PROJETO BANGEN
Rede BANGEMAC: Banco genético marinho da Macaronésia
Memória técnica
PROJETO BANGEN
Rede BANGEMAC: Banco genético marinho da Macaronésia
Rede BanGeMac: Banco genético marinho da Macaronésia
Memória técnica
BANGEN (MAC/1/C070) 2009-2012
Programa de Cooperação Transnacional
Açores-Madeira-Canárias
(PCT-MAC 2007-2013)
Editores: González N y Rey-Méndez M
Tradutor: Pedro Nascimento da Fonseca
Desenho e maquetagem: oceanografica.com
Citar a publicação como: Quinteiro J, Manent P, González N, ReyMendez M, Assunção, P, Gois AR, Alves A, Araújo R, Mendoza H.
2012. Rede BANGEMAC: Banco genético marinho de Macaronésia
(Memória técnica).
Citar um capítulo da publicação como: Quinteiro J, González
N, Assunção P, Mendoza H, 2012. Casos de estudo (pp 88-141).
In: González N y Rey-Méndez M (eds) Rede BANGEMAC: Banco
Genético marinho da Macaronésia (Memória técnica).
D.L. GC 922-2012
ISBN: 978-84-695-4888-2
www.bangen-pct.org
ÍNDICE
1
INTRODUÇÃO
8
GONZÁLEZ N, REY-‐MÉNDEZ M, GOIS AR, ALVES A, ARAÚJO R
2
4
1.1. Rede BangeMac
9
1.2. Projeto BANGEN
10
1.3. Participantes
11
1.4. Objetivos do projeto
12
1.5. Espécies objetivo: caracterização e
conservação
14
MACARONÉSIA COMO UNIDADE
BIOGEOGRÁFICA
28
MANENT P, GONZÁLEZ N
2.1. Padrões e processos evolutivos
em Ilhas Oceânicas
29
2.2. O meio físico marinho da
Macaronésia
42
2.3. Biodiversidade
50
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5
2.4. Fitogeografia marinha dos
arquipélagos macaronésios
3
2.5. Conservação da biodiversidade
no meio marinho
FILOGEOGRAFIA MOLECULAR
63
70
76
3.1. introdução
77
3.2. Dados Moleculares
78
3.3. Filogeografia
82
3.4. Diferenciação genética no meio
marinho
84
CASOS DE ESTUDO
ATIVIDADES E PERSPETIVAS DA REDE
MACARONÉSIA BANGEMAC
142
REY-‐MÉNDEZ M, GONZÁLEZ N, QUINTEIRO J
QUINTEIRO J
4
5
6
5.1. Promoção e base de dados
143
5.2. Perspectivas da rede BANGEMAC
150
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
182
88
QUINTEIRO J, GONZÁLEZ N, ASSUNÇÃO P, MENDOZA H
4.1. Filogeografia das espécies - alvo
4.2. Espécie introduzida Sparus aurata
89
113
4.3. Análises filogenéticas de microalgas
do género Dunaliella (Chlorophyceae,
Dunaliellales)
117
4.4. Aplicação de tecnologias moleculares
ao estudo da diversidade biológica no
plâncton marinho
128
6
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7
1
INTRODUÇÃO
GONZÁLEZ N, REY-‐MÉNDEZ M, GOIS AR,
ALVES A, ARAÚJO R
1.1. REDE BANGEMAC
A constituição de uma rede interregional, BangeMac,
de instituições e organismos que tenham coleções de
material biológico de referência, é paralela à criação
de um banco de dados genéticos. A base de dados
de organismos marinhos da Macaronésia, foi criada
no decorrer do projeto Interreg IIIB, BANCOMAC,
orientado na conservação e uso sustentável da
biodiversidade.
BangeMac é uma rede de sinergias que permitirá
maximizar os recursos regionais destinados à
conservação da biodiversidade, à gestão dos recursos
naturais e ao intercâmbio de dados e informação.
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BangeMac procura ter a capacidade para pôr em
marcha projetos, centrados inicialmente na criação de
uma imagem própria e partilhada. Através desta rede
pretende-se coordenar os esforços na investigação e
conservação da biodiversidade da macaronésia, pondo
em comum estratégias para a captação de fundos e
prestação de serviços.
A criação de ferramentas de comunicação e interação no
âmbito da Rede, tem como objetivo partilhar os recursos
gerados anteriormente e atualizados às necessidades
de um Sistema de Informação Geográfica (SIG).
1.2. PROJETO BANGEN
O projeto BANGEN, financiado no âmbito do programa
de Cooperação Transnacional Madeira-AçoresCanárias MAC 2007-2013, tem um período de execução
de 36 meses, tendo iniciado em janeiro de 2010 e
estando previsto o seu término para dezembro de 2012.
O BANGEN tem por objetivos promover o
desenvolvimento e uso das metodologias da
Biologia Molecular baseadas na análise de ADN,
para estabelecer estratégias de resposta rápida na
investigação de organismos marinhos e gestão da
biodiversidade. Deste modo, pretende-se promover a
I+D+i sobre a biodiversidade marinha da macaronésia
através da genómica e bioinformática, estabelecendo
uma rede de transferência científico-tecnológica,
BangeMac no espaço macaronésico mediante as TIC.
10
Este projeto pretende aplicar e pôr à disposição
da comunidade científica, administração e sector
produtivo, as técnicas moleculares, de modo que
permitam fazer frente aos problemas e ajudem a
orientar a conservação, aproveitamento e gestão da
biodiversidade marinha, assim como elaborar uma
estratégia comum para toda a região, adequada às
características e problemas dos recursos prioritários
em cada arquipélago.
1.3. PARTICIPANTES
Chefe de Fila: Instituto Canário de Ciências Marinhas
(ICCM)
Parceiro 1: Instituto Tecnológico de Canárias (ITC)
Parceiro 2: Universidade dos Açores (UA)
Parceiro 3: Câmara Municipal do Funchal (CMF) /
Museu de História Natural do Funchal (MMF) / Estação
de Biologia Marinha do Funchal (EBMF)
Parceiro 4: Universidade da Madeira (UMa)
Parceiro 5: Secretaria Regional do Ambiente e
Recursos Naturais (SRA) / Direção Regional de Pescas
(DRP) / Direção de Serviços de Investigação das Pescas
(DSIP).
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1.4. OBJETIVOS DO PROJETO
Realização da caracterização genética das espécies
em estudo, vinculada à sustentabilidade dos
recursos marinhos e à compreensão e conservação
da biodiversidade na Macaronésia, com o objetivo de
melhorar as condições sócio-económicas da área;
Desenvolvimento e implementação de ferramentas
moleculares para detetar e identificar espécies-alvo
em amostras planctónicas;
Caracterização da diversidade biológica e monitorizar
a evolução do ecossistema, frente à possibilidade de
introdução de novas espécies.
Transferir resultados e tecnologia, mediante o uso das
TIC a instituições públicas e privadas com interesse na
área da Macaronésia, com aplicabilidade na gestão da
biodiversidade, pesca e aquacultura.
Para alcançar os objetivos, planificou-se uma série de
atividades:
ǩRecolha de espécies-alvo.
ǩ Caracterização e análise da diversidade genética das
espécies-alvo.
ǩ Estabelecimento de zonas de atuação e de uma rede de
amostragem.
ǩ Aplicação de tecnologias moleculares no estudo da
diversidade biológica no plâncton marinho.
ǩ Caracterização e deteção molecular, avaliação de
resultados e critérios a seguir para a gestão e conservação
dos ecossistemas marinhos.
ǩ Implementação da base de dados genéticos e promoção
da Rede BANGEMAC.
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1.5. ESPÉCIES OBJETIVO:
CARACTERIZAÇÃO E CONSERVAÇÃO
Octopus vulgaris
Nome científico: Octopus vulgaris (Cuvier, 1797)
Nome comum: Polvo
Reino: Animalia
Filo: Mollusca
Classe: Cephalopoda
Ordem: Octopoda
Família: Octopodidae
Género: Octopus
Espécie: Octopus vulgaris (Cuvier, 1797)
Características gerais:
Predador ativo que se alimenta de crustáceos,
moluscos, ouriços, etc. Os machos são normalmente
maiores que as fêmeas, podendo mesmo atingir mais
de 1 metro de comprimento e ultrapassar os 8 quilos de
peso. Habita preferencialmente substratos rochosos
onde muitas vezes constrói parte do seu abrigo com
pedras, conchas etc., desde a zona intermareal até
cerca de 30 metros de profundidade. Possuem a
capacidade de mudar de cor e textura de acordo com
o meio circundante. Quando ameaçados expelem um
jacto de tinta para encobrir a sua fuga. É uma espécie
com grande valor comercial.
Distribuição:
É uma espécie amplamente distribuída, em todas as
águas costeiras de todos os oceanos, exceto no Pacífico
oriental e nas águas árticas e antárticas. Nas ilhas do
Oceano Atlântico Açores, Canárias, Cabo Verde e mais
particularmente na Madeira, é uma espécie muito
comum ao longo de todo o ano.
Reprodução:
A duração do ciclo de vida é bastante curta. Os
sexos estão separados. Nos machos, um dos braços
está modificado e designa-se por hectocótilo,
desempenhando um papel fundamental na reprodução,
sendo responsável por transferir o esperma do macho
para a fêmea.
Octopus vulgaris (Cuvier, 1797)
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No caso dos polvos as fêmeas produzem ovos que
são armazenados em cavidades no fundo do mar
e é característico nestes moluscos cefalópodes a
inexistência de qualquer fase larvar e o seu tempo
de vida é muito curto, cerca de 1 a 2 anos. Embora
possam apresentar várias estratégias reprodutivas, é
muito comum após o processo reprodutivo concluído
morrerem.
Caracterização da Exploração:
A pesca com covos é uma das artes de pesca tradicionais
ainda praticadas na região da macaronésia. Destinase particularmente à captura de peixes dimersais, no
entanto o polvo acaba por ser capturado e, o facto de ser
uma espécie com elevado valor comercial acaba por ter
um peso significativo na pesca artesanal local.
Megabalanus azoricus
Nome científico: Megabalanus azoricus (Pilsbry, 1916)
Nome comum: Craca
Reino: Animalia
Filo: Arthropoda
Classe: Cirripedia
Ordem: Balanomorpha
Família: Balanidae
Género: Megabalanus
Espécie: Megabalanus azoricus (Pilsbry, 1916)
Trata-se de uma arte “passiva”, uma vez que é o próprio
animal que procura o dispositivo, para refúgio ou
procura de alimento, mas depois dificilmente consegue
escapar. Dadas as características da armadilha, apenas
os animais adultos ficam presos, o que torna esta pesca
uma arte pouco predadora.
Megabalanus azoricus (Pilsbry, 1916)
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Características gerais:
Caracterização da Exploração:
Crustáceo que vive fixo ao substrato, dificilmente
são reconhecidos pela maioria das pessoas como
pertencentes ao mesmo grupo taxonómico que as
lagostas ou os caranguejos. São animais filtradores
que se alimentam de organismos planctónicos.
Vivem desde a zona intermareal até 10-12 metros
de profundidade, sendo mais abundante entre os
1-2 metros de profundidade em locais de grande
hidrodinamismo, especialmente em baixios afastados
da costa e em ilhéus.
É uma espécie de craca gigante, comum nos Açores
e considerada como um dos petiscos mais apreciados
naquele arquipélago. Esta craca faz parte dos recursos
vivos marinhos explorados artesanalmente pela
população dos Açores. As cracas são capturadas
manualmente a baixas profundidades com o auxílio de
um martelo e um escopro (Santos et al., 1995; Morton
et al., 1998).Esta espécie é bastante apreciada em todo
o arquipélago fazendo parte da gastronomia tradicional
açoriana (Barrois, 1896; Santos et al., 1995).
Distribuição:
Açores, Madeira, Canárias e Sta. Helena.
Reprodução:
M. azoricus é uma espécie hermafrodita, com gónadas
separadas e dois picos no ciclo reprodutivo por ano
(janeiro e julho). O tamanho para exploração possível
seria de 20 mm de diâmetro basal.
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Plesionika edwardsii
Nome científico: Plesionika edwardsii (Brandt, 1851)
Nome comum: Gamba da Madeira
Reino: Animalia
Filo: Arthropoda
Classe: Crustacea
Subclasse: Malacostraca
Série: Eumalacostraca
Superordem: Eucarida
Ordem: Decapoda
Supersecção: Natantia
Secção: Caridea
Família: Pandalidae Haworth, 1825
Género: Plesionika Bate, 1888
Espécie: Plesionika edwardsii (Brandt, 1851)
Características gerais:
Espécie epibentónica característica de fundos vasosos,
mas também arenosos ou rochosos. Apresenta uma
distribuição batimétrica entre os 100 e os 900 metros
de profundidade, no entanto é mais abundante entre
os 125 e 350 metros, realiza migrações sazonais;
distribuindo-se nas menores profundidades no Verão
e nas maiores no Inverno. É um camarão que pode
atingir 15 cm de comprimento o que o torna uma
espécie com potencial em termos de pesca comercial.
Distribuição:
Plesionika edwardsii distribui-se desde o Mediterrâneo,
Atlântico Oriental até ao Pacífico Sul.
Reprodução:
As fêmeas carregam os ovos, de cor azul, sob o
abdómen com a ajuda dos pléopodes. Dos ovos são
libertadas larvas bem distintas do adulto e que, após
uma série de mudas, formam pequenos camarões.
Existem fêmeas ovadas durante todo o ano. O ciclo
reprodutivo desta espécie é curto.
Plesionika edwardsii (Brandt, 1851)
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Grapsus adscensionis
Nome científico: Grapsus adscensionis (Osbek, 1765)
Nome comum: Caranguejo Judeu ou Cabra
Reino: Animalia
Filo: Arthropoda
Classe: Malacostraca
Ordem: Decapoda
Família: Grapsidae
Género: Grapsus
Espécie: Grapsus adsensionis (Osbeck, 1765)
Características gerais:
É uma espécie típica da zona intermareal que gosta de
se alojar em recantos entre as rochas. Este caranguejo
está adaptado à dessecação, podendo permanecer
durante longos períodos fora de água. Os juvenis,
menos adaptados à dessecação, preferem zonas
mais húmidas ou pequenas poças de maré. A sua
carapaça tem uma forma arredondada, ligeiramente
mais larga que comprida, podendo atingir cerca de 7
cm de largura. Os adultos apresentam uma coloração
vermelho carmim.
Distribuição:
Atlântico oriental
Reprodução:
Grapsus adscensionis (Osbek, 1765)
22
A maturidade sexual é atingida em ~ 38 milímetros de
largura de carapaça para machos e ~ 43 milímetros
para as fêmeas. Os ovários estão maduros quando
os seus ovos estão prontos para serem incubados.
As fêmeas mudam pouco após a eclosão dos ovos e
reproduzem-se de novo nas seguintes inter-mudas.
Estima-se que 78% de fêmeas maduras são ovígeras e
que a desova ocorre a cada 24 dias.
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Sparisoma cretense
Caracterização da Exploração:
Esta espécie é suscetível de exploração em zonas supratidal e
intertidal com três variantes principais: mariscador manual,
com pluma, durante a noite; vara de pesca com mariscador,
durante o dia; e mariscador com fisga. A exploração deste
recurso é alta, especialmente no verão e outono, gerando em
quase toda a área a existência de populações reduzidas na
época de reprodução.
Nome científico: Sparisoma cretense (Linnaeus, 1758)
Nome comum: Bodião, Viela, Veja
Reino: Animalia
Filo: Chordata
Classe: Actinopterygii
Ordem: Perciformes
Família: Scaridae
Género: Sparisoma
Espécie: Sparisoma cretense (Linnaeus, 1758)
Sparisoma cretense (Linnaeus, 1758)
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Características gerais:
Caracterização da exploração:
Espécie litoral que vive sobre fundos rochosos até
pelo menos os 30 metros de profundidade. Os machos
são cinzentos enquanto as fêmeas são vermelho
carmim com uma grande mancha cinzenta na nuca,
bordejada na parte interior de amarelo. Os padrões
de coloração são mais intensos e nítidos na época de
reprodução. Os juvenis apresentam diferentes cores
consoante o substrato onde se encontrem, por motivos
de camuflagem. Os adultos podem atingir os 70 cm de
comprimento total. Alimentação constituída por algas
calcárias e invertebrados, que raspam das rochas, como
as placas calcárias. Reprodução ovípara, com várias
posturas durante o ano. Tem elevado valor comercial.
Espécie muito apreciada na pesca artesanal e
desportiva nas regiões dos Açores, Madeira e Ilhas
Canárias.
Distribuição:
Atlântico Central Este: Portugal, Açores e Madeira até
as ilhas Canárias e área do Senegal. Mar Mediterrâneo:
comum na costa leste e sudeste.
A veja é um peixe muito apreciado do ponto de vista
gastronómico e a sua captura a partir de terra tem ainda
uma função social nos arquipélagos, já que é frequente
ver pessoas de mais idade a fazerem percursos de
alguma complexidade para “irem às vejas”.
As vejas têm importância comercial e não se
encontram ameaçadas. Apesar disso, nas Canárias,
foi estabelecido um tamanho mínimo de captura,
de 20 cm, como medida de gestão pesqueira de um
manancial muito desejado. Em Portugal não há limite
inferior no tamanho das vejas capturadas. De qualquer
forma, as dimensões das malhas normalmente
utilizadas pelos pescadores não põem estes animais
em perigo. Em relação à caça submarina, o peso
mínimo informalmente recomendado é de 500 gramas.
Reprodução:
Reprodução ovípara, com várias posturas durante o
ano, sendo a melhor época de reprodução entre julho e
setembro, com a mobilização de alevins no fim do verão.
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1
2
INTRODUCCIÓN
MACARONÉSIA
COMO UNIDADE
BIOGEOGRÁFICA
MANENT P, GONZÁLEZ N
2.1. PADRÕES E PROCESSOS EVOLUTIVOS EM
ILHAS OCEÂNICAS
As ilhas oceânicas têm sido o centro da atenção da
comunidade científica desde tempos remotos por
serem laboratórios naturais ideais. A sua abundância
e variedade de formas permitem replicar unidades de
estudo discretas ou cerradas nas quais as variáveis
ou fatores a estudar são controláveis, simplificandose assim a complexidade desbordante dos sistemas
continentais. Assim, o papel das ilhas no avance
científico em disciplinas como a biogeografia, ecologia e
evolução tem sido crucial. A inferência sobre eventos de
colonização e dispersão em ilhas oceânicas mediante
o uso de marcadores moleculares é ideal ao ser capaz
de detetar sinais genéticos nas populações naturais que
capturam o intercâmbio genético que foi mantido ao
largo das gerações, numa escala ecológica ou recente
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29
e/ou numa escala histórica ou evolutiva. Estes aspetos
são fundamentais para inferir sobre os mecanismos e
os processos ecológicos e/ou evolutivos subjacentes
que foram condicionando a distribuição geográfica
atual das espécies marinhas e a sua variação genética
numa região.
Antes de explicar o conhecimento atual sobre os
aspetos biogeográficos e filogeográficos das espécies
marinhas dos arquipélagos macaronésicos, é
necessário contextualizar as ilhas oceânicas de um
modo geral, através de um marco ambiental que defina
as divisões do meio marinho nas que se desenvolvem os
ecossistemas, assim como um marco oceanográfico em
que se definam os principais movimentos das massas
de água superficiais oceânicas e a sua influência na
distribuição geográfica dos organismos marinhos. Pelo
que na continuação se explicarão brevemente os fatores
influentes na estruturação geográfica de espécies
marinhas insulares.
A primeira grande divisão separa o domínio nerítico ou
litoral e o oceânico. O domínio litoral, sobre a plataforma
continental, define as zonas onde a luz penetra a coluna
de água (zona fótica), cuja intensidade e gama de
cores vai diminuindo com a profundidade até aos 200
metros aproximadamente, dividindo-o em infralitoral e
circalitoral. O domínio oceânico, a região mais afastada
da costa, representa as grandes profundidades e
compreende a zona batial sobre o talude e a zona abissal
sobre o plano abissal (Figura 2.1). As zonas costeiras
pouco profundas ocupam uma área muito menor que
as oceânicas e ao mesmo tempo, as primeiras diferem
mais entre elas devido à variedade de condições que
qualquer outra do domínio oceânico. Além disso, as
zonas costeiras estão isoladas entre elas por amplias
extensões oceânicas pelo que a biota está isolada,
dando a oportunidade de uma evolução e endemicidade
independente.
Zonação marinha
O meio marinho é mais complexo que o terrestre
por ser um sistema tridimensional e uma vez que no
meio líquido se permite o desenvolvimento de vida
em toda a massa de água. Além disso, os gradientes
ambientais e descontinuidades mais importantes dãose na dimensão vertical, ainda que com interações
importantes com a horizontal onde os diferentes
organismos marinhos, com capacidades fisiológicas
apropriadas, passam ou completam o seu ciclo de vida.
30
Figura 2.1. Representação das divisões do meio marinho.
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Barreiras invisíveis: as correntes marinhas
globais e locais
Os dois grandes sistemas ecológicos do meio marinho
são: (i) o pelágico, correspondente à massa de água
e o (ii) bentónico, cujos organismos estão ligados e
dependem do fundo marinho. As suas características
principais dependem em grande medida da
profundidade, já que esta está relacionada com os
principais fatores abióticos que determinam o seu
funcionamento e as espécies capazes de suportálas. O sistema pelágico é fundamental no intercâmbio
demográfico e genético entre as populações marinhas
já que é o meio principal através do qual as larvas e
os ovos da maioria dos animais marinhos atravessam
largas distâncias conduzidas pelas correntes marinhas.
Por sua vez está dividido em 5 zonas principais em
função da profundidade: zona epipelágica, zona
mesopelágica, zona infrapelágica, zona batipelágica
e zona abissopelágica (Figura 2.1); onde estão o
nécton e o plâncton. O nécton está representado por
espécies capazes de resistir à dinâmica marinha,
cujas populações adultas são capazes de realizar
migrações. No entanto, as espécies planctónicas têm
o seu movimento limitado pela dinâmica marinha.
