As eleições e a força da democracia
Wanderley Ribeiro
Professor da Faculdade Batista Brasileira (FBB), da Faculdade Baiana de Ciências (FABAC) e da Faculdade deTecnologia e
Ciências (FTC). Licenciado em Pedagogia com habilitação em Magistério e Orientação Educacional. Mestre em Educação
(UFBA). Bacharel em Direito. E-mail: [email protected]
Só existirá uma democracia, no Brasil, no dia em que se montar no Brasil a
máquina que prepara as democracias. Essa máquina é a da escola pública.
Mas, não a escola pública sem prédios, sem asseio, sem higiene e sem
mestres devidamente preparados e, por conseguinte, sem eficiência e sem
resultados. Não a escola pública mais ou menos abandonada, sem prestígio
social, ferida em suas forças vivas de atuação moral e intelectual e existindo
graças à penosa e quase única abnegação de seus modestos servidores.
E sim a escola pública rica e eficiente, destinada a preparar o brasileiro para
vencer e servir com eficiência dentro do país.
Essa nova escola pública — menina dos olhos de todas as verdadeiras
democracias — não poderá existir, no Brasil, se não mudarmos a nossa
orientação a respeito dos orçamentos do ensino público.
Precisamos — e por aí é que há de inferir a sinceridade pública dos homens
brasileiros — precisamos constituir fundos para a instrução pública, que
estejam não só ao abrigo das contingências orçamentárias normais, como
também que permitam acréscimos sucessivos, independentemente das
oscilações de critério político de nossos administradores.
Anísio Teixeira.
Resumo
Este artigo enfoca a democracia, como sistema político, analisando sua origem, na Grécia, até
chegar à atual Constituição da República Federativa do Brasil e os institutos nela garantidos
para aperfeiçoar o sistema democrático brasileiro via eleições diretas, como o voto, o
plebiscito e o referendo.
Palavras-chave: Democracia. Eleições. Sistema representativo brasileiro. Democracia
brasileira. Instituições.
Elections and the strength of democracy
Abstract
This article analyzes democracy as a political system from its origins in Greece to the current
Constitution of the Federative Republic of Brazil and the institutions it guarantees as that
constitution seeks to improve the Brazilian democratic system through direct elections,
plebiscites, and referenda.
Key words: Democracy. Dlections. Brazil’s representative system. Brazil’s democratic.
Institutions.
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A DEMOCRACIA E SUA ORIGEM
Democracia é palavra de origem grega, formada por dois radicais, a saber: demos, cujo
significado é povo e cracia, cuja tradução pode ser feita como governo; originando, assim,
etimologicamente “o governo do povo”.
Na expressão celebrada de Abraham Lincoln, séculos depois, democracia significa o
“governo do povo, pelo povo e para o povo”.
Na lição de Burdeau (1975):
Racionalmente e de fato, a democracia está indissoluvelmente ligada à idéia
de liberdade. A sua definição mais simples, e igualmente a mais válida, o
governo do povo pelo povo, só adquire o seu pleno sentido se considerar que
exclui o poder de uma autoridade que de modo algum procederia do povo.
(BURDEAU, 1975, p. 9).
Cabe lembrar que, em seu berço, na Grécia, a teoria democrática destoava de sua prática
correspondente; explica-se: milhares de cidadãos atenienses viviam do trabalho de milhões de
escravos. Pode-se argumentar: no sistema escravagista, tão em voga no Mundo Antigo, o
escravo não era considerado como cidadão da Nação, mas, sim, como meio [de produção]
para aumentar as riquezas do País e de seus donos. Deste modo, não há como ignorar a
igualdade existente entre os cidadãos atenienses. A este respeito, citar-se-à Chauí (1994):
A democracia ateniense possui algumas características que a tornam
diferente das democracias modernas, ainda que estas se inspirem nela para se
constituírem. (...) nem todos são cidadãos. Mulheres, crianças, estrangeiros e
escravos estão excluídos da cidadania, que existe apenas para os homens
livres e adultos naturais de Atenas. (CHAUÍ, 1994, p. 111).
Conforme Aranha e Martins (1998, p. 157) este número de cidadãos correspondia a
“[...] apenas 10% da população ativa da cidade.”
Se assim é, cabe ao menos polemizar: numa sociedade dita democrática, práticas
discriminatórias onde “João” e “John” não têm os mesmos direitos e deveres, não podem
ocorrer, sob pena de estar-se questionando o próprio Estado Democrático de Direito.
Nova polêmica: o Estado Democrático de Direito não data da Grécia Antiga...
logicamente que não, entretanto, a essência da prática democrática sim, e como pensar em
democracia quando, parodiando Orwell (1990) “[...] alguns são mais iguais do que outros”?
