UNIVERSIDADE SÃO JUDAS TADEU
Emerson Ferreira da Rocha
O ESTADO DE NATUREZA: MEDO E ESPERANÇA EM HOBBES
São Paulo
2010
UNIVERSIDADE SÃO JUDAS TADEU
Emerson Ferreira da Rocha
O ESTADO DE NATUREZA: MEDO E ESPERANÇA EM HOBBES
Dissertação de Mestrado apresentada ao
Departamento
de
Filosofia
da
Universidade São Judas Tadeu – USJT,
sob a orientação do Prof. Dr. Paulo Jonas
de Lima Piva.
2
Rocha, Emerson Ferreira da
O estado de natureza: medo e esperança em Hobbes / Emerson Ferreira da
Rocha. - São Paulo, 2010.
99 f. ; 30 cm
Orientador: Paulo Jonas de Lima Piva
Dissertação (mestrado) – Universidade São Judas Tadeu, São Paulo,
2010.
1. Hobbes, Thomas, 1588-1679 - Crítica e interpretação. 2.
Natureza humana. I. Piva, Paulo Jonas de Lima. II. Universidade
São Judas Tadeu, Programa de Pós-Graduação Stricto Sensu em
Filosofia. III. Título
CDD – 192
3
FOLHA DE APROVAÇÃO
EMERSON FERREIRA DA ROCHA
O ESTADO DE NATUREZA: MEDO E ESPERANÇA EM HOBBES
Dissertação apresentada ao Programa Pós-Graduação para
obtenção do título de Mestre em Filosofia na Universidade São
Judas Tadeu - USJT.
São Paulo, 09 de agosto de 2010.
Orientador:
_____________________
Prof. Dr. Paulo Jonas de Lima Piva
Universidade São Judas Tadeu
Examinador:
______________________
Prof. Dr. Floriano Jonas Cesar
Universidade São Judas Tadeu
Examinadora:
______________________
Profa. Dra. Eunice Ostrensky
Universidade de São Paulo- USP
4
DEDICATÓRIA
aos meus pais, que, muito cedo, deixaram o sertão nordestino para construir uma
vida na cidade grande; e à minha noiva e futura esposa Denize Donato, a qual,
com todo amor, me ajudou nos momentos difíceis deste trabalho.
5
AGRADECIMENTOS
À coordenação e ao corpo docente da Universidade São Judas - USJT, em especial ao
professor Dr. Paulo Jonas Lima Piva, que, com enorme paciência, ajudou-me; à minha
família e noiva pela ajuda prestada; e aos meus amigos, em especial, a Leandro Lopes e
Juliana Moura.
6
RESUMO
O propósito principal deste trabalho é tratar do estado de natureza em
Thomas Hobbes (1588-1679), mais exatamente, promover uma reflexão sobre o
papel das paixões humanas nessa situação, na qual o Estado inexiste, em
especial, o papel do medo e da esperança. Para tal empreendimento, tomaremos
por base sobretudo o Leviatã (1651), obra mais desenvolvida e pertencente à fase
de maturidade do filósofo. Faremos isso em três momentos. Num primeiro
momento, apresentaremos as paixões humanas e a sua origem de acordo com o
nosso autor. Em seguida, passaremos a expor como as paixões agem entre os
homens durante o estado de natureza. Finalmente, abordaremos o tema da
passagem dos homens do estado de natureza para o estado civil e como essas
paixões impulsionam tal passagem.
Palavras chave: estado de natureza- paixões – esperança – medo.
7
ABSTRACT
The main purpose of this study is to address the state of nature, Thomas Hobbes
(1588-1679), more exactly, to promote reflection on the role of human passions in
this situation, in which the state does not exist, in particular the role of fear and
hope. For this undertaking, we shall mainly based on the Leviathan (1651), a work
further developed and owned by the maturity of the philosopher. We will do this in
three stages. At first, we present the human passions and their origin according to
our author. Then we will expose how the passions of men act during the state of
nature. Finally, we discuss the theme of the passage of men from the state of
nature to the marital status and how those passions drive this transition.
Keywords: state of nature- passions - hope - fear.
8
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO..........................................................................................................p. 10
CAPÍTULO 1
O homem que deseja: Hobbes e as paixões...............................................................p. 18
CAPÍTULO 2
O homem que deseja: as paixões entre os homens....................................................p. 40
CAPÍTULO 3
Razão e esperança: as paixões no estado civil...........................................................p. 67
Conclusão..................................................................................................................p. 96
Bibliografia....................................................................................................................p. 98
9
INTRODUÇÃO
Thomas Hobbes figura entre os mais importantes filósofos da história da
filosofia política. Nasceu em 1588, na Inglaterra, em Malmesburg, durante o ano
da “incrível armada”, que foi uma esquadra reunida pelo rei Filipe II, rei da
Espanha, em 1588, na tentativa de pôr fim à sua guerra contra a Inglaterra. Esta
batalha foi a maior batalha da Guerra Anglo-Espanhola e consolidou a tentativa de
Filipe II se impor no domínio dos mares. Hobbes também viveu durante o
conturbado período da guerra civil inglesa. Segundo Julio Bernardes, no seu livro
de introdução ao pensamento do filósofo, “o período histórico no qual viveu
Hobbes é marcado por contendas ideológicas, conflitos políticos e religiosos e
pelas recentes descobertas de novos continentes” 1. Os escritos do nosso autor
serão profundamente marcados por esses conflitos. O filósofo viveu até 1679.
Hobbes fora um aluno brilhante e a sua facilidade com as letras rendeu-lhe
alguns trabalhos na área de tradução. Essa habilidade para traduzir textos antigos
era extremamente valorizada na época em que viveu, tanto que, em 1629, ele
publica uma tradução da Guerra do Peloponeso, de Tucídides.
O filósofo também trabalhou durante muitos anos para a família Cavendish,
com quem esteve ligado, mesmo que indiretamente, por toda a sua vida. A família
Cavendish, vale dizer, era uma das famílias aristocráticas mais ricas e influentes
na Inglaterra desde o século XVI. Nosso autor foi nomeado, em 1608, preceptor
do filho de Willian Cavendish, primeiro conde de Devonshire. O trabalho na casa
dos Cavendish rendeu a Hobbes o contato com muitas pessoas influentes do
mundo político e acadêmico, dentre elas, personalidades como cardeais de Roma
e personalidades de Genebra. Em 1634, por exemplo, Hobbes encontrar-se com
Galileu numa viagem. Esses encontros foram possibilitados nas três primeiras
viagens de Hobbes com o filho do conde. O próprio Hobbes, na carta dedicatória
1
Bernardes. Julio. Hobbes & A Liberdade. p. 08. Jorge Zahar Editor. Rio de Janeiro, 2002.
10
do De Cive (1642), cujo livro foi dedicado ao conde William de Devonshire,
reconhece a importância e a influência dessa família nos seus estudos. Vejamos:
“Por conseguinte, ofereço este livro em primeiro lugar, não ao
favor de vossa senhoria, mas a vossa censura. (...). Vossa senhoria há
de aceitá-lo como penhor de minha gratidão, pois que os meios de estudo
que sua bondade me proporcionou eu consagrei a procurar merecer o
2
seu favor” .
Além do contato do filósofo com o ambiente dessas personalidades, o
contato com as mudanças provocadas pela “nova ciência” também foi
determinante na sua formação. A esse respeito, Bernardes afirma: “Pode-se dizer
que duas coisas mudaram definitivamente a vida intelectual de Thomas Hobbes: o
espanto com as verdades a priori da geometria de Euclides e a física de Galileu” 3.
Já Renato Janine Ribeiro, na introdução da edição brasileira do De Cive,
afirma que devemos salientar esse enamoramento de Hobbes pela ciência dos
corpos4. Aliás, o próprio Hobbes confirma que, ao terminar o Leviatã em 1651, ele
ficara feliz em poder voltar para as suas especulações iniciais sobre os corpos
naturais. Na verdade, ainda segundo Janine Ribeiro, as questões políticas da
Inglaterra, especialmente as ocorridas entre os 1625 e 1649, e os conflitos
internos, fizeram Hobbes adiantar-se na publicação dos seus estudos sobre a
política5. Janine Ribeiro continua:
“Hobbes planejava escrever a sua obra em três etapas. A
primeira se voltaria para o exame dos corpos; seria sua física. Na
segunda, consideraria, dentre os corpos, em particular o dos homens – o
2
Hobbes, Thomas. De Cive. p. 3. Ed. Martins Fontes. São Paulo, 2002.
Bernardes, Julio. Hobbes & A Liberdade. p. 12.
4
Cf. Ribeiro, Renato Janine. In. De Cive. p. 21.
5
Cf. Idem. p. 22.
3
11
que em linguagem de hoje chamaríamos sua psicologia. Na terceira,
6
finalmente estudaria os homens enquanto cidadãos: a política” .
Com o Renascimento, carreiras como a escolhida por Hobbes, isto é, ser
preceptor do filho de um conde e tradutor de textos clássicos, eram extremamente
valorizadas. Para os renascentistas, conhecer os clássicos era um meio de formar
homens que pudessem, mediante a política, melhorar a vida social. A retomada da
literatura clássica, como a de Cícero, por exemplo, podia fazer do homem
moderno um cidadão mais atuante na transformação do seu meio social. Vejamos
como Richard Tuck, na introdução do Leviatã, apresenta esse contato dos
renascentistas com Cícero:
“O objetivo do conhecimento dos clássicos era equipar um
homem para o tipo de serviço público que heróis como Cícero haviam
desempenhado: o melhor modo de vida (acreditavam eles) era a do
cidadão ativo e comprometido, lutando pela liberdade da república ou
usando as suas habilidades oratórias para convencer outros cidadãos a
7
lutar com ele” .
Esse ideal presente na política ciceroniana será por Hobbes abandonada,
trocando-o pelo pensamento de Tácito. Não foi só Hobbes que começou a
abandonar Cícero; muitos intelectuais da época fizeram o mesmo, como nos diz o
mesmo Tuck: “No lugar de Cícero, liam (e escreviam como) Tácito, o historiador
dos primórdios do império romano” 8. Nos escritos de Tácito a política aparece
como domínio da corrupção e da traição e a noção de manipulação dos
governados está mais presente:
“a ideia que a tradição de Tácito tinha dos agentes humanos era
precisamente de que estavam abertos à manipulação causal de um tipo
6
Ribeiro, Renato. P.22.
Tuck, Richard. In. Hobbes, Thomas. Leviatã. p.15. Ed. Martins Fontes. São Paulo, 2003.
8
Ibidem
7
12
mais ou menos fidedigno, e a filosofia de Hobbes em relação a essa área
9
incorporou as ideias dessa tradição” .
Outra referência importante para a formação intelectual de Hobbes foi
Francis Bacon, que era amigo dos seus patrões e alguém por quem eles nutriam
grande respeito e admiração.
Feitas essas rápidas considerações sobre a vida do nosso autor, que
mostram o quanto Hobbes estava envolvido com o seu tempo, avancemos agora
para o foco deste trabalho.
O ponto central desse trabalho é o estudo da concepção hobbesiana das
paixões humanas e a sua vivência pelo homem, primeiro, durante o “estado de
natureza”, em seguida, no estado civil. Para isso, priorizaremos as reflexões de
Hobbes sobre o assunto contidas no Leviatã, de 1651, sua obra mais acabada.
Recorreremos ao De Cive, de 1642, quando necessário. Em suma, o que nos
importa aqui é percorrer o itinerário do pensamento hobbesiano sobre as paixões,
começando pelas manifestações destas no estado de natureza, em seguida, no
processo de passagem do estado de natureza para o estado civil, e, por fim, no
estado civil.
Num primeiro momento, iremos nos concentrar na investigação do filósofo
sobre a origem das paixões. Para tal, tomaremos como ponto de apoio o capítulo
6 do Leviatã, no qual Hobbes trata exatamente da origem das paixões.
Neste primeiro capítulo trataremos das paixões no estado de natureza, da
sua origem e definição, portanto, lançaremos os fundamentos conceituais do
pensamento hobbesiano a respeito. Noções como movimento, desejo e aversão
serão de importância estratégica para a compreensão do processo no qual as
paixões efetivam-se como o motor dos homens durante as suas vidas,
influenciando principalmente suas escolhas.
Embora o Leviatã seja a obra capital do nosso trabalho, comecemos
analisando o De Cive, o qual, de certa forma, não só é retomado no Leviatã,
9
Tuck, Richard. In. Leviatã. p. XXIX.
13
como, sobretudo, ousaríamos dizer, aprimorado e transformado na própria obra
Leviatã.
O De Cive está dividido em três partes: Liberdade, Domínio e Religião. Na
primeira parte, com quatro capítulos, Hobbes trata das questões relativas à
condição humana fora da sociedade civil e também das leis de natureza. Na
segunda parte, Hobbes desenvolve os temas concernentes ao governo civil. Por
fim, a última parte ocupa-se da relação entre a obediência ao soberano e a
obediência a Deus. As reflexões que mais nos interessam são as da primeira e
segunda parte. Quando necessário, recorreremos aos capítulos dedicados à
religião. O Leviatã, por outro lado, está dividido em quatro partes: Do Homem, Da
República,
Da
República
cristã
e
do Reino
das trevas.
Interessa-nos
especificamente a primeira e a segunda parte, mais exatamente os capítulos VI,
XIII, XIV, XVI e XVII.
Um aspecto que merece destaque é o quanto Hobbes tenta transmitir de
maneira clara as suas ideias para os seus leitores. Como já salientamos, uma
chave de leitura para a compreensão do pensamento político hobbesiano é o
contexto histórico dentro do qual suas idéias foram geradas, ou seja, distúrbios
sociais e a crise de autoridade vivida na Inglaterra no período da guerra civil
(1642-1649). O próprio Hobbes cita no De Cive que não há guerra travada com
tanta “ferocidade” como aquelas travadas pelos grupos de uma mesma cidade, ou
seja, a guerra civil10.
No nosso caso, o contexto histórico não será o mais importante. Na
verdade, pretendemos tomá-lo apenas como pano de fundo para salientar
algumas questões do pensamento do nosso autor. Sendo assim, não iremos nos
aprofundar em minúcias históricas do período no qual viveu Hobbes. Mas,
evidentemente, não relegamos a importância dos fatos históricos presentes nos
séculos XVII para a vida do nosso autor.
10
Hobbes, Thomas. De Cive. p. 30. Editora Martins fontes. São Paulo, 2002.
14
No segundo capítulo, iremos mostrar como se efetivam as paixões entre os
homens. Se, no primeiro capítulo, faremos uma análise da gênese das paixões, no
segundo capítulo iremos mostrar como as paixões influenciam o agir humano.
Num primeiro momento, abordaremos a questão do medo que os homens
vivenciam no estado de natureza e o quanto este sentimento leva os homens à
antecipação no uso da violência. Acuados pelo medo de serem atacados no
estado pré-social, onde não existe nenhuma regra e todos os homens têm direito a
todas as coisas, o indivíduo, movido pelo instinto de autopreservação, ataca antes.
Depois, passaremos à análise do desejo de glória que há nos homens, do
quanto esse desejo de precedência pode ampliar as tensões existentes no estado
de natureza. Em seguida, discorreremos sobre a lógica do homem hobbesiano, o
qual age sempre em benefício próprio. Ou seja, iremos tratar do desejo que há
nos homens de tirar proveito, em seu próprio benefício, de todas as coisas. E,
neste caso, como essa lógica egoísta no estado de natureza os conduz a um
estado permanente de conflitos.
Finalmente, passaremos a expor como na raiz da saída dos homens do
estado pré-social para o estado civil estão as paixões do medo e da esperança.
Nestas duas paixões residiria a força que move os homens na direção do pacto
social. Em outras palavras, serão o medo da morte violenta e a expectativa que os
homens possuem de uma vida longa e em segurança que os levarão a buscar um
acordo de paz.
Já no terceiro capítulo entraremos no debate em torno da dinâmica das
paixões e suas conseqüências entre os homens durante o estado civil. Ou seja,
esse capítulo vai mostrar como as paixões continuam atuantes mesmo depois do
estabelecimento do pacto e da coerção com a consolidação do Estado. Contudo,
antes vamos discorrer sobre alguns aspectos que envolvem o pacto social.
Primeiramente, vamos tratar das leis de natureza. O objetivo é entrar nas minúcias
do trecho do Leviatã que consideramos, senão o mais importante, certamente um
dos mais importantes, a saber:
15
“Que todo homem concorde, quando os outros também o façam,
e na medida em que tal considere necessário para a paz e para defesa
de si mesmo, em resignar o seu direito a todas as coisas, contentandose, em relação aos outros homens, com a mesma liberdade que aos
outros homens permite em relação a si mesmo”
11
.
Nesse sentido, ao abordarmos o pacto social, trataremos de assuntos como
as condições para o acordo, a busca da paz, o direito natural de todos a todas as
coisas, e, por fim, a questão da liberdade.
No que tange às condições para que o pacto social aconteça,
discorreremos sobre o quanto o Estado é importante para garantir o pleno
cumprimento do contrato que há entre os homens. Em outras palavras, é o Estado
que dará aos homens as garantias necessárias para que o acordo se realize.
Posteriormente, nos debruçaremos sobre a busca da paz como marca
registrada da política de Hobbes. E ainda, que para se viver em paz e em
segurança é preciso a presença forte do Estado.
O capítulo ainda tratará de outro dois aspectos do pacto social: a alienação
do direito que os homens têm a todas as coisas e as consequências do pacto
social, dentre elas a instituição do Estado como obstáculo a determinadas ações
humanas.
Ainda no capítulo 3, empreenderemos o debate sobre a relação entre lei de
natureza e razão em Hobbes. Para tal, iremos nos apoiar na ideia de que Hobbes
nos traz uma nova noção de razão. Contrariando os antigos clássicos que
colocavam a razão como elemento superior aos demais apetites, ele apresenta
uma razão calculadora e que também seria muito influenciada por fatores
externos.
Finalmente, concluiremos o capítulo 3 na perspectiva de que Hobbes tinha
como projeto intelectual fazer da filosofia política uma ciência capaz de conduzir
os homens à paz, a grande esperança, aliás, dos homens do seu tempo. Cabe
11
Hobbes, Thomas. De Cive. p. 113.
16
ressaltar que Hobbes pretendeu ser o fundador de uma ciência política tão precisa
quanto a geometria.
Ser o fundador de uma nova ciência política implica deixar de lado todo um
passado especulativo do pensamento político, o qual muitas vezes Hobbes fará
questão de criticá-lo. Não é difícil encontrarmos nos textos de Hobbes passagens
que falem abertamente que os homens que pensaram a política até ele ou nada
sabiam ou estava tratando a “natureza humana muito superficialmente” 12.
Hobbes, não pretendia ser apenas o fundador de uma nova ciência política;
ele também queria deixar essa ciência profundamente alicerçada, o que a tornaria
praticamente irrefutável. Para isso fez do rigor da matemática o método do seu
projeto:
“O importante em sua obra porém foi trazer o método dito
galilaico – o que consistia em resolver o objeto dado em seus elementos
constituintes, para depois compô-lo novamente em sua complexidadepara a consideração da política. Pretendeu com isso, tornar a política
uma ciência (...), e sobretudo fazê-la irrefutável
13
Mesmo correndo o risco do clichê, é impossível não encontrar no
pensamento político de Hobbes elementos vivos e ainda atuais, alguns deles
tratados a seguir.
12
13
Cf. Hobbes, Thomas. De Cive. p. 26.
Cf. Ribeiro, Renato Janine. In. Apresentação. De Cive. p. 23.
17
CAPÍTULO 1
O HOMEM QUE DESEJA: HOBBES E AS PAIXÕES
Na primeira parte do Leviatã, Hobbes ocupa-se do homem, ou seja, faz
uma análise dos aspectos principais que compõem a natureza humana. Conhecer
em detalhes a natureza humana, sua essência, e, por conseguinte, a condição
humana num hipotético estado pré-social e pré-político.
Já na introdução da obra, Hobbes assim define a vida: “Pois, considerando
que a vida não passa de um movimento dos membros, cujo início ocorre em
alguma parte interna, por que não poderíamos dizer que todos os autômatos
possuem uma vida artificial?”
14
. Para ele, coração, nervos e juntas seriam
análogas às molas, cordas e rodas; todas estas particularidades do corpo humano
lhe imprimiriam o movimento, esta, uma idéia chave para compreender o
pensamento hobbesiano15.
O filósofo compara o corpo natural do homem ao Estado, este, um corpo
artificial. Seguindo o raciocínio do autor na introdução do Leviatã, o corpo humano
é comparado ao corpo político, ou seja, ao corpo social. Na visão de Hobbes, o
Estado seria o homem artificial e o principal objetivo deste deve ser garantir
“proteção” e “defesa” ao corpo natural daqueles que juntos formam esse corpo
artificial, ou seja, os súditos. Segundo nosso autor, a alma artificial é a soberania,
pois ele entende que é a soberania que dá vitalidade a todas as partes do corpo:
“a soberania é uma alma artificial, pois dá vida e movimento ao corpo inteiro”
16
.