De uma perspetiva evolutiva e filogeográfica, uma
característica interessante do sistema bentónico como
modelo de estudo é a capacidade que têm as espécies
sésseis e territoriais de utilizar a fase larvar como
vetor de dispersão através do plâncton. Esta estratégia
permitiu a organismos cuja fase adulta é imóvel ou com
mobilidade limitada poder colonizar novos habitats em
lugares afastados.
32
As correntes oceânicas superficiais são o meio
propulsor principal através do qual a biota marinha
pode deslocar-se, pelo que podem estar relacionadas
com os padrões biogeográficos e filogeográficos
dos organismos marinhos. Tanto podem facilitar o
contacto entre as populações em zonas convergentes
ou que estão de passagem ao largo da sua área de
afeção; como provocar o efeito contrário, atuando
como barreiras biogeográficas e filogeográficas
invisíveis, através das quais as populações marinhas
não costumam manter intercâmbio demográfico nem
genético. Ainda que estas possam variar os seus
padrões e interação com os sistemas biológicos num
gradiente de profundidade, centraremos a seguinte
explicação nas correntes superficiais pelos seguintes
motivos: (i) as espécies litorais (< 200 m) têm sido
estudadas em profundidade, o que tem permitido ter
uma base de conhecimento biogeográfico e evolutivo
importante e (ii) tem uma maior influencia sobre os
vetores de dispersão da maioria de espécies marinhas
(plâncton).
As correntes marinhas, em função da escala,
podem ter uma área de influência global ou local. As
correntes geostróficas, mantêm uma periodicidade
nos seus padrões globais de circulação e definem
a dinâmica das bacias oceânicas dominadas por
giros estáveis (enormes massas de água que rodam
horizontalmente). O padrão destes giros está causado
em primeiro lugar pela rotação do planeta, assim como
pelos regimes do vento e pelo gradiente latitudinal da
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33
temperatura. A uma escala planetária, desde o equador
provoca-se um fluxo latitudinal de correntes quentes
em direção a latitudes mais altas do hemisfério norte
e sul, ao largo das margens ocidentais dos oceanos;
e correntes frias que fluem em direção ao equador ao
largo das suas margens orientais. O giro anticiclónico
situado no hemisfério norte do oceano Atlântico é uma
corrente oceânica cuja circulação conecta as costas
americanas com as da península ibérica e africanas,
atravessando os arquipélagos da macaronésia. Estas
correntes globais de circulação oceânica proporcionam
as grandes vias de colonização que foram delimitadas,
em maior medida, ao intervalo de distribuição atual das
espécies marinhas. O seu efeito tanto na distribuição
de espécies como nos padrões genéticos a nível
intraespecífico é mais lento em comparação com o das
correntes locais.
Estes padrões globais podem modificar-se quando
as massas de água encontram um objeto (p. ex.
uma ilha oceânica) no seu caminho devido às novas
condições locais. Assim, os regimes de ventos e
a forma e o tamanho das ilhas produzirá diversos
fenómenos oceanográficos locais como o efeito ilha,
afetando a dinâmica e a evolução das populações
insulares numa escala espácio-temporal menor que
as correntes globais. Enquanto as capas superficiais
passam rodeando uma ilha, geram-se remoinhos nas
águas abaixo e o rasto resultante alterado estendese numa distancia equivalente a vários diâmetros
a ilha. Estas zonas de turbulências, produzidas
pelo efeito ilha, são capazes de misturar as águas
superficiais e profundas dando lugar a fenómenos de
34
afloramento e afundamento a pequena escala. A sua
duração costuma ser de vários dias em ilhas grandes
e de horas em ilhas pequenas pelo que o tamanho da
ilha é um fator influente (Barton, 2001). Assim, num
arquipélago oceânico, a interação entre a forma e
orografia das ilhas e as condições atmosféricas locais
com o fluxo de corrente predominante provoca o efeito
ilha que primeiro: acelera o fluxo nos canais entre
ilhas e segundo: cria giros ciclónicos (giram no sentido
dos ponteiros do relógio) e anticiclónicos (giram no
sentido oposto aos ponteiros do relógio) águas abaixo
das ilhas capazes de aumentar a produtividade em
zonas oligotróficas, como as águas que rodeiam as
ilhas oceânicas (Arístegui et al. 1997). Além disso,
numerosos estudos têm sugerido os giros causa do
efeito ilha como um fenómeno local capaz de reter
as larvas planctónicas na ilha de origem, influindo
na composição das comunidades zooplanctónicas
costeiras das ilhas (Landeira et al 2009, 2010) e, em
consequência, diminuir o contacto genético entre
populações dentro dum arquipélago oceânico (Cowen
et al 2007; Gaines et al. 2007; Manent, dados não
publicados, Johnson e Black 2006, Baums et al. 2005).
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35
Colonização, isolamento e estruturação genética
em ilhas oceânicas
Do ponto de vista genético, o processo de colonização
das ilhas oceânicas tem uma repercussão importante
na maneira como as populações insulares chegam
a estabelecer-se ou extinguir-se. Ao supor que as
ilhas oceânicas são colonizadas por um número baixo
de indivíduos, a posterior evolução da configuração
genética das suas populações estará marcada pelo
efeito fundador, quando só uma pequena fração da
variação alélica da fonte subministradora chega a
estabelecer-se. Além disso, influi na diversificação
de organismos insulares marinhos, que junto ao
isolamento geográfico insular e às pressões seletivas
do ambiente podem promover a especiação marinha.
Uma vez estabelecida a população, a capacidade de
recuperação do efeito fundador dependerá da variação
alélica inicial, da taxa de criação de alelos por meio
de mutações, a estratégia reprodutiva da espécie
colonizadora e a taxa de extinção. Todas elas afetarão
a dinâmica ecológica e evolutiva das populações
insulares estabelecidas e serão moldadas pelos
efeitos de forças evolutivas: mutação, seleção, fluxo e
deriva genética.
O fluxo genético, o número de migrantes (em forma de
ovos, larvas, juvenis e adultos) entre populações por
geração, é o componente principal da estruturação
genética e determina o grau de isolamento genético
entre populações. É importante apontar as diferenças
entre dispersão e fluxo genético. Para que um
36
fenómeno de dispersão afete ao fluxo genético entre
duas populações deve ser efetivo, isto é, que os
migrantes deixem descendência e, pelo menos, uma
parte desta deve reproduzir-se. Assim, na ausência de
outras forças evolutivas o fluxo genético (i) mantém
a integridade da espécie reduzindo as diferenças
genéticas entre as populações (divergência) e (ii)
aumenta a variação genética dentro das populações.
Por outro lado, a deriva genética é alteração aleatória
das frequências alélicas entre gerações, isto é, o
número de genes transmitido à progénie será uma
mostra imperfeita das frequências alélicas paternas.
A evolução das populações influenciadas unicamente
pela deriva é imprevisível já que é um processo
estocástico dirigido por elementos aleatórios em o
que o tamanho populacional joga um papel vital. Não
obstante, em situações extremas de isolamento entre
duas populações que originalmente mantinham a
troca de genes e que passam a estar isoladas, dois
efeitos após n gerações são evidentes: (i) a perda
alélica populacional, (ii) a fixação de alelos concretos
e (ii) a diferenciação e divergência genética entre
ambas (Allendorf e Luikart 2007). A primeira delas é
de vital importância em populações insulares devido
a que a consanguinidade resultante do cruzamento
entre indivíduos aparentados produza o efeito não
desejado, a depressão por consanguinidade, sendo
mais acentuado e provável em populações pequenas.
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37
As ilhas oceânicas não costumam ter populações
litorais extensas devido aos seus fundos abruptos
e plataformas continentais reduzidas, pelo que os
mecanismos e processos naturais alterados pelo
homem que promovam o isolamento são fatores
críticos para as suas populações. Como o fluxo genético
promove a homogeneidade genética e a deriva causa
a diferenciação genética em populações isoladas,
então o grau de divergência entre as populações será
resultado do balanço do efeito produzido por ambas.
Por tanto, se as espécies têm uma capacidade de
dispersão espacial limitada, o padrão de isolamento
pela distância (a relação lineal entre as distâncias
genética e geográfica entre pares de populações)
resultaria das alterações na influência relativa do
fluxo genético e a deriva a medida que as populações
chegam a estar mais separadas geograficamente. Não
obstante, o isolamento por a distância pode derivar em
quatro padrões:
Isolamento absoluto:
A sua evolução está totalmente condicionada pela deriva
genética e os fenómenos estocásticos. O seu tamanho
populacional efetivo, as estratégias de emparelhamento
assim como a sua composição alélica serão os únicos
fatores que minimizam os seus efeitos negativos,
incluso a extinção. Dá-se raramente na natureza.
38
Desequilíbrio entre o fluxo e a deriva genética:
A separação geográfica entre as populações ou
ilhas condiciona as alterações das frequências
alélicas em função do grau de intercâmbio genético.
Diferenciam-se 2 tipos: aquele no qual predomina
o isolamento geográfico e reprodutivo severo, ainda
que com eventuais intercâmbios de migrantes. As
ilhas oceânicas tendem para estas situações pelo
que esperaríamos que em espécies marinhas litorais
manifestassem em maior medida os efeitos da deriva.
O segundo estaria representado por populações nas
quais o efeito do fluxo genético é mais influente que a
deriva.
Equilíbrio dos efeitos do fluxo e a deriva genética:
A taxa de perda e criação de alelos estão equilibradas
e ao adicionar o componente geográfico, resultaria da
relação linear entre a divergência genética e geográfica.
É raro na natureza, ainda que seja utilizada como
modelo para testar (refutar) a relação: divergência
genética/distância espacial = 1.
Panmixia:
Populações ou ilhas nas quais todos os reprodutores
contribuem de igual modo para a descendência
e o emparelhamento entre indivíduos é aleatório
(mas não altera as frequências alélicas). O fluxo
genético é a força evolutiva predominante, com um
efeito homogeneizador nas frequências alélicas
populacionais. Ainda que seja raro na natureza, a
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39
utilidade do conceito vem dado por aplicar-se para
refutar a hipótese de “não diferenciação” numa região
e consequentemente identificar os agrupamentos de
frequências alélicas de populações, formando-se um
padrão geográfico.
O fluxo de genes depende da dispersão das espécies
marinhas e relativamente às terrestres difere
principalmente pelo meio líquido no qual habitam.
A maioria das espécies tanto bentónicas como
pelágicas marinhas passam pelo menos uma parte
do seu ciclo de vida em forma de ovos e larvas
no plâncton, onde conseguem atravessar largas
distâncias nos oceanos e, em função da velocidade
das correntes oceânicas, dispersam-se a milhares
de quilómetros numa só geração. No entanto,
apesar de ter esta aptitudão, numerosas evidências
mostraram que a efetividade da dispersão e o fluxo
genético a largas distâncias está espacialmente
limitada por diversos fatores físicos (correntes locais,
gradientes de temperatura, salinidade), biológicos
(duração do período larvar planctónico, capacidade
de movimento da população adulta, sistema de
acasalamento, comportamento social), geográficos
(relevo e paisagens submarino, insularidade, forma e
disposição das ilhas num arquipélago) e históricos (as
glaciações do quaternário) (Palumbi 1994). Resultando
numa dispersão larvar efetiva menor que o seu
aparente potencial, que chega a ser um handicap para
numerosas espécies litorais insulares; especialmente
para aquelas bentónicas fixadas ao substrato ou
outras de movimento reduzido.
40
As populações adultas bentónicas têm um intervalo
espacial de movimento consideravelmente menor
que as nectónicas, pelo que esperaríamos que
mostrassem algum padrão geográfico derivados do
seu maior isolamento genético. Consequentemente,
esperaríamos que a estruturação genética fosse
mais acentuada nas espécies bentónicas pelo feito
de que os reprodutores de uma população só podem
emparelhar-se (e intercambiar a sua variação genética)
com indivíduos da mesma população ou populações
próximas. Do ponto de vista evolutivo, este feito
repercute no grau de diferenciação genética entre as
suas populações e depende de (i) a frequência em que
se dá o contacto genético entre elas e (ii) da capacidade
que têm os novos recrutas para estabelecer a sua
variação alélica individual na população recetora. No
entanto, nas populações adultas nectónicas oceânicas,
cujas migrações podem incluso atravessar oceanos
para chegar a zonas de reprodução e/ou alimento,
o comportamento do stock reprodutor durante a
migração influirá decisivamente onde tem lugar a
fecundação dos gâmetas e, consequentemente, a
direccionalidade do intercâmbio genético.
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41
2.2. O MEIO FÍSICO MARINHO DA
MACARONÉSIA
As ilhas oceânicas são aquelas que se formaram por
atividade vulcânica sobre placas oceânicas e nunca
estiveram conectadas aos continentes. Encontram-se
distribuídas ao largo de todos os oceanos do mundo
e têm a tendência a ocorrer em zonas afastadas da
plataforma continental, perto de pontos quentes de
atividade vulcânica. Os arquipélagos da macaronésia,
Açores, Madeira, Selvagens e Canárias, são grupos de
ilhas oceânicas com uma larga e complexa história
geológica na qual vários episódios de erupções
vulcânicas resultaram na sua configuração atual.
As idades máximas das ilhas mais antigas de cada
arquipélago foram datadas em 8 Ma nos Açores (AbdelMonem et al. 1975), 15 Ma na Madeira (FernandezPalacios e Dias 2001), 30 Ma nas Selvagens e 20 Ma
nas Canárias (Coello et al 1992). A situação geográfica
dos arquipélagos macaronésicos caracteriza-os por
um isolamento pronunciado, cujo máximo e mínimo
correspondem aos 1370 km que separam os Açores da
costa portuguesa e os 96 km que separam Canárias
da costa marroquina respetivamente (FernandezPalacios e Dias, 2001).
O fundo marinho destas ilhas possui características
orográficas similares devido à sua formação vulcânica,
desde as planícies abissais, situadas entre 3000 e 4000
metros de profundidade, até à superfície. O seu litoral,
que compreende a zona com maior produtividade e
biodiversidade marinha, caracteriza-se por uns fundos
42
abruptos, com frequentes acantilados submarinos,
cavernas, túneis e cornijas, encontrando-se o talude
em zonas próximas à costa. Estas características
orográficas do fundo marinho litoral limitam a
extensão de uma verdadeira plataforma continental,
reduzindo o habitat potencial disponível assim como
a diversidade e o desenvolvimento de comunidades
bentónicas litorais.
As correntes marinhas superficiais nos arquipélagos
macaronésicos integram-se no sistema geral de
circulação do Atlântico Norte, sendo em parte
condicionadas pela ação do anticiclone dos Açores. O
limite ocidental do giro do anticiclónico subtropical do
Atlântico Norte compõe-se da corrente do Golfo, com
águas quentes que alimentam a corrente do Atlântico
norte e a corrente dos Açores (Figura 2.2). Esta última
flui em direção este marcando o limite oriental da
região subtropical, a partir do qual a corrente dos
Açores se ramifica na corrente de Portugal, recorrendo
o oeste da costa continental portuguesa que dará lugar,
mais a sul, à corrente das Canárias que atravessa
o arquipélago da Madeira, Selvagens e Canárias.
Quando a corrente das Canárias alcança a região
tropical do atlântico oriental, a sua proximidade ao
equador faz com que se conecte com a corrente norte
equatorial, de águas mais quentes, e flui em direção
oeste para completar o giro em direção à corrente do
Caribe, que voltará a alimentar a corrente do Golfo e,
consequentemente, o giro anticiclónico.
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43
Por outro lado, a natureza vulcânica e insular dos três
arquipélagos macaronésicos faz com que compartam
as condições oceanográficas circundantes típicas de
águas oceânicas e oligotróficas (baixa capacidade
de produção primária fitoplanctónica) assim como a
ausência de correntes de afloramentos contínua (Anon
1979). Não obstante, os eventuais episódios ligados
ao “efeito ilha” explicado anteriormente, originam
situações de afloramentos de águas profundas
ricas em nutrientes que aumentam pontualmente a
produtividade litoral local.
Apesar de partilharem certas características
oceanográficas, a situação geográfica de cada
arquipélago condiciona as condições climáticas locais
que junto à distribuição espacial das ilhas e sua
forma, provocam diferentes respostas dos sistemas
biológicos marinhos insulares pela sua interação com
estes fatores ambientais locais e que condicionam a
vida marinha em cada um deles. Por estes motivos,
a continuação aprofundará brevemente os principais
aspetos oceanográficos locais de cada arquipélago.
44
Figura 2.2. Representação do sistema geral de circulação do
Atlantico Norte.
Madeira
O arquipélago de Madeira, integrado pela ilha da
Madeira, a ilha de Porto Santo, as ilhas Selvagens e as
Desertas, está situado no Atlântico nordeste, entre 30°
e 33° de latitude Norte e 15° e 17° de longitude Oeste. A
interação entre a corrente de Portugal que chega desde
o norte é o regime oceanográfico com maior influência
nesta área, e os afloramentos pontuais derivados do
efeito ilha, ajudam a aumentar a baixa produtividade
das suas águas oligotróficas. Além disso, o encontro
destas águas frias do norte com outras mais cálidas
de zonas adjacentes subtropicais indicam a situação
do arquipélago numa frente subtropical. O intervalo da
temperatura superficial durante o ano oscila entre os
15° e 25°.C e os ventos predominantes são do primeiro
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45
quadrante, que se intensificam durante o período
estival. As massas de água presentes no arquipélago
da Madeira, típicas do Atlântico norte, podem resumirse em três: massa de água central (T=19º a 8º C;
S=36,7 a 35,10‰), águas profundas (T=3,5º a 2,2ºC;
S=34,97 a 34,90‰) e água Mediterrânea (T=11,9º C;
S=36,5‰). Esta última massa de água, proveniente do
mar Mediterrâneo, passa pelo arquipélago da Madeira,
entre os 900 e 1.200 metros de profundidade.
Açores
O arquipélago dos Açores estende-se ao largo de
760 milhas, em sentido NO-SE, entre os 43º e 33º de
latitude norte e entre os 21º e 35º de longitude Oeste.
Está composto por nove ilhas, formando três grupos,
e um quarto grupo de ilhéus. O grupo ocidental
está composto pela ilha do Corvo e Flores, na placa
americana. O grupo central pela Graciosa, São Jorge,
Pico, Faial e Terceira, na placa euroasiática. O grupo
oriental está constituído pela ilha de São Miguel e
Santa Maria, na placa euroasiática. Os ilhéus das
Formigas situam-se a NE da ilha de Santa Maria. Estes
grupos de ilhas localizam-se na meseta dos Açores na
microplaca dos Açores, unidade de relevo submarino
bem definido. Caracteriza-se por apresentar
profundidades geralmente inferiores a 2.500 m, com
uma média de 1.500 m, elevando-se 3.000 m acima
da fossa oceânica. A meseta dos Açores constitui uma
prolongação da crista média da dorsal do Atlântico,
formando o início da falha tectónica correspondente à
prolongação da cordilheira alpina. Esta zona designa-
46
se como união tripla, donde divergem las três placas
tectónicas que formam a fossa do Atlântico NE, a placa
americana, a placa eurasiática e a placa africana.
A batimetria da zona é caracterizada pela irregularidade
topográfica, com bancos submarinos (acidentes
orográficos, de complexidade e profundidade de fundo
variável). As correntes oceânicas gerais interatuam
com os bancos oceânicos e ilhas, afetando o regime
das correntes, e criando padrões de fluxo e estruturas
frontais locais influentes nos ecossistemas pelágicos
e bentónicos. A sua dinâmica oceanográfica está
ligada ao sistema da corrente do Golfo, proveniente
das Caraíbas com águas quentes. A água proveniente
do Mediterrâneo chega à região dos Açores sob a
forma de meddies, detetáveis nas capas superficiais,
estabelecendo uma intensa interação com a correntes
dos Açores (Kräse & Zenk 1996). Durante o inverno,
a capa da mistura encontra-se presente até uma
profundidade de 150 metros. No verão, desenvolvese uma termoclina estacional entre os 40 e 100 m de
profundidade (Santos et al. 1995).
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47
Canárias
As ilhas Canárias estão localizadas no sector norteoriental do oceano Atlântico aproximadamente entre
os 27º e os 30º de latitude Norte e os 13º e os 19º de
longitude Oeste.
O arquipélago está composto por sete ilhas maiores
dispostas sobre um eixo Este - Oeste: duas orientais
(Fuerteventura e Lanzarote), duas centrais (Gran
Canaria e Tenerife) e três ocidentais (La Palma,
a Gomera e o Hierro), além de alguns ilhéus e
numerosos roques perto das ilhas maiores. A
posição geográfica do arquipélago vai condicionar
também a sua natureza marinha e a disponibilidade
de recursos. As características oceanográficas locais
estão influenciadas pela corrente das Canárias,
gerando um ambiente marinho mais frio ao que lhe
corresponderia pela latitude que ocupam. As águas
apresentam temperaturas quentes-temperadas sem
amplias variações estacionais (17º - 26°C, intervalo
máximo superficial) e recebem um importante fluxo
larvar proveniente do Atlântico Oeste e Norte e do Mar
Mediterrâneo.
48
Figura 2.3. Imagem via satélite que mostra o afloramento nas costas
africanas e o seu efeito (a) na temperatura superficial em ºC e (b) na
produtividade (distribuição clorofila) superficial oceânica das águas
Canárias. O intervalo de cor mostra o gradiente de ambos os parâmetros.
(Fontes: (a) Santana-Casiano et al. 2007 (b) Davenport et al. 2002).
Por outro lado, devem destacar-se os processos de
afloramento de águas profundas, frias, hipossalinas
e ricas em nutrientes das costas africanas próximas,
produzidos pelo efeito dos ventos alísios. Este
fenómeno oceanográfico gera um gradiente térmico e
salino de este a oeste, com águas das ilhas orientais
sejam mais frias. Ao largo do verão, os filamentos
superficiais (0 – 200 m) procedentes da zona de
afloramento saariano podem alcançar as ilhas
orientais, incluindo a ilha central da Grande Canária,
aumentando a produtividade litoral temporariamente
(Figura 2.3).
