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Guillaume Devin
Sociologie
des relations
internationales
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DEVIN, Guillaume. Sociologie des relations internationales. Paris: La Découverte,
2002. (Repères; 335).
RESUMO
SOCIOLOGIA DAS RELAÇÕES INTERNACIONAIS
INTRODUÇÃO
O desenvolvimento das relações internacionais enquanto disciplina acadêmica é
recente, adquirindo autonomia inicialmente na Grã-Bretanha e posteriormente nos
Estados Unido logo após a Primeira Grande Guerra. Na França esteve durante muito
tempo sob o domínio dos historiadores e juristas.
Esta tradição privilegiou o estudo das normas ademais da pesquisa dos determinantes
e das regularidades que guiam a conduta dos atores no cenário internacional.
Guillaume Devin propõe uma abordagem sociológica das relações internacionais. Isto
implica analisar as continuidades e descontinuidades dos modos de ação, os
constrangimentos e as dinâmicas que os atores criam, e nas quais eles estão,
voluntária ou involuntariamente inseridos.
A sociologia das relações internacionais busca interpretar os fatos internacionais como
fatos sociais, tanto no nível micro dos atores, quanto no nível macro dos
agrupamentos que eles compõem. Para tal, o analista deve adotar uma postura de
distanciamento do objeto, mas sem cair nas facilidades do pseudo-realismo, ou seja,
deve analisar os fatos sociais internacionais como coisas.
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PRIMEIRA PARTE
VARIÁVEIS
E
QUESTÕES
Devin inicia sua obra argumentando que, assim como as relações sociais, as relações
internacionais podem se dar sobre dois tipos de relações: 1) as relações de interação e
2) as relações de interdependência.
Segundo o autor, as relações de interação são aquelas em que a modificação do
comportamento de um ator implica uma alteração no conjunto das relações com os
demais atores. Torna-se uma relação competitiva.
Já as relações de interdependência possuem um caráter de acumulação, de agregação,
ou seja, os atores operam as coisas que individualmente são marginais, mas que,
acumuladas, podem modificar o conjunto das relações.
Aplicadas a um determinado espaço no mundo, o conjunto destas relações, sejam elas
de interação ou interdependência, é que permite pensar o internacional como sistema.
Um risco existente em pensar o internacional enquanto sistema é a analogia implícita
com os sistemas nacionais que mascaram a imperfeição essencial e a especificidade
maior do sistema internacional, a de ser un corps sans tête (Merle 1988).
Apesar de bastante utilizada, a noção de sistema internacional não possui uma
definição muito clara, por isso é necessário entendê-la como uma forma de
representar as relações entre certo número de atores para além de suas fronteiras
nacionais visando um resultado em um dado momento.
I / IDENTIFICAÇÃO
DOS ATORES
Durante muito tempo a noção de ator no cenário internacional esteve reservada ao
Estado. Com o crescimento das organizações internacionais e dos fenômenos
transnacionais, juntando-se a uma visão menos ratificadora do Estado acabaram por
gerar abordagens concorrentes as teses que consideravam o mesmo como único ator
relevante do sistema internacional.
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Dos anos trinta aos anos sessenta a Escola realista americana, sob influência de seus
principais representantes e dos acontecimentos da época, notadamente o
estabelecimento da Sociedade das Nações, passou a analisar a política internacional de
modo mais heterogêneo.
Somente após a Segunda Grande Guerra que a Escola realista passa a adquirir um
caráter mais homogêneo, sendo influenciada também por outros autores como Max
Weber, Maquiavel e Hobbes, além de privilegiar questões-chave comuns em suas
análises como: o Estado, o poder, o interesse nacional, etc.
Para o autor, os realistas consideram mais as relações interestatais que as relações
internacionais. Essa concepção é resultante do lugar privilegiado, senão exclusivo, do
Estado nas relações internacionais.