14
Hobbes, Thomas. Leviatã. p. 11. Ed. Martins fontes. São Paulo, 2003.
Cf. Idem. p. 11
16
Idem. p. 11.
15
18
Magistrados e funcionários seriam as juntas desse corpo; a função dos nervos
seria promover a recompensa e os castigos; a riqueza e a prosperidade
corresponderiam à força; os conselheiros seriam a memória do corpo; as leis, a
vontade, a equidade e a razão17. Já a concórdia corresponderia ao que é no corpo
a saúde; a sedição, por sua vez, seria a doença. Por fim, a guerra é concebida
como a morte do corpo social18. Em seguida, Hobbes refere-se ao pacto social,
que seria aquele momento em que cada homem aliena o seu direito a todas as
coisas para um soberano, que leva ao nascimento do Estado. Para tal, Hobbes
compara a instituição do Estado à criação do homem encontrada no livro bíblico
do Gênesis. De acordo com o nosso autor, o pacto assemelha-se ao Fiat
(Façamos) de Deus quando este criou o homem19.
Após esta breve apresentação da descrição hobbesiana do homem contida
na introdução do Leviatã, a questão que devemos pensar é: até onde essa
explicação do homem serve como base para fundamentar a sua teoria política?
Ou seja, até que ponto a análise que Hobbes faz das paixões é determinante para
as conclusões a que ele chegou posteriormente no campo da política? E ainda,
qual a força que teriam as paixões na passagem de um estado pré-social para o
estado civil? Mais: as paixões são a força motriz que impulsiona os homens a
fazer o pacto social?
Nesse sentido, mais indagações se colocam: o que é a natureza humana e
como se articulam as paixões no seio da teoria de Hobbes sobre a política? Qual
seria a importância do estudo das paixões para chegarmos ao cerne do
pensamento do nosso autor?
Sobre o estudo das paixões, a propósito, escreve Maria Isabel Limongi:
“Desta ciência das paixões ou, se não dela, pelo menos da experiência das
paixões se retiram, por sua vez, os princípios da ciência civil”
20
.
17
Cf. Idem 12.
Idem. p. 11.
19
Idem. p. 11.
20
Limongi, Maria Isabel. O homem excêntrico: paixões e virtudes em Thomas Hobbes. Edições Loyola. São
Paulo, 2009. p. 36.
18
19
Vejamos então como no estado de natureza as paixões se originam e se
manifestam em cada indivíduo, sobretudo pelo estudo do capítulo VI do Leviatã,
intitulado da “Da origem interna dos movimentos voluntários vulgarmente
chamados PAIXÕES, e da linguagem que os exprime”. Na verdade, Hobbes, ao
analisar as paixões, vai ater-se mais a um juízo de fato do que de valor. Em outras
palavras, ele está mais preocupado em descrever as paixões do que propriamente
julgá-las como boas ou ruins. Primeiramente, ele faz um levantamento daquilo que
a natureza humana é. Vamos a ele.
O autor do Leviatã, no capítulo seis, destaca a origem das paixões e como
elas são expressas mediante a linguagem. Primeiramente, Hobbes distingue os
tipos de movimentos. No seu entender, há dois tipos de movimentos físicos: um
“vital” e outro “voluntário”. O vital, que também poderíamos chamá-los de
involuntários, são aqueles que encontramos na circulação do sangue, nos
batimentos cardíacos, nos processos respiratórios e digestivos. Já o movimento
voluntário seria uma resposta a aquilo que primeiramente passa pela imaginação,
em última instância, pelo crivo da razão: “O outro tipo de movimento dos animais,
também chamamos movimentos voluntários, como o andar, o falar, mover
qualquer dos membros, da maneira como primeiro imaginamos em nossa mente”
21
. Para Hobbes, o movimento seria a causa primordial das ações humanas. Em
breves palavras vamos situar a teoria hobbesiana das paixões em relação à sua
concepção de movimento, que será permeada pelos elementos da física do século
XVII.
Em linhas gerais, poderíamos afirmar que a visão que Hobbes tem da
natureza e dos corpos é uma visão mecanicista. Sem entrar na complexidade e no
mérito da questão, limitamo-nos a dizer a respeito que Hobbes deixa de lado a
visão teleológica de natureza, segundo a qual todos os corpos dirigiam-se para um
fim determinado, e passa para visão mecânica e causal, segundo a qual os corpos
21
Hobbes, Thomas. Leviatã. p. 46.
20
dirigem-se para um fim não determinado, mas almejado. Observemos a mudança
de paradigma na questão do movimento contrapondo muito rapidamente Hobbes
e Aristóteles.
De acordo com Iara Frateschi, ao estudarmos Aristóteles, um dos alvos
privilegiados da filosofia política de Hobbes, que encarna perfeitamente essa visão
teleológica, podemos chegar à seguinte conclusão: “Para Aristóteles, o movimento
natural é teleológico, causado pela tendência natural do corpo a obter a sua
completude, a atualizar a sua essência”
22
. Em Hobbes, a ideia de movimento “é
apenas mudança de lugar, indiferente a qualquer processo teleológico: os homens
se movem não na direção da atualização do que são potencialmente, mas na
direção dos benefícios almejados, exclusivamente por efeito de causas eficientes”
23
.
Podemos perceber que o pensamento do filósofo sobre a origem dos
movimentos, ou seja, sobre a sua causa, tem uma forte relação com a física. Na
verdade, o que Hobbes faz com a sua teoria sobre o movimento dos corpos é uma
física do movimento. Ele começa o capítulo II do Leviatã, no qual trata do tema da
imaginação, com as seguintes palavras: “Nenhum homem duvida da verdade da
seguinte afirmação: quando uma coisa está em repouso, permanecerá sempre em
repouso, a não ser que algo a coloque em movimento24. O movimento dos corpos
seria então o resultado de uma ação causal eficiente que, no limite, tende a fazêlos movimentarem-se ao infinito caso não haja uma força contrária que os faça
parar.
Dessa reflexão sobre o movimento dos corpos podemos levantar algumas
questões: seria o homem, na concepção hobbesiana, um corpo descontrolado?
Por isso a necessidade de um poder, no caso o do Estado, para dar-lhe uma
contenção e direção? Em outras palavras, a função deste Estado seria disciplinar
22
Frateschi, Iara A. A física da política: Hobbes contra Aristóteles. Ed. Unicamp. Campinas-SP, 2008 p. 62.
Idem. p. 62.
24
Thomas, Hobbes. Leviatã. p. 17
23
21
os apetites humanos, dos quais falaremos com mais detalhes adiante, para uma
direção que os faça sair do estado de guerra perpétua para o estado social?
Surge, nesse caso, outra questão pertinente às consequências promovidas
pelo novo modelo de movimento sustentado por Hobbes: a questão da liberdade,
mais precisamente, da liberdade entendida como livre-arbítrio. Se os movimentos
dos corpos são infinitos, conseqüentemente, Hobbes também entenderá a
liberdade, como ausência de obstáculos ao movimento, como infinita. E é
exatamente o que se percebe na própria definição de liberdade dada pelo nosso
autor:
“Por LIBERDADE entende-se, conforme significação própria da
palavra, a ausência de impedimentos externos, impedimentos que muitas
vezes tiram parte do poder que cada um tem de fazer o que quer, mas
não podem obstar a que use o poder que lhe resta, conforme o
25
julgamento e poder que lhe reste” .
Para Hobbes, toda relação de movimento pressupõe outro corpo que aja
sobre aquele corpo em repouso ou em movimento26. Toda a física do movimento,
em Hobbes, será marcada pelos corpos que são capazes de agir ou padecer
diante da ação de outro corpo, ou seja, de um obstáculo que se coloque como
força contrária ao movimento desses corpos.
Voltando, a propósito, ao texto do Leviatã, após breve pausa para tratamos
da questão do movimento, Hobbes, para tratar do desejo e da aversão, começa
falando de “esforço”. Segundo ele, quando um esforço efetiva-se na direção de um
objeto, a isso damos o nome de “desejo” ou “apetite”. Caso esse movimento seja
contrário ao objeto, o nome que é dado é “aversão”: “As palavras apetite e
aversão vêm do latim e ambas designam movimentos, um de aproximação e o
outro de afastamento”
27
. Interessante é perceber que Hobbes, quando trata das
25
Idem. p. 112.
Cf. Limongi, Maria Isabel. O homem excêntrico: paixões e virtudes em Thomas Hobbes. p. 40
27
Hobbes, Leviatã. p. 47
26
22
paixões, prefere falar de “movimento”. Maria Isabel Limongi dá-nos uma
contribuição importante sobre o assunto ao afirmar o seguinte: “A paixão parece
não ser senão o nome que normalmente se dá ao que Hobbes prefere, no entanto
conceitualizar em termos de movimento”
28
. Na verdade, o que Hobbes diz é que,
o que normalmente as pessoas chamam de paixão é o nome vulgar que se utiliza
para “movimentos da mente” 29. O próprio título do capítulo 6 do Leviatã, aliás, dános clareza a respeito do assunto: “Da origem interna dos movimentos voluntários
vulgarmente chamados paixões; e da linguagem que os exprime”
30
Lemos no Leviatã que é o próprio homem quem determina o que é bom ou
mal com base nesse critério de desejo e aversão. Segundo ele, “seja qual for o
objeto do apetite ou do desejo de qualquer homem, esse objeto é aquele que cada
um chama de bom; ao objeto do seu ódio e aversão chama de mau” 31. As ideias
de amor e ódio também estão relacionadas às coisas que os homens desejam
perto ou longe deles: “Aquilo que os homens desejam se diz também que AMAM,
e que ODEIAM aquelas coisas que sentem aversão” 32.
Na verdade, o critério para dizer o que é bom ou ruim é subjetivo, não
sendo a moral, portanto, um conhecimento objetivo: “descrição sobre „bom‟ ou
„mal‟ são projeções de nossas sensações internas sobre o mundo externo, assim
como „vermelho‟ e „verde‟33. Estaria então o homem hobbesiano agindo sempre
em benefício próprio uma vez que o critério do que bom ou mal é determinado
pelo desejo ou pela aversão que tem de determinadas coisas?
Sobre essa questão do benefício próprio, não podemos esquecer que, para
Hobbes, “o comportamento humano é determinado, principal e primeiramente, por
uma tendência natural e não por imperativos irredutivelmente morais”
34
. Segundo
Richard Tuck, o fundamento da moral hobbesiana está na autopreservação, ou
28
Limongi, Maria Isabel. O homem excêntrico: paixões e virtudes em Thomas Hobbes. p. 37.
Cf. Idem. p. 36
30
Hobbes, Thomas. Leviatã. p. 46
31
Thomas, Hobbes. Leviatã. p. 48.
32
Idem. p. 47
33
Richard, Tuck. In. Apresentação do Leviatã. p. 29.
34
Frateschi, Iara. A física da política: Hobbes contra Aristóteles. p. 72.
29
23
seja, os homens fogem daquilo que possa causar-lhes dor, sofrimento e,
consequentemente, a morte. A manutenção da vida, nesse caso, seria um valor
absoluto de todos os indivíduos. Vejamos em linhas gerais como Tuck entra nesse
debate dos fundamentos da moral em Hobbes.
No entender de Tuck, Hobbes concebeu uma filosofia para resolver os
problemas do seu tempo. O filósofo nutria uma ambição utópica35 de pensar a
filosofia em termos práticos. Entre tantas questões práticas pensadas por Hobbes
está a de como encontrar um padrão objetivo para definir o que é certo ou
errado36. Para afirmar que o fundamento da moral, isto é, de um saber que ajude o
homem a escolher entre o bom e o ruim, está na autopreservação, Tuck diz que o
desejo fundamental de se preservar da morte é o único desejo destituído de um
“componente cognitivo fundamental”37. Dito de outro modo, nas palavras do
próprio Tuck:
“As paixões que aparentemente nos movem têm na maioria dos
casos um componente cognitivo fundamental – de modo que, por
exemplo, a alegria provém da „imaginação do próprio poder e capacidade
de um homem‟, ao passo que a tristeza se deve à „convicção de falta de
38
poder‟ .
Tuck continua: “O único desejo destituído de conteúdo cognitivo é o desejo
fundamental de preservar se preservar da morte”
39
. Como podemos perceber, o
fim último que movimenta os homens é o de preservar a sua própria existência,
como dirá mais tarde Hobbes: “Não é pois absurdo, nem repreensível, nem
contrário aos ditames da verdadeira razão , que alguém use todo o seu esforço
35
Richard, Tuck. Tuck. In. Apresentação. Leviatã. p. 29.
Idem. p. 29.
37
Idem. p. 31
38
Idem. p. 31
39
Idem. p.31
36
24
para preservar e defender seu corpo e seus membros da morte e dos sofrimentos”
40
.
A linguagem também é de fundamental importância para definir o que seria
o bem e o mal, pois é por meio dela que o homem diz o que considera prazeroso e
proveitoso ou recusa aquilo que causa desprazer e lhe é nocivo. Para concluir
essa análise sobre os fundamentos da moral em Hobbes, lembremo-nos que as
noções de justo ou injusto só existem no estado social, ou seja, no estado de
natureza os homens não podem falar em injustiça; seriam, portanto, convenções.
Após falar de desejo e da aversão no capítulo VI do Leviatã, Hobbes
envereda por uma longa descrição das paixões humanas: medo, alegria, tristeza,
dor, sofrimento, entre outras. Mas antes de começar a descrever cada uma delas,
o filósofo trata do problema da linguagem. Ele afirma que é pela linguagem que o
homem expressa o que para ele é bom ou ruim.
Para prosseguirmos com a análise desse capítulo seis, julgamos
interessante valorizarmos mais essa relação entre linguagem e paixões humanas.
Para tal, o livro Uma descrição do humano no Leviathan, de Thomas Hobbes, de
Ismar Dias Matos, pode nos ajudar nesse debate. O autor discute alguns aspectos
importantes do problema da linguagem em Hobbes, a saber, a linguagem como
identificação do humano e a linguagem como instrumento político.
Segundo Matos, em sua análise do capítulo 6 do Leviatã, o que diferencia
essencialmente os homens dos animais é o uso da linguagem, uma vez que
ambos obedecem ao critério das sensações, ou seja, as noções de prazer e
desprazer são levadas em consideração por eles no momento em que fazem as
sua escolhas41. Neste caso, o que haveria no Leviatã é um processo de
hominização, pois Hobbes, segundo Matos, tenta mostra que o homem “loquens”
é transformado no homo “faber”, ou seja, naquele que é capaz de construir a paz,
40
Thomas, Hobbes. De Cive. Ed. Martins Fontes. São Paulo, 2002. p. 31.
Cf. Matos, Ismar D. Uma descrição do humano no Leviathan, de Thomas Hobbes. Ed. AnnaBlume. São
Paulo, 2007. p. 58.
41
25
de sair do estado de natureza para a vida em sociedade42. Em outras palavras,
nenhum outro animal teria essa capacidade.
Vejamos essa relação entre homem, linguagem e construção da paz nas
palavras do próprio Matos: “Pela palavra o homem é capaz de comunicar aos
demais homens o desejo de construir a paz, de criar um ambiente mais propício
para a vida se desenvolver”43. Essa relação entre linguagem, objeto e semelhante
é importante no processo de entendimento das paixões, pois o homem procura,
por meio da linguagem, comunicar-se e dizer o que são os objetos aos outros e,
neste caso, se lhe são benéficos ou danosos.
Sendo assim, seria inútil ao homem fazer conhecer a sua vontade se não
houvesse um interlocutor, ou seja, é por meio da linguagem que os homens
expressam aos outros os seus desejos, incluindo aí o desejo de construir a paz.
Portanto, entender a questão da linguagem em Hobbes é fundamental, pois é pela
linguagem que os homens irão formalizar o pacto, portanto, é pela linguagem que
os homens saem do estado de natureza e caminham para o estado civil.
Evidentemente, a linguagem sozinha não terá força suficiente para controlar
os homens nas suas paixões. Para tal, é preciso que haja a força do Estado para
garantir o cumprimento daquilo que foi acordado por meio das palavras.
Para Hobbes, o critério do que para o homem é deleitoso ou perturbador do
espírito está nas sensações. Assim, as sensações de luz, cor, som e olfato
provocam em nós boas ou más sensações. Do mesmo modo são as paixões44. A
tendência é que o homem fuja daquilo que lhe cause algum tipo de desconforto e
procure as coisas que lhe dêem conforto. Hobbes entende também que todos
esses movimentos estão ligados à manutenção da vida: “Este movimento a que se
chama apetite e, em sua manifestação, deleite e prazer, parece constituir uma
corroboração do movimento vital e uma ajuda prestada a este”
45
. Após essas
considerações sobre o movimento, a linguagem e as sensações, Hobbes começa
42
Cf. Matos, Ismar D. Uma descrição do humano no Leviathan, de Thomas Hobbes. p. 58.
Matos, Ismar Dias de. Uma descrição do humano no Leviathan, de Thomas Hobbes. p. 60.
44
Idem. p. 49
45
Idem. p. 50
43
26
a descrever cada uma das paixões até quase o final de todo o capítulo seis do
Leviatã.
De acordo com Hobbes, chamamos de prazerosos os objetos que
contribuem para a manutenção da vitalidade e de moléstias as coisas que nos
causam algum tipo de perturbação vital. Os prazeres podem ser divididos em duas
categorias: prazeres dos sentidos e prazeres do espírito. Hobbes entende que
todos os objetos que apetecem, ou seja, que atraem algum dos nossos sentidos e,
por conseqüência, nos trazem sensação de conforto e prazer, nós os
denominamos de prazeres dos sentidos, ao passo que os objetos que causam
transtornos a algum dos cinco sentidos, quando temos algum desprazer, essa
sensação recebe o nome de dor46. Quanto aos prazeres do espírito, afirma o
filósofo: “Outros prazeres ou deleites derivam da expectativa provocada pela
previsão do fim ou conseqüência das coisas, quer essas coisas agradem ou
desagradem os sentidos”
47
. Segundo o filósofo, tanto a alegria quanto a tristeza
residem nas consequências de uma espera futura, na possibilidade ou não do
contato com um objeto que possa causar ou não algum benefício ou dano à
pessoa que entrará em contato com esse objeto.
Hobbes continua o capítulo seis analisando cada um dos desejos humanos
e como esses são movidos por sucessivas causas. Dito de outro modo, um desejo
sempre impulsiona outro desejo que, consequentemente, gera um novo desejo.
Hobbes vai articulando os desejos e as paixões humanas. No final, constata que
eles se expressam e se realizam numa cadeia de causalidades.
Feita essa exposição sobre as paixões iniciaremos agora um esforço para
tentar explicar em que medida em Hobbes a sua concepção de ser humano seria
essencial na fundamentação da sua teoria política.
Quando observamos as paixões, de acordo com a leitura que Hobbes faz
delas, constatamos que as paixões geram guerras, conflitos e insegurança; do
mesmo modo, que elas são em parte responsáveis pelo controle da natureza
46
47
Cf. Hobbes, Thomas. Leviatã. p. 50
Idem. p. 50
27
humana. Vamos tentar entender ao longo deste capítulo essa dupla função das
paixões. Mas, para tal empreitada, será necessário seguir os passos da
apresentação das paixões feita pelo filósofo no capítulo VI do Leviatã. Vejamos
como o autor costura essa teia de relações entre desejos e paixões.
O desejo, ou melhor, o apetite, quando ligado à crença da conquista recebe
o nome de ESPERANÇA, ao passo que o desejo sem a crença da conquista
recebe o nome de DESESPERO. Quando somos repelidos pelo medo de alguma
das consequências ruins que podem ser causadas por um objeto, damos o nome
a esse movimento de afastamento do objeto de MEDO. Se, ao contrário,
decidimos enfrentá-lo, a essa atitude de enfrentamento damos o nome de
CORAGEM. Hobbes pondera e diz que a coragem súbita pode tornar-se
COLÉRA, que entendemos ser a falta de controle no uso da virtude da coragem48.
Se considerarmos as paixões como o principal alicerce do edifício político
do pensamento de Hobbes, certamente o medo e a esperança terão lugar de
destaque. Dito de outro modo, se as paixões têm um papel decisivo na ciência
política pensada por Hobbes, serão o medo e a esperança os pilares desse
projeto. Voltemos ao Leviatã.
Para Hobbes, a esperança constante chama-se CONFIANÇA, essa falta de
confiança ou DESCONFIANÇA em si mesmo recebe o nome de desespero. Nesse
caso, o desespero aparece tanto para falar da falta de confiança num futuro
promissor quanto para falar da falta de expectativa em relação à própria vida.
Muitas paixões, segundo Hobbes, assim como o desespero, são causadas por
expectativas futuras.