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49
2.3. BIODIVERSIDADE
As escalas espácio-‐temporais em ecologia e evolução.
Implicações na compreensão da biodiversidade
Ao tentar abordar a biodiversidade insular
necessitamos compreender o que é a biodiversidade e o
que é uma ilha. O conceito de ilha e as suas implicações
ecológicas, biogeográficas e evolutivas associadas
são o objeto deste livro e é aprofundado ao longo do
seu conteúdo. Pelo que, à continuação explicar-se-á
brevemente o termo biodiversidade, sob o ponto de
vista espacial e temporal dinâmico, dependente da
escala a que os mecanismos e processos mantêm o
seu funcionamento.
Uma das primeiras definições formais de
biodiversidade usada a comumente compreende “a
variedade e variabilidade de organismos vivos e os
complexos ecológicos nos quais ocorrem” (OTA 1987).
Não obstante, a biodiversidade expressa unicamente
mediante uma lista de objetos (p. ex. espécies)
associado a um fundo ou paisagem (contexto ecológico)
reconhecíveis pelos nossos sentidos não contempla os
mecanismos e processos que os criaram, mantiveram
e transformaram no tempo. Noss (1990) sugeriu uma
caracterização da biodiversidade através de vários níveis
fundamentais de organização da natureza, mediante os
quais a vida se manifesta: a paisagem, as comunidades,
as espécies e os genes (Figura 2.4). Para cada nível
50
identificam-se três atributos hierarquicamente
interligados e interdependentes: composição, estrutura
e função.
O primeiro representa a identidade dos elementos de
um sistema, a estrutura, a forma como se organizam
esses elementos no espaço e/ou tempo podendo criar
ou não um padrão definido e a função dos processos
ecológicos e evolutivos subjacentes à dinâmica de
cada nível (Figura 2.4).
Figura 2.4. Representação da biodiversidade com os seus níveis e
atributos hierarquizados e interligados.
Esta visão da biodiversidade permite-nos enlaçar
hierarquicamente a inerente capacidade que têm os
elementos de um sistema para desenvolver um padrão
com os mecanismos e processos biológicos, ecológicos
e evolutivos, atendendo a escalas espaciais e temporais
determinadas. É importante situar um marco
espácio-temporal adequado, no qual a complexidade
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51
52
TEMPO
de interações dentro e entre os diferentes níveis e
atributos da biodiversidade seja capaz de nos mostrar
sinais informativos corretos, biologicamente reais.
Pelo que, a capacidade de detetar padrões e inferir
sobre os processos em cada nível de organização está
intimamente relacionado com os objetivos e hipóteses
de estudo. Assim, a escala temporal útil para um
evolucionista ao inferir sobre processos macro
evolutivos será demasiado amplia para um ecologista.
E uma escala espacial apropriada para um demógrafo
interessado nas interações locais intrapopulacionais
que definem propriedades fundamentais de equilíbrio
e estabilidade, demasiado reduzida para compreender
a distribuição das espécies ou dos genes para
um biogeógrafo ou filogeógrafo, respetivamente
(Figura 2.5). Isto põe em causa que a biodiversidade
pode e deve inferir-se desde diversos pontos de vista
complementares, que aportem explicações igualmente
válidas atendendo a diferentes escalas espaciais e
temporais devido a que os diferentes mecanismos e
processos subjacentes à biodiversidade atuam sobre
diferentes escalas espácio-temporais.
Dinâmica evolutiva e biogeográfica
Populações demografia dinâmica
Individual, comportamento
ESPAÇO
Figura 2.5. Escalas espácio-temporais às que operam os processos
ecológicos, biogeográficos e evolutivos (a partir de Haila 1990).
Biodiversidade marinha dos arquipélagos
macaronésios
As interpretações biogeográficas e filogeográficas dos
arquipélagos macaronésios ao largo do livro contemplam
um marco espacial e temporal amplio para tratar de explicar
os mecanismos e processos macro ecológicos e evolutivos
implicados no mantimento da biodiversidade marinha da
região. O uso de escalas amplias aqui é necessário porque
a biodiversidade marinha desta região foi-se construindo
através de eventos históricos numa escala geológica.
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53
A Macaronésia, etimologicamente, é um termo
composto pelas palavras gregas “makaron”
(afortunado) e “nesoi” (ilhas) e representa o conjunto
de arquipélagos situados no oceano Atlântico
norte-oriental, e partilham um número importante
de elementos florísticos e faunísticos terrestres
semelhantes nos arquipélagos dos Açores, Madeira,
Selvagens, Canárias e Cabo Verde (FernándezPalacios et al. 2011). Não obstante, no meio marinho,
a distribuição geográfica e filogenética dos peixes
litorais de arrecife (Briggs 1974, Briggs e Bowen 2012,
Brito et al 2007, Floeter et al 2008, Lloris et al. 1991,
Santos et al. 1995) por um lado, como as eco-regiões
marinhas definidas por configurações taxonómicas
influenciadas pela história evolutiva, padrões de
dispersão e isolamento (Spalding et al. 2007) por
outro separam as ilhas de Cabo Verde da província ou
eco-região lusitânica, na qual se encontra o resto de
arquipélagos (Figura 2.6).
Figura 2.6. Relações das espécies de peixes litorais de arrecife ao largo
do oceano Atlântico baseadas na sua presença/ausência. EA: Atlântico
oriental, MAR: Crista Atlântico meio, NEA: Atlântico norte-oriental,
NWA: Atlântico norte-ocidental, SWA: Atlântico sul-ocidental, TEA:
Atlântico este tropical, WA: Atlântico ocidental. (a partir de Floeter et al.
2008).
Com base na informação sólida e abundante
(necessária em comparações interespecíficas
biogeográficas) existente sobre as espécies de
peixes litorais, a tabela 2.1 mostra a percentagem
mais baixas de endemicidade dos arquipélagos
macaronésios em comparação com outros sistemas
insulares subtropicais e tropicais do oceano
atlântico (Floeter et al. 2008). Este feito parece ser
resultado da interação entre fatores históricos e
(re)colonizações recentes (Floeter et al. 2008). As
recentes (comparativamente ao tempo necessário
para a especiação marinha) extinções massivas
sofridas pela fauna marinha litoral durante as
54
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55
glaciações do quaternário (< 2 Ma) nas regiões
temperadas do Atlântico norte, e as provocadas pela
crise Messiniense (condições de salinidade extremas
nos grandes lagos que ficaram depois da evaporação
da maioria da água mediterrânea posteriormente ao
fecho do estreito de Gibraltar no final do Mioceno (5,595,3 Ma) fizeram respetivamente que, por um lado, as
espécies que recolonizaram estes arquipélagos assim
como as que os usaram, especialmente da Madeira
e Canárias, como refúgios glaciares não tiveram
tempo suficiente para se diversificar e por outro, que
partilhem numerosas espécies que recolonizaram
o Mar Mediterrâneo desde zonas do Atlântico norte
próximas, nas que se encontram os arquipélagos da
Madeira e Canárias. Para além disso, estes fenómenos
críticos passados foram conferindo uma biodiversidade
marinha dos arquipélagos macaronésios com uma
composição semelhante de espécies marinhas à do
Mediterrâneo e das costas continentais atlânticas
peninsulares e norte-africanas, que derivaram no
seu agrupamento sob a mesma província Lusitânica
(Briggs e Bowen 2012).
56
Ilha ou
arquipélago
E
(%)
R
L
D
(Km)
AP
(Km2)
Edad
(Ma)
EH
DH
Santa Helena
13.2
76
16º S
1870
156
10
No
Baja
Ascenção
11.0
82
8º S
1536
106
1.5
No
Baja
S. Paul’s
Rocks
9.3
52
1º N
1010
1?
9.3
No
Baja
Cabo Verde
8.3
207
16º N
560
13.991
10.3
No
Alta
Trinidade
5.7
85
20º S
1160
32
3.6
No
Baja
F. de Noronha
5.0
120
4º S
350
27
12
No
Media
São Tomé &
Principe
3.0
221
1º N
250
860
31
No
Alta
Bermuda
1.6
280
32º N
1049
1204
60
Sí
Alta
Canárias
1.6
182
28º N
100
8027
20.5
Sí
Alta
Açores
1.1
95
38º N
1300
5363
7
Sí
Alta
Madeira
0.0
133
33º N
630
810
15
Sí
Media
Tabela 2.1. Características ecológicas e biogeográficas de ilhas
oceânicas do Atlântico. E: endemicidade, R: nº de espécies, L:
Latitude, D: distancia ao continente, AP: área de plataforma
continental, EH: Efeito da Tª durante a idade do gelo, DH: diversidade
de habitats (fonte: Floeter et al. 2008).
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57
Os arquipélagos macaronésios são um cruzamento
de caminhos para as espécies de peixes devido à
composição particular de espécies que ocorrem
num amplio intervalo geográfico (anfiatlânticas,
cosmopolitas, pantropicais e atlanto-mediterrâneas).
Não obstante, os níveis de biodiversidade marinha
bentónica litoral dos arquipélagos macaronésios, em
comparação com outras zonas mais diversificadas
continentais e insulares do planeta, estão justificados
pela limitação que exercem as suas águas oceânicas
oligotróficas e pelo reduzido número, área e diversidade
de habitats litorais que condicionam o desenvolvimento
e diversificação das comunidades bentónicas.
Posteriormente detalhar-se-á para cada arquipélago a
biodiversidade marinha que habitam nas suas costas.
Açores
A massa de terra mais próxima do arquipélago das
Açores são as costas da Península Ibérica separadas
por 840 milhas náuticas desde Lisboa e 1.000 milhas
náuticas desde o estreito de Gibraltar, alcançando os
5.000 m de profundidade. Esta distância constitui uma
barreira para a colonização destas ilhas por parte de
numerosas espécies litorais. A sucessão de espécies
colonizadoras e o equilíbrio das comunidades biológicas
em zonas insulares depende da adaptabilidade das
espécies emergentes a as características bióticas
e abióticas do meio que encontram, influenciando
a estabilização das comunidades já existentes
promovendo ou não a ocorrência de fenómenos de
58
especiação. A diversidade biológica presente em áreas
com estas características representa o resultado das
interações ocorridas entre as espécies emigrantes/
colonizadoras e processos de extinção. Atualmente,
apesar das limitações taxonómicas contabilizaramse 1883 taxa marinhos dos quais 39 são endémicos
(Borges et al. 2010). A diversidade marinha dos Açores
está caracterizada por uma mistura de espécies de
climas frios, temperados e tropicais de diferentes
origens, pelo que se pode considerar um cruzamento
de caminhos no meio do Atlântico (Santos et al. 1995).
A sua natureza vulcânica, juventude, isolamento e
a forte influência da corrente do Golfo providenciam
as condições para o estabelecimento de uma
biodiversidade única e interessante para estudos de
ecologia, biogeografia e evolução assim como um
elevado interesse conservacionista. A maioria das
espécies marinhas são recentes e compreendem
espécies que chegam principalmente do atlântico
oriental, particularmente do sul do continente europeu
e noroeste africano com uma grande contribuição
mediterrânica, incluindo também espécies de outras
fontes atlânticas (Borges et al. 2010), como os
arquipélagos da Madeira e Canárias. Relativamente
aos peixes litorais, os Açores apresentam uma
ictiofauna litoral pouco diversificada em comparação
com a Madeira e Canárias.
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59
Madeira
Em relação ao Atlântico, a Madeira encontra-se
numa uma zona de transição e tem uma mistura de
espécies de origem tropical (África) e do norte de
Europa. A zona costeira deste arquipélago alberga
cerca de 550 espécies de peixes e 360 espécies de
vegetais marinhos. Outros grupos taxonómicos ainda
não estão contabilizados e novas espécies continuam
a ser descobertas regularmente, incluindo nos grupos
antes mencionados de peixes e vegetais marinos. Os
ambientes marinos litorais mais comuns na ilha estão
caracterizados de um modo geral em blocos basálticos,
paredes e plataformas rochosas. O conjunto de fatores
geográficos e físicos locais têm originado ecossistemas
marinos caracterizados por uma diversidade rica
em espécies ainda que com populações pouco
numerosas, comuns à maioria das regiões insulares
subtropicais. As comunidades bentónicas partilham
afinidades florísticas e faunísticas principalmente com
as espécies Canárias.
Canárias
Segundo o Banco de Dados de Biodiversidade das
Canárias, todavia bastante incompleto relativamente ao
meio marinho, das quase 18.000 espécies catalogadas
nas ilhas, 5.232 são marinhas. O conjunto de fatores
oceanográficos e a orografia do fundo marinho
condicionam o tipo de organismos que ocupam
um determinado habitat e os intensos fenómenos
60
oceanográficos a nível mesoescalar associados a
esta região, convertem as suas águas numa zona de
transição entre um ambiente tipicamente oceânico
e oligotrófico noutro muito mais produtivo durante o
período estival. Concretamente, a região das Canária
está afetada por diferentes processos oceanográficos
locais que operam a um nível mesoescalar. Vários
estudos de espécies planctónicas nas Canárias
indicaram o efeito ilha, induzido pelo obstáculo que
formam as ilhas perante os fluxos atmosférico (ventos
alísios) e oceânicos (corrente das Canárias) como um
fator importante e influente nos padrões de distribuição
e abundancia das larvas zooplanctónicas (Landeira
2009, Rodriguez et al. 2001) e clorofila (Arístegui et al.
1997), potenciando a retenção do plâncton nas suas
águas litorais. Portanto, este fenómeno é capaz de
reduzir o contacto genético e demográfico entre as
ilhas, promovendo uma evolução insular independente
em espécies bentónicas com capacidades dispersivas
reduzidas, evidenciado noutros arquipélagos (Johnson
e Black, 2006). O segundo depende dos efeitos que
o afloramento do noroeste africano provoca nas
águas Canárias. Assim, o gradiente térmico das
águas superficiais entre as ilhas situadas no extremo
oriental (Lanzarote) e ocidental (Hierro) produzido
pelos filamentos do afloramento que, durante a sua
máxima intensidade nos meses de verão, conseguem
alcançar eventualmente as águas sul-orientais
próximas à Gran Canária consigam conectar ambos
sistemas. Ao largo do eixo longitudinal, devido à
desigual influência do afloramento africano, as águas
e, em consequência, a sua biota manifestam uma
maior tropicalização nas zonas litorais submersas das
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61
2.4. FITOGEOGRAFIA MARINHA DOS
ARQUIPÉLAGOS MACARONÉSIOS
ilhas ocidentais; chegando incluso, a dar-se casos
de espécies que apenas ocorrem nalguma das ilhas.
A população íctia litoral está dominado por espécies
Atlanto-Mediterrâneas e do Atlântico oriental quentetemperado. Não obstante, também são importantes
componentes as espécies de caracter tropical
procedentes das Caraíbas (espécies anfiatlânticas),
Outras da costa africana e finalmente, aquelas de
amplia distribuição comum aos oceanos tropicais do
planeta (pantropicais) e às cosmopolitas, conferindolhes particularidades biogeográficas interessantes.
Para além disso, o arquipélago canário ostenta
umas peculiares características geomorfológicas,
oceanográficas e climatológicas que proporcionaram
a existência de um amplio e variado mosaico de
ecossistemas com multitude de espécies que se
destacam pela sua singularidade e exclusividade.
O papel dos arquipélagos da macaronésia na
distribuição geográfica e evolução de espécies
marinhas litorais do oceano Atlântico destaca por ser:
Uma das principais fontes de recolonização da maioria
das espécies marinhas não endémicas atuais do
Mediterrâneo.
Refúgios glaciares, principalmente Madeira e Canárias,
onde numerosas espécies temperadas, subtropicais
e tropicais suportaram as baixas temperaturas do
quaternário.
Pontos de conexão nas rotas de dispersão de espécies
litorais, onde encontravam disponibilidade de habitat
e recursos suficientes para colonizar, se estabelecer
e expandir a sua distribuição no oceano Atlântico
até chegar à distribuição geográfica atual das suas
populações.
São enclaves importantes para esclarecer questões
evolutivas relacionadas com os processos implicados
na divergência e isolamento genético no Atlântico
norte-oriental. Portanto, as relações filogeográficas
entre os três arquipélagos com outras regiões do
oceano Atlântico e do Mediterrâneo por um lado, e a
identificação de zonas de refúgio e expansão através
de modelos evolutivos que utilizam as idades dos
haplótipos e a sua distribuição espacial assim como os
62
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63
níveis de diversidade genética por outro, são aspetos
cruciais para entender o papel dos eventos do passado
assim como os mecanismos de dispersão e processos
evolutivos na distribuição atual das espécies marinhas
macaronésias.
Implicações filogeográficas durante a crise
messiniense do Mediterrâneo
É amplamente aceite pela comunidade científica
que a distribuição atual e a estrutura genética
das espécies marinhas nas ilhas macaronésias
foram principalmente influenciadas pelo efeito de
dois eventos históricos: a crise messiniense no
Mediterrâneo (5,59-5,3 Ma, Krijgsmam et al. 1999) e
as oscilações climáticas com períodos intermitentes
glaciares e interglaciares durante o quaternário (3 Ma
– 18 Ka, Hewitt 2000). Durante o messiniense, a bacia
mediterrânea sofreu uma dessecação importante
pelo fecho do estreito de Gibraltar, pelo que o nível do
mar baixou entre 200 e 1000 m, formando-se lagos
hipersalinos onde algumas espécies conseguiram
sobreviver, originando a maioria dos endemismos
mediterrâneos atuais. Ao abrir-se novamente ao
oceano Atlântico, o mediterrâneo foi recolonizado a
partir da fauna marinha das costas atlânticas europeias
e africanas continentais atlânticas adjacentes e os
arquipélagos da Madeira e Canárias.
Este fluxo genético massivo tem-se manifestado
através de uma maior afinidade genética das áreas
atlânticas implicadas na dita recolonização e uma
64
maior divergência com o resto da fauna litoral das
zonas costeiras não implicadas neste evento (Maggs
et al. 2008, Floeter et al. 2008).
Não obstante, apesar de que a recolonização do
mediterrâneo é relativamente recente, a manutenção
do intercambio genético entre os arquipélagos
macaronésios e o Mediterrâneo não tem um padrão
claro, existindo numerosas espécies nas quais não
se detetou intercambio genético e outras nas que
não se detetou diferenças genéticas entre ambos
lados do estreito (revisão em Patarnello et al. 2007).
Estes autores sugerem algumas conclusões gerais:
as espécies maioritariamente pelágicas ou com
capacidades dispersivas amplias como a sardinha
sardina pilchardus ou a cavala Scomber japonicus
são capazes de manter um fluxo genético elevado
entre as populações atlânticas e mediterrâneas sem
manifestar sinais de diferenciação. Outras espécies
litorais de hábitos bentónicos cujo potencial de
dispersão é reduzido, mantêm níveis elevados de
divergência genética entre as populações atlânticas e
mediterrâneas devido provavelmente a várias causas
como a separação histórica, isolamento recente e
dinâmica populacional ou tamanhos de população
efetiva diferente como o dentão Dentex dentex, a
ferreira Lithognathus mormyrus, o bodião-verde
Thalassoma pavo, o choco Sepia officinalis ou o ouriço
Paracentrotus lividus.
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65
Refúgio glaciar durante o quaternário (2,6 Ma)
No hemisfério norte, a calota polar avançou e
retrocedeu em ciclos repetitivos consoante as
oscilações climáticas, que chegaram a ser dramáticas
para a maioria das espécies marinhas tanto pelágicas
como bentónicas em zonas temperadas do atlântico
(Briggs 1974). A alteração drástica nas distribuições
da biota marinha atlântica evoluiu de modo diferente
em função da latitude (zonas boreais, temperadas e
tropicais) onde sofreram os efeitos glaciais segundo as
capacidades de dispersão e de resistência particulares
de cada espécie (Hewitt 2000). Portanto, as espécies
puderam, (i) extinguir-se sobre extensas partes do
intervalo geográfico de distribuição, (ii) dispersar-se a
novas localidades onde as condições ambientais e os
novos habitats disponíveis permitiram estabelecerse e/ou (iii) sobreviver em refúgios estáveis para
logo expandir-se de novo às zonas onde ocorriam
durante os períodos interglaciares (ciclos de redução/
expansão populacional). Qualquer destas três opções
influiu de maneira decisiva no modo de evolução e de
diversificação de algumas espécies devido a processos
evolutivos subjacentes ao isolamento geográfico e à
redução drástica populacional (Hewitt 2000).
Os refúgios glaciares, zonas onde as espécies marinhas
encontraram condições mais estáveis de acordo com
as suas exigências ecológicas, marcaram o modo
de evolução das espécies marinhas macaronésias.
Muito brevemente, os refúgios glaciares apresentam
particularidades genéticas que podem ser inferidas ao
66
possuir os níveis mais altos de diversidade genética
e uma mistura de haplótipos ancestrais e privados.
Enquanto as áreas de redução/expansão tendem em
ser menos diversas e compostas por uma parte do pool
genético do refúgio (Maggs et al. 2008). Não obstante,
o tempo necessário para que o efeito genético do
isolamento geográfico seja evidente dependerá do
tamanho populacional, o qual será maior nos refúgios
meridionais. Portanto, atendendo estas premissas,
as ilhas da Macaronésia, principalmente a Madeira e
as Canárias ocidentais, serviram como importantes
refúgios para espécies de peixes litorais bentónicos de
mares temperados e tropicais tais como a Castanheta
dos Açores Chromis limbata (Domingues et al. 2006), o
sargo Diplodus sargus (Domingues et al. 2007b), várias
espécies de barracudas (Zander 1980, Almada et al. 2001,
Almada et al. 2005, Domingues et al. 2008), o caboz de
três dorsais Tripterygion delaisi (Domingues et al. 2007a)
a raia Raja clavata (Chevolot et al. 2006), para varias
espécies de lapas do género Patella (Sa-Pinto et al. 2008)
e a esponja Phorbas fictitius (Xavier et al. 2010). Estas
ilhas, ao estarem situadas em latitudes subtropicais,
não sofreram as oscilações climáticas drásticas de
latitudes superiores mantendo temperaturas estáveis
toleráveis pelas espécies subtropicais e temperadas. No
entanto, as espécies litorais tropicais, com afinidades
mais quentes, puderam ver-se afetadas, refugiandose em áreas da costa oeste tropical africana e/ou nos
arquipélagos de Cabo Verde, São Tomé e Príncipe,
Ascensão ou Santa Helena.