A questão do equilíbrio de poderes entre os Estados (ou qualquer outra unidade
política) é o centro das análises realistas. É desta relação de forças que surge o estopim
do conflito, mas também, segundo os realistas, se impõem as condições da paz.
Devin afirma que Aron propõe analisar a história das relações internacionais através de
dois modelos ideais-típicos. O primeiro, multipolar, é composto de diversas unidades
políticas comparáveis em seu tamanho, seu poder econômico e militar. No segundo,
bipolar, a repartição de forças se apresenta sob a forma de duas coalizões antagônicas
nas quais se ajuntam a maior parte das unidades políticas, elas mesmas organizadas ao
redor de dois atores políticos principais.
O próprio Aron admitiu que nestes modelos privilegiou o endroit de l’action extérieure,
ou seja, a condução diplomático-estratégica dos Estados em detrimento da
compreensão do conjunto de mutações internas dos mesmos e as manifestações da
sociedade transnacional (um termo presente nos estudos de relações internacionais
desde 1962). Mesmo com isso, o citado autor insiste em ver no sistema interestatal um
aspecto particular, que seria a essência das relações internacionais.
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Neste mesmo sentido, Marcel Merle argumenta que o privilégio acordado ao ator
estatal é justificado por uma consideração metodológica que permite a inteligibilidade
da análise. Para Devin esta justificativa seria tautológica, já que o Estado não é um
ente homogêneo como consideram os realistas, e sem um estudo empírico preciso não
pode ser considerado a priori como o ator mais relevante do enjeu internationale
subestimando os demais atores não-estatais.
Segundo Devin, mesmo quando abandonam a referência a história para basear seus
modelos, os autores realistas persistem em definir as configurações essenciais do
internacional através do sistema interestatal. Essa perspectiva sistêmica debruça-se
sobre uma tipologia de sistema internacional fundado sobre uma escala de integração
crescente dos atores, ou seja, este estudo consiste, sobretudo, em identificar, para
cada sistema, as regras essenciais que descrevem as relações gerais entre os autores.
Esta abordagem realista tende a relativizar a autonomia dos decideurs nacionais em
função dos constrangimentos sistêmicos aos quais estão submetidos. De acordo com
Devin advém daí duas problemáticas:
1) Essa perspectiva se funda na distinção tradicional política externa / política
interna, que está longe de ser tão rigorosamente dissociada;
2) Privilegiando somente a questão da distribuição de poder nas configurações
interestatais, a abordagem realista reduz demasiadamente a influência das
estruturas internas dos Estados.
Nos anos 1970, Kenneth Waltz constrói uma abordagem realista mais ampliada. Ele
distingue, entre uma grande variedade de autores e pontos de vista, três imagens que
são consideradas como todas as causas fundamentais da guerra: 1) a natureza
humana, 2) a estrutura interna dos Estados e 3) o sistema internacional de Estados. Ele
considera que estas três imagens são componentes da construção do poder, mas
somente a terceira ele atribui a capacidade de prever o resultado das relações
interestatais.
O autor argumenta que o debate em torno do que deve primar, se são as estruturas
internas ou externas, na explicação da política exterior dos Estados não se restringe
somente ao plano teórico. Ele é o centro da análise dos determinantes da paz e da
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guerra entre os Estados. Para os realistas a resposta da questão Quem determina o
quê? seria em geral a terceira imagem proposta por Waltz.
Para Devin, apesar de ser classificado como um autor realista, Raymond Aron
diferencia-se dos demais autores realistas por fornecer uma abordagem pluralista dos
fatores determinantes da condução diplomática e estratégica dos Estados. o que
contribui para uma reavaliação da importância das variáveis internas.
Aron propõe uma distinção fundamental entre sistemas homogêneos e sistemas
heterogêneos. Nos primeiros os Estados partilham a mesma concepção de política, os
mesmos princípios de legitimidade, as mesmas regras do jogo. Nos seguintes os
Estados estão organizados segundo princípios distintos, compartilhando valores
contraditórios, antagônicos. Apesar desta distinção o próprio Aron considera muito
difícil encontrar na história uma situação puramente homogênea ou heterogênea.