A cólera, quando bem direcionada, pode tornar-se indignação. De acordo
com Hobbes, esse ato de indignar-se surge “perante um grande dano feito a
outrem, quando pensamos que foi feito por injúria”
49
. O que Hobbes entende por
injúria está claro no De Cive: “Violar um compromisso, ou exigir de volta algo que
48
49
Idem. p. 51
Idem. p. 50
28
já demos é o que se chama injúria”
50
. Essa palavra “injúria”, no entender de
Hobbes, significa qualquer tipo de ofensa a um direito individual de alguma
pessoa, pois, segundo ele, “a ninguém se faz injúria, exceto com àqueles que
contratamos” 51.
Ao descrever a benevolência, a boa vontade, a caridade e a bondade
natural, Hobbes relaciona todas essas paixões ao desejo que os homens têm de
ver o bem dos outros. O interessante é perceber que no De Cive o autor fala que
os homens não tiram nenhum proveito da companhia uns dos outros, que muitas
vezes a convivência social é penosa e complicada 52.
Quando o desejo está direcionado para riquezas chama-se cobiça.
Segundo Hobbes, a cobiça é sempre vista pelos civilizados com reprovação moral,
mas ela deve ser considerada e relacionada aos meios empregados para
conseguir quando se almeja riquezas 53. O mesmo pode-se dizer sobre a ambição,
que é o desejo de por altos cargos.
A virtude da magnanimidade, que pode ser entendida como uma grandeza
de espírito, está ligada às grandes ajudas, aos grandes feitos de coragem,
sobretudo quando esses colocam em risco a vida do seu praticante. Ao contrário,
o desejo pelas coisas pequenas é chamado de pusilanimidade. O pusilânime, no
uso do dinheiro, torna-se mesquinho54. Da virtude do amor derivam a gentileza, a
lascívia natural, a luxúria, a paixão do amor e o ciúme. Já o ciúme provém do
medo de não ter o amor correspondido 55.
Quando Hobbes fala da curiosidade, ele ressalta que esse desejo de saber
a causa e a razão intrínseca das coisas não existe em nenhum outro ser vivente a
não ser no homem: “Nos animais, o apetite pelo alimento e outros prazeres dos
sentidos predominam de modo tal que impedem toda e qualquer preocupação
50
Hobbes, Thomas. De Cive. p. 54
Idem. p. 55.
52
Cf. Idem. 26
53
Cf. Hobbes, Thomas. Leviatã. p. 51.
54
Idem. p. 51.
55
Idem. p. 52.
51
29
com o conhecimento das causas”
56
. Para Hobbes, o homem não está apenas
sujeito ao efeito das coisas, mas ele também busca as suas causas, em outras
palavras, ele busca o conhecimento na tentativa de compreender as coisas.
Ainda no capítulo seis, Hobbes fala da religião, da superstição e da
verdadeira religião. A superstição, no seu entender, teriam como fonte histórias
imaginadas:
“O medo dos poderes invisíveis, inventados pelo espírito ou
imaginados com base em histórias publicamente permitidas, chama-se
religião;
quando
essas
histórias
não
são
permitidas,
chama-se
superstição. Quando o poder imaginado é realmente o que imaginamos,
chama-se verdadeira religião”
57
.
O medo seria a causa da religião? No entender de Hobbes, sim. Mesmo no
caso daquela religião que ele chama de “verdadeira religião” ele atribui ao medo o
seu principal fundamento. O medo que nos leva a imaginar e a inventar a religião
é o mesmo para a falsa religião, para as religiões oficiais e para a verdadeira
religião. O que fica claro é que Hobbes diferencia a religião pública daquela que é
a verdadeira religião. Na verdade, nem sempre a religião que é publicamente
aceita corresponde à verdadeira religião. Em outras palavras, as histórias pelos
homens inventadas, na tentativa de solucionar um problema causado pelo medo
daquilo que eles não vêem, podem ser proibidas e, por isso, chamadas de
superstição; podem ser aceitas e, consequentemente, serem chamadas de
religião; e se aquilo que os homens imaginam corresponde à realidade, a essa
imagem pelo homem criada dá-se o nome de “verdadeira religião”.
Parece que a verdadeira religião pode subsistir apenas no coração do
homem. Para Hobbes, a verdadeira religião não precisa ser necessariamente
aquela institucionalmente aceita. No século XVII, falar desse modo de religião era
pisar em um terreno minado, pois a influência da religião nos assuntos da política
56
57
Idem. p. 52
Idem. p. 52
30
era constante. O problema de conceber Deus como uma invenção com base na
imaginação e no medo das coisas invisíveis está no fato de que essa afirmação
contraria toda uma tradição cristã, pois, para o cristianismo dominante na época
de Hobbes, Deus teria se revelado ao ser humano.
Hobbes continua o texto falando da vangloria e do por que ela seria vã. Ele
afirma que a alegria que é produzida pela imaginação do poder que acreditamos
ter é o que chamamos de glória58, ou seja, a glória é fruto da expectativa que um
homem cria em relação àquilo que os outros pensam dele e do seu poder. Sendo
assim, quando a glória não se concretiza, ela se torna vangloria, pois não
corresponde à realidade. Diferentemente da confiança que tem resultados
eficazes, a vã glória não conduz a nada. Nas palavras do filósofo, “a confiança
bem fundada leva à eficiência, ao passo que a suposição do poder não leva ao
mesmo resultado e é portanto justamente chamada vã”59. Ao falar das relações
humanas, Hobbes cita a vangloria como causa das discórdias entre os homens.
Vejamos como Hobbes encaminha essa análise.
No De Cive, nosso autor afirma que as reuniões humanas não são
motivadas pelo amor ou pela consideração ao próximo, mas o contrário: “Toda
associação (...) ou é para o ganho ou pela glória- isto é: não tanto para o amor de
nossos próximos, quanto pelo amor de nós mesmos”
60
. No Leviatã, o filósofo é
mais explicito ao tratar da relação entre vã glória e discórdias: “De modo que na
natureza do homem encontramos três causas principais de discórdia. Primeiro, a
competição; segundo, a desconfiança; e terceiro, a glória”
61
. Aqui podemos
perceber como Hobbes articula as paixões humanas com as relações sociais.
Ainda falando sobre o De Cive, é nele que Hobbes desenvolve, no primeiro
capítulo, as consequências da vangloria para o convívio entre as pessoas.
Segundo Hobbes, a “discórdia nasce da comparação das vontades”
62
, ou seja,
58
Cf. Idem. 53.
Idem. p. 53
60
Hobbes, Thomas. De Cive. p. 28.
61
Hobbes, Thomas. Leviatã. p. 108.
62
Hobbes, Thomas. De Cive. p. 30.
59
31
quando uma pessoa discorda frontalmente da opinião da outra. Esta discordância
gera uma situação de extrema ferocidade, pois ninguém gosta de ser contrariado
na sua vontade; a esta atitude Hobbes dá o nome de “combate entre os espíritos”:
“como o combate entre os espíritos é de todos o mais feroz, dele necessariamente
devem nascer as discórdias mais sérias”
63
. Na opinião do filósofo ainda, quando
uma pessoa discorda da opinião da outra em muitos assuntos, é o mesmo que
chamar essa pessoa de louca ou insensata64. E continua afirmando que “todo
prazer da mente consiste em encontrar pessoas que, se nos comparamos com
elas, nos fazem sentir triunfantes e com motivo para nos gabar”
65
. Na visão
hobbesiana, a glória pessoal conta consideravelmente nas relações humanas.
Para Hobbes, a glória não pode ser dividida, pois qualquer tipo de louvor
consiste na elevação da pessoa. Somos demais vaidosos, acredita o autor, de
modo que, se todas as pessoas são elevadas, então, nenhuma delas tirará
proveito algum dessa elevação: “essa glória é como a honra, pois consiste em
comparação e precedência”66. Esse desejo de precedência, na visão de Hobbes, é
uma das causas do desejo que os homens têm de se ferirem mutuamente no
estado de natureza. O filósofo afirma que existem duas origens para os homens
quererem causar danos uns aos outros: a primeira causa surge da avaliação que
cada pessoa faz da igualdade que existe entre os seres humanos no estado de
natureza (Dessa causa nos ocuparemos no próximo capítulo) e a segunda causa
é o resultado justamente da vã glória: “(...), supondo-se superior aos demais,
quererá ter licença para fazer tudo o que bem entenda, e exigirá mais respeito e
honra do que pensa serem devidos aos outros” 67.
Hobbes, ainda no capítulo 6, continua a sua descrição das paixões
abordando a vergonha, a crueldade, a emulação e a inveja68.
63
Idem. p. 30.
Cf. Idem. p. 30.
65
Idem. p. 30.
66
Idem. p. 28.
67
Idem. p. 29.
68
Cf. Hobbes, Thomas. Leviatã. p. 54.
64
32
Como já aludimos acima, Hobbes termina o capítulo seis do Leviatã, onde
ele fala da origem das paixões, falando sobre a liberdade. Quando os diversos
desejos e aversões surgem ao mesmo instante no ser humano, quando ele
precisa tomar uma decisão sobre o que é melhor ou pior, isto é, o que irá lhe
causar mais prazer e menos dor, esse movimento em busca de uma alternativa
Hobbes o chama de deliberação.
Segundo Hobbes, antes da deliberação vem a vontade: “Na deliberação, o
último apetite ou aversão imediatamente anterior à ação ou à omissão desta é que
se chama VONTADE, ou ato(e não faculdade) de querer.
69
Para ele, os animais
também deliberam e, portanto, também têm vontade. Depois Hobbes contraria as
tradicionais definições de vontade, onde “ a vontade é apetite racional”
70
. Ele
entende que a vontade não pode ser apetite racional, pois nenhum ato voluntário
poderia ir contra a razão, ou seja, algumas vontades contrariam a razão, no
entender de Hobbes.
Segundo Matos, no que se refere à vontade, “Hobbes não poderia deixar de
afirmar que seres humanos realizam alguns atos deliberadamente, e define a
intenção desses atos como paixões”
71
. Dito de outro modo, quando um ser
humano procura se afastar de algum objeto, ele o faz em busca de menor ou
maior prazer, ou seja, o critério para a escolha é o que vai causar-lhe maior ou
menor dano. Ainda sobre a deliberação, afirma Matos: “A diferença fundamental
entre os homens e as bestas é o grau de desenvolvimento provenientes do uso da
linguagem” 72. O próprio Hobbes afirma:
“Fica assim manifesto que as ações voluntárias não são as que têm
origem na cobiça, na ambição, na lascívia e em outros apetites em
relação a coisa proposta, mas também aquelas que têm origem na
69
Idem. p. 55.
Idem. p. 55.
71
Matos, Ismar Dias. uma descrição do humano no Leviathan, de Thomas Hobbes. p. 56.
72
Idem. p.56.
70
33
aversão ou no medo das consequências decorrentes da omissão da
ação”
73
.
Na perspectiva hobbesiana, existe uma linguagem que o homem utiliza
para comunicar os seus desejos, como já aludimos anteriormente quando falamos
da linguagem como construção da identidade humana e da linguagem com uso
político.
O segredo de uma vida feliz estaria na previsão, na capacidade de prever
as consequências das ações. Para o nosso autor, o ser humano que consegue
prever com mais precisão quais as consequências das suas deliberações será
feliz:
“Como na deliberação os apetites e aversões são suscitados pela
previsão das boas ou más consequências e seqüelas da ação sobre a
qual se delibera, os bons ou maus efeitos dessa ação dependem da
previsão de uma extensa cadeia de consequências, cujo fim ultimo
poucas pessoas são capazes de ver”
74
.
O filósofo atribui ao bom uso da razão ou à experiência essa capacidade de
enxergar longe os resultados das ações. “Assim, quem possuir, graças à
experiência ou à razão, maior grau de segurança das consequências será mais
capaz de deliberar para si, e terá mais condições, (...) de dar aos outros
conselhos” 75. O ser humano, na perspectiva de Hobbes, está sempre preocupado
ou calculando as suas decisões com base nos seus anseios futuros.
A relação entre as paixões humanas e o futuro está sempre presente nos
textos de Hobbes. Quando o autor trata no De Cive e no Leviatã da igualdade de
condição entre os homens, e, por conseguinte, da possibilidade que cada um tem
de usar da sua própria vontade para se defender do jeito que melhor lhe aprouver,
73
Hobbes, Thomas. Leviatã. p. 56.
Idem. p. 57.
75
Idem. p. 57.
74
34
Hobbes fala de uma ação futura. Ele afirma que os homens se antecipam a uma
possível violência que poderá ser cometida contra ele. Dito de outro modo, quando
os homens estão no estado de natureza, não há alternativa para se proteger a não
ser o ataque, visto que não há nada nessa situação que contenha ou controle as
paixões humanas 76.
Hobbes termina o capítulo VI falando da felicidade e da visão beatífica, que
seria o encontro com Deus no céu. O que podemos perceber desde já na análise
das paixões é que o homem, para Hobbes, é conduzido pelas paixões. Nas
palavras do professor Matos, “a filosofia hobbesiana apresenta uma multiplicidade
de seres humanos individuais, conduzidos, cada um, por suas paixões que são,
em si mesmas, diferentes formas de movimento”
77
. Em suma, para Hobbes, cada
ser escolhe o que é melhor para si mesmo.
Pelo que podemos perceber, o filósofo dá um papel de precedência às
paixões nas ações humanas. Na verdade, os homens agem movidos por
impulsos, levado por paixões. Dito de outro modo, as relações humanas estão
alicerçadas nos movimentos das paixões.
Sendo assim, no estado de natureza, onde não há um poder comum que
controle as ações dos indivíduos, cada homem relaciona-se com o seu
semelhante tendo por base os seus desejos e suas aversões. Visto de outro
modo, procuramos sempre o que nos dá prazer e deleite e nos afastamos do
sofrimento e do desprazer. Com isso, as relações humanas ficam à mercê,
quando não há um poder comum capaz de colocar todos os homens na mesma
direção, dos critérios estabelecidos por cada um na hora de fazer as suas
deliberações.
Neste caso, à pergunta se as paixões são fundamentais para a filosofia
política em Hobbes, a resposta está no modo como o próprio autor articula as
suas duas principais obras, a saber, o De Cive e o Leviatã. Em ambos, Hobbes
76
77
Cf. Hobbes, Thomas. De Cive. p. 32.
Matos, Ismar Dias. uma descrição do humano no Leviathan, de Thomas Hobbes. p. 57.
35
começa pela análise dos homens no estado de natureza para depois falar deles
no estado civil. Vejamos melhor.
Na introdução do De Cive, Hobbes salienta quais seriam os passos por ele
desejado quando pensou na elaboração de um sistema filosófico: primeiro, o
estudo dos corpos, o que seria a física de Hobbes; depois, do homem; e por fim a
pesquisa sobre a política, que pretendia que fosse uma ciência tão rigorosa como
a geometria
78
. Acontece que, no meio do caminho desses estudos, a guerra civil
inglesa eclodiu e Hobbes se viu obrigado a adiantar o seu projeto, colocando a
política em primeiro plano, como ele mesmo afirma:
(...), aconteceu, nesse ínterim, que meu país, alguns anos antes que as
guerras civis se desencadeassem, já fervia com questões acerca dos
direitos de dominação, e da obediência que os súditos devem, questões
que são as verdadeiras precursoras de uma guerra que se aproxima; e
isso foi a causa para que (adiantando todos os demais tópicos)
amadurecesse e nascesse de mim a terceira parte. Assim sucede que
aquilo que era último na ordem veio a lume primeiro no tempo, e isso
porque vi que esta parte, fundada nos seus próprios princípios
suficientemente conhecidos pela experiência, não precisaria das partes
79
anteriores “ .
Essa afirmação de Hobbes de que a política independe das outras duas
partes, ou seja, da física e da antropologia, para ser exposta, aparentemente
contradiz todo o nosso projeto de colocar as paixões como fundamento da política.
Pelo contrário, essa afirmação que depois será comprovada nos primeiros passos
que Hobbes dá no De Cive vem corroborar com a nossa tese, uma vez que, logo
no início da referida obra o autor afirma: “As faculdades da natureza humana
podem ser reduzidas a quatro espécies: força corporal, experiência, razão e
paixão. Partindo delas para a doutrina que se segue (...)”80. Percebamos o quão
78
Hobbes, Thomas. Prefácio do autor. In. De Cive. p. 17.
Idem. p. 18
80
Hobbes, Thomas. De Cive. p. 25.
79
36
sutil é o trecho em que Hobbes fala sobre o motivo que o levou a escrever
primeiramente sobre a política. Na verdade, ele não fala que a antropologia não é
importante, mas simplesmente que a experiência, que a vivência dos homens,
dispensava-no de expor os detalhes do homem no estado de natureza, coisa que
ele fará no Leviatã.
Tomando por base o assunto acima abordado, podemos salientar uma
diferença importante de outras entre os textos políticos do De Cive e do Leviatã,
que é a abordagem metodológica que Hobbes utiliza em cada um deles. No De
Cive, Hobbes parte da experiência das paixões para justificar esse comportamento
belicoso, ao passo que no Leviatã ele faz uma inferência partindo das paixões.
Segundo Limongi, “a condição natural do homem é uma condição de guerra de
todos contra todos. Eis uma conclusão à qual se pode chegar por duas vias: pela
experiência de nossas paixões ou por uma inferência, feita a partir das paixões”
81
.
É bem verdade que o tempo todo Hobbes está inferindo da experiência os
resultados que mostram que a natureza dissocia os homens, mas, segundo ele
próprio, não seria preciso a experiência para confirmar a tese de que os homens
tendem por natureza à guerra, como podemos ler a seguir:
“Poderá parecer estranho a alguém que não tenha medido bem
estas coisas que a natureza tenha dissociado os homens, tornando-os
capazes de se atacarem e destruírem uns aos outros. E poderá portanto
talvez desejar, não confiando nesta inferência feita das paixões, que ela
seja confirmada pela experiência”
82
Neste caso, a experiência apenas confirma o que já seria possível inferir
pelo estudo das paixões. Afirma Limongi mais uma vez a esse respeito:
“No De Cive, Hobbes percorre a primeira via, salientando que o
recurso à experiência permite conferir certa autonomia à ciência política
81
82
Idem. p. 85.
Hobbes, Thomas. Leviatã. p. 109.
37
em relação às primeiras partes do sistema- uma ciência do corpo e uma
ciência do homem-, que na ordem das razões do hobbesionismo
deveriam anteceder à política, não fosse a guerra civil inglesa ter exigido
que o posterior na ordem viesse primeiro na exposição”
83
Onde está a diferença entre inferir a teoria política de Hobbes tendo como
ponto de partida as paixões e entendê-la partindo da experiência? Para Hobbes,
no De Cive, é possível a cada homem, olhando para si mesmo, perceber como se
comporta em relação ao seu semelhante, bem como perceber que a natureza
dificulta nossa associação: “Assim esclarece a experiência, a todos aqueles que
tenham considerado com alguma precisão maior ou mais usual os negócios
humanos, que toda reunião, por mais livre que seja, deriva da miséria recíproca
84
.
“Ainda que a experiência sirva como prova adicional à inferência, e ainda
que possa até mesmo tomar o seu lugar, como se faz no De Cive, não é
preciso ter a experiência de tais paixões para que se possa inferir o
estado de natureza a parir delas
85
Sendo assim, podemos concluir que no De Cive a teoria política
hobbesiana estava sem um dos seus pilares que é análise do homem? Segundo
Hobbes, não. Pois “a experiência esclarece”
86
. Quando Hobbes mostra, no De
Cive, recorrendo à experiência, como os homens no estado de natureza vivem em
estado de guerra, ele economizou um longo caminho que, posteriormente, foi
percorrido no Leviatã, ou seja, não era preciso analisar pontualmente a natureza
humana para saber como é o comportamento de cada homem, bastando a
experiência. A inferência “porém, permite das razões aos fatos, explicar o porquê
de nossas paixões, fornecendo-lhes a gênese” 87.
83
Limongi. Maria Isabel. O homem excêntrico: paixões e virtudes em Hobbes. p. 85.
Hobbes, Thomas. De Cive. p. 27.
85
Limongi. Maria Isabel. O homem excêntrico: paixões e virtudes em Hobbes. p. 86.
86
Hobbes. Thomas. De Cive. p. 27.
87
Limongi. Maria Isabel. O homem excêntrico: paixões e virtudes em Hobbes. p. 86.
84
38
Trata-se talvez de um equívoco pensar a filosofia política de Hobbes
sem considerar os aspectos fundamentais do homem no estado de natureza, a
saber: primeiro, os homens são movidos por impulsos e esses impulsos, quando
não há um poder comum capaz de direcioná-los, são descontrolados. Depois,
entender as paixões (mesmo que seja por meio da experiência) é de fundamental
importância para estudarmos a filosofia política em Hobbes. Em outras palavras,
ao que nos parece, não é possível dissociar a teoria política de Hobbes da sua
antropologia. Seja pela via da inferência ou da experiência, a natureza humana
fundamenta e justifica a ciência política de Hobbes.