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67
Apesar dos Açores terem sido indicados como um
refúgio glaciar (a raia Raja clavata, Chevolot et al. 2006)
as baixas temperaturas do último período máximo glaciar
(25-18 Ka) alcançaram este arquipélago, produzindose extinções e reduções drásticas em populações de
espécies de peixes bentónicos litorais, as quais voltaram
a ser recolonizadas posteriormente (12000 anos) a partir
das populações da Madeira e Canárias (Almada et al.
2001, Almada et al. 2005, Domingues 2006, 2007b, 2008).
Pontos de conexão nas rotas de dispersão
do Atlântico norte
Partindo da realidade de que a dispersão no meio
marinho tem uma limitação espacial, a dispersão
das espécies marinhas através de largas distâncias,
ainda que biologicamente importante é um fenómeno
raro (Palumbi 1994). Portanto, o tempo que as larvas
conseguem viajar pela coluna de água (dispersão
potencial), o isolamento geográfico, assim como a
capacidade de migração da população adulta são
fatores que condicionaram o êxito das colonizações e a
nova distribuição geográfica.
Neste sentido, o conjunto de ilhas que constituem
os arquipélagos macaronésios são claros exemplos
de zonas geográficas estratégicas colonizadas pelas
espécies marinhas atlânticas que tem um maior intervalo
de distribuição (p. exemplo espécies anfiatlânticas,
pantropicais, circuntropicais), pelo que possivelmente
foram utilizadas como pontos intermédios por
exemplo pelas espécies anfiatlânticas presentes
hoje em dia em ambas as margens longitudinais do
68
Atlântico. Outro claro exemplo, explicado acima, foi o
uso destas ilhas como refúgio glaciar a partir de onde
recolonizaram antigas zonas geográficas extinguidas e
que puderam aproveitar para continuar a expansão do
intervalo de distribuição. Além disso, durante o último
período máximo glaciar a descida do nível do oceano
Atlântico alcançou um máximo de 120 m, emergindo
montes ou picos submarinos atuais dentro da área que
engloba os arquipélagos da macaronésia e que no seu
conjunto formaram a Paleo-Macaronésia (FernamdezPalacios 2011). Fernamdez-Palacios (2011) argumenta
a implicação da Paleo-Macaronésia na história das
colonizações de diferentes espécies vegetais terrestres
da Laurissilva e na sua distribuição atual.
Figura 2.7. Distribuição geográfica da Paleo-Macaronésia na
atualidade. Círculos com linha contínua e descontínua: paleo
arquipélagos submergidos e arquipélagos emergidos respetivamente
(modificado de Fernamdez-Palacios et al. 2011).
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69
No meio marinho, apesar de que por um lado a
perda de habitat e extinção de espécies bentónicas
sésseis litorais assim como as de reduzido movimento
perante a descida do nível do mar e, por outro lado,
a redução das distâncias que separavam as ilhas
paleo-macaronésias aumentaram as oportunidades
de alcançar zonas mais estáveis em direção sul.
Concretamente, os picos submarinos situados ao sul
dos Açores (Gran Meteor) facilitariam o fluxo genético
com Canárias. Do mesmo modo, a Paleo Madeira e
Paleo Canárias poderiam ter facilitado a colonização
dos refúgios glaciares da Madeira e Canárias pelas
espécies continentais europeias e africanas atlânticas.
Finalmente, os picos Saarianos situados ao sul das
Canárias poderiam ter ajudado a colonizar as ilhas de
Cabo Verde (Figura 2.7).
2.5. CONSERVAÇÃO DA BIODIVERSIDADE
NO MEIO MARINHO
Pelo sistema atual de gestão de espécies ameaçadas,
os avanços em matéria de conservação não seguem
com a mesma intensidade com a que se perdem
espécies. Este cenário necessita uma maior efetividade
na aplicação da informação biológica apropriada a fim
conservacionista e uma melhor transferência de tal
informação. A contribuição dos investigadores deve
ser reforçada por uma melhor comunicação com os
gestores das administrações para tentar identificar
e destacar as questões críticas sobre os aspetos
biológicos, ecológicos e evolutivos que proporcionam a
persistência das espécies marinhas.
70
A maioria das decisões sobre a conservação da
biodiversidade marinha não atendem adequadamente
os processos chave na criação, a manutenção e a
persistência das populações marinhas que operam
de maneira mas lenta e cujos efeitos se manifestam
através de uma escala espácio-temporal amplia,
em comparação às contempladas pelas medidas
maioritariamente praticadas na gestão e conservação
marinha. Além disso, dado que as espécies marinhas
mantém o contacto entre populações a largas
distancias através do plâncton, o desenho em
planos de conservação baseados no conhecimento
clássico em biologia e ecologia será incompleto
e, consequentemente, inefetivo. No entanto, a
diversidade de marcadores moleculares atuais permite
ajudar a esclarecer aspetos cruciais em biologia da
conservação como são a criação e a manutenção
da variação genética, derivados dos sistemas de
emparelhamento das espécies marinhas assim como
do intercâmbio genético entre as populações e as
capacidades dispersivas das espécies.
A evolução das populações naturais requerem da
variação genética e, quanto maior seja esta, maior será
também a capacidade de responder satisfatoriamente
perante alterações estocásticas naturais ou derivados
das atividades humanas. Portanto, a preservação da
diversidade genética deveria ser considerada um fator
essencial no desenho de estratégias de conservação
marinha.
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71
Portanto, se o objetivo em conservação se fundamenta
na preservação da variação genética das espécies,
esta deveria ser analisada desde o ponto de vista, que
atendem a escalas espácio-temporais diferentes. O
primeiro pretende identificar os fatores determinantes
na criação, manutenção e distribuição da variação
genética dentro das populações, e assim estabelecer
critérios qualitativos (p. ex. alelos implicados na
resposta seletiva do ambiente) e quantitativos (p. ex.
riqueza alélica, heterozigosidade) que definam umbrais
críticos a partir dos quais os sintomas degenerativos nas
populações naturais sejam irreversíveis, provocando a
redução e provável extinção das populações marinhas.
Os sistemas de emparelhamento marcam as vias de
intercâmbio genético entre os indivíduos reprodutores,
pelas quais se criaram a variação genética e a sua
distribuição espacial dentro das populações. Podendo
distribuir-se de um modo aleatório ou, pelo contrário,
possuir um padrão definido por agrupamentos de
indivíduos geneticamente relacionados e próximos
geograficamente. O segundo atende a como se
distribui a variação genética entre as populações
marinhas. A este nível, o fluxo genético e a sua
extensão são aspetos fundamentais que delimitam o
intervalo espacial a partir do qual as populações se
encontram geneticamente isoladas e mantêm uma
evolução independente. Este intervalo espacial é útil
ao organizar geograficamente a conservação de uma
espécie, atendendo especialmente aos processos de
dispersão e conectividade que operam sob a influência
das correntes marinhas ao transportar a parte
“invisível” planctónica das populações.
72
Portanto, da discussão anterior podem derivar
estratégias de conservação que destaquem (segundo
Moritz 2002):
A manutenção das espécies, identificando áreas
que maximizem a representação de espécies ou
populações e/ou regiões isoladas de espécies
marinhas amplamente distribuídas.
Manter os processos evolutivos ao incluir áreas que
representem processos evolutivos fundamentais
como a diversificação adaptativa ou uma mistura de
populações historicamente isoladas.
A manutenção das espécies
No meio marinho devem priorizar-se a conservação
daquelas espécies mais vulneráveis perante as
atividades humanas e aquelas cujas populações se
encontrem num grau de degradação que ponha em
risco a sobrevivência da espécie ou das populações
locais. Neste sentido, a teoria de genética de
populações e os estudos empíricos indicam que as
espécies insulares e as endémicas tenham uma maior
probabilidade de extinção que as continentais e as não
endémicas respetivamente (Frankham 1998). Por outro
lado, as atividades humanas que maioritariamente
afetam ao medio marinho costumam produzir-se na
franja costeira, cuja extensão é limitada e é onde se
alcança a maior produtividade marinha e onde ocorrem
os ecossistemas mais complexos e diversificados do
meio marinho. Além disso é onde os stocks adultos
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73
de recursos pesqueiros litorais não se podem repor
naturalmente ao ritmo a que se produzem as capturas,
o que levou ao colapso dos ecossistemas costeiros
(Jackson et al. 2001). Além disso, a maioria de
substâncias contaminantes terrestres desembocam
diretamente sobre as comunidades litorais.
Portanto, devido à limitação inerente dos esforços
conservacionistas por causas económicas, políticas e
educacionais é necessário priorizar atuações diretas
sobre estas áreas tão importantes para a manutenção
da biodiversidade marinha e das populações humanas,
às que oferecem serviços essenciais.
Manutenção dos processos evolutivos
A definição da biodiversidade como o resultado final
dos processos evolutivos tem como consequência
lógica assumir que as medidas de conservação devem
ir dirigidas à manutenção de tais processos. Assim,
a identificação das populações e/ou as regiões que
mereçam ser conservadas pelos seus níveis elevados
de diversidade e singularidade genética por um lado
assim como as áreas ou as populações (i) capazes
de manter a coesão genética numa região ou (ii)
historicamente isoladas por outro foram sugeridas
como aplicações eficientes na manutenção de tais
processos (Allendorf e Luikart 2007). Assim, entender
os padrões espaciais da diversidade genética e os
fatores históricos e contemporâneos que foram
determinando o grau de divergência entre as
populações marinhas e a estrutura genética de uma
74
região é crucial para o desenvolvimento de estratégias
de conservação efetivas que integrem a preservação
de processos evolutivos.
Neste sentido as Unidades Significativas de Evolução
(ESUs, Evolutionary Significant Units) são populações
ou grupos de populações que merecem uma gestão
independente pela sua distinção tanto ecológica como
genética. Não obstante, apesar de que a comunidade
científica reconhece a importância do conceito, não há
um acordo na maneira de identificar um umbral claro
e quantificável que seja capaz de incluir ou excluir
populações numa mesma ESU (Moritz 2002 e as
referências no seu interior). Portanto, alguns destes
autores sustêm uma definição com base nas diferenças
adaptativas e outros com base nas diferenças históricas
(Moritz 2002). Este último enfatizaria a delimitação
geográfica de grupos de populações que estiveram
historicamente isoladas e é o que compromete
um menor esforço e maior rapidez, pelo que a sua
aplicação parece responder perante a urgente demanda
conservacionista. O objetivo é preservar o número
máximo de linhagens históricas numa região. Num
nível inferior, também se definiu Unidades de Manejo
(MU, Management Units) como populações com uma
divergência significativa nas suas frequências alélica
ainda que não tem porque implicar uma distinção
filogenética. Isto é, populações cujos indivíduos estão
demograficamente interligados a uma escala mais
reduzida e na qual os processos subjacentes operam
numa escala mais reduzida. O objetivo perseguido
passaria por gerir independentemente populações
demograficamente distintas para assegurar a
viabilidade de unidades mais amplias como as ESUs.
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75
3
FILOGEOGRAFIA
MOLECULAR
3.1. INTRODUÇÃO
QUINTEIRO J
A filogeografia, como disciplina da biogeografia,
consiste nos princípios e processos que definem a
distribuição geográfica dos indivíduos à luz dos padrões
numa genealogia genética. As análises moleculares
permitem estabelecer as relações filogeográficas, tanto
entre populações coespecíficas como entre distintas
espécies ou taxa superiores, permitindo a definição de
cenários biogeográficos implicados na sua evolução,
junto com conhecimentos adquiridos desde diversos
campos como a demografia, etologia, paleontologia e
geografia histórica (Avise et al., 1994, 2000).
A utilização de dados moleculares na elucidação das
relações evolutivas entre organismos permite abordar,
com elevada fiabilidade, a resolução de questões da
biologia e história evolutiva dos organismos (Avise, 1994).
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77
3.2. DADOS MOLECULARES
Dentro da diversidade dos dados utilizáveis para a
inferência de filogenias (morfológicos, merísticos,
aloenzimas, hibridação de ADN, restrição de ADN –
RFLP, PCR-RFLP, microsatélites, RAPDs, AFLPs, etc.),
o projeto BANGEN centra-se na análise de sequências
de ADN, sendo isto na atualidade o mais apropriado
na sistemática molecular. As diferentes propriedades
funcionais e estruturais, enviesamentos mutacionais e
seletivos, e diferentes taxas de mutação nas sequências
de ADN, permitem dispor de alternativas para o estudo
de, praticamente, qualquer questão sistemática.
Estes dados são tratados como caracteres multiestado
não ordenados, assumindo, geralmente, a independência
entre caracteres. Também são tratáveis como dados
quantitativos, que surgem da transformação dos
caracteres em valores de distâncias genéticas ou em
frequências haplotípicas.
78
e, fundamentalmente, a diversidade nucleotídica π. A
variação esperada em cada região nucleotídica, quando
o processo evolutivo é completamente neutro, vem
determinada pelo parâmetro θ, igual a 4Neµ, sendo Ne
o tamanho populacional efetivo e µ a taxa de mutação.
A variação genética mostrada por uma população vai
estar determinada por numerosos fatores, e a sua
combinação, tais como a seleção, entrecruzamento,
deriva genética, fluxo génico e mutação. Assim, o
tamanho da população, não infinito em populações
reais, além de condicionar os efeitos da deriva genética,
vai influenciar a evolução molecular mediante drásticas
alterações. Tanto uma importante redução do número
de indivíduos, definido como um efeito de gargalo da
população, como o isolamento de uma pequena porção
de indivíduos da população mediante por exemplo,
um efeito fundador, vai modificar drasticamente as
frequências alélicas.
Variação genética
Fluxo génico e estrutura populacional
Para a medida da variação genética, a partir dos
polimorfismos observados em sequências de ADN,
estima-se o número de regiões nucleotídicas variáveis
num jogo de sequências, S, o número médio de
diferenças nucleotídicas entre pares de sequências Π
As análises estatísticas sobre a variação intraespecífica
baseiam-se em modelos biológicos populacionais
com diferentes graus de realismo. O modelo clássico
considera a existência de uma população ideal, de
tamanho infinito, com cruzamentos ao azar, num locus
não submetido a mutação, migração ou seleção. Por
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79
outro lado, as inferências acerca da estrutura genética
populacional são levadas a cabo no marco de diferentes
modelos de mutação.
Não é realista assumir um cruzamento completamente
ao azar, a panmixia, naquelas populações que
apresentam subdivisão total ou parcial em diferentes
subpopulações permitindo diferentes graus de
endogamia.
Frequentemente,
em
populações
subdivididas, os genes podem deslocar-se de uma
população a outra através indivíduos migrantes ou
gâmetas dando lugar a um fluxo génico portadores
desses genes.
A diversidade genética entre populações virá
determinada pelo equilíbrio entre as forças
contrapostas da deriva genética, que vai reduzir
a variabilidade intrapopulacional e aumentar a
diferenciação interpopulacional e o fluxo génico, o
qual aumenta a diversidade dentro das populações,
reduzindo-a entre elas.
O fluxo génico é um componente fundamental para
elucidar a estrutura genética populacional de uma
espécie, determinando quando uma população pode
ser considerada como uma unidade independente
evolutiva. A estimação dos valores de fluxo génico
pode levar-se a cabo mediante métodos diretos,
como a marcação e recaptura de indivíduos ou estima
da capacidade de dispersão da espécie ou mediante
estimas baseadas em dados esperados em populações
em equilíbrio a partir de modelos teóricos da estrutura
de populações sob a teoria neutra.
80
Não se pode considerar uma estimativa quantitativa
precisa do intercâmbio genético entre populações,
senão que se devem valorizar como guias para definir
o nível de fluxo génico e para análises comparativas.
Os baixos níveis de fluxo génico conduzem à
subdivisão das populações, desviando os níveis
observados de heterozigosidade daqueles esperados
através do princípio de Hardy-Weinberg (HW). Este
permite a análise e descrição detalhada da estrutura
populacional a partir dos estimadores F (FIS, FIT e
FST ), ainda que seja necessário ter em conta algumas
precauções na sua estima a partir de dados empíricos.
FIS e FIT são os índices de fixação, sendo uma medida
de correlação entre alelos homólogos relativamente à
população local e à população total, respetivamente,
podendo interpretar-se como desvios das frequências
esperadas em ditas populações em equilíbrio HW.
O estimador mais habitual é o índice FST e suas
modificações para genomas haploides como o ADNmt,
consideram-se com limitações uma medida da
subdivisão das populações.
Os métodos estatísticos acima referidos têm sido
modificados para a sua utilização com genomas extranucleares como o ADNmt. Devido às características
do ADNmt: rápida evolução, herança por via materna,
ausência de recombinação e a sua natureza haploide,
esta molécula apresenta numerosas vantagens para a
sua utilização em análises de estruturas populacionais.
O valor de Ne é aproximadamente a metade do estimado
para o ADN nuclear, sendo apenas ¼ o número efetivo
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81
de alelos relativamente aos autossomas, implicando
uma fixação de novos alelos mais rápido para o ADNmt.
Dentro da molécula, a maior taxa de substituição
nucleotídica da região controlo, permite análises mais
detalhadas dos eventos recentes.
Quando a variação genética se organiza historicamente
numa genealogia e se relaciona com o espaço
geográfico constitui a fitogeografia dessa espécie
(Avise, 1989).
3.3. FILOGEOGRAFIA
A distribuição de uma espécie numa área de tolerância
ecológica define-se por fatores demográficos históricos
e pelos seus padrões dispersivos. Vários modelos
tentam explicar a distribuição dos organismos. No
caso de taxas relacionados que apresentam uma
distribuição inconexa, preveem-se cenários de
dispersão populacional ou vicariante. Sob a perspetiva
da vicariança, ou intervalo contínuo geográfico ocupado
inicialmente por uma espécie ou população é dividido
em unidades isoladas devido à aparição de barreiras
geográficas, originando a distribuição observável.
Em contraposição, num processo dispersionista, a
distribuição atual surgiria mediante dispersão passiva
ou ativa a partir de um intervalo geográfico ancestral.
Os eventos climáticos e paleogeográficos ao largo
da história afetaram a distribuição de espécies e
populações. O seu efeito leva à extinção de taxas ou
82
populações, disponibilidade de novos nichos ecológicos
e regulação do fluxo génico através da criação ou
eliminação de barreiras biogeográficas. Assim, as
alterações climáticas Plio-pleistocénicas, as diferentes
etapas de glaciação e suas consequências sobre o
nível do mar, alteraram as possibilidades migratórias,
de colonização e sobrevivência em diversas áreas do
meio marinho. Estes eventos afetam de modo similar a
um grande número de espécies, com o qual é possível
reconstruir e comparar padrões filogeográficos
comuns em diversos taxas. Numa tentativa de
desenvolver um marco filogeográfico común para
os vertebrados, foi estabelecida a importância
capital dos eventos pleistocénicos na especiação e
diferenciação de populações, assim como padrões na
duração da especiação de aproximadamente 2 Ma.,
preferentemente em situações alopátricas, da maioria
dos vertebrados atuais.
Vários processos geográficos paradigmáticos foram
destacados pela sua implicação na história evolutiva
de múltiplas espécies marinhas, mostrando uma total
congruência com os padrões genealógicos e com
dados derivados da geografia histórica, oceanografia,
paleoclimatologia, paleontologia, etologia ou
demografia (Avise, 2000).
Junto a processos que historicamente afetaram a
demografia das populações, existem diversos modelos
etológicos que influem nos padrões filogeográficos.
Incluem-se aqui modelos migratórios para lugares de
postura (comportamento filopátrico).
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83
As características do ADNmt são responsáveis de que
cerca dos 70% dos estudos de filogeografia molecular
tenham recorrido à molécula de ADNmt como fonte de
dados. Sem embargo, a disponibilidade de marcadores
moleculares nucleares, em especial sequências de
microsatélites, permite na atualidade uma maior
diversidade de dados empíricos para abordar questões
filogeográficas.
3.4. DIFERENCIAÇÃO GENÉTICA NO MEIO
MARINHO
Nas análises da estrutura populacional de organismos
marinhos requerem-se elevados níveis de resolução,
devido à capacidade dispersiva no meio marinho.
Dependendo das características concretas do meio
(distância, correntes, estruturas hidrogeográficas,
barreiras geográficas) e da biologia de cada espécie
(distribuição, rotas migratórias, modelos filopátricos,
hábitos reprodutivos, duração da vida planctónica,
demografia,… ) observam-se diversos graus de
diferenciação genética entre populações de distintas
localidades geográficas, incluindo a total ausência de
diferenciação populacional.
Existe uma generalizada correlação entre o alto
potencial dispersivo, através de gâmetas e larvas, e
a escassa estrutura genética populacional. De forma
similar, também deve ser considerado o potencial
dispersivo de adultos com elevadas capacidades
migratórias.
84
O meio pelágico constitui o maior habitat contínuo
da superfície terrestre. A visão generalizada do
meio marinho como homogéneo e pouco propenso a
albergar diferenciações genéticas, contrasta com a
sua riqueza taxonómica. Isso deve-se a mecanismos
evolutivos que atuando sobre as populações marinhas
conduzem à divergência genética e especiação.