O autor afirma que, a introdução desta tipologia e sua interseção com as tipologias
mais clássicas (multipolar, bipolar) apresenta as vantagens de mesclar as variáveis
internas e externas na análise dos comportamentos internacionais.
O que determina a ênfase em uma das duas variáveis, a interna e a externa, é a
especificidade do objeto estudado.
Na perspectiva realista, onde os Estados são os principais atores do cenário
internacional, a questão dos efeitos mais ou menos pacíficos, ou mais ou menos
belicosos do regime em vigor é inevitável. Segundo Devin l’idée est ainsi ancienne que
les vertus du dedans servent utilement la paix du dehors.
O autor conclui que, focalizando somente o Estado, a abordagem realista delimita
demasiadamente a categoria dos atores no cenário internacional, ela negligencia a
própria
especificidade
do
Estado
enquanto
ente
altamente
fragmentado
internamente. A exploração do regime, das instituições e dos processos decisórios que
permitem uma desconstrução das unidades políticas e a possibilidade de uma
investigação mais ampliada da noção de ator.
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Segundo Devin, esquematicamente três séries de fatores contribuíram para uma
renovação na percepção nos modos de análise dos atores do cenário internacional a
partir de finais da década de sessenta: 1) As repercussões da guerra do Vietnã; 2)
Influência do behaviorismo e do empirismo nos estudos de Relações Internacionais; e 3)
A complexificação do cenário internacional.
O conjunto de conseqüências advindas destes fenômenos deu base para o surgimento
de novas abordagens sobre as relações internacionais, dentre elas as perspectivas neorealistas e transnacionais.
Devin tece uma crítica aos neo-realistas, pois o mesmo considera que na distinção
entre sistema internacional e estrutura internacional os neo-realistas não propõem
uma nova perspectiva teórica, mas sim, reformulam de modo mais sistemático os
principais aspectos do realismo. Dessa maneira o neo-realismo conduz a um reforço do
determinismo estrutural na interpretação dos fenômenos internacionais.
II / A
DEFINIÇÃO DE POTÊNCIA
A noção de pólo de poder resume uma abordagem clássica de potência entendida
como um conjunto de capacidades principalmente acionadas pelo Estado. A
perspectiva sociológica permite analisar o poder como uma relação que considera suas
características contingentes e variáveis.
O poder seria a capacidade de um ator conduzir outros atores a fazerem o que em
outras
circunstâncias
eles
não
fariam.
Acrescentando
um
elemento
de
intencionalidade, o poder poderia se definir, em termos gerais, como a capacidade e a
vontade de determinar as regras do jogo, ou ao menos, de não se submeter a elas.
Devin afirma argumenta que, aprofundando-se esse conceito geral a definição de
poder torna-se tarefa delicada. Uma destas complicações seria a diferenciação de
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poder potencial e poder real que não podem ser confundidas por pelo menos duas
razões.
1) Os recursos de poder são válidos apenas num tempo determinado e em
condições históricas específicas;
2) Situados, os recursos de poder devem ser avaliados em sua dimensão interativa,
ou seja, em suas relações mútuas: demográfica, econômica e de coesão social
por exemplo.
Segundo o autor, a partir destas definições de poder o debate recai sobre o ponto de
saber se podemos ainda falar do poder num sentido geral, ou se é preferível
considerar uma concepção mais heterogênea de poder, como um conjunto de
capacidades diferenciadas e relativas.
A primeira hipótese refere-se a abordagem realista clássica segundo a qual o poder é
uma soma de diversos fatores (geográficos, materiais, institucionais e morais)
funcionando como um todo. A segunda hipótese insiste sobre a característica
autônoma e não fungível dos recursos, sobre a posição global de poder. O poder se
declinaria em uma série de posições dominantes: energia, transporte, armamentos,
etc.