Sendo assim, procuraremos mostrar no capítulo subseqüente como se
comporta a natureza humana, como vimos, dominada pelas paixões, no estado de
natureza, nesse hipotético estado pré-social e pré-político.
39
CAPÍTULO 2
O HOMEM QUE DESEJA: AS PAIXÕES ENTRE OS HOMENS
Como as paixões humanas se expressam e se efetivam e quais suas
conseqüências nas relações sociais? Como os impulsos, desejos e apetites
concernentes à natureza humana se manifestam no estado de natureza e,
sobretudo, como serão administrados no estado civil, segundo Hobbes?
Enfrentaremos tais questões seguindo o itinerário lógico-argumentativo do De Cive
e recorrendo sempre que necessário ao Leviatã.
Comecemos então diferenciando as noções de estado de natureza e de
natureza humana. Em seguida, valendo-se de uma leitura bastante rente ao texto
do De Cive e do Leviatã, apresentaremos o pensamento de Hobbes sobre a
condição da natureza humana fora do estado civil, ou seja, no estado de natureza.
O próprio título do capítulo 1 do De Cive já é sugestivo, na medida em que
apresenta os fundamentos da teoria política de Hobbes, ou seja, a natureza
humana e as suas particularidades: “Da condição humana fora da sociedade civil”.
E uma questão que podemos impor de imediato aos textos do De Cive e do
Leviatã é: o que é o estado de natureza?
A natureza humana e o estado de natureza podem ser facilmente
confundidos numa primeira abordagem do texto hobbesiano. Apesar de terem
uma relação intrínseca, elas não são a mesma coisa. Natureza humana para
Hobbes é aquela situação na qual a própria natureza colocou todos os homens,
sua situação original, digamos, aquela bem antes de viverem de maneira
organizada em sociedades. Além disso, como mostrei no capítulo anterior, é uma
condição na qual os homens seguem sem rédeas os movimentos das mais
variadas paixões. Ao passo que, estado de natureza é a condição natural dos
40
homens na vida pré-social. Em outras palavras, o que configura o estado de
natureza é a ausência de sociedade. Talvez, a melhor maneira de diferenciar o
estado de natureza da natureza humana seja por meio dos textos do filósofo. Ou
seja, da mesma maneira que apresentamos aspectos da natureza humana no
primeiro capítulo, cabe agora salientar como agem os homens, evidentemente que
movidos pela natureza humana, no estado de natureza.
Duas características – pelo menos- dos homens no estado de natureza são
medo e a esperança, ou seja, os homens no estado de natureza são impelidos,
sobretudo, por essas duas paixões. Em outras palavras, ao mesmo tempo em que
os homens no estado de natureza encontram-se numa situação de medo, eles
possuem a expectativa de uma vida longe de qualquer ameaça. Podemos ainda
salientar outras características do estado de natureza: todos os homens são
iguais; todos são juízes; não há paz; há guerra perpétua de todos contra todos;
existe a desconfiança contínua; não há propriedade; não há sociedade.
O que leva os homens a viverem todas essas situações, supracitadas, no
estado de natureza? Na nossa visão, são duas (podendo ter outras que se
configurem a elas) as principais causas: a igualdade natural e o direito natural.
De acordo com Hobbes, a natureza humana fez os homens todos iguais.
Lembremo-nos que Hobbes está falando de um estágio pré-social, pois podemos
incorrer no erro de tentar analisar essa igualdade do ponto de vista da vida social,
o que nos levaria a uma conclusão errônea do estado de natureza, pois a
desigualdade, segundo Hobbes, é fruto do estado civil88.
Essa igualdade, segundo o nosso autor, tem duas vertentes que são, a
saber, a de que os homens são iguais quanto à força corporal e quanto ao
espírito:
“A natureza humana fez os homens tão iguais, quanto às faculdades do
corpo e do espírito, que embora, por vezes se encontre um homem mais
forte de corpo, ou de espírito mais vivo do que o outro, mesmo assim,
88
Cf. Hobbes, Thomas. De Cive. p. 29.
41
quando se considera tudo isso no conjunto, a diferença entre um e outro
homem não é considerável para que um deles possa com base nela
reclamar algum benefício que o outro não possa igualmente aspirar”
89
.
Quando fala de igualdade natural no estado de natureza, o filósofo
fundamenta a sua afirmação de que os homens são iguais, utilizando os seguintes
argumentos: “Quanto à força corporal o mais fraco tem força suficiente para matar
o mais forte, que por secreta maquinação, quer aliando-se com outros que se
encontrem no mesmo perigo” 90.
E ainda, no diz respeito às faculdades do espírito, de acordo com Hobbes,
existe uma igualdade bem maior, pois “O que talvez possa tornar inacreditável
essa igualdade é simplesmente a presunção vaidosa da própria sabedoria, a qual
quase todos os homens supõem possuir em maior grau do que o vulgo. (...)”
91
.
Expliquemos melhor. Segundo o filósofo, os homens têm uma visão sempre
positiva da própria sabedoria, que ele mesmo chama de “faculdades do espírito”,
pois a maioria dos homens, normalmente, julga-se sempre mais sábio do que os
demais, ou seja, boa parte dos homens atribui a si mesmos uma sabedoria maior
do que aquela que eles possam realmente possuir. Para tal, o nosso autor, com
base na tese de que cada homem sente-se superior aos demais em sabedoria,
vale-se do seguinte argumento:
“Pois a natureza dos homens é tal que, embora sejam capazes
de reconhecer em muitos outros maior sagacidade, (...) dificilmente
acreditam que haja tão sábios como eles próprios, porque vêem a própria
sagacidade bem de perto, e dos outros homens à distância. Ora, isto
prova que os homens são iguais quanto a esse ponto, e não que sejam
desiguais. Pois geralmente não há sinal mais claro de um distribuição
89
Hobbes, Thomas. Leviatã. p. 106.
Hobbes, Thomas. Leviatã. p. 106.
91
Idem. p. 107.
90
42
equitativa de alguma coisa do que o fato de todos estarem contentes com
a parte que lhe coube”
92
.
Gostaríamos de levantar duas questões em cima dos argumentos utilizados
para justificar a suposta igualdade existente entre os homens no que diz respeito
às faculdades do espírito: primeiramente, não seria essa igualdade fruto de uma
visão errônea que cada homem tem de si mesmo ao se auto-avaliar? Pois, na
medida em que os homens se comparam, e Hobbes afirma no De Cive que os
homens sempre se comparam93, eles acabam, normalmente, mesmo percebendo
que outros homens possuem mais eloqüência e sagacidade que eles, emitindo
sempre um parecer favorável a sua pessoa. Em outras palavras, essa analise
estaria comprometida, pois cada um tende a buscar o próprio favorecimento.
Outra questão seria a de que os homens aceitam a distribuição feita pela
própria natureza das faculdades referentes ao espírito. Pois bem, esse não seria
um sentimento de conformismo e até mesmo estratégico de cada homem para
benefício próprio? Uma vez que, afirmar que os outros homens são mais
eloqüentes, sagazes e astutos que ele, não seria colocar-se numa condição
extremamente desfavorável, tendo em vista que o homem hobbesiano sempre
visa o benefício próprio? O que pretendemos dizer é que, em outras palavras, o
fato dos homens não reconhecerem em outros homens maior sabedoria, poderia
ser uma estratégia do homem que vive amedrontado no estado de natureza.
Pois bem, o fato é que a igualdade natural vai ser uma das causas do medo
que existe no estado de natureza, pois, como afirmamos acima, o homem no
estado de natureza vive amedrontado.
Segundo Hobbes, o medo que existe no estado de natureza é
conseqüência dessa igualdade que há entre os homens, conforme ele afirma no
De Cive: “O medo recíproco consiste, em parte, na igualdade natural dos homens,
92
93
Idem. p. 107.
Cf. Hobbes, Thomas. De Cive. p. 30.
43
em parte na mútua vontade de se ferirem”
94
. Sendo assim, de onde provém o
medo que alimenta os homens no estado de natureza?
A origem do medo e da desconfiança dos homens em relação aos outros no
estado de natureza surge de múltiplos fatores que permeiam a natureza humana.
Na verdade, é como se existisse para Hobbes uma ação em cadeia no estado de
natureza que levará os homens fatalmente há um estado permanente de guerra e
intranqüilidade. Dito de outro modo, a igualdade dos homens no estado de
natureza gera a desconfiança, que trás consigo o medo, que sugere, por sua vez,
a antecipação ao ataque alheio e que tem por conseqüência a guerra
generalizada.
Outro aspecto que cabe ressaltar é que os homens, conhecedores da sua
própria natureza, sabem quais são os sentimentos que também movem os seus
semelhantes, ou seja, o que move os homens às ações são basicamente os
mesmos desejos e aversões pelas coisas. Neste caso, alguns desejos ampliariam
a tensão existente entre os homens no estado de natureza, a saber: o desejo de
glória; o desejo de lucro e o medo da morte, ou seja, a preservação da própria
existência.
Sendo assim, cabe-nos mostrar essa reação em cadeia que surge com as
paixões e que terminará por colocar os homens num estado de constante ameaça
e guerra no estado de natureza.
No entender de Thomas Hobbes, há nos seres humanos uma vontade
natural de causar dano aos outros95. Segue-se disso que a intranqüilidade, mais
exatamente o medo que é a marca registrada do homem hobbesiano no estado de
natureza, pois o medo que ele tem de receber algum tipo de ofensa física ou moral
é constante. Hobbes tenta explicar de onde provém esse desejo de ferir os outros
seres humanos, ou melhor, o desejo de se ferirem mutuamente.
94
95
Hobbes, Thomas. De Cive. p. 29.
Cf. Thomas, Hobbes. Leviatã. p. 29.
44
De acordo com o filósofo, entre as causas da vontade de causar danos aos
outros, no estado de natureza, estariam a vã glória e a necessidade de
autodefesa. Nas palavras do próprio Hobbes: “No estado de natureza, todos os
homens têm desejo e vontade de ferir, mas não procede da mesma causa, e por
isso não deve ser condenado com igual vigor”
96
. E acrescenta: “Pois um,
conformando-se aquela igualdade natural que vige entre nós, permite aos outros
tanto quanto ele requer para si (que é como pensa um homem temperado, e que
corretamente avalia o seu poder)
97
. Esse homem, avaliando a condição dos
outros seres humanos no estado de natureza, faz da antecipação aos ataques a
sua defesa, como sugere o próprio Hobbes ao dizer que a vontade de ferir o outro
“provém da necessidade de se defender, bem como à sua liberdade e bens, da
violência daquele” 98 Maria Isabel Limongi interpreta dessa forma:
“Nota-se: não se trata de dizer que tendemos efetivamente à
disputa, como se nossa natureza se inclinasse irremediavelmente a ela,
seja em que condições for, mas de dizer que, numa situação de
igualdade, e no caso de alguém se colocar como obstáculo à consecução
dos nossos fins, somos levados à disputa.
99
Lembremos que o homem hobbesiano, que é movido por paixões, não
aceita obstáculos. Uma vez que, como vimos no capítulo anterior, paixões são
movimentos e a noção que se tem de movimento é aquela que está próxima da lei
dos corpos inerciais: o movimento tende ao infinito. Neste caso, qualquer pessoa
que se coloque como obstáculo à preservação do movimento das paixões será
para aquele que é impedido um inimigo.
Sendo assim, a antecipação é a forma mais prática de garantir a segurança,
melhor dizendo, a sobrevivência, pois ela não dá aos meus supostos adversários
96
Idem. p. 29.
Ibidem.
98
Ibidem.
99
Limongi, Maria Isabel. O homem excêntrico: paixões e virtudes em Thomas Hobbes. p. 88.
97
45
nenhuma possibilidade de ataque. Nas palavras de Limongi, esse comportamento
é razoável:
“A razoabilidade deste comportamento (que se segue da
circunstância da nossa igualdade e que não pressupõe nenhuma tese
acerca de uma inclinação irreparável para a disputa que estivesse desde
sempre e para todo escrita nos nossos corações) é suficiente para tornar
razoável que cada um se antecipe a ela, garantindo-se pela força ou pela
astúcia”
Limongi entende que esse comportamento belicoso dos homens que
Hobbes constata não tem origem em uma inclinação natural, mas é conseqüência
de uma situação de igualdade natural. Ao contrário do que pensa Limongi, parecenos que o homem hobbesiano tem um sentimento natural que o leva sempre a
uma antecipação dos seus atos, ou seja, a antecipação não é apenas uma
conseqüência da igualdade natural como propõe a autora, mas seria o resultado
de uma natureza que é movida por impulsos e que não mudará nem mesmo no
estado civil. Em outras palavras, mesmo após a passagem do estado de natureza
para o estado civil, vários aspectos da natureza humana continuam latentes.
Sobre esse assunto, o próprio Hobbes nos adverte: “E poderá portanto talvez
desejar, não confiando nesta inferência feita das paixões, que ela seja confirmada
pela experiência”
100
Hobbes usa vários exemplos práticos para mostrar que
mesmo depois da instituição das leis a prevenção continua a existir. Dito de outro
modo, a intranqüilidade e a desconfiança permanecem:
“Que seja portanto ele a considerar-se a si mesmo, que quando
empreende uma viagem se arma e procura ir bem acompanhado; quando
vai dormir fecha as suas portas; mesmo quando está em casa tranca os
100
Hobbes, Thomas. Leviatã. p. 109.
46
seus cofres, embora saiba que existem leis e servidores públicos
armados, prontos a vingar qualquer dano que lhe possa ser feito”
101
Observemos que Hobbes fala de leis e servidores armados, ou seja, ele
não está obviamente falando do estado de natureza. Sendo assim, podemos
concluir que o estado de natureza continua latente mesmo no estado civil, no qual
não há mais igualdade, pois, segundo Hobbes: “a desigualdade que hoje
constatamos encontra-se na lei civil”
Essa necessidade de antecipação da ação gera, como já aludimos acima,
uma condição perpétua de guerra. Com isso, Hobbes está demonstrando os
passos que os homens seguem para chegar ao conflito permanente que é a vida
no estado de natureza. Neste caso, a expectativa que cada homem cria em
relação ao outro homem é importante para entendermos a lógica dessa guerra
perpétua. Portanto, é valiosa a apresentação da origem desse comportamento
hostil que há entre os homens, pois é com base na gênese que fazemos do tema
que podemos entender o motivo desse comportamento:
“Sendo possível mostrar a gênese deste comportamento e, nessa
medida, oferecer sua razão, é justificável inferir que os homens assim se
comportem. E esta inferência justifica que nos comportemos de igual
maneira a fim de nos precaver, o que, por sua vez, justifica o
comportamento dos outros no mesmo sentindo e assim por diante: a
lógica da guerra está instaurada”
102
Como podemos notar, segue-se dessa situação, acima descrita, que o
medo vai se apoderando dos homens no estado de natureza e os leva a agir de
maneira violenta na direção do outro, que possivelmente, poderá hoje ou amanhã
tornar-se um obstáculo às minhas aspirações.
101
102
Ibidem. p. 110.
Limongi. Maria Isabel. O homem excêntrico: paixões e virtudes em Hobbes. p. 89.
47
Nas palavras de Limongi: “a lógica da guerra está instaurada”
103
. O que
podemos notar é a reação em cadeia que leva os homens ao estado de guerra.
Primeiro existe uma igualdade entre os pares. Depois, dessa igualdade nasce a
desconfiança que, por sua vez, gera antecipação e que, por fim, traz a tona o
estado de guerra permanente.
Poderíamos então dizer que não existe paz no estado de natureza?
Na visão de Hobbes, sim. Pois, segundo ele, para a guerra não é necessário o
ato: “Pois o que é a guerra, senão aquele tempo em que a vontade de contestar o
outro pela força está completamente declarada, seja por palavras, seja por atos?
O tempo restante é denominado paz” 104. Analisando essa passagem do De Cive e
confrontando-a com a lógica aqui por nós exposta, acreditamos que não existe
esse “tempo restante” que Hobbes usa para falar de paz.
A vida dos homens no estado de natureza, segundo Hobbes, está muito
longe de ser uma vida pacífica, pois o tempo todo ou existe o confronto ou o
desejo de confrontar-se (o que por vezes torna-se manifesto por meio da
antecipação). Sendo assim, conclui-se que uma das causas do medo existente no
estado de natureza decorre justamente dessa condição de guerra perpétua.
Mas, não é só a paz que não é possível no estado de natureza. Não
verdade, não há sociedade e, sendo assim, não existe nenhuma possibilidade de
vida civilizada, pois em tempo de guerra não há motivos para que os homens
confiem nos seus semelhantes. Dito de outro modo, em tempos de guerra a
infidelidade, a desconfiança e o ataque são constantes, fazendo assim com que
qualquer tipo de pacto ou contrato não tenha nenhuma garantia de cumprimento.
Tendo abordado uma das causas que levam os homens a se feriem,
Hobbes salienta no De Cive e no Leviatã outra causa: o desejo de glória. No
entender de Hobbes, a análise que os homens fazem de si mesmos por vezes
103
104
Idem. p.89
Thomas, Hobbes. De Cive. p. 33.
48
está equivocada. Se, por um lado, existe aquele que vai atacar para se defender,
como vimos acima, o próprio Hobbes salienta que:
O outro, supondo-se superior aos demais, quererá ter licença para fazer
tudo o que bem entenda, e exigirá mais respeito e honra do pensam
serem devidos aos outros (o que exige um espírito arrogante). “No
segundo a vontade de ferir vem da vã glória, e da falsa avaliação que faz
da própria força”
105
.
A vã glória para Hobbes seria a falsa imagem que cada homem cria de si
mesmo e das expectativas que ele tem em relação aos outros. O desejo de glória
entraria como um fator multiplicador dos demais impulsos humanos, pois, como já
argumentamos, todos precisam defender-se de um futuro ataque ou de uma
possível dominação. Deste modo, aquele que busca se defender o faz justamente
pelo fato de que há alguém que busca por todos os meios, mesmo que
erroneamente, se impor pela dominação.
Podemos assim levantar uma questão: se o estado de natureza é igual
em todos os homens, por que Hobbes diferencia o caso daquele que busca a
defesa por medo do ataque e aquele que procura por algum tipo de benefício
mediante a dominação? Ele mesmo ressalta que ambos não devem receber a
mesma condenação 106.
O que conseguimos auferir das leituras dos textos hobbesianos aqui
analisados é a de que os homens buscam o lucro (agem sempre em benefício
próprio) e a conservação da própria vida e que, nenhum homem está livre de
nenhuma desses aspectos, ou seja, eles são naturais. Dito de outro modo, esses
impulsos de glória e dominação (que garante a manutenção da própria vida) são
expressões da natureza humana. Portanto, a vã glória entraria como um elo entre
o desejo de lucro e a necessidade de lutar pela própria segurança, pois, aos
homens, não é suficiente apenas obter lucro, mas também receber as glórias que
105
106
Hobbes, Thomas. De Cive. p. 29.
Cf. Idem. p. 29.
49
uma posição superior pode trazer. Ao passo que, o lucro sem as garantias da vida
não tem nenhum sentido.
Nota-se que o desejo que cada homem tem de se sentir melhor que os
demais é decorrente de uma condição intrínseca a ele, ou seja, esse desejo é
conseqüência da vontade que ele possui de receber os títulos de reconhecimento.
Segundo Limongi:
“Dificilmente as duas primeiras causas da guerra nos conduziriam a uma
situação de disputa generalizada, não fosse este fator multiplicador que
nos dispõe a disputar não apenas pelos bens necessários à
sobrevivência mas também pelos signos de reconhecimento”
107
. (Trata-
se da segurança e do lucro a referência que o texto faz às duas primeiras
causas).
O desejo de glória é conseqüência de um erro de cálculo que os homens
comentem quando se analisam. Cabe aqui um olhar sobre esses dois conceitos:
glória e vã glória. Já deu para perceber que, para Hobbes, são conceitos distintos.
Vã glória é uma falsa compreensão que os homens têm de si mesmo, seja do seu
prestígio ou da sua força. Já a glória são os benefícios que um lugar de destaque
pode trazer a esse homem. Por isso, os homens buscam a glória, mas são
acometidos pela vã glória quando se investigam, pois, na maioria dos casos, não
conseguem fazer uma analise de si mesmos livre de erros.
Esse erro de cálculo que leva os homens a vangloriar-se é tão grave que
Hobbes o coloca como mais uma das causas das discórdias que ele mesmo
chama de comparação das vontades: “a discórdia nasce da comparação das
vontades”
108
. Segundo o filósofo, nenhum homem gosta de ser contrariado em
suas opiniões, pois contrariar alguém é a mesma coisa que chamá-lo de louco.
Por isso, Hobbes afirma que o “combate entre os espíritos” normalmente se
mostra feroz, como ele mesmo diz: “O combate entre os espíritos é de todos o
107
108
Limongi, Maria Isabel. O homem excêntrico: paixões e virtudes em Hobbes. p. 93.