A interrupção do fluxo génico pela existência de um
isolamento reprodutivo provocado por barreiras
geográficas ou oceanográficas no meio marinho no caso
de eventos vicariantes ou por dispersão e colonização
é a base do conceito de especiação do modelo
alopátrico, acentuado em pequenas populações (Mayr
1942; Mayr 1963) e suas variantes como o isolamento
periférico (García-Ramos & Kirkpatrick 1997) e a
especiação parapátrica (Endler 1977). Em contraste, a
especiação simpátrica não requer uma separação de
tipo geográfica.
Sem embargo, a ausência generalizada de barreiras
geográficas infranqueáveis no meio marinho, a
elevada capacidade dispersiva de ovos e larvas e a
elevada capacidade migratória, em particular dos
escombrídios, junto com o elevado tamanho das
populações dificulta a divergência entre populações
em resposta a um limitado fluxo génico (Bohonak
1999; Palumbi 1994). Ainda assim, foram descritas
numerosas descontinuidades no meio marinho,
muitas delas implicadas em eventos de especiação.
Destacam-se os padrões de circulação oceânica e as
descontinuidades oceanográficas que delimitam áreas
biogeográficas e de habitats oceânicos e costeiros
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85
fragmentados (Palumbi, 1994). Nestes casos é possível
assim a aplicação do típico modelo de especiação
alopátrica, onde uma população contínua se fragmenta
devido a barreiras extrínsecas que impedem o fluxo
génico, originando a aparição de diferenciação génica
que conduz a barreiras intrínsecas reprodutivas.
O oceano aberto pode representar para as etapas
larvares ou peixes marinhos adultos uma infranqueável
barreira (Briggs 1974), assim como um cenário
adequado para fenómenos de isolamento por distância
entre populações com distribuições extremas (Pogson
et al. 2001; Pogson, Mesa & Boutilier 1995).
Eventos históricos paleogeográficos podem ser
responsáveis pela diversidade genética observada
em espécies pelágicas marinhas. Encontram-se
fundamentalmente relacionados com níveis da água do
mar, flutuações de temperatura e eventos de glaciação,
assim como fenómenos relacionados (salinidade,
níveis de O2, produtividade primária marinha, conexões
geográficas, etc.) (Avise, 2000; Avise, 2004).
Junto a esses mecanismos físicos, requeridos na
especiação alopátrica, diversos aspetos da biologia
das espécies podem provocar uma significativa
diferenciação genética. Os clássicos mecanismos de
isolamento (Avise, 1994), a coesão (Templeton, 1989),
são completamente aplicáveis ao meio marinho,
em especial aqueles classificados como prézigóticos. Assim, nos escombrídeos os padrões de
comportamento filopátricos, com hábitos reprodutivos
ligados a áreas geográficas muito concretas, são
86
comuns (Graves, 1996). O isolamento ecológico ou por
habitat, o isolamento temporal e a incompatibilidade
gamética também podem ser considerados nessas
espécies como uma possível fonte de isolamento
reprodutivo.
Nos mecanismos de divergência encontram-se
involucradas forças como a deriva genética, seleção
natural e mutação. A deriva genética origina uma
rápida diferenciação no caso de populações com
escasso tamanho (Kimura, 1979). Isto ocorre no meio
marinho quando uma população reduz drasticamente
o seu tamanho, atravessando um “gargalo de garrafa”,
ou durante um efeito fundador com colonização de um
novo habitat (Hampton & Templeton 1984; Mayr 1942).
A seleção natural encontra-se involucrada também
na divergência entre as populações submetidas a
diferentes pressões seletivas que ocorrem ao largo
do intervalo de distribuição de uma espécie (Hampton
& Templeton, 1984). A seleção sexual atua sobre
caracteres implicados na eleição do casal afetando ao
nível de fluxo génico levando, portanto, a diferenciação
relativamente à população ancestral (Fisher 1958;
Lande 1981).
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87
4
CASOS DE
ESTUDO
QUINTEIRO J, GONZÁLEZ N, ASSUNÇÃO P,
MENDOZA H
4.1. FILOGEOGRAFIA DAS ESPÉCIES -‐
ALVO
Introdução
No âmbito do projeto BANGEN foram definidas
como espécies-alvo as seguintes: Megabalanus
azoricus (Pilsbry, 1916), Octopus vulgaris (Cuvier,
1797), Sparisoma cretense (Linnaeus, 1758), Grapsus
adscensionis (Osbeck, 1765) y Plesionika edwardsii
(Brandt, 1851).
A estas espécies foi levada a cabo a análise da
sua diversidade genética para obter uma imagem
da filogeografia marinha macaronésica. A área
biogeográfica da Macaronésia compreende os
arquipélagos do Atlântico norte Açores, Madeira,
Selvagens, Canárias e Cabo Verde, além de uma
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89
amplia franja costeira africana situada frente a essas
ilhas que vai desde Marrocos até ao Senegal. Estas
situações geográficas tão díspares proporcionam
uma variabilidade climática sensível que condiciona
o povoamento biológico desta região, sendo que este
povoamento vai estar também influenciado pelas
notáveis diferenças nas distâncias ao continente.
Os arquipélagos macaronésicos estão constituídos
por ilhas vulcânicas oceânicas as quais começam a
ser povoadas desde que emergem, através de uma
série de agentes fundamentais que proporcionam a
dispersão genética e o povoamento insular.
Este projeto restringe-se ao espaço compreendido
pelos Açores, Madeira e Canárias. Assim, as amostras
e análises da estrutura genética das populações
restringe-se a essas áreas. O número de exemplares
amostrados por área geográfica foi entre 30 a 50
indivíduos, analisando-se um total de 700 indivíduos
(Figura 4.1).
Os protocolos utilizados para amostragem,
classificação, armazenamento, isolamento de ADN,
sequenciação e análises dos dados são os presentes
no “Guia de procedimentos e protocolos genéticos de
espécies marinhas” (BANGEN, 2012).
Para os organismos citados foi selecionado como
marcador molecular as sequências da região controlo
do ADN mitocondrial. Essa sequência foi selecionada
devido à sua elevada variabilidade, característica
requerida para uma potencial resolução da distribuição
geográfica através da diversidade genética.
90
Figura 4.1. Mapa abrangendo a área macaronésica e indicando as
zonas de amostragem para as espécies-alvo do projeto BANGEN.
Contudo, a ausência generalizada de sequências da
região controlo para estas espécies implicou uma
prévia caracterização dessas sequências e zonas
flanqueadas. Para isso foi necessário a amplificação
(PCR) com primers universais de desenho próprio, a
clonagem dos produtos de PCR, a sua sequenciação
e o desenho de primers específicos das espécies-alvo.
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91
Finalmente foram obtidos os amplicões da região
controlo tendo sido sequenciados para o total de cada
amostra.
1998). Assim foi possível observar a monofilia do
género Megabalanus. A espécie M. azoricus situase em posição basal como espécie irmã ainda que
divergente de M. spinosus (Figura 4.2).
Os dados básicos da diversidade genética e as
estimativas da estrutura genética (Fst y AMOVA)
foram obtidos com Arlequin (Excoffier, Laval &
Schneider 2005). Elaborou-se uma rede de haplotipos
apresentados por cada indivíduo através do software
Network (Bandelt, Forster & Rohl 1999).
Casos de estudo
Megabalanus azoricus (Pilsbry, 1916)
92
A craca, Megabalanus azoricus (Pilsbry, 1916), é
um balanomorfo explorado comercialmente tendo,
provavelmente, um estado de conservação crítico. O
género distribui-se através das ilhas atlânticas. Alguns
autores referem-se a M. azoricus como a espécie que
aparece nas ilhas dos Açores, Madeira, Selvagens e
Canárias. Esta espécie, provavelmente, está também
presente em Santa Helena, no Atlântico Sul. O estado
sistemático do género Megabalanus foi estudado, mas
não há informação disponível sobre a variabilidade
molecular deste género nas ilhas atlânticas.
A região controlo de M. azoricus foi amplificada
mediante os primers Mazo-12S-1F/Mazo-Ile-2R,
localizados nos flanques 12S ARNr e ARNt-Ile,
respetivamente.
Para clarificar a sua sistemática foi levada a
cabo a análise da sequência parcial de 16S ARNr
amplificada com os primers 16Sa e 16Sb (Palumbi,
Obtivram-se 157 sequências de indivíduos localizados
nos arquipélagos dos Açores, Madeira e Canárias. O
alinhamento destas sequências da região controlo de
Figura 4.2. Árvore filogenética baseada nas sequências parciais (397
pb) do 16S ARNr, incluindo um espécimen de Megabalanus azoricus
(Mazo CAN3). A árvore de Neighbor-joining elaborou-se com base nas
distâncias de Tamura-Nei com 2000 réplicas. A árvore filogenética foi
elaborada com o programa MEGA (Kumar et al. 2008).
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93
Megabalanus azoricus apresentou uma longitude de
426 pb. Os valores da diversidade genética (Tabela 4.1)
foram semelhantes para as três áreas amostradas,
ainda que levemente superior para a amostra da
Madeira.
Área
N
N hap
h
π
Açores
52
24
0,848
0,00983
Madeira
52
31
0,929
0,0104
Canárias
53
25
0,843
0,00922
Tabela 4.1. Valores básicos de diversidad genética para las secuencias
de la región control mitocondrial de las muestras de Megabalanus
azoricus. (h= diversidad haplotípica, π= diversidad nucleotídica).
A rede de haplotipos (Figura 4.3) mostra a presença
de vários haplogrupos maioritários. O haplogrupo
maioritário
encontra-se
proporcionalmente
representado nas três áreas, com um elevado
número de haplotipos próximos e radiais em forma
de estrela. Um segundo haplogrupo cinge-se, quase
exclusivamente, às Canárias e Açores, enquanto um
terceiro haplogrupo satélite encontra-se representado
exclusivamente em Madeira.
94
Figura 4.3. Rede dos haplotipos da região controlo mitocondrial de
Megabalanus azoricus, detetados nas análises das populações dos
Açores (azul), Madeira (verde) e Canárias (amarelo). A área do círculo é
proporcional à frequência dos haplotipos.
A existência do haplogrupo madeirense implica a
estimativa de valores significativos de diferenciação
(Fst) na comparação das áreas da Madeira com o resto.
Não se obtiveram valores significativos na comparação
entre as populações dos Açores e Canárias (Tabela 4.2).
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95
Octopus vulgaris (Cuvier, 1797)
Áreas
Madeira
Açores
0.06173*
Canárias
0.03984*
-0.00206
Tabela 4.2. Valores de Fst para las comparaciones entre las 3 muestras
de Megabalanus azoricus correspondientes a los archipiélagos de
Azores, Canarias y Madeira. * indica una P< 0,05.
No entanto, a avaliação da diferença da Madeira
em relação ao resto não é significativa, apesar de
representar um 5,29 da variância genética (Tabela 4.3).
Fonte de variação
graus de
liberdade
Soma dos
quadrados
Componente
da variancia
% variação
Entre grupos
1
14,491
0,16972
5,29
Entre populações
dentro de grupos
1
2,685
-0,00684
-0,21
Dentro das
populações
154
468,879
3,04352
A sequência da região controlo de O. vulgaris foi obtida
mediante a amplificação com os primers OVULCR3F e
OVULCR4R, localizados nos flancos ARN-Glu e COX3,
respetivamente. O alinhamento de tais sequências
mostrou uma longitude de 637 pb, incluindo-se um
total de 186 indivíduos.
Os valores de diversidade haplotípica são relativamente
baixos em todas as áreas, em especial na amostra dos
Açores (Tabela 4.4).
Área
N
N hap
h
π
Açores
52
12
0,650
0,00951
Madeira
48
15
0,810
0,01831
Canárias
38
11
0,764
0,01757
Galiza
48
17
0,840
0,00181
94,92*
Tabela 4.3. Valores de Fst para as comparações entre as 3 amostras de
Megabalanus azoricus correspondentes aos arquipélagos dos Açores,
Canárias e Madeira. * Indica uma P< 0,05.
96
O polvo comum, Octopus vulgaris (Cuvier, 1797),
define-se geralmente como subtropical cosmopolita,
submetido a uma forte exploração. No entanto,
subsistem dúvidas importantes acerca do seu estado
taxonómico através do globo. Além da clarificação
taxonómica, a compreensão da estrutura populacional
é crucial para a gestão partilhada deste recurso e numa
situação de sobrexploração.
Tabela 4.4. Valores básicos de diversidade genética para as
sequências da região controlo do ADN mitocondrial das amostras
de Octopus vulgaris. (h= diversidade haplotípica, π= diversidade
nucleotídica).
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97
A rede de haplotipos elaborada (Figura 4.4) mostra
uma importante divergência (20 mutações) entre 2
haplogrupos maioritários. Destaca-se a ausência de
um dos haplogrupos na amostra da Galiza (noroeste
da península ibérica).
Áreas
Galiza
Canárias
0.62427*
Açores
0.10730*
0.40712*
Madeira
0.47008*
0.00968
0.25381*
Tabela 4.5. Valores de Fst para las comparaciones entre las 3
muestras de Octopus vulgaris correspondientes a los archipiélagos de
Azores, Canarias, Galicia y Madeira. * indica una P< 0,05.
Em conformidade obtiveram-se valores significativos
nas análises de AMOVA entre as distintas populações,
donde se obtém a maioria da variância. No entanto,
a variância entre os grupos avaliados, incluindo a
península frente aos arquipélagos, não é significativa
(Tabela 4.6).
Figura 4.4. Rede dos haplotipos da região controlo do ADN mitocondrial de
Octopus vulgaris, detetados nas análises das populações dos Açores (azul),
Madeira (verde), Galiza (roxo) e Canárias (amarelo). A área do círculo é
proporcional à frequência dos haplotipos.
Os valores de diferenciação Fst foram todos
significativos com exceção do estimado para a
comparação das populações das Canárias e Madeira
(Tabela 4.5). O maior valor obtido é para as áreas
situadas no extremo do intervalo de amostragem:
Galiza e Canárias.
98
Fonte de variação
graus de
liberdade
Soma dos Componente da
% variação
quadrados
variância
Entre grupos
1
157.957
0.98341
14.04
Entre populações
dentro de grupos
2
168.615
1.75443
25.05*
Dentro das
populações
154
776.175
4.26470
60.90*
Tabela 4.6. Análises de AMOVA para as amostras de Octopus vulgaris
correspondentes aos arquipélagos dos Açores, Canárias, Madeira e
Galiza. A estrutura avaliada é (Galiza (Açores, Canárias, Madeira). * indica
uma P< 0,05.
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99
Sparisoma cretense (Linnaeus, 1758)
A veja, Sparisoma cretense, é um peixe da família
Scaridae, constituindo um recurso pesqueiro muito
apreciado. Ainda que num trabalho prévio tenha
sido tratada a estrutura genética de S. cretense no
Atlântico Norte, este não foi centrado na estrutura dos
arquipélagos macaronésicos, com um limitado tamanho
da amostra e considerando quase exclusivamente
sequências conservadas com repetições em tandem
(Bernardi et al. 2000).
Neste trabalho, a região controlo parcial de S. cretense,
correspondente a 124 indivíduos, foi amplificada
em dois fragmentos. No primeiro contém o domínio
esquerdo, com sequências repetitivas que dificultam
a sequenciação, mediante os primers Scre F1 Pro/
Scre 3R CSB que se encontram localizados no ARNtPro e no região de sequência conservada, localizado
na zona central da região controlo, respetivamente.
O segundo fragmento, contendo o domínio direito da
região controlo, foi amplificado com os primers Scre
4F CSB e Scre R2 Phe, localizados na CSB e ARNtPhe, respetivamente. Na análise das sequências foi
eliminada a zona com repetições em tandem, com um
alinhamento final de 1069 pb de longitude.
Área
N
N hap
h
π
Açores
49
43
0,99150
0,00428
Madeira
39
31
0,98381
0,00377
Canárias
36
28
0,97619
0,00347
Tabela 4.7. Valores básicos de diversidade genética para as sequências
da região controlo do ADN mitocondrial das amostras de Sparisoma
cretense. (h= diversidade haplotípica, π= diversidade nucleotídica).
A rede de haplotipos elaborada mostra 2 haplogrupos
separados por um limitado número de mutações,
acompanhados de haplotipos radiais em baixa
frequência. A presença dos haplotipos é similar nas 3
áreas de amostragem (Figura 4.5). Em conformidade
com essa homogénea distribuição geográfica dos
haplotipos os valores estimados de diferenciação
(Fst) são próximos a 0, sem nenhuma significância
(Tabela 4.8).
Os valores da diversidade haplotípica (h) são elevados,
com uns modestos valores de diversidade nucleotídica
(π). Ambos os valores são similares para as 3 áreas
avaliadas (Açores, Madeira e Canárias) (Tabela 4.7).
100
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101
Grapsus adscensionis (Osbeck, 1765)
Figura 4.5. Rede dos haplotipos da região controlo mitocondrial de
Sparisoma cretense, detetados nas análises das populações dos
Açores (azul), Madeira (verde) e Canárias (amarelo). A área do círculo é
proporcional à frequência dos haplotipos.
Áreas
Açores
Canárias
-0.00251
Madeira
-0.00784
-0.00222
O caranguejo judeu ou cabra, Grapsus adscensionis
(Osbeck, 1765) é um grapsoide que se distribui através
do Atlântico Este. Classificado como G. grapsus até
1990, foi separado da espécie congénere presente no
Pacífico, incluindo ilhas como as Galápagos, das quais
é uma espécie representativa. Além de características
morfológicas diferenciadas nos adultos, foram
descritas diferenças morfológicas entre estas duas
espécies no estado larvar. Os estudos moleculares
disponíveis situam-no dentro da Família Grapsidae,
num subtipo com Pachygrapsus e Metopograpsus. No
entanto, não existem dados sobre a diversidade desta
espécie com escassa informação genética.
A região controlo de Grapsus adscensionis e as regiões
laterais foram caracterizadas, permitindo o desenho
dos primers Gra-12S-1F e Gra-Gln-2R, localizados no
12S ARNr e ARNt-Gln, respetivamente. O alinhamento
obtido inclui 653 pares de bases e 127 indivíduos
analisados.
Os valores de diversidade haplotípicos são elevados
com um moderado valor de diversidade nucleotídica,
especialmente na amostra dos Açores (Tabela 4.9).
Tabela 4.8. Valores de Fst para as comparações entre as 3 amostras
de Sparisoma cretense correspondentes aos arquipélagos dos Açores,
Canárias e Madeira. * indica uma P< 0,05.
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103
Área
N
N hap
h
π
Áreas
Açores
53
31
0,9427
0,00297
Açores
Madeira
31
19
0,9462
0,00408
Canárias
0.05293 *
Canárias
43
29
0,9712
0,005
Madeira
-0.00404
Tabela 4.9. Valores básicos de diversidad genética para las secuencias de
la región control mitocondrial de las muestras de Grapsus adscensionis.
A rede de haplotipos mostra a presença de
dois
haplogrupos
intimamente
relacionados,
acompanhados de haplotipos radiais, em menor
frequência, e representados nas três áreas de
amostragem (Figura 4.6). No entanto, os valores de
Fst, obtidos das comparações interamostrais indicam
uma baixa, mas significativa, diferenciação entre as
amostras dos Açores e Canárias (Tabela 4.10).
0.07325*
Tabela 4.10. Valores de Fst para as comparações entre as 3 amostras
de Grapsus adscensionis correspondentes aos arquipélagos dos Açores,
Canárias e Madeira. * Indica uma P< 0,05.
Plesionika edwardsii (Brandt, 1851)
O camarão soldado, Plesionika edwardsii (Brandt,
1851) é um decápode da família Pandelidae. Apresenta
pouca informação genética nas bases de dados
públicas (Genbank e BOLD) e de igual forma ausência
de trabalhos prévios sobre a sua estrutura genética
populacional.
A região controlo de Plesionika edwardsii, junto com
as suas regiões flanqueadas foram caracterizadas,
permitindo o desenho dos primers Ples-12S-1F e
Ples-Ile-3R, localizados no 12S ARNr e ARNt-Ile,
respetivamente. O alinhamento obtido inclui 630 pares
de bases e 106 indivíduos analisados.
Figura 4.6. Rede dos haplotipos da região controlo do ADN mitocondrial
de Grapsus adscensionis, detetados nas análises das populações dos
Açores (azul), Madeira (verde) e Canárias (amarelo). A área do círculo é
proporcional a frequência dos haplotipos.
104
Os valores de diversidade haplotípicos são extremos
com uns valores máximos de 1, não se detetando
dois haplotipos idênticos. A diversidade nucleotídica
também é elevada, como é esperado da divergência
observada entre os ditos haplotipos (Tabela 4.11).
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105
Área
N
N hap
h
π
Açores
41
41
1
0,037533
Madeira
37
37
1
0,037127
Canárias
28
28
1
0,037648
Em congruência com a distribuição observada na rede de
haplotipos, observam-se uns valores de Fst próximos a
0 e não significativos em comparação entre populações,
indicando ausência de diferenciação (Tabela 4.12).
Áreas
Tabela 4.11. Valores básicos de diversidad genética para las secuencias de
la región control mitocondrial de las muestras de Plesionika edwardsii.
A rede de haplotipos obtida para Plesionika
edwardsii mostra uma distribuição homogénea, sem
agrupamentos de haplotipos divergentes. A elevada
presença de nós intermédios corresponde a haplotipos
não amostrados ou não existentes, situados numa
posição intermédia conectando dois ou mais haplotipos
se detetados (Figura 4.7).
Canárias
Açores
-0.00052
Madeira
0.00432
-0.00518
Tabela 4.12. Valores de Fst para as comparações entre as 3 amostras
de Plesionika edwardsii correspondentes aos arquipélagos dos Açores,
Canárias e Madeira. * Indica uma P< 0,05.
Discussão
A análise da estrutura genética das espécies-alvo
do projeto BANGEN requer o uso de marcadores
moleculares com elevada sensibilidade, capazes de
promover uma suficiente resolução requerida por
estes estudos micro-evolutivos. Entre as sequências
mitocondriais, a região controlo, com seus domínios
hipervariavéis, apresenta esta potencial resolução.