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É importante, também, frisar, que, se a falta de democracia traz prejuízos ao povo,
igualmente o faz o seu excesso, na denominação de Gadotti ([19--?], p.19), “democratismo”.
Explicar-se-á: em nome dos anos do regime militar, muitos cidadãos brasileiros apregoam a
necessidade cada vez maior da prática democrática. Até aí nada de desabonador. O grande
problema é quando esta prática torna-se entrave para o próprio caminhar seja das instituições,
seja do País. Exemplificar-se-á: se houve eleição para um determinado cargo, não é necessário
que, a cada decisão a ser tomada por esse representante, ele tenha de “[...] ouvir as bases, os
colegas, [...]”. Agindo dessa forma, o diretor, líder estudantil ou sindical etc. traz mais
prejuízos que benefícios à sua própria representação — muitas vezes de forma inconsciente
— porque não consegue dar agilidade à instituição que representa precisa.
O SISTEMA DEMOCRÁTICO NA
FEDERATIVA DO BRASIL DE 1988
CONSTITUIÇÃO
DA
REPÚBLICA
Promulgada em 5 de outubro de 1988, a atual Constituição da República Federativa do
Brasil (CF), denominada Constituição Cidadã, trouxe uma série de direitos, muitos deles
ainda sem a devida regulamentação ou aplicação, gerando a continuada descrença na Justiça,
que, conforme a visão popular, “só existe para alguns”.
Importante destacar um exemplo da mudança ocasionada na CF, conforme Nicolau
(1999):
A Constituição brasileira de 1988 alterou as regras para a eleição do
Presidente da República, dos governadores e dos prefeitos de cidades com
mais de 200 mil eleitores, deixando esta de ser realizada segundo o sistema
de maioria simples e passando a ser feita em dois turnos, caso nenhum
candidato recebesse pelo menos 50% dos votos no primeiro turno. Essa
mudança exigiu um novo comportamento, tanto dos dirigentes partidários
quanto dos eleitores. Nesse novo formato, tem sido freqüente que candidatos
com altas taxas de rejeição, mesmo vitoriosos no primeiro turno, acabem
sendo derrotados no segundo turno. (NICOLAU, 1999, p. 9).
O voto: direito ou dever
Nesta Seção, enfocar-se-á importantes discussões acerca da democracia representativa,
bem como algumas contribuições da CF em vigor.
O art. 14, § 1º, da atual CF estabelece: “O alistamento eleitoral e o voto são: I –
obrigatório para os maiores de dezoito anos.” (BRASIL, 1988). Preceitua, ainda, no inciso II,
bem como no § 2º do artigo retro mencionado, quem são facultativo e impedidos de se alistar
e votar, respectivamente (BRASIL, 1988).
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Há direito que seja obrigatório para o cidadão realizar? Se se aceitar como resposta a
afirmação de tal prática, defendida por muitos teóricos, estará aceitando-se que há direitos
que, na verdade, são deveres, pois não cumprindo, sujeita-se o indivíduo à penalidades
previstas em lei.
Os que assumem tal defesa, afirmam que, ao contemplar o voto como obrigatório, o
legislador está conferindo ao cidadão o direito de escolher seu (s) representante (s) no
governo (s).
Entretanto, há quem defenda a posição de que, sendo direito, o voto deveria ser
facultativo, pois não há como se dizer de direito cujo exercício seja obrigue o cidadão a
exercê-lo.
Aqui cabe citar Silva (1997):
Aquela obrigatoriedade não impõe ao eleitor o dever jurídico de emitir
necessariamente o seu voto. Significa apenas que ele deverá comparecer à
sua seção eleitoral e depositar sua cédula de votação na urna, assinando a
folha individual de votação. Pouco importa se ele votou ou não votou,
considerando o voto não o simples depósito da cédula na urna, mas a efetiva
escolha de representante, dentre os candidatos registrados. A rigor, o
chamado voto em branco não é voto. Mas, com ele, o eleitor cumpre seu
dever jurídico, sem cumprir o seu dever social e político, porque não
desempenha a função instrumental da soberania popular, que lhe incumbia
naquele ato. (SILVA, 1977, p. 343).
Contrariando o mestre José Afonso da Silva, pode-se até argumentar que, sendo
facultativa, a prática democrática seria mais próxima da politização do povo, comparecendo
às urnas, apenas aqueles que estão, efetivamente, engajados no processo eleitoral, dificultando
ou reduzindo, sensivelmente, práticas clientelísticas tão comuns ainda, infelizmente, em nosso
País.