Hobbes, Thomas. De Cive. p. 30.
50
mais feroz, dele necessariamente devem nascer as discórdias mais sérias”
109
.
Esse combate ao qual se refere Hobbes seria aquele que é travado no campo das
ideias? E ainda, seria um reflexo da situação social que vivia a Inglaterra do
século XVII, ou seja, uma situação de guerra civil? A essas perguntas, Hobbes
responde com as seguintes afirmações:
“Pois não aprovar o que um homem afirma nada mais é do que acusá-lo,
implicitamente, de errar naquilo que está dizendo; de modo que discordar
de um grande número de coisas é o mesmo que chamar de louco àquele
de quem discordas”
110
.
E ainda, continua afirmando que as disputas que acontecem no campo
das ideias são em geral as mais ferozes. Vejamos:
“Isto transparece no fato de que não há guerras que sejam travadas com
tanta ferocidade quanto as que se opõem seitas da mesma religião, e
facções da mesma república, quando a contestação portanto incide quer
sobre doutrinas, quer sobre a prudência política”
111
.
Nestes dois textos podemos perceber o quanto para Hobbes o desejo de
glória pode trazer resultados de instabilidade e guerra para as relações humanas.
Seria essa a condição das relações humanas no estado de natureza, ou seja, uma
situação de guerra permanente, pois todos os homens agem de acordo com a sua
natureza. E, neste caso, estamos apontando mais um dos motivos que leva os
homens a fazer guerra, a saber: a alegria que eles sentem quando recebem
qualquer benefício que os coloquem acima dos demais. Observemos como o
próprio autor é explicito ao falar sobre o assunto:
109
Ibidem.
Ibidem.
111
Ibidem.
110
51
“Todo prazer e alegria da mente consiste em encontrar pessoas que, se
nos comparamos a elas, nos fazem sentir triunfantes e com motivos para
nos gabar; por isso é impossível que os homens não venham
eventualmente a manifestar algum desprezo ou desdém pelo outro, seja
por meio da risada, ou de palavras, ou de gestos, ou se um sinal
qualquer”
112
.
É possível constatar que o autor apresenta situações bem concretas que
levam os homens a um estado de guerra generalizada, ou seja, não há
possibilidade (pelo menos no estado de natureza) de sair dessa condição de
guerra, pois ela é inerente a todos os homens. Mesmo que alguém não tivesse o
desejo de glória, esse alguém teria que lutar ao menos para se defender das
humilhações que viriam da parte dos outros homens: “Não há maior humilhação
para o espírito humano do que esta, e possivelmente nada poderá causar maior
desejo de ferir”
113
. O desejo de ferir seria também resultado do desejo que cada
um tem de buscar a própria glória.
Em suma, podemos perceber o quanto a auto-imagem é decisiva para
gerar conflitos no estado de natureza. Pois é com base em uma expectativa
equivocada que cada homem faz de si mesmo que eles buscam as vantagens e
os benefícios dessa vida. Logo, não poderia ter alguém que caminha mais
rapidamente para o caminho do lucro do que aquele que trilha pelas veredas da
glória, ou seja, aquele que recebe os benefícios do reconhecimento por parte dos
outros homens tem mais facilidade de auferir os lucros das diversas situações que
envolvem a vida humana. Trata-se, neste caso, de uma relação constante entre
glória, poder e lucro.
O problema é o seguinte, como é possível que alguém alcance a
glória no estado de natureza, dado que todos os homens têm a mesma condição
de igualdade? Ou seja, segundo o próprio Hobbes, quando todos têm a mesma
coisa, então ninguém a tem, já que, especificamente no caso da glória, essa é
112
113
Ibidem.
Ibidem.
52
uma condição que exige precedência. Como no estado de natureza todos são
iguais, não há possibilidade de que ninguém alcance essa glória desejada.
O desejo de tirar proveito de todas as circunstâncias da vida cotidiana é
parte também das reações dos homens no estado de natureza, talvez não apenas
durante o esse estágio pré-social, pois esse fenômeno também pode ser
constatado no estado civil. Sendo assim, o desejo de lucrar em todas as situações
é, assim como o desejo de glória e segurança, uma das paixões que conduzem os
homens para a guerra, ou seja, o desejo desmedido por lucro leva os homens ao
conflito permanente.
No De Cive, Hobbes afirma que os homens normalmente desejam as
mesmas coisas ao mesmo tempo
114
. Portanto, é possível concluir o que acontece
quando todos desejam o mesmo objeto, ou seja, quando os homens querem algo
que a eles não é possível ter acesso ao mesmo tempo. O resultado será a disputa:
“Mas a razão mais freqüente por que os homens desejam ferir-se uns
aos outros vem do fato de que muitos, ao mesmo tempo, têm apetite pela
mesma coisa;que, contudo, com muita freqüência não podem nem
desfrutar em comum, nem dividir; do que se segue que o mais forte há de
tê-la, e necessariamente se decide pela espada quem é mais forte”
115
.
Diante desta situação e do desejo natural que os homens têm de tirar
proveito de todas as coisas, o resultado é que eles, no estado de natureza, por
conta da situação de igualdade onde todos têm direito a tudo, tendem a agir de
maneira belicosa para conseguir desfrutar de algum bem. Dito de outro modo, no
estado de natureza todos os homens têm liberdade e igualdade total, ou seja, eles
podem desfrutar de tudo quanto lhes for apetecível. Sendo assim, o conflito nasce
justamente do fato de que as paixões não têm limites e podem − como apontamos
no primeiro capítulo deste trabalho −, por todos os meios, levar os homens a usar
114
115
Cf. Ibidem.
Ibidem.
53
de todos os recursos possuírem o bem desejado. Portanto, o resultado dessa
combinação entre desejos incontroláveis (pelo menos não contidos no estado de
natureza), liberdade total e igualdade de condição não poderia ser outro, senão a
guerra de todos contra todos, como estamos procurando demonstrar.
O problema está no fato de que quando todos têm direito a todas as
coisas, logo ninguém tem direito a nada. Pois, o direito que cada homem tem de
fazer uso de todos os bens, o seu semelhante o tem na mesma proporção. Sendo
assim, não existe a segurança necessária para desfrutar de bem algum, como
salienta Hobbes no De Cive:
“Mas foi pequeno benefício para os homens assim terem em comum
direito a todas as coisas; pois os efeitos desse direito são os mesmos,
quase, que se não houvesse direito algum. Pois, embora qualquer
homem possa dizer, de qualquer coisa, „isto é meu‟, não poderá porém
desfrutar dela, porque seu vizinho, tendo igual direito e igual poder, irá
pretender que é dele essa mesma coisa”
116
Para compreendermos melhor o que significa esse direito de gozar, no
estado de natureza, de todas as coisas, é necessário que recorramos aos textos
do Leviatã e do De Cive para vermos como Hobbes trata os alguns conceitos
como lei, direito e liberdade.
Tanto no De Cive, quando no Leviatã, Hobbes define direito, lei e
liberdade. Em ambos, direito e lei estão ligados à necessidade natural que os
homens têm de preservar a sua própria vida. Visto que, no estado de natureza
reina a intranquilidade, então, é preciso que eles usem de todos os meios para
defender a própria vida, como afirma o autor, por exemplo, no De Cive:
“Não é pois absurdo, nem repreensível, nem contraria os ditames da
verdadeira razão, que alguém use de todo o seu esforço para preservar e
defender os seus membros da morte e dos sofrimentos. (...) pois, pela
116
Hobbes, Thomas. De Cive. P. 33.
54
palavra direito, nada mais significa do que aquela liberdade que todo
homem possui para utilizar suas faculdades naturais em conformidade
com a reta razão”
117
.
Sendo assim, se o desejo de lucrar é parte da natureza humana e, este
mesmo ser humano vai empreender todos os meios para alcançar alguma coisa
que ele deseja, então, o desejo de obter lucro coloca os homens em uma condição
de guerra permanente. Por isso, Hobbes salienta que no estado de natureza reina
o direito natural que cada homem tem de preservar a própria vida: “No estado de
natureza, cada homem é juiz em causa própria, isto é, não há a quem se possa
apelar” 118.
O direito natural que, como já aludimos acima, é o direito que cada
homem possui de usar de todos os meios para conseguir preservar a própria vida
é, na nossa visão, uma importante causa do medo que permeia os homens no
estado de natureza. Por que o direito de preservar-se e de usar todos os meios
para fazê-lo traz aos homens medo?
O medo, neste caso, é proveniente do fato de que cada homem
conhecendo-se a si mesmo e, sabendo de tudo o que é ele é capaz para
preservar a própria vida, saberá que o seu semelhante é também capaz das
mesmas coisas e, quem sabe, de outras ainda piores para alcançar os bens
desejados. Portanto, o mundo hobbesiano durante o período em que cada homem
pode fazer uso do direito que ele tem a todas as coisas é temeroso, pois o medo
de perder os bens e até mesmo a própria vida é constante.
O pior de tudo é que, no estado de natureza os homens não têm apenas
direito a todas as coisas, eles ainda possuem liberdade total.
A liberdade é outra característica dos homens no estado de natureza. No
De Cive, como citamos acima, Hobbes diz que liberdade e direito estão
intimamente ligados. Quando o autor fala sobre o assunto no Leviatã, ele diz que
117
118
Idem p. 31.
Matos, Ismar Dias de. Uma descrição do humano no Leviathan, de Thomas Hobbes. p.70.
55
liberdade é “a ausência de impedimentos externos, impedimentos que muitas
vezes tiram parte do poder que cada um tem de fazer o que quer” 119.
O problema é que no estado de natureza (e não apenas) os homens
serão obstáculos uns para os outros, ou seja, o mesmo espaço que um homem
deseja ocupar poderá ser ao mesmo tempo desejado por outro; o mesmo objeto
que um homem deseja possuir poderá estar nos planos de outro homem; Então,
consequentemente, esses homens irão disputar o bem desejado.
Sendo assim, poderíamos dizer que no estado de natureza temos forças
reagindo umas contra as outras constantemente? Talvez sim. Pois, pelo que
percebemos a vida, no estágio pré-social, é fortemente marcada pelo desejo de
ocupar espaço e possuir bem e glória. Então, seria o homem hobbesiano um
ganancioso? Na verdade não. O que temos no homem no estado de natureza
(onde não pode haver julgamentos morais) é um homem inclinado a defender a
própria vida.
Neste caso, a defesa da própria vida passa, necessariamente, pela
obtenção de bens, domínio sobre os demais e, consequentemente, a glória. Uma
vez que, entre as formas de garantia da própria vida está o domínio, ou seja,
quanto mais um homem amplia o seu domínio sobre os bens e sobre os homens,
mas protegido, em tese, ele estará.
Quanto à lei, Hobbes no Leviatã faz questão de diferenciar direito de lei
e de dizer que muitos erram porque tratam destas duas coisas como se fossem
iguais. A “Lei natural” é a obrigação que cada homem tem de usar de todas as
suas forças para se preservar. Ao passo que direito é a liberdade de usar ou não
dos meios que ele bem entender para alcançar os fins desejados. Nas palavras do
filósofo direito e lei não correspondem à mesma coisa:
“Pois o DIREITO consiste na liberdade de fazer ou de omitir, ao passo
que a LEI determina ou obriga a uma dessas duas coisas. De modo que
119
Hobbes, Thomas. Leviatã. p. 112.
56
a lei e o direito se distinguem tanto como a obrigação e a liberdade, as
quais são incompatíveis quando se referem à mesma questão”
120
.
Como já aludimos nem sempre é possível aos homens desfrutar das
mesmas coisas juntos. Neste caso, temos um sério conflito entre o direito que os
homens têm a todas as coisas e a impossibilidade da realização deste direito.
Pois, segundo o próprio Hobbes, no estado de natureza é a vontade de cada
homem que determina o que é bem. Com isso, segue-se que:
“A natureza humana deu um o direito a tudo; isso quer dizer que, num
estado puramente natural, ou seja, antes que os homens se
comportassem por meio de convenções ou obrigações, era lícito cada um
fazer o que quisesse, e contra quem julgasse cabível, e portanto possuir,
usar e desfrutar tudo o que quisesse ou pudesse obter”
121
No estado de natureza a natureza humana coloca os homens num
estado constante de disputa e tensão, pois mesmo que os homens não estajam
disputando de fato, apenas o desejo de disputar já é suficiente para tensionar as
relações humanas. Neste caso, o que é possível perceber é que a vida no estado
de natureza não é apenas marcada pela guerra, mas também sofre com a
desordem generalizada. Numa tal condição o lucro torna-se inviável:
“Numa tal condição não lugar para o trabalho, pois o fruto é incerto;
consequentemente não há cultivo de terra, nem navegação, nem uso das
mercadorias que podem ser importadas pelo mar; não há construções
confortáveis. (...) E a vida do homem é solitária, miserável, sórdida, brutal
e curta”
122
.
A desordem que existe no estado de natureza vem corroborar para
ampliar a sensação de medo e insegurança entre os homens. Sendo assim, é
120
Ibidem.
Hobbes, Thomas. De Cive. p. 32.
122
Hobbes, Thomas. Leviatã. p. 108.
121
57
possível a algum homem auferir lucro numa tal condição? Provavelmente sim,
mas este homem teria dificuldades para desfrutar dos benefícios desse lucro.
Nesta condição de guerra, desordem e impossibilidade de lucro e, quem
sabe de conservação até mesmo da própria vida, qual seria o melhor caminho a
ser tomado? Segundo Hobbes, a condição para sair do estado de guerra de todos
contra todos será o acordo entre os homens. É o que vermos no próximo capítulo
deste trabalho. Fica aqui a pergunta, o contrato entre os homens, que possibilita a
passagem do homem do estado de natureza para o estado civil é impulsionado
pelo medo que eles têm uns dos outros ou pelo desejo que eles possuem de ter
segurança, honra e lucro? Certamente, esses desejos são impossíveis num
estado de guerra. Talvez a resposta esteja tanto no medo, quanto nos desejos que
os homens possuem de uma vida tranqüila e segura, os quais Hobbes chama de
“esperança”.
Em resumo, o desejo que os homens têm de obter lucro é torna-se
impossível de ser realizado no estado de natureza, pois a guerra que há entre eles
impede que aspectos básicos, por exemplo, o direito de propriedade seja
desrespeitado. Sendo assim, o melhor é encontrar um caminho que possibilite
esses bens.
De acordo com Hobbes, “o começo da sociedade civil provém do medo
recíproco” 123. Hobbes, no primeiro capítulo do De Cive, faz uma crítica ao modelo
clássico de política, que acreditava ser a sociedade natural:
“A maior parte daqueles que escrevem alguma coisa a propósito das
repúblicas ou supõe, ou nos pode ou requer que acreditemos que o
homem é uma criatura que nasce apta para a sociedade. Os gregos
chamam-no de zoon politikon;(...) Um erro que procede de consideramos
a natureza humana muito superficialmente”
123
124
124
.
Hobbes, Thomas. De Cive. p. 25.
Idem. P. 26.
58
Portanto, de acordo com o nosso autor, as sociedades só existem porque os
homens têm medo uns dos outros, como afirma Frateschi: “a sociedade civil é o
meio mais eficaz que encontram os homens para se livrarem do medo
generalizado que os acompanha no estado de natureza 125.
No nosso entender, para Hobbes existem duas paixões que impulsionam
os homens à vida social: o medo e a esperança. Para entendermos melhor esse
medo, voltemos à definição que Hobbes dá de medo no Leviatã: “A aversão,
ligada à crença de dano proveniente de objeto, chama-se MEDO”
126
. Sendo que,
as paixões humanas são conduzidas pelos impulsos de desejo e aversão. Neste
caso, para os homens no estado de natureza, medo seria a aversão a qualquer
objeto ou pessoa que possa causar-lhe qualquer tipo de dano. Na verdade, os
homens fogem a toda e qualquer sensação de desprazer.
Nota-se também que o medo é o resultado de uma expectativa que cada
ser humano cria em relação ao outro. Neste caso, como já afirmamos, a vida no
estado de natureza é permeada de desconfianças e suspeitas.
A suspeita e a desconfiança geram, como já observamos acima, uma
antecipação ao ataque que pode ou não acontecer. Sendo assim, a guerra no
estado de natureza é conseqüência de uma análise subjetiva da situação?
Provavelmente não, pois Hobbes procura sempre deixar claro que a experiência
mostra que a guerra é uma condição natural de todos os homens. Na verdade, o
cálculo que os homens fazem de si mesmos e dos outros os levam à conclusão de
que diante de uma situação sem um poder capaz de manter a todos em paz, se
corre sério risco. Portanto, a guerra no estado de natureza é o resultado da soma
de múltiplos fatores, como podemos notar nas palavras do próprio Hobbes:
“Se agora, a essa propensão natural dos homens a se ferirem uns aos
outros, que eles derivam de suas paixões mas, acima de tudo, de uma vã
estima de si mesmos, somarmos o direito de todos a tudo, graças a qual
125
126
Frateschi, Iara. A física da política. P. 39.
Hobbes, Thomas. Leviatã. p. 51.
59
um com todo direito invade, outro, com todo direito resiste, e portanto
surgem infinitos zelos e suspeitas de toda parte”
127
.
Podemos contemplar o medo em Hobbes sobre dois aspectos: o medo
que move para a guerra e o medo que move para vida. Parece contraditório, pois
como é possível que uma única paixão mova os homens para a vida e para a
guerra? No entender de Hobbes, existe sim uma contradição entre a guerra (que
tem como uma das consequências a antecipação pelo medo) e o desejo que
existe em cada homem de fugir do que é danoso a ele.
Discutindo a questão do medo na obra de Hobbes, Renato Janine
Ribeiro coloca-o como a chave para o entendimento dessa mesma obra: “O medo,
gêmeo de um pensador, marcando-o desde o nascimento, enlaçado com ele feito
herança ou gene, como seu direito ou natureza; a vida e a obra de Hobbes são
pontuadas por essa paixão”
128
. Neste caso, ao falar da relação entre o nosso
autor e o medo, Renato alertava para atmosfera de medo que existiu durante os
séculos XVI e XVII, nos quais viveu Hobbes:
“Existiu na Inglaterra um grande medo de 1588: a nação protestante
aguardando a invasão espanhola, as povoações ribeirinhas espreitando o
desembarque da armada que se temia incrível. Não faltavam alarmes
falsos (...); num desses pânicos, nasceu Thomas Hobbes, de parto
prematuro- „minhas mãe pariu eu e o medo‟- como recordará,
autobiógrafo, daí a noventa anos
129
.
Na verdade, Janine Ribeiro vincula o medo não somente à obra de
Hobbes, mas também à sua própria vida, uma vez que, de acordo com ele,
quando Hobbes, no capítulo XVII do Leviatã, fala daqueles homens que fogem do
campo de batalha (aqueles que não têm coragem para lutar pela pátria), o filósofo
127
Hobbes, Thomas. De Cive. p. 33.
Ribeiro, Renato Janine. Ao leitor sem medo: Hobbes escrevendo contra o seu tempo. p.17. Ed. UFMG. 2.
Ed. Belo Horizonte, 2004.
129
Idem. p. 17.
128
60
estaria praticamente assinando uma confissão: “Não foi ele, de tantos, o primeiro a
fugir? Leal súdito que se considerou sempre, nunca se sentiu obrigado a tomar em
armas”
130
. Quando Hobbes fala da coragem, ele classifica-a como a aversão
(assim como o medo) de qualquer objeto que possa causar-nos algum dano, mas,
com a esperança de conseguir evitar o dano por meio da resistência
131
.
Neste caso, o Estado hobbesiano não será construído pela resistência
(coragem), mas pelo medo que os homens têm da morte violenta e dos danos
provenientes da guerra. Por isso, aludi Janine Ribeiro: “Mas seria pouca coragem
um defeito? É para homens que não querem morrer (como Hobbes, como a
grande maioria de nós), é para que nós homens não queiramos morrer, que se
constrói o Estado hobbesiano” 132.
Analisando essa questão do medo na obra do nosso autor, até que
ponto toda essa situação de contendas vividas na Europa durante os séculos nos
quais viveu Hobbes teria influenciado os escritos do nosso autor? Difícil saber. O
que é certo é que o medo presente na atmosfera do século XVII invadiu os textos
hobbesianos e deram-lhe uma tônica: “a condição natural da humanidade, das
suas teses se não a mais importante sem dúvida a mais revoltante, é de medo
generalizado de todos contra todos; e, das paixões que „inclinam os homens à
paz„, a primeira é o temor da morte” 133.
O “medo da morte violenta” talvez possa ser colocado como uns dos
principais medos, sobretudo, porque numa condição de desconfiança, antecipação
e guerra. Visto desse ponto, é razoável que se tenha medo da morte. Na verdade,
o medo da morte seria até certo ponto racional, pois o pensamento do homem no
estado de natureza é a autopreservação. Sobre isso, no final do primeiro capítulo
do De Cive, Hobbes faz a seguinte afirmação:
130
Idem. p. 20.
