empíricos que é tido como fazendo parte deste gênero, ou seja, o nome do
gênero nos induz a pensar que as classes de textos são muito homogêneas do que o que
de fato elas são. Por outro lado, tal rotulação talvez seja um modo sócio-cognitivo para
se lidar com a complexidade e heterogeneidade das classes de textos, já que a rotulação
destas classes facilita o trabalho de localização, identificação e modos de recepção dos
textos. A observação dos editoriais aqui realizada indica que se trata de um gênero que,
do ponto de vista de cada instituição jornalística isoladas, é bastante estável e
homogêneo, ao passo que quando se confronta instituições diferentes, ele se afigura com
um grau acentuado de instabilidade. O nome rotulador do gênero funciona como uma
força centrípeta ao passo que os propósitos comunicativos atuam como forças
centrífugas.
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