Figura 4.7. Rede dos haplotipos da região controlo mitocondrial de
Plesionika edwardsii, detetados nas análises das populações dos
Açores (azul), Madeira (verde) e Canárias (amarelo). A área do círculo é
proporcional à frequência dos haplotipos. Os nós (a vermelho) indicam a
presença de haplotipos intermédios não existentes ou não amostrados.
106
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107
Ainda que presente na maioria dos metazoários, a
região controlo tem diferentes características tais como
longitude e presença de motivos repetitivos. Também
a sua posição relativa dentro do gene mitocondrial é
variável. Nas espécies estudadas esta variabilidade
foi mostrada. Assim, nos crustáceos analisados
(Megabalanus azoricus, Grasus adscensionis e
Plesionika edwardsii), a região controlo encontra-se
flanqueada pelo 12S ARNr no seu extremo 5’ e pelos
ARNt, ARNt-Ile, ARNt-Gln e ARNt-Met. No molusco, O.
vulgaris, a região controlo situa-se entre o 12S ARNr
e um par de ARNt, dos quais o ARNt-Gly é o mais
próximo ao extremo 5’. No extremo 3’ situa-se o gene
COX3. No caso da veja, S. cretense, a região controlo
mantém a ordem genética dos vertebrados, com os
ARNt-Pro e ARNt-Phe, flanqueando nos extremos 5’ e
3’, respetivamente. A caracterização dessas áreas dos
flancos permitiu o desenho localizado nessas posições
conservadas.
A obtenção do mesmo marcador, a hipervariavél
região controlo, para todos os taxa alvo, permite
uma apropriada e direta comparação dos valores de
diversidade genética.
Os valores de diversidade haplotípica (h), em geral estão
acima dos 0,90, com a exceção dos valores estimados
para o polvo, O. vulgaris, com valores situados entre
0,6 e 0,8, sendo o máximo obtido de 1 para Plesionika
edwardsii. Os valores de maior diversidade nucleotídica
(π) obtêm-se para Plesionika edwardsii (0,035), seguidos
dos valores para M. azoricus e O. vulgaris (0,009-0,018),
enquanto os menores se obtêm para G. adscensionis e
S. cretense (0,002-0,005).
108
Em ambos os casos destacam os valores de Plesionika
edwardsii, onde o máximo valor de h e π são congruentes
com um tamanho populacional de magnitude superior
ao resto de espécies-alvo. Assim, valores elevados de
h e π, indicam uma população estável com um amplio
tamanho efetivo. A craca M. azoricus é uma espéciealvo com elevados valores de diversidade, congruente
também com um maior tamanho populacional,
ainda que poderia ser igualmente reflexo da mistura
de populações historicamente isoladas. Tanto G.
adscensionis como S. cretense apresentam um baixo
valor de π, congruente com um rápido crescimento
populacional a partir de populações ancestrais com
um escasso tamanho populacional. Pelo contrario, o
baixo valor de h e relativamente elevado de π, indicaria
a ocorrência de fenómenos de gargalo de garrafa
nesta espécie explorada, caracterizada por vários
recrutamentos anuais. Além disso, o elevado valor de
π, pode estar influenciado pela existência de haplotipos
altamente divergentes (Avise, 2000).
Com a exceção de Plesionika edwardsii, as redes de
haplotipos mostram a presença de dois haplogrupos
principais, acompanhados de haplotipos radiais
próximos em forma de estrela. A divergência entre
ambos haplogrupos é variavel. O polvo, O. vulgaris,
apresenta a maior divergência entre os ditos
haplogrupos, enquanto que G. adscensionis e S. cretense
a menor, em congruência com os valores obtidos de
π. Estes haplogrupos encontram-se representados,
com diferentes frequências, nas áreas amostradas,
com a exceção de um haplogrupo de O. vulgaris, que
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109
não se encontra presente na amostra peninsular. Um
haplogrupo radial ainda que divergente de M. azoricus é
exclusivo da Madeira.
A presença desses pares de haplogrupos maioritários
e divergentes provavelmente tenham a sua origem
no isolamento histórico de linhagens ancestrais.
No meio marinho os fenómenos de isolamento são
comuns a todos os taxa, afetando de forma similar
os diversos organismos, resultando disso similares
padrões filogeográficos (Avise, 2000). O paralelismo
nas topologias das redes de haplogrupos representaria
o padrão comum originado por um fenómeno de
isolamento, persistência e diferenciação num refúgio e
posterior colonização, ligados à história paleoclimática
do Atlântico Norte.
A biologia de Plesionika edwardsii, com uma distribuição,
biologia reprodutiva e capacidade dispersiva
significativamente distinta ao resto das espécies,
resultaria num único pool genético para as áreas de
amostragem consideradas dentro da Macaronésia.
caso, não é descartável um fenómeno de isolamento
por distância. No caranguejo judeu, G. adscensionis, a
falta de diferenciação ocorre entre Açores e Madeira.
A dinâmica larvária e demográfica e a ausência ou
escassa mobilidade em etapas adultas, e incluso a
influência humana, são fatores que desenham o padrão
filogeográfico mostrado.
Pelo contrário a historia filogeográfica de S. cretense,
junto com a sua maior capacidade dispersiva na etapa
adulta, provavelmente seja responsável do padrão com
ausência de diferenciação genética.
Os paralelismos observados nos congruentes padrões
de diversidade genética são o resultado de processos
filogeográficos marinhos comuns no Atlântico Norte
e refletem a unidade biogeográfica dos arquipélagos
macaronésicos considerados, Açores, Madeira e
Canárias.
A craca, M. azoricus, o caranguejo judeu, G. adscensionis,
e o polvo, O. vulgaris, apresentam valores generalizados
e significativos de diferenciação entre populações. Para
a primeira espécie a amostra da Madeira apresenta
uma diferenciação significativa relativamente às outras
espécies, em congruência com a existência de grupos
de haplotipo específicos da Madeira e das Canárias
mais Açores. No polvo, O. vulgaris, estimaram-se
valores significativos de diferenciação, exceto para
as ilhas das Canárias e Madeira. No entanto, neste
110
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111
Conclusões
As análises da diversidade genética nas espécies
Megabalanus azoricus (Pilsbry, 1916), Octopus vulgaris
(Cuvier, 1797), Sparisoma cretense (Linnaeus, 1758),
Grapsus adscensionis (Osbeck, 1765) e Plesionika
edwardsii (Brandt, 1851), permitiu obter uma imagem
da filogeografia marinha macaronésia.
Os valores estimados de diversidade para cada espécie
alo longo dos arquipélagos dos Açores, Madeira e
Canárias refletem as peculiaridades da sua biologia
e demografia, com uma significante diferenciação
entre arquipélagos no caso das espécies de craca (M.
azoricus), caranguejo judeu (G. adscensionis) e o polvo
(O. vulgaris).
Com a exceção do camarão soldado (P. edwardsii),
detetou-se a presença de pares de haplogrupos
maioritários e divergentes que, provavelmente, tenham
a sua origem no isolamento histórico de linhagens
ancestrais.
4.2. ESPÉCIE INTRODUZIDA Sparus aurata
A possibilidade de escapar para o meio marinho dos
organismos em cultivo foi investigada pelo grupo
SISMOL da USC. O caso concreto implica o cultivo de
dourada, Sparus aurata, em instalações de jaulas em
mar aberto nas ilhas Canárias.
Numa primeira fase se foi levado a cabo a obtenção
de amostras de tecido tanto de indivíduos capturados
do meio natural, selvagens ou originários de possíveis
fugas de instalações de cultivo adjacentes, assim como
de indivíduos de cultivo, obtidos em estabelecimentos
comerciais.
A partir dessas amostras procedeu-se ao isolamento
do ADN total e a amplificação multiplex com 7
marcadores de sequências STRs específicas de S.
aurata, procedendo-se à genotipagem de um total de
82 indivíduos, sendo N=37 indivíduos selvagens e N=
45 indivíduos procedentes de cultivo (Tabela 4.13).
Evidencia-se um padrão filogeográfico marinho
comum associado, provavelmente, a processos
idênticos de isolamento, persistência e diferenciação
num refúgio e posterior colonização, associados à
história paleoclimática do Atlântico Norte.
112
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113
Locus
k
k
k
selvagem cultivo
N
HObs
HExp
PIC
HW
SauI47INRA
Ϭ͕ϱ
Ϭ͕Ϯ
Ϭ͕ϰ
Ϭ͕ϭϱ
Ϭ͕ϭ
ƐĂůǀĂũĞ
Ϭ͕Ϭϱ
ĐƵůƚŝǀŽ
Frecuencia
Frecuencia
SauK140INRA
Ϭ͕Ϯϱ
Ϭ
Ϭ͕ϯ
Ϭ͕Ϯ
ϳϮ ϳϲ ϳϴ ϴϬ ϴϮ ϴϰ ϴϲ ϵϬ ϵϮ ϵϰ ϵϲ ϵϴ
ϵϱ
SauD182INRA
12
6
12
10
6
10
8
5
77
74
62
0.779
0.622
0.597
0.860
0.875
0.807
0.757
0.839
0.839
0.856
0.776
0.715
NS
ND
Ϭ͕ϴ
Ϭ͕ϱ
Ϭ͕ϰ
Ϭ͕ϯ
Ϭ͕Ϯ
ƐĂůǀĂũĞ
Ϭ͕ϭ
ĐƵůƚŝǀŽ
Ϭ
Ϭ͕ϲ
Ϭ͕ϰ
ĐƵůƚŝǀŽ
Ϭ
Alelos
Alelos
PbMS2
SaI12
Ϭ͕ϯ
Ϭ͕Ϯϱ
Ϭ͕Ϯ
Ϭ͕ϭϱ
Ϭ͕ϭ
Ϭ͕Ϭϱ
Ϭ
NS
ƐĂůǀĂũĞ
Ϭ͕Ϯ
ϭϬϵ ϭϭϱ ϭϭϳ ϭϭϵ ϭϮϭ ϭϮϯ ϭϮϱ ϭϮϳ
ND
NS
Frecuencia
0.795
0.859
ϭϬϬ
ϭϭϰ
ϭϭϲ
ϭϭϴ
ϭϮϮ
ϭϮϰ
ϭϮϲ
ϭϮϴ
ϭϯϬ
ϭϯϮ
ϭϯϰ
ϭϯϲ
78
0.785
Frecuencia
12
79
Ϭ͕ϰ
ƐĂůǀĂũĞ
ĐƵůƚŝǀŽ
Ϭ͕ϯ
Ϭ͕Ϯ
ƐĂůǀĂũĞ
Ϭ͕ϭ
ĐƵůƚŝǀŽ
Ϭ
ϭϮϲ ϭϯϮ ϭϯϴ ϭϰϰ ϭϱϬ ϭϱϰ ϭϲϮ ϭϳϴ
ϮϮϲ
Ϯϯϰ
ϮϰϬ
ϮϰϮ
Ϯϰϰ
Ϯϰϲ
Ϯϰϴ
ϮϱϮ
Ϯϱϱ
Ϯϲϰ
Ϯϲϲ
Ϯϲϴ
SauG46INRA
12
10
14
ϭϬϭ ϭϬϯ ϭϬϱ ϭϬϳ ϭϬϵ
SauH98INRA
Frecuencia
SauK140INRA
12
10
ϵϵ
Alelos
Alelos
Frecuencia
SaI12
15
ĐƵůƚŝǀŽ
Ϭ
SauG46INRA
PbMS2
ƐĂůǀĂũĞ
Ϭ͕ϭ
Alelos
Alelos
SauD182INRA
SauH98INRA
7
8
5
5
7
7
76
82
0.737
0.439
0.669
0.432
0.605
0.400
NS
NS
Ϭ͕ϱ
Frecuencia
SauI47INRA
Ϭ͕ϰ
Ϭ͕ϯ
Ϭ͕Ϯ
ƐĂůǀĂũĞ
Ϭ͕ϭ
ĐƵůƚŝǀŽ
Ϭ
ϮϲϮ
Tabela 4.13. Loci microsatélite caracterizados nas amostras de
indivíduos selvagens e de cultivo de Sparus aurata (k =número de
alelos, HObs=heterozigosidade observada, HExp =Heterozigosidade
esperada, PIC=Conteúdo informativo polimórfico, HW=test de HardyWeinberg, NS= não significativo, ND= não aplicável.)
A partir das amostras analisadas observam-se
maioritariamente alelos partilhados entre indivíduos
selvagens e cultivados. Assim, a distribuição das suas
frequências alélicas é semelhante (Figura 4.8).
114
Ϯϲϲ
Ϯϲϴ
ϮϳϬ
ϮϳϮ
Ϯϳϰ
Alelos
Figura 4.8. Distribuição dos tamanhos alélicos para cada um dos loci
analisados, nas amostras consideradas de cultivo (cultivo-azul) e
procedentes do meio natural (selvagens-verde).
A aproximação mediante a comparação das amostras
provenientes do meio natural e de cultivo, considerandose estas como populações, é inadequada. Assim, não
se pode assumir que a população do meio natural seja
homogénea já que, provavelmente, contém indivíduos de
diferentes origens (selvagem e cultivado). Além disso, a
presença de indivíduos originários após escaparem, não
tem por que ser representativa dos genótipos presentes
em cultivo, já que tais fenómenos, se existirem, seriam
pontuais, de determinadas instalações e com uma
composição alélica determinada.
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115
Ainda tendo em conta essas considerações, realizaramse análises de probabilidade de proximidade dos
haplótipos individuais a cada uma das amostras de cultivo
e do meio natural (Waser & Strobeck, 1998). Observouse como a maioria dos indivíduos de cultivo e do meio
se agrupam em nuvens isoladas, no entanto existem
indivíduos que se sobrepõem entre ambas as nuvens.
Isto indicaria, por exemplo, a maior probabilidade de
aproximação de um individuo “selvagem” à amostra de
cultivo que à do meio (Figura 4.9).
Figura 4.9. Probabilidades de proximidade de un individuo à sua
amostra correspondente. Em círculos azuis encontram-se os
indivíduos capturados no meio (“Selvagem”), enquanto os quadrados
verdes indicam os indivíduos procedentes de cultivo.
4.3. ANÁLISES FILOGENÉTICAS DE MICROALGAS
DO GÉNERO Dunaliella (Chlorophyceae,
Dunaliellales)
Introdução
Chama-se fitoplâncton (plâncton vegetal) ao conjunto
dos organismos aquáticos autotróficos do plâncton, que
têm capacidade fotossintética e que vivem dispersos
na água. A sua importância é fundamental dado que
são responsáveis por 95% da produtividade primária
dos oceanos, constituindo o alimento do zooplâncton.
O fitoplâncton afeta a quantidade e diversidade de
organismos marinhos e mantém em funcionamento os
ecossistemas marinhos (Figura 4.10). Tem a capacidade
de fixar o CO2 atmosférico e produz o 50% do oxigénio
molecular necessário para a vida terrestre. O fitoplâncton
apresenta uma grande biodiversidade, encontrando-se
diversas espécies em função das condições naturais do
lugar e da presença/ausência de nutrientes, fenómenos
de eutrofização, etc. Está constituído principalmente
por algas unicelulares microscópicas, sendo as
cianobactérias, as diatomáceas, e os dinoflagelados os
organismos mais abundantes (Figura 4.11).
Levou-se também a cabo análises de AMOVA e análises
de parentesco, planeadas para observar o grau de relação
parental entre os indivíduos de cada amostra (cultivo
e do meio). Estas análises, em conjunto, mostram uma
situação congruente com a liberação de indivíduos de
cultivo ao meio natural e a sua sobrevivência e reprodução.
116
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117
Fitoplâncton
Produtores
primários
Zooplâncton
Consumidores
primários
Larvas de
invertebrados
Larvas de
vertebrados
Consumidores
secundários
Adultos
invertebrados
Adultos
vertebrados
Consumidores
terceários
Ser humano, outros animais
Consumidores
quaternários
Figura 4.10. Cadeia alimentar no mar.
O seu pequeno tamanho e a escassez de marcadores
morfológicos, a incapacidade de cultivar muitas das
espécies e a dificuldade de obter amostras para
estudos de estabilização, dificultaram o conhecimento
da biodiversidade e estrutura das populações. Não
obstante, nas últimas décadas, o desenvolvimento
de diferentes técnicas de biologia molecular (PCR,
real-time PCR, FISH, microarrays, RFLP, DGGE,
SSCP, RAPD, AFLP, etc.), associado ao aumento do
número de sequências genéticas no Genebank e
marcadores moleculares, têm facilitado em grande
medida a investigação do fitoplâncton e de outros
microrganismos. Cada uma destas técnicas tem as
suas ventagens e inconvenientes, dependendo do seu
uso, mas as principais aplicações são a identificação
de espécies, estudo de populações, estudo de a
biodiversidade e o estabelecimento de relações
filogenéticas inter- e intra-espécies.
A identificação taxonómica de espécies ou cepas
utilizando as ferramentas da biologia molecular
propicia um novo tipo de dados, bastante fiável e
objetivo, que pode ser utilizado para verificar ou
reconstruir a classificação de espécies baseada em
métodos convencionais que tem em conta apenas os
caracteres morfológicos e fisiológicos, caracterizados
por uma grande subjetividade.
Figura 4.11. Observação microscópica de diferentes
espécies de fitoplâncton.
118
Outra aplicação das técnicas de biologia molecular é
a identificação de fitoplâncton tóxico. As espécies de
fitoplâncton tóxico são um problema crescente em
ecossistemas marinhos e de água doce, devido à sua
capacidade de produzir toxinas que são um risco para
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119
Análises filogenéticas de microalgas do género Dunaliella
(Chlorophyceae, Dunaliellales)
animais e humanos. O seu conhecimento é importante
para poder definir as estratégias sanitárias a levar
a cabo no caso de um bloom de algas nocivas; por
exemplo, a deteção de espécies de fitoplâncton tóxico
em zonas de cultivo de bivalves é essencial, já que
as toxinas produzidas incorporam-se nos mesmos e
podem passar ao ser humano, produzindo também
grandes perdas económicas no sector pesqueiro.
Por outra parte, muitas das espécies de fitoplâncton
são identificadas e estudadas com o objetivo de saber
se produzem moléculas de interesse biotecnológico,
procurando aplicações puramente comerciais, como a
indústria farmaceutica, a nutrição animal e humana, a
cosmética, o biodiesel, entre outras. Nestes casos, as
ferramentas de biologia molecular aportam rapidez na
confirmação da presença de espécies de interesse em
cultivos, ou no potencial da espécie de interesse em
novos formatos alimentários, suplementos dietéticos,
pensos, etc. Por outro lado, também permitem verificar
a presença/ausência de espécies de fitoplâncton tóxico
(ex.: diatomáceas, dinoflagelados, etc.) em cultivos
de microalgas para alimentação humana e animal. A
aplicação das ferramentas de biologia molecular são
de grande importância porque a maioria das vezes
os métodos tradicionais apenas permitem chegar
de forma fiável à identificação do género, e dentro
do género existem espécies tóxicas e não tóxicas,
espécies que produzem a molécula de interesse e
outras que não a produzem.
120
Passaram cem anos desde a descrição do género
Dunaliella, as algas verdes unicelulares que se
encargam da maior parte da produção primária de
diferentes habitats em todo o mundo, em especial
de ambientes hipersalinos. Nesse século que passou
desde a sua descrição formal, Dunaliella tornou-se
num organismo modelo para o estudo da adaptação
das microalgas em ambientes extremos. A criação
do conceito de solutos orgânicos compatíveis para
proporcionar equilíbrio osmótico baseia-se em
grande medida no estudo de espécies de Dunaliella.
Além disso, a acumulação massiva de β-caroteno e
glicerol por algumas espécies quando em condições
adequadas de crescimento, deu lugar a interessantes
e rentáveis aplicações biotecnológicas e comerciais
(Figura 4.12).
Figura 4.12. Observação microscópica de Dunaliella salina em fase
verde (esquerda) e em fase vermelha direita) correspondente à
produção de carotenos.
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121
A taxonomia do género Dunaliella é um verdadeiro
desafio, devido fundamentalmente a facto de que
estas microalgas são capazes de crescer em diferentes
habitats (oceanos, salinas, lagos, ambientes ácidos,
etc.) e que o facto de não possuírem parede celular lhes
permite adotar diferentes morfologias (Figura 4.13).
Atualmente o género Dunaliella está composto por 28
espécies separadas em dois subgéneros, Pascheria
(espécies de água doce) e Dunaliella (espécies
de origem marinho), e este último divide-se em 4
secções: Tertiolecta, Dunaliella, Viridis e Peirceinae
(Figura 4.13). No entanto, esta classificação clássica
desperta muitas dúvidas, uma vez que está baseada
apenas em aspetos morfológicos e fisiológicos. Por
outro lado, há evidência de que muitas das espécies de
Dunaliella descritas estão mal identificadas, existindo a
hipótese de que não haja tantas espécies de Dunaliella
como as que estão oficialmente descritas. Por estas
razões, para a identificação de muitas microalgas,
incluindo as do género Dunaliella, é necessário recorrer
a parâmetros que estejam submetidos a uma menor
subjetividade, como podem ser os dados obtidos de
análises de sequências genéticas.
O objetivo deste estudo foi sequenciar o gen ITS2
(Internal Transcribed Spacer) de diferentes cepas
de campo do género Dunaliella originárias das Ilhas
Canárias e compará-las com todas as sequências
disponíveis atualmente na base de dados genética
Genbank. As análises das sequências têm sido
realizadas através dos programas informáticos
122
Figura 4.13. Taxonomia atual do género Dunaliella baseada
exclusivamente em parâmetros fisiológicos e morfológicos.
disponíveis na ITS2 database (http://its2.bioapps.
biozentrum.uniwuerzburg. de/) que permitem a análise
da estrutura primária e secundária do gene. Além das
análises filogenéticas, também se analisou o número
de CBCs (Compensatory Base Changes) existentes
entre cada sequência. A existência de pelo menos um
CBC entre duas sequências significa que essas cepas
correspondem a espécies diferentes com um grau
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123
de confiança de 93%. Infelizmente estas análises só
funcionam num sentido, uma vez que a ausência de CBCs
entre duas sequências não significa que correspondam
à mesma espécie, ou seja, que a ausência de CBCs não
permite concluir absolutamente nada.