Cf. Hobbes. Leviatã. p. 51.
132
Ribeiro, Renato Janine. Ao leitor sem medo: Hobbes escrevendo contra o seu tempo. p. 20.
133
Idem. p. 20.
131
61
“Mas os homens não podem esperar uma conservação duradoura se
continuarem no estado de natureza, ou seja, de guerra, e isso devido à
igualdade de poder que entre eles há, e a outras faculdades com que
estão dotados. Por conseguinte o ditado da reta razão- isto é, da lei de
natureza- é que procuremos a paz, quando houver qualquer esperança
de obtê-la, e, se não houver nenhuma, que nos preparemos para a
guerra”
134
Ao mesmo tempo em que os homens no estado de natureza vivem o
direito natural, onde cada um é juiz de si mesmo e tem direito a todas as coisas,
eles também obedecem a “lei de natureza” que
“é um preceito ou regra geral, estabelecido pela razão, mediante o qual
se proibi a um homem fazer tudo o que possa destruir a sua vida ou
privá-la dos meios necessários para a preservar, ou omitir aquilo que
pense melhor contribuir para a preservar
135
.
Se por um lado o direito natural faz com que os homens usem de todos
os meios para garantir a própria sobrevivência, mesmo que para tal seja
necessária a guerra permanente, por outro, a lei natural obriga (o próprio Hobbes
assim fala quando diferencia lei e direito136) aos homens o afastamento de tudo
aquilo que possa por fim à sua existência, neste caso, estaria inclusa a guerra de
todos contra todos.
A vida no estado de natureza é movida por uma paixão chamada medo.
O mesmo medo que move os homens à luta, também os leva a buscar a paz, pois,
como vimos na definição de Hobbes para o medo, medo é aversão a todas as
coisas que possam nos causar qualquer tipo de dano. Por isso, os homens sabem
que não lhes é possível viver em segurança no estado de natureza.
134
Hobbes, Thomas. De Cive. p. 36.
Hobbes, Thomas. Leviatã. 112.
136
Cf. Idem. 112.
135
62
Sendo assim, é o medo que os leva a procurar por outro caminho: “Se é
monstruosa a natureza do homem, com ou sem o Estado, o terror é a sua matéria
e, domado, instrumento de paz”
137
. Dito de outro modo, o medo está na origem de
toda sociedade civil para o filósofo. Essa afirmação se confirma quando
observamos no Leviatã as paixões que nos fazem tender para a paz, a saber o
medo da morte violenta e o desejo de conseguir bens necessários para a vida: “As
paixões que fazem os homens tender para a paz são o medo da morte, o desejo
daquelas coisas necessárias para uma vida confortável e a esperança de
conseguir por meio do trabalho” 138.
Parece contraditório que se diga que o princípio da guerra de todos
contra todos encontra-se na natureza humana, justamente pelo fato de que os
homens, no estado de natureza, movidos pelas suas paixões, fazem a guerra,
mas é nesta mesma natureza que se encontra a solução para esse impasse
trazido pela guerra, pois o medo que os homens têm de morrer os faz procurar o
pacto com os outros homens para pôr fim ao risco da morte violenta que esse
estado representa.
Criticando Macpherson, que pretende reduzir o homem hobbesiano ao
burguês139, Renato Janine Ribeiro realça a ideia de que a solução para o fim da
guerra permanente está na natureza humana:
“Será possível, porém, desqualificar assim a ruptura que é o contrato,
fabricação do Estado? Ao realçar a continuidade, ao derivar o homem
burguês o natural, Macpherson omite que para Hobbes o conceito de
natureza se divide em direito e lei- por ela pode cada homem lutar pela
vida, contra todos, mas também deve procurar a paz, renunciando a
plena liberdade de guerrear e matar”
140
.
137
Ribeiro, Renato Janine Ribeiro. Ao leitor sem medo: Hobbes escrevendo contra o seu tempo. p. 21.
Hobbes, Thomas. Leviatã. p.111.
139
Cf. Ribeiro, Renato. Ao leitor sem medo: Hobbes escrevendo contra o seu tempo. p. 24.
140
Idem. p. 25.
138
63
A tônica do nosso trabalho movimenta-se em torno da questão das
paixões, sobretudo o medo e a esperança como força essencial para a saída do
estado de natureza para o estado civil. Foi assim que percebemos que a natureza
humana tem sim uma contribuição importante na busca da paz. Na verdade, as
paixões do medo e da esperança manifestam-se como força propulsora na direção
da paz (também agem na direção contrária), é o que podemos ver também em
Janine Ribeiro: “A natureza é dinâmica, comportando tanto a guerra total quanto a
sua possível superação, pois nas paixões (e na razão) humanas se enraíza a
possibilidade da paz” 141
Como já foi possível perceber, não é apenas o medo que faz com que os
homens busquem a paz, mas também a esperança de uma vida tranqüila os
impulsiona a buscar com mais vigor a paz. Bem como, existe uma relação
intrínseca entre medo, esperança e razão. Ou seja, buscar a paz é, antes de
qualquer coisa, um ato racional, pois qualquer guerra leva naturalmente os
homens à morte, o que é totalmente contrário a qualquer lei que exija que os
homens preservem-se.
Fica aqui uma questão que será trabalhada no próximo capítulo: se a lei
natural diz aos homens o que eles devem fazer, por que então o Estado é
necessário? Qual a utilidade do contrato se os homens poderiam seguir
unicamente a reta razão? Não seria a razão suficiente para domar a descontrolada
natureza humana? De acordo com Hobbes, não. Para ele, o conhecimento das
leis de natureza (bem como das leis de natureza) não é suficiente para evitar a
guerra.
Sendo assim, não existem muitas garantias de que os homens irão
seguir os preceitos da lei natural, como o filósofo salienta no capítulo V do De
Cive:
“as ações dos homens procedem de sua vontade, e essa vontade
procede da esperança e do medo, de tal modo que, quando vêem que a
141
Idem. p. 25.
64
violação das leis provavelmente lhes acarretará um bem maior, ou um
mal menor, do que traria a sua observância, eles facilmente as violam”
142
Neste caso, para ele, o que garante o garante o cumprimento dos
preceitos da lei natural é algo externo ao homem, artificial, ou seja, o Estado,
como veremos com mais detalhes no próximo capítulo:
“não basta ao homem compreender corretamente as leis naturais para
que, só por isso, tenhamos garantida a sua obediência a elas; e por isso,
enquanto não houver garantia contra a agressão cometida por outros
homens, cada qual conservará o seu direito primitivo à autodefesa (...),
ou direito de guerra”
143
.
Sumariamente falando, é o medo que leva os homens a fazerem muitas
coisas durante o estado de natureza; é por causa deste sentimento que eles se
antecipam ao ataque; mas é inspirado nele que eles buscam a paz. No estado civil
o medo se apresenta como o fator que força os homens a cumprirem as leis.
Neste caso, os homens deixam de temer os seus semelhantes para passarem a
temer o Estado, que tem o poder de puni-los.
Apesar dessas duas principais paixões aqui apresentadas expressaremse como mola propulsora para conduzir os homens a uma vida longe dos conflitos
da guerra, elas não são as únicas causas responsáveis pela passagem do estado
de natureza para o estado civil. Junto com o medo e a esperança está a razão: “a
razão sugere adequadas normas de paz, em torno das quais os homens podem
chegar a um acordo”
144
. Sobre esse tema, a propósito, Limongi faz a seguinte
afirmação: “A passagem do estado de natureza para o estado civil marca, além
disso, uma conquista da razão, que deve passar a organizar o conjunto das
relações sociais” 145.
142
Hobbes, Thomas. De cive. p. 91.
Idem. p. 91.
144
Hobbes, Thomas. Leviatã. p. 111.
145
Limongi, Maria Isabel. O homem excêntrico: paixões e virtudes em Thomas Hobbes. p. 143.
143
65
No decorrer deste trabalho apresentamos as paixões dando ênfase ao
medo e à esperança, em particular neste segundo capítulo. Resta-nos agora o
debate em torno da razão. Qual é a participação da razão no acordo que levou os
homens a criarem o Estado?
Segundo Limongi, não é possível dissociar a razão do estado de guerra,
assim como também não é possível dissociá-la do estado civil:
“Não é possível pensar o estado de guerra nem o que Hobbes entende
ser a solução se nos colocarmos exclusivamente sob a perspectiva das
paixões. O estado de guerra não é apenas uma dinâmica passional,
assim como a instituição do Estado não passa exclusivamente por uma
reorganização dessa dinâmica”
146
.
Percebemos que ao lado das paixões caminha a razão, sobretudo
porque mediante a lei natural se expressam os ditames da razão que indicam aos
homens o caminho da paz. A participação da razão na criação do Estado vai dar a
este uma das suas principais características (como veremos no próximo capítulo):
a racionalidade.
146
Idem. p. 143.
66
CAPÍTULO 3
RAZÃO E ESPERANÇA: AS PAIXÕES NO ESTADO CIVIL.
No estado de natureza, segundo Hobbes, as leis de natureza silenciam.
Para discorrer sobre tal condição, o autor recorrer à metáfora da guerra, uma vez
que, numa situação de guerra as leis perdem a sua força: “É um dito corrente que
todas as leis silenciam em tempo de guerra, e é verdade, não apenas falando das
leis civis mas também das naturais”
147
. Sendo assim, numa condição onde cada
homem pode fazer uso de todos os seus direitos naturais, ou seja, “por todos os
meios que pudermos, defendermo-nos a nós mesmos” 148, as leis de natureza não
teriam força suficiente para tirar os homens do estado de guerra permanente, uma
vez que, como já falamos no capítulo anterior, uma condição na qual cada homem
é juiz de si mesmo tem como principal resultado a guerra de todos contra todos.
Em outras palavras, nessa condição a guerra se sobrepõe à lei natural.
Numa tal condição, a de guerra de todos contra todos, será preciso
encontrar uma saída para o conflito que existe entre direito natural e lei natural,
uma vez que, levando a agir pelo direito de natureza, os homens buscam por meio
de todos os recursos garantirem a sua autopreservação, ao passo que a lei natural
os obriga a buscarem a paz. Portanto, existe claramente um conflito entre as leis
de natureza e o direito natural.
Segundo Hobbes, é nesse conflito que estaria a causa da insegurança que
reina entre os homens no estado de natureza. De acordo com ele, “enquanto
perdurar esse direito natural de cada homem a todas as coisas, não poderá haver
para nenhum homem (por mais forte e sábio que seja) a segurança de viver o
147
148
Hobbes, Thomas. De cive. p. 91.
Hobbes, Thomas. Leviatã. p. 113.
67
tempo que a natureza geralmente permite aos homens viver”
149
. A solução estaria
no fato de cada homem abrir mão do direito a tudo e a todos garantido pelo seu
direito de natureza. Deste modo, nenhum homem poderia usar dos próprios
recursos para garantir a sua própria segurança, passando ao Estado tal função:
“Que um homem concorde, quando outros também o façam, na
medida em que considere necessário para a paz e para a defesa de si
mesmo, em resignar o seu direito a todas as coisas, contentando-se, em
relação aos outros homens, com a mesma liberdade que aos outros
homens permite em relação a si mesmo”
150
.
Essa sentença do Leviatã, supracitada, pode ser considerada o cerne do
pensamento do nosso autor. Observemos cada aspecto desse texto.
“Que os homens concordem, quando os outros também o façam”: na
verdade, abrir mão do direito natural não é possível durante o tempo em que os
homens vivem uma guerra de todos contra todos, pois aquele que abrisse mão
desse direito, sem um prévio acordo, ficaria extremamente exposto à violência do
outro, portanto, ficaria com a própria vida ameaçada. Do mesmo modo não é
possível firmar acordos durante o estado de guerra de todos contra todos, pois
não existe nenhuma instância, nenhum poder capaz de fazer com que os homens
cumpram o que prometeram. Sobre isso, Hobbes salienta no De Cive:
“As convenções que sejam firmadas segundo um contrato de
confiança recíproca- quando nenhuma das partes cumpre prontamente o
que lhe compete-, (...) Pois aquele que primeiro cumprir (...) expor-se-á à
vontade maldosa daquele com quem contratou”
151
.
149
Idem. p. 113.
Idem. p. 113.
151
Hobbes, Thomas. De Cive. p. 44.
150
68
Ou seja, para que o acordo entre os homens tenha força, este precisa de
algumas garantias necessárias.
Tanto no Leviatã quanto no De Cive Hobbes faz a diferenciação entre pacto
e contrato. De acordo com ele, a “transferência mútua de direitos é aquilo que se
chama CONTRATO”
152
. Já quando um contratante entrega a sua parte e
permanece na esperança de que o outro cumpra com o prometido, essa situação,
segundo Hobbes, recebe o nome de pacto: “um dos contratantes pode, de sua
parte, entregar a coisa contratada, e deixar que o outro cumpra a sua parte num
momento posterior determinado, confiando nele até lá. Nesse caso, as sua parte o
contrato chama-se PACTO ou CONVENÇÃO” 153.
Dado que, no entender de Hobbes, as palavras são fracas e os homens
tendem a seguir as inclinações para a glória, o lucro e a competição, somente um
poder comum será capaz de fazer com que os pactos efetivem-se: “porque os
vínculos das palavras são demasiados fracos para refrear a ambição, a avareza, a
cólera e outras paixões dos homens, se não houver um medo a algum poder
coercitivo”
154
. Neste caso, o Estado é o único expediente capaz de agregar todos
esses pré-requisitos para assegurar que a palavra dada pelos homens terá pleno
cumprimento, como veremos mais posteriormente no texto.
Primeira característica do pacto social então: é necessário um poder capaz
de impor aos homens, pelo medo, a obrigatoriedade do cumprimento do pacto
firmado, uma vez que, sem essa garantia comum de que os outros homens irão
cumprir o prometido, não há possibilidade de pacto, pois o medo do seu não
cumprimento torna-o nulo: “Quando se faz um pacto em que ninguém cumpre
imediatamente a sua parte, e uns confiam nos outros, na condição de simples
natureza, a menor suspeita razoável torna nulo o pacto” 155.
Neste caso, as suspeitas podem tornar os pactos nulos, porque os homens
estariam voltando ao estado pré-social, onde a vida é marcada pela desconfiança.
152
Hobbes, Thomas. Leviatã. p. 115.
Idem. p. 116.
154
Idem. p. 119.
155
Idem. p. 118.
153
69
Cabe ressaltar que não é apenas o medo que valida os pactos, mas a
esperança entra também como um componente fundamental para garantir a sua
validade. Neste caso, o medo e a esperança permanecem como molas
propulsoras das ações humanas também durante o estado civil. A diferença
estaria em que os homens deixam, em tese, de temer os seus semelhantes e
passam a temer a força do Estado. E ainda, a esperança de uma vida tranqüila é
depositada na figura do Estado. Ou seja, as expectativas de uma vida longe dos
perigos da morte violenta são transferidas para o Estado.
Outra característica é a de que o pacto deve ser firmado por muitos, ou
seja, o Estado hobbesiano não pode conter fissuras. Hobbes nos alerta para esse
aspecto quando fala da defesa do Estado contra os inimigos externos. Em outras
palavras, somente um acordo firmado por muitos homens (necessariamente pela
maioria) pode garantir um Estado forte e suficientemente capaz de garantir que
todas as pessoas vivam conforme as leis de natureza, bem como a segurança
necessária para uma vida longa: “Mas em primeiro lugar é evidente que o
consentimento de dois ou três não pode tornar suficiente uma tal segurança;156.
Mesmo com a garantia da união mediante um acordo de muitos, isso ainda
não será suficiente para garantir a paz, sem que haja um poder capaz de manter a
todos, como afirma o filósofo:
“por maior que seja o número dos que se reúnem para a
autodefesa, se contudo eles não concordarem entre si sobre algum meio
excelente para promovê-la, mas cada um ficar usando dos seus esforços
a seu próprio modo, nada se terá conseguido; porque, divididos em suas
opiniões, cada um deles constituirá um obstáculo para o outro”
157
.
Neste caso, é o Estado que terá o monopólio da força, da violência e
também da opinião, como podemos ler a seguir, na interpretação de Frateschi:
156
157
Thomas, Hobbes. De Cive. p. 92.
Idem. 93.
70
“Por maior que seja o número de homens envolvidos, essa
coalizão não traz a marca distintiva de uma sociedade, a menos que haja
um poder comum, artificialmente estabelecido, que os obrigue a se
158
manterem firmes na direção do fim que os reuniu”
.
A questão acima levantada sobre a disputa que há entre os homens para
impor aos outros a própria opinião é um dos maiores obstáculos para a construção
da paz. A esse respeito Hobbes fala quando trata da “comparação das vontades”
como uma das causas da discórdia:
“O combate entre os espíritos é de todos o mais feroz (...) neste
caso é odioso não só quem nos combate, mas também que
simplesmente não concorda conosco. Pois não aprovar o que um homem
afirma nada mais é do que acusá-lo, implicitamente, de errar naquilo que
está dizendo”
159
Por essa razão Hobbes afirma que as guerras travadas por aqueles de uma
mesma religião, seita ou república são as mais violentas
160
. Portanto, Hobbes
entende que o medo que os homens têm do Estado evita esses conflitos internos.
Caso não consiga evitá-los, que pelo menos eles sejam minimizados:
“E algo mais deve ser feito para que esses que consentiram, pelo
bem comum, em ter paz e fornecer auxílio uns aos outros, possam ser
contidos pelo medo, a fim de posteriormente não voltem a divergir
quando o seu interesse particular lhes parecer discrepar do bem comum”
161
.
Portanto, como já aludimos acima, o pacto deve ser o mais amplo possível
para a geração do Estado. Dito de outro modo, a transferência do direito que cada
158
Frateschi, Iara. A física da política: Hobbes contra Aristóteles. p. 43.
Hobbes, Thomas. De Cive. Idem. p. 30.
160
Cf. Idem. p. 30.
161
Idem. 93.
159
71
homem possui de ser juiz de si mesmo para um soberano precisa ser aceita pela
maioria dos homens.
Ao falar que somente a concórdia que existe entre os homens não é
suficiente para garantir os pactos firmados, Hobbes critica o modelo clássico de
política, mais exatamente, o modelo aristotélico. No De Cive, ele explica porque os
governos de certas criaturas (dos animais) podem ser tranquilamente firmados
apenas na concórdia. Mas, baseado no modelo “político” dos animais auferir
serem os homens naturalmente políticos, não teria sentido. Isso se deve ao fato
dos homens seres conduzidos por suas paixões162.
Hobbes exporá os motivos que o levam a considerar absurda a tese de que
as sociedades humanas podem ser comparadas às associações dos animais.
Para tal, lançará mão de seis argumentos que passo a expor.
a) O argumento da busca de honra e precedência entre os homens:
Segundo Hobbes, os animais (que não são dotados de razão) não
procuram a companhia uns dos outros para obtenção de honra e glória.
Os homens, pelo contrário, são sempre impelidos pelo desejo de se
vangloriar. Portanto, de acordo com o nosso autor, “entre eles há uma
disputa por honra e precedência, enquanto os animais não têm nada
disso. Daí que só para os homens haja ódio e inveja, enquanto os
animais não têm nada disso” 163.
b) Depois, o argumento de que os homens não pensam no bem comum,
mas agem sempre em benefício próprio: De acordo com o filósofo, as
abelhas, por exemplo, são sempre movidas pelo bem comum, ou seja, o
êxito delas está na realização do bem comum. Já os homens,
162
163
Cf. Idem. 94.
Idem. p. 94.
72
“dificilmente considera boa qualquer coisa cujo gozo não porte alguma
proeminência a avantajá-lo” 164.
c) Terceiro argumento: a guerra civil é sempre iminente entre os homens,
pois constantemente eles divergem uns dos outros quanto ao melhor
modelo de governo, ao passo que “as criaturas privadas do uso da
razão não vêem defeito, ou pensam não vê-lo, na administração de suas
repúblicas” 165.
d) Quarto argumento: a linguagem está entre as principais causas da
discórdia: “E a língua do homem trombeta de guerra e sedição”
166
.
Hobbes tem consciência de que é por meio da articulação das palavras,
ou seja, por meio do discurso, que os homens criam e resolvem os seus
problemas.
e) Quinto argumento: os homens têm claras para si as noções de injúria e
dano, coisa que não existe nas outras criaturas: sendo assim, os
homens tendem a quebrar o convívio pacífico quando percebem que
algum tipo de dano foi a eles causado. Quando Hobbes discorre sobre a
Injúria no De Cive, ele o faz ligando-a à noção de direito. Ou seja,
cometer uma injúria é afetar negativamente o direito alheio, como ele
mesmo afirma: “Violar um compromisso, ou exigir de volta algo que já
demos é o que se chama injúria. Consiste, sempre, numa ação ou
omissão” 167.
f) Sexto argumento: a sociedade civil é artificial. Em outras palavras,
diferentemente dos animais, que são associados pela natureza, os
164
Idem. p. 94.
