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O ESTADO DE S. PAULO
15 A 21 DE ABRIL DE 2010
Carne macia, sabor sutil levemente adocicado, textura lisinha, o bluefin é o rei dos atuns, reverenciado no
mundo todo. Só que ele está acabando e os chefs se dividem: uns continuam servindo, outros não
O mar não
está para
bluefin
Tânia Nogueira
ESPECIAL PARA O ESTADO
A PESCA DE ATUM ATINGE 6
MILHÕES DE TONELADAS POR
ANO. ESSE VOLUME É 10 VEZES
MAIOR QUE O PESCADO EM 1950
“Se metelefonarem dizendo que
pescaram um, eu compro”, diz.
“Não acho que esteja acabando,
o mar é imenso. O atum vai lá
parao fundo.Alémdisso,seproibirema pesca, vaisurgir ummercado clandestino. No Japão, não
existeumbomrestaurantedesushi que não tenha bluefin.”
ShinKoike,doAizomê,comparaaameaçaaobluefincomaproibição de pesca da baleia. “Todos
ficaram tristes. Mas, se a pesca
mantiveromesmoritmo, aespécie vai acabar”, avalia o chef.
Para Tsuyoshi Murakami, do
Kinoshita, a falta do bluefin nem
de longe arrisca a arte do sushi.
“Háuma variedadetãograndede
peixes,tantacoisamaravilhosa!”
Murakami diz que atualmente
não serviria bluefin. “Eu me tornei mais humano. Se aparecer
um, vou lutar contra o meu dese-
jo”, diz. Mas, como ninguém é de
ferro, o chef-sushiman confessa
que na viagem gastronômica
quefaz ao Japão este mês conduzindo um grupo de abastados
brasileiros pretende comer
“uma vez só” um sushi de
bluefin.
Já Hélio Takeda,
professor do módulo de peixes e crustáceos da faculdade
de gastronomia da
Universidade AnhembiMorumbi, diz que planeja não
voltaracomertorodebluefinenquanto os estoques não se recuperarem. “Sei que é fácil falar
porqueeujá experimentei”,confessa. Para ele, as campanhas
que tratam da extinção podem
ter um efeito rebote: despertar o
apetite dos gourmets e provocar
uma corrida em busca dele.
“Quem não experimentou quer
experimentar. Mas a gente tem
de saber que, se não nos cuidarmos, estaremos comendo isopor no futuro.”
FOTOS: MARCELO BARABANI/AE
Nos últimos dois anos, vários
chefs estrelados, entre eles Alain
Ducasse, Joël Robuchon e Gerald Passedat, tiraram o bluefin
de seus cardápios, com alarde.
Em novembro do ano passado, ao assumir a vice-presidência da entidade que reúne hotéis
e restaurantes de luxo Relais &
Châteaux, o chef francês Olivier
Roellinger conseguiu que 60%
dos comandantes das cozinhas
do grupo assinassem um compromissodenãousarmaisobluefin. Mas os chefs japoneses ligados à associação se recusaram a
acataradecisão,alegandoserimpossível fazer boa cozinha japonesa sem essa espécie de atum.
Em Nova York, os dois chefs
japonesesmaisimportantes,Nobu Matsuhisa e Masa Takayama,
também continuam servindo
bluefin,alheios àscríticasquerecebem. Nenhum deles concordouem darentrevista sobreoassunto ao Paladar. Nobu, que tem
restaurantes em várias partes do mundo, já declarou à imprensaamericanaqueseusclientes fazem questão do produto.
No Brasil, o debate está apenas começando. Jun Sakamoto,
do restaurante homônimo, diz
não acreditar que o colapso desta e de várias outras espécies de
peixespossaserevitado,masafirmaque nãopretendevoltaraservir bluefin em seu restaurante,
temendo a repercussão negativa
que isso poderia trazer. “E também porque quero que ele dure o
máximode tempopossível”,diz.
Já Hideki Fuchikami, dono do
Hideki, pretende continuar servindo sushie sashimi de hon maguro, sempre que tiver chance.
JB NETO / AE
NADANDO
EM ÁGUAS
TURVAS
●
Não tem atum, vai
atunzinho mesmo
Os peixes nos mercados
de São Paulo estão cada
vez menores. Para evitar
prejuízos, pescadores
pegam o que encontram
O atum já começa a rarear em
São Paulo. “Nos últimos três ou
quatro anos, a quantidade baixou muito”, diz Lygia Higa, dona
da peixaria Morota, no Mercado
Municipal de São Paulo. “Este
ano,ficamosduassemanaspraticamente sem atum. Cheguei a
vendê-lo a R$ 75 o quilo, quando
o normal são R$ 55. E olha que o
peixe não era dos melhores.”
A comerciante reclama dos
pescadores. “Dizemos para o
pessoal dos barcos não pescar
atum pequeno, que é filhote.
Mas eles respondem que, se não
encontram dos grandes, não podem ter prejuízo.”
No mercado de peixes da Ceagesp (Companhia de Entrepostos e Armazéns Gerais de São
Paulo), o maior do País, a reclamação é a mesma. “Eles enchem
o barco dessa porcaria”, diz José
Pereira,oTrovão,daTrovão Pescados, mostrando um atum galha-amarela pouco maior que
uma truta – um adulto dessa espécie costuma ter mais de um
metro. “Isso é filhote. A carne é
ruim, fibrosa, não
tem gordura. Sou
intermediário, ganho comissão. Peço
para não trazerem,
mastemgentequecompra,eelespescam.”Segundo Trovão, os filhotes são vendidos em feiras e supermercados.