Para Devin, a desconstrução da noção de poder em uma série de capacidades
diferenciadas representa um ganho em dinâmica e em precisão de análise, mas
representa um risco de multiplicar os domínios da competição internacional e de recair
numa diluição extrema do poder ao ponto de não mais podê-lo identificar.
III / A
DETERMINAÇÃO DOS OBJETIVOS
O imperativo (questionável) de que os Estados convivem no cenário internacional no
estado de natureza ainda sobrevive. Neste universo todos os Estados partilham no
mínimo um mesmo objetivo central: sua segurança, ou seja, sua capacidade de impor
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sua vontade aos outros atores ou sua capacidade de não se submeter à vontade de
outrem.
Essa noção de interesse nacional suscita uma primeira dificuldade, na medida em que
advoga um enorme papel na meta da sobrevivência. Segundo Devin, não é possível
manter uma política externa consistente apenas sob o sustentáculo da política de
segurança nacional, já que as ameaças externas não são permanentes. E ainda, a
segurança não pode ser definida enquanto objetivo último de um Estado e nem
mesmo enquanto um critério de escolha.
Uma segunda dificuldade desta definição é que a liberdade de ação assimilada à busca
de segurança não conforta necessariamente uma política de interesse nacional. Isso
porque não existe na prática uma situação de segurança absoluta, salvo se um Estado
possui um domínio mundial e, mesmo nesse caso, insegurança e ameaças estariam
sempre presentes como uma possibilidade de acontecer.
A noção de interesse nacional (principalmente na perspectiva clássica realista)
referencia-se a um mundo de soberanias militares em que cada uma busca a
maximização de seu poder em detrimento das outras. Para o autor, o conceito é
inadequado para relatar situações de interdependência e indicar as políticas
necessárias a se adotar nesses casos.
A determinação das conduções diplomáticas (interesse nacional, segurança,
prosperidade, poder, glória, etc.) não podem ser analisadas na busca de uma
motivação comum ou privilegiar uma pluralidade de fatores inscritos na idéia de
objetivos racionalmente definidos. Isso porque os atores agem tentando prever os
movimentos dos outros atores, mas sendo esta uma previsão baseada em suposições
incertas. Os objetivos iniciais formulados pelos atores acabam por se remodelar no
decorrer das interações estratégicas, daí a dificuldade de interpretar o comportamento
dos atores no cenário internacional através de molduras teóricas tão rígidas.
Guillaume Devin entende que, nas circunstâncias onde uma interação estratégica é
demasiada expandida (seja pela repetição ou pelo número de jogadores), a análise do
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comportamento internacional em termos de objetivos específicos dos atores perde a
nitidez.
SEGUNDA PARTE
INSTRUMENTOS
E TÉCNICAS
O autor dedica esta segunda seção de seu livro para tratar dos mecanismos utilizados
pelos atores do cenário internacional em suas relações sociais internacionais. Dentre
os diversos instrumentos e técnicas existentes Guillaume Devin seleciona três delas,
quais sejam:
1) A Diplomacia;
2) O recurso da força; e
3) O Recurso do Direito.
Devin utiliza-se de exemplos históricos e contemporâneos para demonstrar como
esses três instrumentos estão presentes nas relações internacionais e que modificamse em decorrência dos fatos sociais internacionais.
Segundo o autor, a diversidade dos meios que os jogadores podem usar na cena
internacional se desenvolve ao longo de uma escala que vai das soluções consensuais e
negociadas às soluções através do uso da força e das práticas violentas. Mas, na
maioria das vezes, as situações são compósitas, "a arte de convencer" e "a arte de
constranger" (Raymond Aron), constituem o conjunto da ação internacional.
Por Fabio Pablo de A. Santana
Graduando Ciências Sociais (UFBA)
Bolsista IC do LABMUNDO
Contato: [email protected]
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