Idem. p. 94.
166
Idem. p. 95.
167
Idem. 54.
165
73
homens geram as suas sociedades por meios dos pactos, como
podemos ler nas palavras do próprio autor:
“o consentimento de tais criaturas brutas é natural, o dos homens apenas
por pacto, ou seja, artificial. (...) De modo que o consentimento ou
contrato de associação, sem um poder comum pelo qual os particulares
sejam governados por medo ao castigo, não basta para construir aquela
segurança que é requisito para o exercício da justiça natural”
168
.
Neste caso, a justiça natural tem o mesmo sentido que lei natural e, como já
vimos, para Hobbes, o cumprimento da lei de natureza depende não apenas de
um acordo entre os homens, mas também de um poder que os faça, por medo,
colocar em prática aquilo que foi acordado.
“Na medida em que tal considere necessário para a paz e para a defesa de
si mesmo”. Aqui podemos salientar aquele princípio, outrora evocado, de que os
homens, que são movidos essencialmente por paixões, agem sempre em
benefício próprio. Esses homens, mesmo quando abrem mão do direito de
governar a própria vida em favor do Estado, é pensando em si próprios que o
fazem.
A busca da paz é outra característica do pacto social, visto que a lei de
natureza obriga os homens a procurarem a paz, como afirma o filósofo: “Que todo
homem se esforce pela paz, na medida em que tenha esperança de a conseguir, e
caso não a consiga pode procurar e usar de todas as ajudas e vantagens da
guerra”
169
. Em outras palavras, o Estado, na visão de Hobbes, deve garantir a
paz. O tema da paz será uma constante na obra de Hobbes. Em todo momento,
Hobbes evoca o desejo que os homens têm de uma vida pacífica. Seja quando
fala dos homens no estado de natureza ou mesmo quando fala deles no estado
civil.
168
169
Idem. 95
Thomas, Hobbes. Leviatã. p. 113.
74
Neste caso, à figura do Estado estará associada a imagem da paz. O
Estado que Hobbes pensou deve, antes de qualquer coisa, garantir a paz dos
seus cidadãos. Sendo assim, qualquer sinal de intranquilidade (falta de paz) deve
ser imediatamente reprimido pela força tranqüilizadora do Estado. Não parece
contraditório que para garantir a paz o Estado tenha que usar a força? O uso da
força no estado civil é uma prerrogativa do Estado, neste caso, é a “mão” violenta
do Estado que tranqüiliza os homens. Tanto no De Cive quanto no Leviatã,
Hobbes fala sobre a violência que deve ser exercida pelo Estado e, em quais
casos, os homens podem resistir a essa violência.
Qual é o processo que leva aos homens a aceitarem o monopólio da força
exercido pelo Estado? Por que todos os homens devem se submeter à paz que é
exercida pelo Estado?
De acordo com Hobbes, primeiramente, os homens devem abrir mão da
própria vontade. Como já vimos anteriormente, quando cada homem governa a
própria vida, temos a desordem do estado de natureza. Para tal, segundo Hobbes,
a “multidão deve ser reduzida a uma só pessoa”. Em outras palavras, quando os
homens estão, mesmo que juntos em uma multidão, seguindo cada um a sua
própria vontade. Neste caso, ainda não podemos dizer que temos um Estado,
pois, cada homem ainda estaria sendo levado unicamente pelas paixões que
produzem a guerra, como afirma o próprio autor: “Além disso, uma multidão que
não tenha sido reduzida a uma pessoa única, (...), continua valendo aquele
mesmo estado de natureza no qual todas as coisas pertencem a todos”
170
.
Recordando que o Estado, para Hobbes, não pode ter fissuras, o que
aconteceria se um dos homens não aceitasse o pacto que foi feito pela maioria? O
Estado pode usar da força e esse homem seria obrigado a viver de acordo com os
princípios da lei civil, como podemos notar nas palavras do nosso autor: “E, se
algum não consentir, apesar disso os demais constituirão a cidade entre si e sem
ele. Disso decorre que a cidade conserva contra quem dissente seu direito
170
Thomas, Hobbes. De Cive. p. 102.
75
primitivo, isto é, o direito de guerra que ela tem contra um inimigo”
171
. Em outras
palavras, o Estado usa da força para garantir a paz, bem como usa da mesma
força para levar todos os homens a viver o pacto, mesmo aqueles que não
queiram.
Mesmo com todo o aparato estatal para assegurar que os homens vivam
em paz, a possibilidade da paz absoluta lhes é impossível. Estaria, então, o
estado de natureza latente mesmo durante o estado civil? Provavelmente. A esse
respeito Hobbes fala em vários pontos da sua obra:
“Que seja portanto ele a considerar-se a si mesmo, que quando
empreende uma viagem se arma e procura ir bem acompanhado;
quando vai dormir fecha as portas, mesmo quando está em casa tranca
os seus cofres, embora saiba que existam leis e servidores armados,
prontos para vingar qualquer dano que posa lhe ser feito”
172
O estranho é perceber que mesmo com a presença do Estado a
desconfiança entre os homens permanece. Essa desconfiança seria a mesma que
existe no estado de natureza e que leva os homens a se atacarem mutuamente?
De acordo com Hobbes, não. Pois, durante o estado civil não é possível garantir
que todos estejam livres dos danos que possam ser causados por outros, a
desconfiança que existe durante o estado civil não justifica o medo que leva os
homens a se anteciparem uns aos outros na violência: “Na verdade, é impossível
dar aos homens uma segurança completa contra quaisquer danos recíprocos, (...).
Mas pode providenciar para que não haja causa justa para o medo” 173.
O que significa dizer que “não haja causa justa para o medo”? No nosso
entendimento, o medo durante o estado civil é amenizado pela confiança que os
homens depositaram na figura do Estado.
171
Idem. 102.
Hobbes, Thomas. Leviatã. p 110.
173
Hobbes, Thomas. De Cive. p. 103.
172
76
Mas, além de buscar a paz, o Estado existe porque os homens pensam na
própria defesa, como afirmou o nosso autor acima: “para a defesa de si mesmos”.
O que mais uma vez impulsiona os homens seria o agir sempre em benefício
próprio?
Tudo indica que sim. Pois, pelo que percebemos nos estudos dos textos de
Hobbes os homens somente seriam capazes de submeter as suas paixões, ou
pelo menos os impulsos passionais, se fosse para conseguir algo para o seu
próprio proveito.
Em resignar174 o seu direito a todas as coisas: de acordo com Hobbes,
entre outras causas, é o desejo que os homens têm pelas mesmas coisas que
gera a guerra perpétua no estado de natureza: “Mas a razão mais freqüente por
que os homens desejam ferir-se uns aos outros vem do fato de que muitos, ao
mesmo tempo, têm um apetite pela mesma coisa”
175
. Sendo assim, segundo ele
mesmo, a saída dessa situação estaria na resignação do direito que os homens
têm- no estado de natureza- a todas as coisas.
Segundo Hobbes, o que é resignar a um direito? Neste caso, fala-se do
direito natural, ou seja, do direito que cada homem tem a todas as coisas. De
acordo com ele, “Resignar a um direito a alguma coisa é o mesmo que privar-se
da liberdade de impedir outro de beneficiar-se do seu próprio direito à mesma
coisa” 176.
Voltamos com essa afirmação de que é preciso renunciar ao direito a todas
as coisas àquela questão anterior sobre o conflito entre direito natural e lei natural.
Como fica essa questão durante o estado civil? Será justamente o Estado que
porá um fim a esse conflito entre o desejo e a possibilidade que os homens têm a
todas as coisas e a lei natural que os obriga a buscar a paz.
174
Resignar: renunciar voluntariamente a; submeter-se sem revolta a; conformar-se.
Idem. p 30.
176
Hobbes, Thomas. Leviatã. p. 113.
175
77
Neste caso, o Estado também colocará um fim no direito que os homens
têm para eleger os fins que garantam o bem escolhido por cada um deles, sobre
esse direito, saliente Hobbes no De Cive:
“Mas, como é vão alguém ter direito ao fim se for negado os
meios que sejam necessários, decorre que, tendo todo homem direito a
se preservar, deve também ser-lhe reconhecido o direito de utilizar todos
os meios, e praticar todas as ações, sem as quais ele não possa
preservar-se”
177
.
O que parece é que, na figura do Estado concentrar-se-á também os meios
para garantir o acesso de homens a alguns direitos. O que temos que entender é
o seguinte: os homens no estado civil devem resignar o direito que eles têm a
todas as coisas, mas isso acontece, sobretudo por meio da renúncia dos meios
para obter os bens por eles desejados. Em outras palavras, o direito de garantir
sobretudo a própria vida permanece, que é, aliás, o maior direito, o que deixa de
ser responsabilidade dos homens são os meios pelos quais ele chegaria a
autopreservação. Neste caso, os meios para garantir a preservação dos homens
caberão unicamente ao Estado.
Sobre isso, Hobbes faz questão de salientar que é da responsabilidade do
Estado, por meio das leis, dizer o que é lícito ou ilícito aos homens. Neste sentido,
é por meio da lei civil que o Estado administra os diversos direitos. E será com
base nela, e não mais pela lei de natureza, que os homens irão balizar as suas
relações:
“O roubo, o assassínio e todas as injúrias são proibidas pela lei
de natureza; mas o que há de se chamar roubo, o que assassínio,
adultério ou injúria a um cidadão não se determinará pela lei de natureza,
porém pela lei civil”
177
178
178
.
Hobbes, Thomas. De Cive. p. 31.
Idem. p. 112.
78
Ainda sobre o direito que cada homem tem a todas as coisas, Hobbes
mantêm um único direito, o direito que todo homem tem de resistir a tudo o que
possa tirar-lhe a própria vida e ou levá-lo ao cárcere:
“ninguém pode renunciar ao direito de resistir a que o ataque pela
força para lhe tirar a vida, pois é impossível admitir que com isso vise
algum benefício próprio. O mesmo se pode dizer dos ferimentos, das
cadeias e dos cárceres, tanto porque desta resignação não pode resultar
benefício”
179
.
Se os homens transferem, por meio do pacto social, o direito natural que
eles possuem a todas as coisas para o Estado, por que também não podem
transferir o direito à autopreservação? A resposta está na lógica do homem
hobbesiano, o qual age sempre em benefício próprio. Neste caso, devemos
considerar que os homens não fazem o pacto social movidos pela benevolência,
mas pela conveniência de uma vida segura.
“Contentado-se, em relação aos outros homens, com a mesma liberdade
que os outros homens permitem a si mesmos”: quando Hobbes propõe aos
homens que abram mão do direito de usar, ou seja, da liberdade de usar dos
meios para garantir a autopreservação, na verdade, é a tentativa de convencer os
homens a garantirem o seu principal e soberano direito, o de viver.
Neste caso, o que se cria com a instituição de um poder artificial é um
obstáculo para a contenção das paixões que, em si mesmas são desordenadas, e
o seu ordenamento para que garantam uma convivência pacífica entre os
cidadãos do Estado. Ou seja, o Estado torna-se um empecilho para as paixões
que levam os homens a buscarem a guerra, tornando-se um forte e repressor
obstáculo a toda e qualquer ação que possa trazer a instabilidade e a
179
Hobbes, Thomas. Leviatã. p. 115.
79
intranquilidade. Assim, o Estado usará das leis e da força para obstacularizar as
ações humanas: “Mas, do mesmo modo que os homens criaram um homem
artificial, a quem chamamos de república, para alcançar a paz e com isso a própria
conservação, também criaram laços artificiais, chamados leis civis”
180
.
Segundo Hobbes, a liberdade é “ausência de impedimentos externos” 181, o
que pressupõe que, ao firmar o pacto, os homens não estariam apenas abrindo
mão da liberdade de usar dos meios para alcançar os seus objetivos, mas,
também colocando obstáculos a própria ação livre. Dito de outro modo, com o
pacto o Estado passa a ser um impedimento para as ações dos homens, pois, não
poderá mais cada homem usar da sua liberdade como bem quiser. Em outras
palavras, podemos contemplar o pacto, no que diz respeito à liberdade sobre dois
aspectos: o primeiro diz respeito à renúncia do direito de usar dos meios
adequados para alcançar os fins desejados (como já tratamos acima). Ao passo
que o segundo, apresenta o Estado com um obstáculo às paixões, que outrora no
estado de natureza levaria os homens à guerra.
Parece contraditório afirmar que o Estado, ao colocar obstáculos às
paixões, estaria garantindo aos homens a sua maior liberdade, a de viver. Apesar
disso, quando observamos o homem hobbesiano, percebemos que o seu maior
desejo é viver em paz, com segurança e conforto 182.
Janine Ribeiro discute essa questão da liberdade, afirmando que o
soberano deixa aos homens ainda um vasto campo de ação, isso significa dizer
que o Estado hobbesiano não pretende ocupar todas as esferas da vida humana.
Janine Ribeiro, citando Hobbes afirma:
“A liberdade dos súditos- começa Hobbes no Leviatã- consiste no
silêncio das leis (nas „ações pala lei ignoradas‟) resto que ainda não foi
ordenado, mas poderia sê-lo. Contudo, embora nada proíba o soberano
180
Hobbes, Thomas. Leviatã. p. 181.
Idem. p.112.
182
Cf. Idem. p. 111.
181
80
de ampliar infinitamente as suas ordenações: ele não o fará; pois certas
questões o soberano ignora necessariamente”
183
.
Sobre esses aspectos da liberdade, que tratam de algumas questões
nas quais o Estado silencia, o próprio Hobbes salienta no Leviatã:
“Portanto, a liberdade dos súditos está apenas naquelas coisas
que, ao regular as suas ações, o soberano preteriu: como a liberdade de
comprar e vender, ou de outro modo realizar contratos mútuos; de cada
um escolher a sua residência, a sua alimentação, a sua profissão, e
instruir os seus filhos conforme achar melhor, e coisas semelhantes”
184
.
Mas o Estado não existe apenas para colocar obstáculos àquelas
paixões que possam levar os homens à guerra. Antes, existe toda uma ação de
convencimento dos homens que viver de acordo com as leis, ou seja, sem o
direito (a liberdade de usar livremente o direito a todas as coisas), e que esse
modo de vida seria o mais próximo daquilo que ordena a reta razão: “Por
conseguinte o ditado da reta razão- isto é, a lei de natureza- é que procuremos a
paz, quando houver qualquer esperança de obtê-la e, se não houver nenhuma,
que nos preparemos para a guerra”
185
. Dito de outro modo, aceitar a restrição da
liberdade àquelas paixões que impedem os homens de provocarem a guerra é um
ato racional.
Para aqueles que não aceitam que o Estado lhe garanta a segurança do
seu maior patrimônio, que é a própria vida, resta-lhes submeter-se à espada
pedagógica do Estado186, como podemos ver em Janine Ribeiro, que chama a
atenção para essa relação entre liberdade, vida cotidiana e aqueles que não
aceitam essas imposições:
183
Ribeiro, Renato Janine. Ao leitor sem medo. p. 92.
Hobbes, Thomas. Leviatã. p. 182.
185
Hobbes, Thomas. De Cive. p. 36.
186
Cf. Ribeiro, Renato. Ao leitor sem medo: Hobbes escrevendo contra o seu tempo. p. 92.
184
81
“No entanto, antes de admitir essa liberdade do cotidiano Hobbes
faz uma severa advertência: não tem sentido os homens reclamarem
liberdade contra o governante, pois da „liberdade em sentido próprio‟, a
de se moverem, eles manifestadamente gozam e, quando o jus que
consiste na isenção das leis, apenas serviria para os outros dominarem a
suas vidas. Os queixosos são inconscientes: querem o que já têm; e,
também o que lhes fará mal. Desconhecem a sua condição; assim a
dominação se justifica (a espada os protegerá de sua própria
inconsciência. Gládio pedagogo: ensina os homens o que são, o que têm,
e o que lhes convém”
187
.
Ainda sobre a questão do “gládio pedagogo”, podemos entender que o
Estado pretende, pelo medo, impor aos homens o caminho que os levará à paz.
Mais uma vez, podemos perceber o medo como principal motivador das ações
humanas, mesmo durante o estado civil. Certamente, será o medo que esse
homem terá das sanções que lhe serão impostas pelo Estado caso ele não
colabore naquelas coisas que tragam a paz.
Em resumo, a lei fundamental da natureza diz:
“Que cada homem concorde, quando os outros também o façam,
na medida em que tal considere necessário para a paz e para a defesa
de si mesmo, e resignar o seu direito a todas as coisas, contentando-se,
em relação aos outros homens, com a mesma liberdade que aos outros
homens permite em relação a si mesmo”
188
.
Dela decorre uma série de implicações, a saber: o pacto entre os homens; a
segurança e a conservação da própria vida que decorre do acordo entre os
homens; a alienação do direito a todas as coisas, bem como do direito de usar dos
meios necessários para tal; e finalmente, da contenção das paixões do estado de
natureza.
187
188
Ribeiro, Renato. Ao leitor sem medo: Hobbes escrevendo contra o seu tempo. p. 92.
Hobbes, Thomas. Leviatã. p. 113.
82
Quando Hobbes fala “Das outras leis de natureza” no capítulo III do De Cive
e no capítulo IV da mesma obra quando associa as leis de natureza com a lei
divina, o nosso autor faz um paralelo interessante entre os preceitos das leis de
natureza com os preceitos divinos do antigo e novo testamento.
Ao elencar as “outras leis de natureza”, Hobbes destaca pelo menos vinte
leis de natureza:
Cumprir os contratos − Evidentemente, essa lei entra como garantia a todas
as outras leis, pois sem o cumprimento dos contratos, o pacto social seria nulo:
“Isto, porém, só conduzirá à paz na medida em que nós mesmos cumprirmos o
que combinamos com os outros”
189
. Bem como, a lei divina também obriga os
homens a manterem os contratos: “E nos provérbios 6-1-2: Filho meu, se ficaste
por fiador do teu companheiro, se deste a tua mão ao estranho, enredaste-te com
as palavras da tua boca: prende-te com as palavras da tua boca” 190
Não ser ingrato − Na verdade, quando Hobbes discorre sobre a relação
entre a ingratidão na lei de natureza e a sua relação com a lei divina, ele não
apresenta citações bíblicas que tenham qualquer relação com gratidão ou
ingratidão, pelo contrário, as citações bíblicas expostas pelo nosso autor tratam
das leis de servidão e dominação191.
A lei de natureza que obriga os homens à sociabilidade − “O quarto preceito
de natureza é que todo homem se faça útil aos demais”
192
. De acordo com ele,
essa sociabilidade é fruto de um acordo tanto na lei de natureza193, quando na lei
divina. O estranho é perceber a citação bíblica que Hobbes faz para falar da lei
divina que nos obriga a sermos úteis aos outros: “Êxodo, 23, 4 e 5: Se encontrares
189
Hobbes, Thomas. De Cive. p. 53.
Apud. Hobbes, Thomas. De Cive. p. 78.
191
Cf. Idem. p. 78.
192
Idem. p.59.
193
Cf. Idem. p. 59.
190
83
o boi do teu inimigo, ou o seu jumento, desgarrado, sem falta lhe reconduzirás” 194.
Como podem os homens no estado de natureza prestar qualquer tipo de ajuda
aos outros? Na verdade, como já aludimos às leis de natureza, durante o estado
de natureza perdem a sua força, pois no estado de natureza prevalece a lógica do
benefício próprio.
Na quinta lei temos a definição de perdão e a sua relação com a paz− Para
Hobbes, perdoar alguém é dar-lhe a paz, como ele mesmo afirma: “perdoar o
passado, ou relevar uma ofensa, nada mais é do que conceder a paz a quem
pede”
195
. Neste caso, durante o estado de natureza, a possibilidade do perdão
não existe, pois o que há entre os homens é a guerra permanente, ou seja, como
afirmamos anteriormente, a paz é impossível durante o estado de natureza.
Quanto à lei divina que estabelece o perdão, o filósofo cita as passagens do
evangelho que ordenam aos homens que dêem aos outros o perdão 196.
A punição deve ter em vista o bem futuro − Tal qual Deus, que pune os
homens para lhes garantir que andem sempre pelos caminhos Dele197, assim
também o Estado deve punir aqueles que saem dos caminhos das leis sempre
com um caráter pedagógico198.
Ao falar da proibição que a sétima lei de natureza faz aos insultos, o filósofo
faz uma critica aos magistrados do seu tempo que julgam com desdém e
humilhações aqueles que são acusados de algum crime. De acordo com ele,
“esses homens agem contra a lei de natureza, e por isso devem ser considerados
contumeliosos” 199 200. Hobbes ainda, ao falar da lei divina que proíbe a difamação,
afirma ser insensato aquele que promove a difamação201.
194
Apud. Idem. p. 79.
Idem. p. 60.
196
Cf. Idem. 79.
197
Cf. Idem. 80.
198
Cf. Idem. 61.
199
Idem. p. 62.
200
Contumelioso é aquele que comete algum tipo de injúria ou insulto.