A pesca de atum no Atlântico
não tem período de defeso e apenasalgumasespéciesestãosujeitas a limites de peso ou tamanho. Existe um organismo responsável por regular os estoques de 12 espécies de atum e
afins, a Comissão Internacional
para a Conservação do Atum do
Atlântico, a Icaat.
De acordo com a entidade, entretanto, mesmo com a captura
de filhotes que ainda não atingiram a maturidade reprodutiva e
fêmeas prestes a desovar, a pesca de atum – que chega a 6 milhões de toneladas por ano – está
Pegou um ‘azul’ por aqui ou
é só história de pescador?
Nos anos 60 e 70, os pescadores
encontravam, com facilidade,
cardumes de bluefin no Brasil.
“Antes tinha muito”, diz Jiro Yamada, proprietário da Jau Pescados, que há 50 anos trabalha no
mercado de peixe da Ceagesp.
“Há 40 anos, todo dia, apareciam aqui quatro ou cinco deles
pesando uns 150 ou 250 kg. Naquela época, ninguém comia sushi no Brasil. Só japonês. Havia
duas casas de sushi em São Paulo.Euvendiaobluefinparaopessoal fazer grelhado”, lembra.
De vez em quando, ainda se
pescaumbluefin no litoral brasileiro. Mas a quantidade não é su-
ficiente nem para abastecer o
mercado local. “Quando entra
um bom, a gente brinca um pouco”, diz o chef Tsuyoshi Murakami, do Kinoshita. Nessas ocasiões, Murakami paga três vezes
mais pelo atum e vende o sushi
pelo triplo do valor normal, ou
seja, R$ 45 reais a dupla. Mas diz
que o último hon maguro passou
pela casa há uns dois anos. Na
opinião dele, apesar de mais sa-
Ouro do mar
Bluefin em dois
cortes: um único
sushizinho de toro
dessa raridade
pode custar R$ 45
dentro dos limites da sustentabilidade.Para o Icaat, os peixes
disponíveissãosuficientes para garantir o nível de
consumoatual.Ou seja: apopulação se recompõe a tempo.
Os ambientalistas discordam
e recomendam consumo consciente. Pois, embora não tenham atingido uma situação limite, o albacora-cachorra e o galha-amarela também merecem
atenção. “As outras espécies do
gênero Thunnus ainda não estão
ameaçadas ”, explica
a bióloga Leandra Gonçalvez,
coordenadora da campanha de
oceanos do Greenpeace Brasil.
“Mas estão sendo superexploradas, ou seja, pescadas além da
sua capacidade de recuperação,
o que torna a extinção apenas
uma questão de tempo.” / T.N.
boroso que o mebachi e o kihada
nacionais, esse bluefin não era
comparável ao que se come em
Tóquio ou Nova York. “O último
bom (bluefin nacional)de que
me lembro entrou no mercado
há uns dez anos”, conta o chef,
nascido no Japão e criado no Rio
de Janeiro. “Compramos um pedaço de toro (a barriga gorda do
atum) para o Kinoshita. Pesava
240 kg. Só não foi para o Japão
porque não tinham caixa para
acondicioná-lo.”
Hidekidizquepelosrestaurantes da capital paulista que levam
seu nome (são três, sendo que
um acaba de ser inaugurado), já passaram cerca
de 20 peças de bluefin
nacional de qualidade, desde 2003.
“Quando aparece um
bluefin em qualquer lugar do Brasil, os olheiros
nos barcos me ligam.”
No ano passado, os dois bluefins que surgiram na Ceagesp foram vendidos para Hideki. “Passou por aqui um galha-azul de
160 kg, pescado entre Itajaí e o
RioGrande”,dizAislanTakamura, da Pescados Akira. “Também
vendemos um bluefin para o Hideki”, afirma Jiro Yamada.
A verdade é que todos os bons
restaurantes japoneses acompanham à distância a pesca do
atum. Têm olheiros nos barcos,
nos portos, que informam sempre que aparece mercadoria boa,
não precisa nem ser o hon maguro. Quando entra um bluefin na
Ceagespanotíciacorre,maspoucoschegamaveropeixe.“Trabalho na Ceagesp desde 1995 e só vi
dois galhas-azuis”, diz Rodolfo
Hasegawa, do frigorífero Pesca
Viva. “Um pescado em Cabo
Frio e outro, no Rio Grande do
Sul. Os dois com mais de cem
quilos. No ano passado, soube
estadão.com.br
Cortes. Veja onde estão as partes mais saborosas do atum
estadão.com.br/paladar
queoAkiraTakamura(paideAislan) tinha vendido um para o Hideki e fui lá comer. É bom, mesmo, mais adocicado.”
Shin Koike, do Aizomê, conta
que teve acesso a um bluefin nacional há pouco mais de um ano.
“Àsvezesentrano inverno,agosto, setembro, vem do Sul. Mas o
do Pacífico é melhor”, diz. Daí a
curiosidade em torno do importado.Obluefineosouthernbluefinsãoduasespécies ligeiramentediferentes. O bluefin tem duas
sub-espécies,umahabitaoAtlântico Norte e o Mediterrâneo, e a
outra,oPacífico Norte.Ospescados no Brasil podem pertencer a
qualquer uma das duas espécies.
Jun Sakamoto conta que já
trouxe toro de bluefin na mala,
deNovaYorkedeTóquio.“Limitei a um sushi por pessoa. Cobrei
mais caro que o normal, R$ 30 a
unidade.Aindaassim, pagueipara os clientes provarem.” /T.N.
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O mar não está para bluefin