Os resultados das análises filogenéticas realizadas,
permitiram chegar a uma série de conclusões ou
sugestões sobre o género Dunaliella (Figura 4.14):
1. Subgénero Pascheria: a espécie descrita como
Dunaliella lateralis não pertence ao género Dunaliella.
Os dados indicam que Dunaliella acidophila, até agora
incluída no género Pascheria, deve ser posicionada
dentro do subgénero Dunaliella. Propõe-se que o
subgénero Pascheria fique obsoleto, uma vez que
as únicas duas espécies disponíveis atualmente na
natureza e em qualquer coleção de cultivos são D.
lateralis e D. acidophila.
2. Dunaliella salina: os dados indicam que este grupo
está caracterizado por uma grande variabilidade
genética, existindo evidências de que se poderiam
dividir em dois grupos biológicos distintos. De todas
as cepas analisadas desta espécie, destaca-se uma
cepa canária (ITC5105) originária das salinas “Janubio”
de Lanzarote que se caracteriza por uma sequência
genética única. Possui também pelo menos um CBC
com as sequências das outras espécies (a única
exceção são duas cepas posicionadas num clado
distante dela). Os dados obtidos não permitiram inferir
sobre a origem geográfica das cepas.
124
3. Dunaliella pseudosalina: Esta espécie não
está filogeneticamente relacionada com
nenhuma cepa de D. salina (como sempre
indicou a taxonomia clássica). Encontra-se
filogeneticamente mais próxima às cepas de D.
viridis.
4. Dunaliella viridis: as cepas desta espécie foram
posicionadas em 4 clados diferentes, sugerindo
que também neste caso, se pode tratar de
diferentes entidades biológicas. A cepa D. viridis
var. euchlora (CCAP19/21) foi posicionada dentro
do subgénero Dunaliella, no entanto D. viridis
var. palmelloides (CCAP11/34) foi posicionada
claramente (com suporte estatístico) fora deste
subgénero, existindo fortes evidências de que
está mal identificada e não é uma Dunaliella
(possui mais de 3 CBCs com qualquer sequência
analisada). Propõe-se renomeá-las “D. euchora”
e “D. palmelloides”, respetivamente, até que se
esclareça a sua verdadeira identidade.
5. Observou-se que muitas espécies distintas
pertencentes às 4 diferentes secções do
subgénero Dunaliella, possuem a mesma
sequência genética do gene ITS2, sugerindonos que podem estar mal identificadas e
corresponder exatamente à mesma espécie.
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125
Por outra parte, detetou-se que é bastante difícil
fazer análises filogenéticas com as sequências
existentes em Genbank, devido a muitas identificações
erróneas das cepas e das suas sequências. Muitas
vezes a verdadeira identificação da espécie de uma
determinada cepa, só é possível depois de consultar
diferentes bibliografias nas quais os autores tenham
trabalhado fisicamente com elas. Por estas razões
sugerimos o estabelecimento de uma cepa de
referência por cada espécie, subespécie ou variedade,
que estaria publicamente disponível em alguma
coleção de cultivo oficial, de maneira a que pudessem
ser adquiridas facilmente. Deste modo se poderiam
comparar estas cepas com as novas cepas de campo,
facilitando desta maneira as análises filogenéticos, ou
outro tipo de análises. O objetivo é evitar que se siga
gerando informação errónea ou falsas conclusões.
Este estudo permite-nos concluir que a taxonomia
do género Dunaliella deve ser revisada. Para isso,
além dos parâmetros fisiológicos e morfológicos,
tradicionalmente utilizados na identificação de
microalgas, que são difíceis de interpretar e sujeitos
a grande subjetividade, deve também ter-se em conta
parâmetros genéticos, como são as análises baseados
em sequências de ADN, que são bastante mais
rigorosos e fiáveis.
Figura 4.14. Árvore filogenética do género Dunaliella baseado em
sequências do ITS2 obtida com o software ProfDistS (100 replicados).
Nos nós indicam o valor de suporte estatístico (bootstrap).
126
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127
4.4. APLICAÇÃO DE TECNOLOGIAS
MOLECULARES AO ESTUDO DA DIVERSIDADE
BIOLÓGICA NO PLÂNCTON MARINHO
Introdução
O estudo das comunidades zooplanctónicas é de
vital importância para a compreensão da dinâmica e
estrutura das populações de organismos marinhos e
a correta gestão dos recursos marinhos selvagens e
cultivados. No entanto, as dificuldades metodológicas
para o estudo da biologia das primeiras fases do
ciclo biológico destes recursos, dificultam este tipo
de estudos fundamentais. As análises moleculares
mostraram a sua eficiência na identificação, deteção
e quantificação de larvas, tarefa inviável ou altamente
difícil com outras metodologias, baseadas no
reconhecimento morfológico (Quinteiro et al. 2011).
O desenho de áreas protegidas, planos e estratégias de
conservação de espécies, a identificação de espécies
exóticas ou invasoras, requerem um conhecimento
prévio e básico sobre a estrutura genética das mesmas
e a sua área de estabelecimento. Isto permitirá
conhecer a diversidade genética e a sua organização,
com a finalidade de preservar a biodiversidade através
da conservação de populações ou áreas concretas
representativas da diversidade genética de toda
a espécie assim como portadoras de variedades
genéticas únicas.
128
A avaliação da distribuição das espécies é uma primeira
fase crítica para os estudos da biodiversidade e além
disso é necessária para muitas outras disciplinas
como a biogeografia, biologia da conservação e
ecologia (Margurran, 2004). No entanto, muitas
espécies dificilmente são detetáveis, especialmente
durante os períodos dos estados de desenvolvimento,
pelo que a extração de ADN de amostras ambientais
permite a caracterização dos microrganismos e das
fases larvares (Venter et al., 2004).
O mecanismo do fluxo populacional de larvas de
espécies neríticas na região macaronésica parece estar
determinado, entre outros fatores, pelas condições
oceanográficas da região. A corrente dos Açores, e a sua
continuação para sul-sudoeste, denominada corrente
das Canárias, funcionam como um mecanismo de
transporte de larvas de populações neríticas de peixes
na direção e no sentido do seu fluxo, conectando,
desta forma nessa direção, esse tipo de populações
dos arquipélagos que formam a Macaronésia. Essa
conexão afetaria tanto aquelas espécies cujas larvas
estão bem adaptadas (que possuem especializações
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129
Identificação e deteção de espécies em amostras
de zooplâncton
morfológicas) para uma larga sobrevivência no meio
pelágico, como aquelas cujas larvas não apresentam
essas especializações.
Neste contexto, planteia-se a seleção de espécies
modelo, como são os taxa alvo do projeto BANGEN,
para a deteção planctónica. No entanto, os dados
teóricos estimados do fluxo génico, a estrutura
genética e a distribuição das populações, definirão
aquelas espécies nas quais seria relevante a deteção e
quantificação da densidade larvar para a sua aplicação
no estudo da ecologia reprodutiva, recrutamento e
censo de organismos.
As metodologias de deteção utilizadas por diferentes
autores são variadas mas baseadas tanto em PCR
como em real time PCR. Inclui-se assim, por exemplo,
o PCR específico de fragmentos mitocondriais ou PCR
multiplex para deteção simultânea de várias espécies.
A metodologia proposta no projeto BANGEN para o
estudo das populações larvares, baseia-se na aplicação
de metodologias de clonagem, PCR standard e real
time PCR para a identificação, deteção e quantificação
de amostras de zooplâncton. Esta tarefa foi levada a
cabo a partir dos resultados da caraterização genética
da espécie, e considerando o seu interesse ecológico e/
ou pesqueiro, assim como a sua biologia e capacidade
dispersiva em estados larvares.
130
Nos últimos anos foram desenvolvidos protocolos
moleculares que permitem a deteção de uma ou mais
espécies de interesse em diferentes tipos de amostras,
incluindo a amostras de plâncton (Hebert et al., 2003;
Boeger et al., 2007; Endo et al., 2009; Pardo et al.,
2009; Ströher et al., 2011; Bott & Giblot-Ducray, 2011;
Harvey et al., 2012). Por exemplo, para detetar larvas
da espécie de mexilhão, Limnoperna fortunei (Dunker,
1857) nas amostras de plâncton, Pie et al. (2006),
desenvolveram metodologias moleculares específicas.
A aplicação da real time PCR, com a sua elevada
especificidade, sensibilidade, rapidez e capacidade de
processo mostrou ser o método idóneo (Quinteiro et
al., 2011).
Enquanto os sistemas de deteção de espécies
concretas utilizam os métodos referidos acima, a
identificação das espécies planctónicas presentes
numa amostra deve ser levada a cabo mediante a
amplificação com primers de âmplio espectro de
marcadores moleculares, geralmente mitocondriais, e
a clonagem dos produtos de PCR gerados.
Estes métodos são de aplicação eficaz para real time
PCR de espécies invasoras, proporcionando uma
ferramenta adequada para a sua gestão (Darling &
Mahon, 2011).
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131
Amplificação e clonagem
Dentro deste marco de investigação planctónica, os
diferentes estudos planteados no desenvolvimento
do projeto BANGEN consideram as aproximações
referidas acima. Assim, foi levado a cabo a identificação
de espécies marinhas em amostras planctónicas
utilizando marcadores moleculares de amplio espectro
e clonagem, e a deteção de larvas das espécies-alvo
do projeto (Grapsus adscensionis, Octopus vulgaris
e Megabalanus azoricus), em amostras de plâncton,
mediante o uso de primers específicos em PCR
standard e real time PCR.
Amostragem planctónica
As amostras foram recolhidas desde uma embarcação,
com uma rede de plâncton e posteriormente filtradas
através de uma malha para reter o material maior
de 10 µm, em duas localidades da ilha da Grande
Canária (Gando e Salinetas). O material guardou-se
refrigerado em etanol al 96% até o seu processamento
para isolamento do ADN total.
132
Utilizaram-se múltiplos protocolos de PCR baseados
no uso de primers universais, destinados à
amplificação de fragmentos dos genes mitocondriais
COX1 (COX1F/COX2R, LCO1490/HCO2998) e 16S
rARN (16Sa5’/16Sb3’), e específicos que podem
ser utilizados simultaneamente para detetar e/ou
identificar as espécies-alvo (em qualquer estado de
desenvolvimento) em amostras de plâncton. No caso
da identificação de espécies presentes na amostra
de plâncton, os produtos complexos de PCR gerados
com os citados primers foram sequenciados através
de um passo intermédio de clonagem. Nas espéciesalvo, e com a prévia caracterização da sequência
mitocondrial, dispôs-se de sistemas específicos de
deteção para PCR standard e real time PCR.
Estes protocolos podem ser uma ferramenta
importante para a monitorização contínua do ciclo
de vida das espécies-alvo do projeto. Assim, neste
trabalho avaliaram-se primers específicos obtidos dos
dados obtidos da região real time PCR mitocondrial
de 3 espécies: Grapsus adscencionis, Megablanus
azoricus e Octopus vulgaris.
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133
SALINETAS (GRANDE CANÁRIA)
GANDO (GRANDE CANÁRIA)
Ao Sul de ADSA de Oeste a Este- 28R
G1
S1
Pto inicial; X; 0463478, Y;3094700
Pto final; X; 0463618, Y; 3094698
Tramo a terra de Sul a Norte-
S2
Pto inicial; X; 0463323 Y;3094806
Pto final; X;0463285 Y;3095110
Ao Norte de ADSA de Oeste a Este-
S3
Pto inicial X;0463281 Y;3095139
Pto final X;0463514 Y;3095183
Ao mar de ADSA de Norte a Sul-
S4
Pto inicial X;0463538 Y;3095200
Pto final X;0463628 Y;3094901
Ao mar de ADSA de Norte a Sul-
S5
Pto inicial X; 0463643 Y;3094795
Pto final X;0463617 Y; 3094592
Salinetas (Grande Canária)
134
G2
G3
G4
G5
N→S, parte oeste
Inicial: N 27º55´754 / W 15º 21´830
Final: N 27º55´665 / W 15º 21´812
E→W, parte SUL
Inicial: N 27º55´701/ W 15º 21´772
Final: N 27º55´760 / W 15º 21´855
W→E, parte norte
Inicial: N 27º55´768 / W 15º 21´861
Final: N 27º55´747 / W 15º 21´773
N→S, parte este
Inicial: N 27º55´777 / W 15º 21´783
Final: N 27º55´674 / W 15º 21´816
W→E, parte sul afastada. Zona de influência
Inicial: N 27º55´700 / W 15º 21´848
Final: N 27º55´676 / W 15º 21´751
Gando (Grande Canária)
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135
Objetivos específicos realizados
Deteção das espécies diana (3 da 5 espécies-alvo)
em amostras planctónicas, por PCR standard com
primers específicos da região real time PCR nas três
espécies e, além disso, através de real time PCR
para Megabalanus azoricus. Para isso, foi necessário
o desenho de primers específicos das espécies
localizadas na região real time PCR mitocondrial,
baseando-se nos dados intraespecíficos que incluem
alinhamentos de 426 pares de bases para M. azoricus,
637 pb para O. vulgaris e 653 pb para G. adscencionis.
Identificação da diversidade genética em amostras de
arraste de plâncton mediante PCR com marcadores
universais (16Sa5’/16Sb3’, COX1F/COX2R, LCO1490/
HCO2998) e técnica de clonagem.
Detecção de espécies-alvo em amostras de
plâncton
A deteção da presença de estados larvares em
amostras de água, de espécies de interesse no marco
deste projeto, limitou-se a 3 espécies-alvo. O ADN
isolado foi identificado mediante PCR, utilizando os
primers específicos desenhados para estas espécies
(GRA12S-1F/GRA-Gln-2R: Grapsus adscensionis;
OVULCR-1F/OVULCR-2R: Octupus vulgaris; MAZO12S-1F/MAZO-ILE-2R: Megabalanus azoricus) e
diferentes concentrações de ADN molde.
Os resultados revelam (Figura 4.15) que esta técnica
com primers específicos de espécie, foi capaz de
detetar, nas amostras analisadas, a presença de ADN
correspondente às espécies G. adscensionis e M.
azoricus, pelo que pode discriminar entre presença/
ausência dessas espécies mesmo com pouca
concentração de ADN.
Este enfoque poderia ser replicável e dar resposta
a muitas situações, onde as técnicas tradicionais
proporcionam uma baixa qualidade de resultados
ou requerem um elevado esforço de amostragem,
como é o caso da identificação e quantificação de
espécies invasoras ou em perigo de extinção. A
deteção da espécies invasoras nos primeiros estados
da colonização e/ou quando há uma baixa densidade
136
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137
dos seus propágulos, seria a chave para o real time
PCR (Hulme 2006). Esta técnica também permite, com
um esforço reduzido de monitorização, a avaliação da
distribuição das espécies raras ameaçadas, que são o
objetivo dos planos de conservação, ou o seguimento
das espécies exóticas invasoras (Ficetola et al. 2008).
Figura 4.15. Produtos de PCR gerados mediante os primers
específicos localizados na região real time PCR mitocondrial:
GRA12S-1F/GRA-Gln-2R: Grapsus adscensionis; OVULCR-1F/
OVULCR-2R: Octupus vulgaris; MAZO-12S-1F/MAZO-ILE-2R:
Megabalanus azoricus e diferentes concentrações de ADN de
moldes isolados de amostras planctónicas. O resultado positivo foi
considerado ao observar uma amplificação do tamanho esperado e
verificação por sequenciação.
138
Por outra parte, desenharam-se primers específicos
de M. azoricus para a deteção da presença de larvas
desta espécie mediante real time PCR. A especificidade
obteve-se utilizando ADN isolado de amostras de
adultos da espécie e a avaliação do método realizou-se
amplificando o ADN isolado da amostras de plâncton
(Figura 4.16) de Salinetas (S) e Gando(G) .
Figura 4.16. Gráfico mostrando o sinal fluorescente obtido com o
sistema de real time PCR, específico de M. azoricus e, utilizando como
molde o ADN isolado a partir de amostras planctónicas. Nas abcissas
indicam-se o número de ciclos (sinais positivos em torno do ciclo 30) e
nas ordenadas o sinal fluorescente em escala logarítmica.
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139
Identificação da diversidade genética em amostras
de plâncton
Para a identificação de organismos zooplanctónicos
nas amostras de água de mar, se isolou e amplificou
o ADN utilizando primers universais. Com os produtos
de PCR realizou-se a técnica de clonagem. A colónias
positivas, com insertos dos produtos de PCR, foram
submetidas a clonagem PCR e sequenciados os
insertos. As sequências obtidas foram submetidas a
uma procura BLAST das sequências homólogas no
GenBank, para estabelecer a sua posição taxonómica
(Figura 4.17).
Figura 4.17. A. Placas com colónias do produto de PCR obtido por
amplificação do ADN molde isolado de amostras planctónicas. B. colónias
positivas (brancas) e negativas (negras).
140
Após a amplificação e clonagem dos fragmentos do
gen 16S rARN, das amostras G (Gando) e S (Salinetas),
logrou-se identificar as sequências correspondentes
aos grupos Sparidae (Peixes) e Dendrobranchiata
(Crustáceo decápode).
Na amplificação e clonagem do produto de PCR
do gen COX1, identificaram-se três sequências
correspondentes a: uma espécie de sifonóforo
(Eudoxoides spiralis), um anfípode e um poliqueta.
A deteção e identificação de espécies nas amostras
de plâncton foi muito mais abundante na estação S
(Salinetas), com quatro identificações, que na G (Gando)
só com uma. Os resultados correspondem com as
amostras recolhidas numa campanha de amostragens
de um dia (5 estações de arrasto em cada localidade).
Provavelmente esta diferença poderia ser devida a que
a estação S corresponde com uma localidade na qual o
arrasto de plâncton se realizou nas proximidades das
instalações de uma estação de cultivos marinhos, onde
a abundância de organismos planctónicos é maior que
na outra localidade, devido ao aporte de nutrientes e
ao efeito arrecife que proporcionam as instalações.
Estes resultados indicam que a metodologia utilizada
pode ser uma ferramenta útil para a vigilância e
monitorização ambiental deste tipo de atividade.
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141
5
ATIVIDADES E
PERSPETIVAS
DA REDE
MACARONÉSIA
BANGEMAC
REY-‐MÉNDEZ M, GONZÁLEZ N, QUINTEIRO J
5.1. PROMOÇÃO E BASE DE DADOS
Ao longo do projeto realizaram-se reuniões, jornadas
e seminários com especialistas de forma a serem
estabelecidos os métodos e discutir os resultados
obtidos das espécies-alvo. O projeto estudou 5 espécies
de interesse comum para todas as regiões: Octopus
vulgaris, Megablanus azoricus, Plesionika edwardsii,
Grapsus adscencionis e Sparisoma cretense.
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143
Com o fim de difundir os resultados, foram
desenvolvidas uma serie de atividades para diferentes
públicos alvo: a página web, participação em fóruns
científicos, publicações em boletins informativos e a
base de dados e SIG.
A página web é um portal público que tem uma parte
de livre acesso com as atividades de divulgação do
projeto e outra para os Informes dos sócios.
http://bangen-pct.org/
Participação nos fóruns científicos nacionais e
internacionais dando a conhecer o projeto e os
resultados que se foram obtendo.
Por outro lado, para chegar ao público em geral
realizaram-se artigos de divulgação em vários boletins
(B3M e Boletim Informativo da DSIP Madeira).
O programa Kypros (base de dados e SIG) é um sistema
orientado a promover uma fonte única de acesso a toda
a informação relacionada com o projeto Bangen. Toda
a informação incorporada no sistema será também
disponibilizada num site web que permitirá tornar a
informação pública.
Estrutura hierárquica de dados
ǩProjeto
ǩCampanha
ǩEstação
ǩNível
144
ǩ Amostra
ǩ Espécimen
ǩ Medições (Descritores)
Taxonomia
ǩ Integra um modelo de manuseamento de taxas
ǩ Navegável
ǩ Analisável
ǩ Flexível
Ferramentas SIG
ǩ Posição é intrínseca às amostras
ǩ Informação enriquecida
ǩ Navegabilidade
ǩ Informes
Procuras
ǩ Acessível em toda a aplicação
ǩ Fácil acesso por nome parcial
ǩ Resultados categorizados por tipo de dados
Em 2012 celebrar-se-á um ateliê de transferência
de conhecimento para os diferentes sectores sociais
implicados na gestão dos recursos marinhos, tanto
desde o ponto de vista da conservação como da
investigação.
No mesmo ateliê será feita uma apresentação pública
da memória dos resultados obtidos ao longo do
projeto assim como as perspetivas de futuro da Red
BangeMac.
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145
146
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148
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149
5.2. PERSPECTIVAS DA REDE BANGEMAC
Introdução
Nos últimos 20 anos as técnicas de biologia molecular,
em concreto aquelas relacionadas com as análises
do ADN, sofreram um considerável avanço. A
generalização do uso da PCR (Polymerase Chain
Reaction), a sequenciação automática e massiva
do ADN, a disponibilidade de kits comerciais para a
extração eficaz do ADN a partir de amostras difíceis, o
contínuo desenvolvimento de ferramentas informáticas
e o aceso às bases de dados, são fatores que permitiram
a expansão desta área.
macaronésia bangemac, segurança ambiental,
traçabilidade alimentária, gestão de recursos
marinhos e aquicultura.
Conservação da biodiversidade
Caracterização genética de recursos marinhos:
estudo da biologia das espécies marinhas.
Exemplo: a determinação da múltipla paternidade
mediante o uso de dois microsatélites em Octopus
vulgaris (Cuvier, 1979), permitirá a sua aplicação no
desenho e manuseamento do cultivo para um correto
rácio entre machos e fêmeas e seleção de reprodutores,
sendo a primeira evidência deste feito na super-ordem
Octobrachia.