201
Cf. Hobbes, Thomas. De Cive. p. 80.
195
84
Quanto à lei de natureza que proíbe a arrogância − O nosso autor
estabelece uma relação entre igualdade e arrogância. Primeiramente, ele critica a
norma de Aristóteles de que uns nascem para governar e outros para obedecer
202
. Depois diz que cabe ao Estado dizer que é mais digno entre os homens, mas,
mesmo assim, aquele que for considerado menor deverá ser tratado com o
mesmo afeto203. Usando os autores bíblicos que falam da igualdade entre os
homens, Hobbes justifica a relação entre a oitava lei de natureza e a lei divina
204
.
Humildade relacionada com o direito do outro: “nono ditado da lei natural,
ou seja: que todos os direitos que um homem reivindique para si, os mesmos ele
reconheça serem devidos a todos os demais”
205
. Nota-se por que as leis de
natureza silenciam durante o estado de natureza. Pois, como pode alguém
reconhecer direitos numa situação onde todos têm direito a todas as coisas. A
situação fica ainda mais complicada (se fosse, obviamente para ser vivida no
estado de natureza), quando ele fala da lei divina que obriga os homens a agirem
com humildade: “Amar o próximo tal como a nós mesmos nada mais é do que
reconhecer-lhe que desejaríamos ter reconhecido em nosso favor”
206
. Estaria
também nas escrituras a lógica do homem hobbesiano que sempre age em
benefício próprio? Certamente, não. Pois o que o evangelho pretende dizer com
as palavras que “amar o próximo como a si mesmo” (Matheus, 22) é que é preciso
ter o mesmo respeito pelo outro tal qual temos pela nossa própria vida.
Não fazer acepção de pessoas207.
Das coisas que são públicas e como elas devem ser utilizadas208
Das coisas que não podem ser usadas em comum: neste caso, a lei de
natureza ordena aos homens o sorteio209.
202
Idem. p. 62.
Idem. p. 62-63.
204
Cf. Idem. p.80.
205
Idem. p. 63
206
Idem. p. 82.
207
Cf. Idem. p. 63
208
Cf. Idem. p. 64.
209
Cf. Idem. p. 64.
203
85
Dos bens que devem ser herdados210.
Aqueles que lutam pela paz devem estar seguros, uma vez que, a primeira
lei de natureza é a busca da paz211.
Quando houver controvérsias sobre a interpretação das leis de natureza,
deve ser constituído um árbitro212.
Nenhuma pessoa pode legislar em causa própria213.
Contra qualquer tipo de suborno àqueles que estão encarregados de julgar
214
.
Trata da importância das testemunhas diante das controvérsias215
Não deve haver vínculo entre aquele que julga e aquele que requer algum
216
direito
.
Finalmente, a última lei de natureza trata da gula, bem como, de todas as
coisas que impedem que os homens ajam de maneira racional: neste caso,
Hobbes chega a afirmar que ir contra alguma lei de natureza é um ato irracional,
sobretudo se este estiver motivado por alguma coisa que lhe tire a consciência: “E
destroem e desabilitam a faculdade de raciocinar os que praticam o que perturba a
mente, distraindo-a de seu estado natural- como bem se evidencia no caso dos
bêbados e dos glutões” 217.
Para entendermos a lógica do deus civil, que é o Estado, devemos nos
debruçar sobre as duas paixões que permeia o nosso trabalho: o medo e a
esperança.
A temática que envolve o nosso trabalho orbita a tese de que as duas
paixões, isto é, o medo a esperança, dinamizam as relações humanas tanto no
estado de natureza como no estado civil. Talvez pudéssemos levantar a seguinte
210
Cf. Idem. p. 65.
Cf. Idem. p. 65.
212
Cf. Idem. p. 66.
213
Cf. Idem. p. 66
214
Cf. Idem. p 67.
215
Cf. Idem. p. 67.
216
Cf. Idem. p. 66.
217
Idem. p. 67.
211
86
questão: teria alguma dessas duas paixões um status mais elevado no coração do
homem hobbesiano? Neste caso, o medo da morte violenta é mais significativo no
momento que ele resolve alienar o direito que ele tem a todas as coisas? Ou seria
a esperança de uma vida confortável que o levaria com mais vigor a buscar um
pacto com o seu semelhante?
E a esperança? Como ela pode ser visualizada na obra hobbesiana? Talvez
pudéssemos fazer um apanhado das passagens sobre a esperança nos textos de
Hobbes. No Leviatã em particular, quando Hobbes define a esperança, ele o faz
com as seguintes palavras: “O apetite, ligado à crença de conseguir, chama-se
ESPERANÇA”218. O caminho contrário é o que chamamos “DESESPERO”
219
.
No âmago da passagem do estado pré-social para o estado civil está a
esperança: “As paixões que fazem os homens tender para a paz são o medo da
morte, o desejo daquelas coisas que são necessárias para a vida confortável e a
esperança de as conseguir por meio do trabalho”
220
. Sendo assim, a esperança,
ou seja, a expectativa de uma vida melhor do que aquela que se tem no estado de
natureza, funciona também como força motriz que impulsiona os homens para o
seu fim.
Mas, pelo que podemos perceber, a esperança não é suficiente para
manter os homens em ordem, ou seja, a esperança sem o medo de uma violência
maior do que aquela que qualquer homem poderia empregar não pode conter as
paixões que conduzem os homens à guerra.
Neste caso, estaria o medo estaria entre as principais causas da cadeia dos
eventos que desencadeiam a vida no estado civil? Provavelmente sim, pois é pela
força da “espada” que o Estado consegue convencer os homens a cumprirem os
contratos firmados, pelo menos para àqueles que não querem viver conforme as
leis de natureza.
218
Hobbes, Thomas. Leviatã. p. 50.
Cf. Idem. p. 51.
220
Idem. 111.
219
87
Outra questão é se os homens têm tanto desejo de uma vida confortável e
longe de todos os perigos, por que eles não seguem as leis de natureza, já que
são preceitos da reta razão? Essa esperança não seria suficiente para convencer
os homens a abandonar à guerra? Parece que, não.
É neste momento que se ergue o deus civil, ou seja, aquele que tem o
poder de impulsionar, reprimindo, os homens a viver em paz e, assim, terem a
possibilidade de uma vida segura. A propósito, lemos no Leviatã:
“Porque as leis de natureza (como a justiça, a equidade, a modéstia, a
piedade, ou em resumo, fazer aos outros o que queremos que nos
façam) por si mesmas, na ausência do temor de algum poder que as faça
ser respeitadas, são contrárias as nossas paixões naturais, as quais nos
fazem tender para a parcialidade, o orgulho, a vingança e coisas
semelhantes. E os pactos sem a espada não passam de palavras, sem
força para dar segurança a ninguém”
221
Neste caso, o Estado entra como garantidor das leis de natureza. Ou seja,
o Estado assumiu as funções do Deus todo-poderoso, o qual, por meio da
Revelação, entregou aos homens os seus preceitos na vida social. Sendo assim, é
por meio das leis que o deus civil governará os seus súditos.
Depois de ter analisado os diversos aspectos que envolvem a lei natural,
resta-nos um enfoque mais preciso sobre a relação entre lei de natureza e razão.
Para tal, tomaremos como referência os textos do De Cive que tratam do assunto.
Logo no início da obra, o filósofo alerta-nos para as faculdades que
envolvem a vida humana, dentre as quais a razão: “As faculdades humanas
podem ser reduzidas a quatro espécies: força corporal, experiência, razão e
paixão”
222
. E ainda, afirma que pretende mostrar por quais dessas faculdades o
homem torna-se apto para a vida social.
221
222
Idem. 143
Hobbes, Thomas. De Cive. p. 25.
88
Falar que os homens nascem aptos para a vida social em Hobbes é
impossível. Na verdade, eles não têm nenhum prazer na vida social e só procuram
a companhia dos outros por lucro ou glória: “Toda associação, portanto, ou é para
o ganho ou para a glória- isto é: não tanto para o amor de nossos próximos,
quanto pelo amor de nós mesmos”
223
. Em outras palavras, não seria o caso de
dizer que os homens não possuem nenhuma tendência natural para a vida social?
Num primeiro momento podemos concluir que os homens não têm
nenhuma inclinação natural para a vida social. Mesmo porque o próprio Hobbes
fala no começo do De Cive que os homens não se amam naturalmente: “Pois
aqueles que perscrutam com maior precisão as causas pelas quais os homens se
reúnem, e se deleitam uns na companhia dos outros, facilmente hão de notar que
isto não acontece porque naturalmente não poderia suceder de outro modo, mas
por acidente - isso porque, se um homem devesse amar outro por natureza - isto
é, enquanto homem -, não poderíamos encontrar razão para que todo homem não
ame igualmente todo homem” 224.
Quando falamos de razão em Hobbes devemos levar em conta que este
abandona o conceito tradicional de razão, que aparecia como uma faculdade
superior no ser humano:
“Desmentindo a tradição, que atribui um lugar superior à razão
como uma faculdade que deve controlar as partes inferiores da alma,
Hobbes concebe a razão como nada mais do que um cálculo, não se
estabelecendo entre ela e o apetite uma relação natural de comando e
subordinação”
225
.
Na verdade, a tradição que Hobbes refuta é a visão tradicional da política
que vem desde Aristóteles. Como podemos perceber, e o próprio Hobbes faz
223
Idem. p. 28.
Idem. p. 26.
225
Frateschi, Iara. A física da política: Hobbes contra Aristóteles. p. 110.
224
89
questão de deixar isso claro, é contra o sistema tradicional de política que Hobbes
escreve. Segundo Frateschi, comentando a polêmica criada pelo bispo Bramhall
em torno da questão da teoria hobbesiana e o livre-arbítrio dos homens: “Presente
tanto em Bramhall quanto em Aristóteles, a ideia de que os apetites devem
obedecer ao princípio racional não faz sentido para Hobbes. Homens obedecem a
homens, como podemos observar nas famílias e nas cidades” 226.
Neste caso, a razão seria- assim como as paixões- mais uma faculdade da
natureza humana que- a exemplo das paixões- também é movida por impulsos
externos: “Hobbes tira da razão o estatuto de uma faculdade superior a comandar
os apetites sensíveis e mostra que o homem age afetado por causas que lhe são
externas e que agem sem cessar sobre ele” 227.
Partindo dessa visão, acima exposta, podemos concluir o motivo pelo qual
Hobbes fala de um poder superior para levar os homens a um convívio pacífico.
Visto que, alguém poderia olhando num primeiro momento os textos hobbesianos
ficar convencido de que bastaria aos homens seguir o que indica a razão (lei
natural) e os problemas causados pela guerra estariam solucionados.
Pelo que percebemos esse silogismo que relaciona lei natural e razão com
o fim da vida belicosa no estado de natureza não é tão preciso. Neste caso, a
razão tem um papel importante na saída dos homens de um estado pré-social
para o estado civil, uma vez que ela sugeriu aos homens que a guerra é contrária
a preservação da própria vida. Mas, a razão operando sozinha não é suficiente
manter os homens em paz. Neste caso, é preciso um poder externo que faça o
papel da razão: o Estado.
Mas, neste caso, o Estado não estaria fazendo o papel da razão no sentido
clássico (aquele que coloca a razão como uma faculdade superior e que deve
ordenar os apetites). Provavelmente, sim. Pois, em todo o tempo que Hobbes fala
do Estado é sempre no sentido de que este coloca obstáculos às ações humanas.
226
227
Idem. 112.
Idem. 112.
90
Dito de outro modo, o Estado controla os apetites humanos, ou seja, dá-lhes um
direcionamento.
Para mostrar que a lei natural não é suficiente para manter os homens em
paz, o nosso autor discorre sobre a questão da justiça. Como questionamos
acima, não poderia os homens seguir apenas a lei natural, já que ela é um ditame
da razão? Hobbes dá uma resposta a essa questão com a seguinte afirmação:
“A justiça e a injustiça não fazem parte das faculdades do corpo
ou do espírito. Se assim fosse, poderiam existir num homem que
estivesse sozinho no mundo, do mesmo modo que os seus sentidos e
paixões. São qualidades que existem no homem em sociedade, não na
solidão”
228
Sendo assim, podemos daí concluir que sem a presença do Estado as leis
de natureza não tem força para proporcionar aos homens a paz. Neste caso, cabe
ao poder estatal colocar os homens em ordem e no caminho da paz.
Quando Hobbes no capítulo XIV do De Cive, que trata Das leis e dos
crimes, ele diferencia conselho de lei. Consideramos ser possível estabelecer uma
analogia entre as definições apresentadas por ele no capítulo que trata Das leis e
dos crimes com as noções acima trabalhas sobre razão e lei natural. Vejamos.
De acordo com Hobbes, “a razão sugere adequadas normas de paz”
229
.
Provavelmente, a força da razão, ao sugerir que os homens busquem a paz, é
limitada, pois, segundo ele, um conselho não tem poder suficiente para obrigar
aquele que é aconselhado a segui-lo, ao passo que a lei tem força de obrigação:
“O conselho se dirige para o fim escolhido de quem o recebe,
enquanto a lei segue o fim fixado por quem a decreta. Só se dá conselho
a quem o quer, mas se impõe uma lei mesmo a quem não a deseja. Para
228
229
Hobbes, Thomas. Leviatã. p. 111.
Idem. p. 111.
91
concluir, o direito do conselheiro é anulado pela vontade daquele a que
ele aconselha; mas o direito do legislador não se revoga segundo o
prazer daquele a quem se impõe a lei”
230
Sendo assim, as leis de natureza teriam uma força limitada, pois não possui
um mecanismo que obrigue aquele a quem aconselha a seguir o conselho. Ao
posso que o Estado, tem do seu lado a força das leis e as respectivas punições
para aqueles que não as cumpram.
Portanto, podemos concluir que o motivo que faz com que as leis de
natureza não sejam suficientemente capazes de colocar os homens no caminho
da paz, está no fato de que elas não têm nenhum meio de punir aqueles que
porventura não as cumprirem.
No prefácio do autor no De Cive, Hobbes critica as falsas concepções de
política que- de acordo com ele- não conduzem à paz:
“a ciência política deve ser de todas a primeira: porque ela diz
respeito tão de perto aos príncipes, e a outros que têm por emprego o
governo da humanidade; e também porque boa parte dos homens se
deleita com uma falsa imagem sua; (...) Poderemos discernir melhor o
benefício dessa ciência, quando exposta corretamente (isto é, quando é
derivada de princípios verdadeiros por conexões evidentes)”
231
.
Primeiro, o filósofo está preocupado com as falsas noções trazidas pelo
pensamento político clássico, inclusive chega a chamá-la de falsa imagem.
Depois, segundo ele, quando a ciência política não se orienta por princípios
verdadeiros, o estrago que ela faz é imenso:
230
231
Hobbes, Thomas. De Cive. p. 216.
Hobbes, Thomas. Prefácio do autor. In. De Cive. p. 10.
92
“depois de considerar os males que sofreu a humanidade devido
as suas formas contrafeitas e gaguejantes: pois, naquelas matérias em
que especulamos só para exercitar nosso espírito, se algum erro no
escapar, é sem nenhum dano; (...) mas, naquelas coisas que todo
homem deveria meditar para o governo (steerage) de sua vida,
necessariamente sucede que não só dos erros, mas até da mera
ignorância nasçam ofensas, conflitos e até homicídios”
232
.
É nesse sentido que Hobbes pretende construir a sua ciência política, ou
seja, uma ciência que vise a paz entre os homens. E para tal, vai considerar que
não apenas os erros cometidos por aqueles que elaboram as teorias políticas
podem causar danos, mas a falta de conhecimento da política também eleva o
risco de erros.
O que podemos perceber é que a paz entra como elemento fundamental da
teoria hobbesiana, ou seja, não é só o medo que leva os homens a se associarem,
bem como, depois não é apenas por medo que os homens obedecem ao Estado.
Mas, não podemos ignorar que os homens têm o desejo de uma vida tranqüila e
segura. Sendo assim, não há conflito que resista ao desejo que o coração humano
tem de buscar a paz.
Neste caso, a paz entra como elemento determinante para que os homens
resolvam sair do estado de natureza para o estado social. Sendo assim, o desejo
que os homens possuem de paz foi mais forte que qualquer paixão que os leva à
guerra. O argumento que sustenta essa tese é justamente a fato de que- segundo
Hobbes- os homens deixam o estado de natureza e fazem o acordo. Ou seja, a
prova de que a paz venceu está no fato de que os homens estabeleceram entre si
o pacto social.
Outro aspecto da ciência política, que deve conduzir os homens à paz, é
que ela se paute por um método o qual ninguém possa questioná-lo:
232
Idem. p. 11.
93
“Quanto ao método que empregarei, entendi que não basta
utilizar um estilo claro e evidente no assunto que tenho a tratar, mas que
é preciso – também- principiar mesmo pelo assunto do governo civil, e
daí remontar até a sua geração, e à forma que assume, e ao primeiro
início da justiça; pois tudo se compreende melhor através das suas
causas constitutivas. Pois, assim como num relógio (...), a matéria, a
figura e o movimento das rodas não pode ser compreendidos, a não ser
que desmontemos e consideremos cada parte em separado- da mesma
forma, para fazer uma investigação mais profunda sobre os direitos dos
Estados (...) faz-se necessário- não, não chego a falar em desmontá-los,
mas pelo menos, considerá-los como se estivessem dissolvidos”
233
.
Esse método que Hobbes utiliza para falar da constituição dos governos
será útil na análise que ele fará da natureza humana. Na verdade, o que ele faz é
desmontar os homens para melhor conhecer os elementos que constituem a sua
natureza.
Finalmente, passemos para as considerações finais deste capítulo.
Primeiramente, exploramos o trecho do Leviatã que consideramos o cerne da
teoria hobbesiana. Neste trecho- que trata da segunda lei de natureza- Hobbes
trata dos aspectos que envolvem o pacto social. Depois, passamos a expor a
relação existente entre o Estado e o cumprimento das leis de natureza.
Primeiramente, expusemos as leis de natureza, mostrando a sua relação com as
leis divinas. Na verdade, o objetivo é mostrar como o Estado passa a ser para os
homens na terra, o que é para eles no céu.
Em seguida, discorremos sobre a relação entre lei natural e razão. A
intenção foi mostrar como Hobbes encara a questão da razão. Na medida do
possível, tentamos problematizar a relação existente entre lei de natureza e razão.
233
Idem. p. 13.
94
Por fim, dissertamos sobre o objetivo do nosso autor quando ele pensou a
política. Na verdade, ele pretendeu pensar uma ciência que levasse os homens
para o caminho da paz.
Concluindo, a tônica desse capítulo transita em torno da relação existente
entre as paixões e os homens no estado civil. Em outras palavras, como as
paixões continuam latente e impulsionado os homens mesmo durante o estado
social.
95
CONCLUSÃO
O propósito central deste trabalho foi o de expor a maneira como se
efetivam as paixões, especialmente no estado de natureza, segundo Thomas
Hobbes. Num primeiro momento, expusemos a explicação que Hobbes dá das
paixões, problematizando-as na medida do possível. Um primeiro ponto levantado
foi a necessidade de se investigar a concepção hobbesiana de homem para se
entender a formulação do pensamento político de Hobbes. Concluímos que a
concepção de natureza humana de Hobbes determina a sua concepção de
política, mais precisamente, de Estado, no caso, o quase onipotente e onipresente
Leviatã.
Por meio da análise sobretudo do Leviatã encontramos a concepção que
o filósofo tem de paixão e como ele a define, a saber, como “movimentos da
mente”. Nesse sentindo, as paixões são interpretadas como forças que se
manifestam nos homens e que os levam a afastar-se daquilo que lhes causa
sensações de desprazer e a procurar as coisas que nos causam prazer. Vimos
que para Hobbes o homem é essencialmente um ser que deseja, ou seja, são os
desejos que impulsionam os homens nessa ou naquela direção. Sendo assim,
poderíamos dizer que os homens no estado de natureza são conduzidos pelos
seus desejos sem nenhum obstáculo ou coerção. Em outras palavras, para
Hobbes, os homens em estado de natureza comportam-se como corpos
descontrolados seguindo sempre a força do desejo. Exploramos as paixões como
forças que conduzem os homens tanto à guerra como à busca da paz. Notamos o
quanto algumas paixões como o desejo de glória e lucro, por exemplo, podem
ampliar a tensão existente entre os homens. Sem contar que, no estado de
natureza, é impossível a ele alcançar muitos dos benefícios almejados.
96
Vimos também que o homem sempre age em benefício próprio,
egoisticamente e o quanto a guerra é contrária ao desejo de autopreservação que
existe nos homens, portanto, contrário ao seu próprio interesse.
As paixões no estado civil, tanto no momento de estabelecimento do
pacto social quanto depois do pacto já estabelecido, passam a ser reguladas pela
razão, esta entendida como cálculo, o expediente mais eficaz para atingir a paz.
97
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99
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