Diversidade de aplicações e atuações
As técnicas de biologia molecular são diversas
e utilizáveis em diferentes organismos, escalas
evolutivas, áreas de investigação e estudos aplicados.
ǩ Conservação da Biodiversidade
ǩ Traçabilidade dos recursos marinhos
ǩ Gestão e Exploração de recursos marinhos
A infraestrutura e as pessoas treinadas permitem
abordar questões que vão desde a investigação básica
a estudos de relevante aplicabilidade em biomedicina,
150
Figura 5.1. Ciclo de desenvolvimento de O. vulgaris (Cuvier, 1797).
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151
Usaram-se dois marcadores microsatélite (Oct3 e
Ov12) para determinar os genótipos de 4 fêmeas
(A-D) e das suas posturas (N=11), tentando explicar os
dois padrões de comportamento reprodutivo que são
conflituosos nesta espécie: acoplamento com múltiplos
indivíduos e o papel do hectocótilo para eliminar os
anteriores espermatóforos. A paternidade múltipla
confirmou-se já que o número de alelos paternos
de todas as posturas foi superior a dois (Tabela 5.1),
podendo representar um processo que maximiza a
recombinação genética com os múltiplos machos num
único acontecimento reprodutivo (a fêmea morre ao
dar-se a eclosão dos ovos).
Genótipo
maternal
Genótipo paternal
Código
da
postura
Oct-3
Ov12
Mínimo
Nº de
pais
Oct-3
Ov12
Nº de
progénie
ML
A
165/0
372/386
41
165/165
182/308
4
1.68E-19
165/165
194/174
2
1.68E-19
143/167
200/160
2
1.68E-19
147/163
194/178
3
1.68E-19
139/163
194/198
2
1.09E-14
139/153
186/186
7
1.09E-14
148/141
186/304
2
1.09E-14
174/174
186/182
6
7.98E-16
150/144
182/182
3
7.98E-16
140/120
300/339
2
7.98E-16
139/146
190/319
6
7.32E-15
146/146
213/178
3
7.32E-15
130/180
319/319
2
7.32E-15
B
C
D
1
139/163 194/315
150/174 227/319
141/146 186/198
3
3
3
Solução a problemas taxonómicos:
catalogação genética de recursos marinhos.
A caracterização morfológica e a plasticidade fenotípica de
diversas espécies, originam frequentemente desacordos
ou incertezas taxonómicas e sistemáticas. A resolução
proporcionada pelas análises genéticas permite estudar
e resolver essas questões.
A caracterização genética de espécies a partir da
informação dada pela análise de marcadores moleculares
(sequências mitocondriais, nucleares, STRs…), permite
dispor de um novo jogo de caracteres alternativos aos
caracteres morfológicos classicamente utilizados em
taxonomia.
Estimado sem considerá-la presença de alelo/s nulo/s.
Tabela 5.1. Genotipagem com dois loci microsatélites de quatro
fêmeas de O. vulgaris (A-D) e interferência do mínimo número de
pais e as suas prováveis combinações genotípicas.
152
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153
Exemplo: a reconstrução das relações filogenéticas
entre espécies, baseada em caracteres morfológicos
frequentemente submetidos a homoplasia, levando
a incongruências relativamente à sua sistemática.
Mediante métodos de sistemática molecular, realiza-se a
reconstrução das relações filogenéticas entre as espécies
do subgénero Fissurella, permitindo estabelecer uma
filogenia molecular para a avaliação de diversas hipóteses
baseadas em semelhanças morfológicas.
Figura 5.2. Árvore filogenética do subgénero Fissurella com sequências
mitocondriais de ARNt-Leu-ND1. Método de Neighbor-Joining e modelo
de distância de Tamura Nei. Sobre as ramificações enlaçam-se valores de
replicação (x 2000) superiores a 50% e os valores inferiores estão colapsados.
O grupo externo para enraizar a árvore é Diodora graeca.
154
Figura 5.3. Diferentes espécies do género Fissurellla.
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155
Identificação de unidades taxonómicas adequadas
para a sua conservação: estratégia para o desenho
de repovoação com ouriços.
D
das mesmas, permitindo conhecer a diversidade
genética e a sua organização com a finalidade de a
preservar, através da conservação de populações ou
áreas concretas representativas de toda a espécie, ou
de portadoras de variantes genéticas únicas.
E
F
Exemplo: A análise de amostras de Paracentrotus
lividus (Lamarck 1816) de três localizações geográficas
(Astúrias, Galiza e Canárias), através do uso de RAPDs,
mostram uma clara diferenciação entre os padrões
obtidos para a amostra das Canárias relativamente
às da Península Ibérica. Os resultados obtidos,
desaconselharam a importação de exemplares desde a
Galiza ou Astúrias para as Canarias para repovoamento.
Figura 5.4. Árvore de UPGMA mostrando as relações de similaridade entre
os padrões de RAPDs obtidos com: a) primer 1; b) primer 2; c) primer 3.
As estratégias conservacionistas da diversidade
biológica representam, cada vez mais, um recurso
para o desenvolvimento sustentável (observação de
tartarugas, baleias, endemismos insulares, etc.). O
desenho de planos de conservação de espécies requere
um conhecimento prévio e básico da estrutura genética
156
Figura 5.5. Exemplares de Paracentrotus lividus
(Lamarck 1816) no meio natural.
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157
Detección Deteção de espécies críticas:
diferenciação no género Pollicipes.
A ausência de diferenças morfológicas impede a
diferenciação de taxas relacionados, no entanto, esta
pode ser posta em causa através de análises genéticas
desses mesmo taxa.
Exemplo: O estudo da estrutura genética das
populações do percebe Pollicipes pollicipes, no seu
amplio espaço de distribuição ao largo das costas
euro-africanas do Atlântico, evidenciou distintos níveis
de fluxo génico interpopulacional, desde populações
homogéneas até populações com um isolamento
genético absoluto. A deteção de uma população
isolada, amostrada nas ilhas de Cabo Verde e disposta
como um clado divergente na rede de haplótipos da
espécie, induziu a Quinteiro et al. (2007) a sugerir a
possibilidade da existência de uma nova unidade
taxonómica, não descrita previamente. Este conjunto
de evidências têm sido utilizadas na descrição formal
desta espécie, endémica das ilhas de Cabo Verde, e
denominada Pollicipes darwinii (Quinteiro et al., 2011).
Figura 5.6. Árvore filogenética baseada em sequências COx1,
mostrando o agrupamento, num clado isolado e divergente, da nova
espécie de percebe, Pollicipes darwini.
Figura 5.7. Pollicipes darwinii (Quinteiro et al., 2011).
158
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159
Deteção de invasões biológicas marinhas:
o caso da ostra nas costas da Galiza.
São diversas as fontes de introdução de organismos
marinhos exóticos nos habitats naturais, por exemplo,
o transporte larvar ou indivíduos fixados a barcos. A
deteção rápida e fiável de tais invasões, mediante
métodos moleculares, é o primeiro passo para o seu
controlo.
Exemplo: Crassostrea gigas (Thunberg, 1793) é
uma espécie endémica do Japão e foi introduzida
numa grande quantidade de países com o propósito
de ser cultivada, sendo atualmente a ostra mas
cultivada a nível mundial. Trata-se de uma espécie
muito resistente, com um rápido crescimento e
taxas de reprodução muito elevadas em condiciones
adequadas. Em alguns lugares, a introdução de
C. gigas supôs um problema pela sua enorme
capacidade colonizadora da zona intermareal. A
identificação do status taxonómico das populações de
ostra localizadas nas rias de Ribadeo e O Barqueiro
(Galiza, Espanha), é uma ferramenta útil para a toma
de decisões da Administração com o fim de melhorar
a gestão e conservação das populações naturais,
assim como para o cultivo de C. gigas.
Figura 5.8. Árvore filogenética baseada em distâncias Tamura Nei
e elaborada mediante o método de neighbor-joining com 1000 reamostragens e enraizado ao meio. Os haplótipos de Crassostrea gigas
apresentam marcadores de cor e encontram-se agrupados no clado
com amostras de referência da espécie.
160
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161
populações isoladas e geneticamente diferenciadas
nesses habitats deve ser levada a cabo mediante
análises genéticas. Estes dados são de interesse para
o desenho de políticas conservacionistas, regulação de
pescas ou avaliação de impactos ambientais.
Figura 5.9. Exemplar de Crassostrea gigas (Thunberg, 1793).
Avaliação da diversidade genética e a sua
organização espacial em espécies de especial
interesse: diversidade genética do género
Megabalanus nos arquipélagos macaronésios.
Exemplo: o estudo da diversidade genética da craca
Megabalanus azoricus (Pilsbry, 1916) nos arquipélagos
da região macaronésia, é um exemplo das análises
microevolutivas. Esta espécie é explorada em alguns
dos arquipélagos atlânticos da região macaronésia,
pelo que o estado de conservação possivelmente se
encontre num nível crítico. Perante esta situação é
indispensável o conhecimento da diversidade genética
e a sua estruturação na área de distribuição da espécie.
Estas análises indicam um elevado fluxo génico entre
os arquipélagos macaronésios, com uma ausência de
diferenciação populacionais significativas, que leva à
definição de um único pool genético para Megabalanus
azoricus na região macaronésia.
Os habitats insulares possuem uma elevada
diversidade genética, associados a fenómenos de
colonização, adaptação e isolamento. A deteção de
162
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163
Figura 5.11. Exemplar de Megabalanus azoricus (Pilsbry, 1916).
Traçabilidade e segurança alimentar dos
recursos marinhos
Deteção de organismos com potencial tóxico.
Figura 5.10. Rede de haplótipos calculada a partir das sequências
obtidas da região controlo das amostras dos Açores (azul), Madeira
(verde) e Canárias (amarelo) de Megabalanus azoricus. Cada círculo
mostra-se proporcional ao número de indivíduos que apresentam
esse haplótipo. O ponto vermelho indica um haplótipo intermédio não
existente ou não detetado. Os pontos sobre as ramificações indicam a
posição nucleotídica que alberga o polimorfismo.
164
Os dinoflagelados são microorganismos que destacam
por estarem involucrados na geração de afloramentos
tóxicos desencadeando patologias gastrointestinais,
danos neurológicos permanentes e incluso a morte,
associadas ao consumo de marisco. O potencial tóxico
de espécies dos géneros Alexandrium, Dinophysis
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165
e Gymnodinium, confere a estes organismos uma
importante transcendência sanitária, social e económica.
Os atuais sistemas de controlo das proliferações tóxicas
da espécies baseiam-se na deteção de toxinas (ASP,
PSP e DSP) e na caracterização morfológica e contagem
de células em amostras do meio marinho, mediante
microscopia eletrónica e ótica.
O desenvolvimento de metodologias baseadas nas
análises de ácidos nucleicos para a sua direta aplicação
aos sistemas de controlo da qualidade do meio marinho
permitiria um aumento substancial no volume, rapidez,
precisão e capacidade preditiva dos sistemas de
monitorização.
Exemplo: As espécies de diatomáceas, incluídas
dentro do género Pseudo-nitzschia, são responsáveis
pelo envenenamento pelo neurotóxico ácido domóico
através do consumo de marisco contaminado (ASP).
A proliferação destas microalgas, e a sua toxicidade, é
controlada mediante a monitorização intensiva do meio
marinho, com fins preventivos. No entanto, a capacidade
e resolução dos atuais sistemas de monitorização é
limitada, devido à excessiva laboriosidade e tempo
requerido para as análises da amostra e às dificuldades
na discriminação rotineira de espécies tóxicas das
não tóxicas, muito similares morfologicamente. As
metodologias baseadas no isolamento do ADN e no uso
do real time PCR permitem a rápida, precisa, simultânea
e facilmente automatizável deteção, identificação e
quantificação de células de Pseudonitzschia em amostras
do meio marinho.
166
Figura 5.12. Exemplar de Pseudo-nitzschia sp
Traçabilidade alimentar.
A determinação visual da natureza de um
produto alimentar, isto é, a sua classificação
como espécie mediante a observação direta de
caracteres morfológicos de interesse taxonómico,
é frequentemente difícil, insegura ou impraticável,
especialmente ao nível do consumidor e em produtos
elaborados. Processos comuns como o descabeçar,
eliminação de barbatanas e espinhs, evisceração,
filetar e eliminação de tecidos musculares em
produtos pesqueiros implicam a perda irreversível
dos caracteres usados para a identificação visual da
espécie. Perante estes frequentes casos, é possível
recorrer a caracteres moleculares diagnóstico.
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167
A deteção de formas proteicas específicas presentes
no tecido muscular dos organismos permite a
identificação da espécie em produtos de origem
marinha com distinto grau de elaboração e
processamento, incluindo a congelação. No entanto,
o forte processamento térmico que representa a
autoclave ou outros processos menos adstringentes
como o fumar e o salgar, requerem marcadores
moleculares mais estáveis. Assim, o genoma, contendo
a maior informação disponível sobre a essência de um
ser vivo e com a importante estabilidade, resistência
e presença do ADN, constitui uma fonte imensa de
marcadores moleculares altamente resolutivos,
eficazes em qualquer tipo de organismos, processado
e apresentação (Mackie et al., 1999).
Figura 5.13. Desenvolvimento de um sistema de traçabilidade genética.
168
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169
Exemplo: A identificação de uma amostra de conservas
de atum, e em geral de qualquer alimento processado,
leva-se a cabo mediante a incorporação da sua
sequência numas análises filogenéticas, junto com uma
coleção de sequências de todas as espécies suscetíveis
de serem processadas. A sequência problema agruparse-á com as sequências da sua mesma espécie,
permitindo assim identificar a espécie utilizada na
elaboração do alimento processado.
Neste caso, a amostra 3 (seta) foi identificada como
tT. obesus (atum patudo) não podendo ser
comercializada como atum claro ou com o selo de
qualidade “yellowfin” (T. albacares).
Figura 5.15. Exemplar de Thunnus albacares (Bonnaterre, 1788).
Microbiologia molecular: o parasita Enteromyxum
scophthalmi do rodovalho Scophthalmus maximus
(Linnaeus, 1758).
Figura 5.14. Identificação de espécies de atum em conserva.
170
Na atualidade a microbiologia está a experimentar
uma transformação definitiva em direção à aplicação
de tecnologias baseadas na caracterização dos ácidos
nucleicos, por exemplo real time PCR, frente às
técnicas clássicas de caracterização microbiológica
baseada em microscopia, cultivo, provas bioquímicas
e ensaios imunológicos. Assim, estabeleceu-se o uso
de um marcador molecular, localizado no gen 16S
rARN, para a identificação taxonómica microbiana.
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171
tA amplia disponibilidade de informação genética de
microrganismos permite a identificação de uma amostra
problema. Além disso, a utilização da tecnologia de real
time PCR permite uma estimativa quantitativa fiável do
número de unidades formadoras de colónias.
Exemplo: o myxozoo Enteromyxum scophthalmi é
responsável por enterites parasitárias que afeta os
stocks de rodovalho cultivado Scophthalmus maximus
(Linnaeus, 1758), (Palenzuela, Redondo, Alvarez-Pellitero,
2002). A elevada mortalidade dos stocks afetados
necessita um sistema de deteção rápido e fiável. Para
isso, recorreu-se ao desenho e uso de sistemas de real
time PCR baseados nas sequências de ADN disponíveis
para esta espécie e localizadas na subunidade pequena
dos genes ribossomais (SSU rADN).
Figura 5.17. Exemplar de rodovalho (A), Scophthalmus maximus
(Linnaeus, 1758), e individuo (B) infetado com Enteromyxum
scophthalmi.
Gestão e Exploração de recursos marinhos
Gestão em explorações de aquicultura:
seleção de reprodutores.
Figura 5.16. Sinal de fluorescência relativamente ao número
de ciclos num real time PCR, sistemas de deteção MYX e ESCO
em amostras positivas para o Myxozoo parasita do rodovalho
Enteromyxum scophthalmi.
172
São diversas as áreas relacionadas com a gestão de uma
exploração aquícola onde é relevante a aplicação de
tecnologias de análises genética. Assim, a manutenção da
variabilidade genética de um cultivo é essencial para a sua
viabilidade. A seleção dos reprodutores, mediante a sua
caracterização genética permite, por exemplo, identificar
a progénie portadora de caracteres adequados para o
cultivo tais como uma elevada taxa de crescimento ou uma
manifesta resistência a doenças.
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173
A deteção preventiva ou diagnóstica de patogénios num
cultivo, mediante tecnologias como o real time PCR,
permite adotar tratamentos preventivos e específicos
para evitar mortalidades indesejadas. O controlo da
alimentação, fundamentalmente pensos, mediante a
deteção de ingredientes não desejados (organismos
modificados geneticamente ou ingredientes de origem
animal proibidos, com possibilidades de conter priões)
por PCR, garante-se um correto controlo e fiabilidade
para o consumidor.
Exemplo: o estudo da diversidade genética a partir
da genotipagem dos reprodutores de uma instalação
aquícola, permite estabelecer o parentesco de uma
progénie de interesse. O besugo (Pagellus bogaraveo,
Brunnich 1768), tem um alto valor comercial em
Espanha, o que converteu esta espécie num objetivo
prioritário para o seu cultivo em cativeiro. Utilizando
4 marcadores microsatélites, realizou-se uma matriz
de dados com o valor de parentesco (P) para cada
comparação possível entre pares de 187 exemplares.
Estes dados permitem a seleção de indivíduos, para
fins reprodutivos, com o menor grau de parentesco.
174
Figura 5.18. Gráfico representando a relação de parentesco entre
os indivíduos analisados Pagellus bogaraveo (Brunnich 1768). A
longitude das ramificações vem dada por um valor inverso ao do
índice de parentesco P.
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175
Figura 5.19. Exemplar de besugo Pagellus bogaraveo (Brünnich 1768).
Fugas de espécies cultivadas.
Exemplo: a Possibilidade de identificar escapes de
organismos em cultivo para meio marinho, em concreto
o caso do cultivo da dourada, Sparus aurata (Linnaeus,
1758), em instalações de jaulas em mar aberto nas
Ilhas Canárias, levou-se a cabo mediante a obtenção de
amostras de tecido tanto de indivíduos capturados do
meio natural, como de indivíduos de cultivo. A partir das
amostras analisadas observam-se, maioritariamente,
alelos partilhados entre indivíduos selvagens e cultivados.
A maioria dos indivíduos de cultivo e do meio agrupamse em nuvens isoladas, no entanto, existem indivíduos
que se sobrepõem entre ambas as nuvens. Isto indicaria,
por exemplo, a maior probabilidade de atribuição de um
indivíduo “selvagem” à amostra de cultivo que à do meio
marinho.
176
Figura 5.20. Probabilidades de atribuição de um indivíduo de Sparus
aurata à sua amostra correspondente. Em círculos azuis mostram-se
os indivíduos capturados no meio (“Selvagem”), enquanto os quadrados
verdes indicam os indivíduos provenientes de cultiv
Figura 5.21. Exemplar de dourada Sparus aurata (Linnaeus, 1758).
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177
Gestão dos recursos pesqueiros.
O estudo da composição do tamanho das capturas
das pescas de grande profundidade, é de grande
importância para a gestão dos recursos. Os tamanhos
e origem geográfica das capturas, tal e como se
encontram misturadas a bordo do barco, ou a partir de
filetes e troncos, poderia chegar a ser estabelecida no
ponto de desembarque, sem depender da fiabilidade
estatística dos dados recompilados a bordo. As
análises de marcadores genéticos populacionais e
o estudo de expressões génicas relacionados com a
idade, poderiam ajudar a dispor de uma ferramenta
para esta questão.
Ao por em marcha esta metodologia, entrecruzam-se
com duas áreas de investigação básicas tais como os
estudos de crescimento e de estrutura de populações,
donde a utilização de ferramentas moleculares,
baseadas em real time PCR (retrotranscrição de ARN
e a sua quantificação por PCR quantitativa em tempo
real) e identificação e sequenciação de marcadores
genéticos populacionais, é de aplicação direta.
A abundância, identificação de espécies e quantificação
destas, em amostras de ictioplâncton, é uma metodologia
de avaliação dos recursos, à qual podem ser aplicadas
diretamente técnicas moleculares, como por exemplo
PCR quantitativo, utilizado rotineiramente no nosso
laboratório. Os recursos marinhos mostram uma elevada
sensibilidade à falta de mecanismos de ordenação
pesqueira, suscitando uma generalizada preocupação.
178
A informação disponível sobre aspetos reprodutivos,
padrões e ritmos de migração, demográficos e de
genética de populações é ainda limitada em espécies
sensíveis.
Mas além da bem estabelecida aplicação da
traçabilidade genética no sector agroalimentar,
baseado na exploração dos recursos marinhos, a
traçabilidade genética é de interesse em aspetos tão
importantes como a deteção de espécies cuja pesca
está proibida, a identificação da origem da captura, ou
a identificação fiável de recursos marinhos para a sua
correta gestão.
Exemplo: Avaliação de estrutura populacional em M.
merluccius:
As populações da pescada europeia, Merluccius
merluccius (Linnaeus, 1758), no Atlântico Nordeste,
não apresentam uma clara estrutura populacional e
consequentemente possuem um elevado fluxo génico.
As divisões planteadas pelo ICES, de stocks norte e sul,
não refletem desta maneira unidades independentes
desde a perspetiva evolutiva do ADN mitocondrial.
Devem ser realizados outros estudos que contemplem,
a utilização de marcadores moleculares com um
maior grau de resolução, tais como microsatélites,
para confirmar tal estrutura.
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179
As populações da pescada europeia do Atlântico
Noreste e Mediterrâneo Oeste, apresentaram um
reduzido fluxo génico, principalmente unidirecional
Atlântico-Mediterrâneo. Desta forma ambas as
populações devem ser consideradas como unidades
ou stocks independentes.
Figura 5.22.Exemplar de Merluccius merluccius (Linnaeus, 1758).
Figura 5.23. A) Árvore NJ para os haplótipos observados de.
B) Distribuição de haplótipos nas áreas amostradas.
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