Plebiscito
Palavra de origem latina (plebiscitu), ou, “consulta à plebe”. Prevista sua convocação na
atual CF, art. 49, XV, (BRASIL, 1988), é o instituto onde os eleitores são convocados à
dizerem sim” ou “não” a uma determinada proposta que lhe é apresentada. Por exemplo, em
1993, o eleitorado foi convocado para decidir sobre a forma de governo [República ou
Monarquia], assim como ao sistema de governo [Presidencialismo ou Parlamentarismo],
onde, como se sabe, a maioria da população respondeu “sim” à República e ao
Presidencialismo.
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Referendo
Acontece o referendo quando o eleitorado é chamado a se pronunciar sobre um projeto de
lei já aprovado pela Casa Legislativa. Assim, através do referendo, os eleitores podem
ratificar ou rejeitar o projeto. Está previsto no art. 14, II, da CF (BRASIL, 1988).
Iniciativa popular
A disposição da iniciativa popular está no art. 14, III, da CF (BRASIL, 1988). Assim,
uma das formas de se iniciar um projeto de lei, conforme CF, art. 61, é através da iniciativa
popular. Ela ocorre quando, de conformidade com o art. 61, § 2º, CF, no mínimo 1% [um por
cento] da população eleitoral nacional, distribuído pelo menos por cinco Estados, com não
menos de 0,3% [três décimos por cento] dos eleitores de cada um deles, subscreve o projeto
que deverá ser encaminhado à Câmara dos Deputados para passar pela tramitação do referido
projeto, até ser transformado em lei, ou rejeitado (BRASIL, 1988).
Através da iniciativa popular, os eleitores podem sentir-se mais participantes do
processo democrático, não apenas elegendo seus representantes, mas sendo, eles próprios,
sujeitos ativos do processo de criação de uma nova lei.
Princípios da elegebilidade
A atual CF não estabelece mais condições pecuniárias para que o habitante pudesse
exercer a prática democrática, como eleitor ou candidato, como nas Constituições de 1824 e
1891, que previam o sistema censitário, isto é, uma percepção anual de determinada quantia
para ser eleitor ou elegível. Citar-se-á Sodré (1989) com o fim de demonstrar a pequena
parcela da população brasileira que dispunha dos valores exigidos para cumprimento do
dispositivo legal:
O decreto de 5 de julho de 1876, já com a campanha republicana
desencadeada, declarou que o país tinha 1.486 paróquias eleitorais e 24.637
eleitores, para uma população de dez milhões de habitantes. O eleitorado,
assim, estava reduzido a 0,25% da população. Essa exigüidade mostra, entre
outras coisas, a tremenda pobreza da classe média brasileira, na época: ela
não participava do elementar direito eleitoral, próprio e privativo da classe
senhorial. (SODRE, 1989, p. 61).
A CF em vigor, estabelece no art. 14, § 3º, as condições para elegibilidade, a saber:
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I - a nacionalidade brasileira;
II - o pleno exercício dos direitos políticos;
III - o alistamento eleitoral;
IV - o domicílio eleitoral na circunscrição;
V - a filiação partidária;
VI - a idade mínima de:
a) trinta e cinco anos para Presidente e Vice-Presidente da República e
Senador;
b) trinta anos para Governador e Vice-Governador de Estados e do
Distrito Federal;
c) vinte e um anos para Deputado Federal, Deputado Estadual ou
Distrital, Prefeito, Vice-Prefeito e Juiz de Paz;
d) dezoito anos para Vereador. (BRASIL, 1988).
Também, estabelece, a CF, no mesmo art. 14, § 4º quem são os inelegíveis: “[...] os
inalistáveis e os analfabetos”. (BRASIL, 1988).
Em 1999, em visita ao Brasil, o sociólogo francês Alain Touraine fez as seguintes
afirmativas acerca da democracia: “É um erro dizer que, por não haver uma ditadura, o
conjunto da América Latina entrou em um regime democrático”; e, mais adiante, reforçou,
“Um dos esportes nacionais brasileiros é mudar de partido.”
Como se percebe, não é apenas votar e ser votado que faz um sistema democrático,
mas, sobretudo, a consciência democrática, as garantias do Estado de Direito. Ou, como
afirma Touraine (1996):
O que define a democracia não é, portanto, somente um conjunto de
garantias institucionais ou o reino da maioria, mas antes de tudo o respeito
pelos projetos individuais e coletivos, que combinam a afirmação de uma
liberdade pessoal com o direito de identificação com uma coletividade
social, nacional ou religiosa particular. A democracia não se apóia somente
nas leis, mas sobretudo em uma cultura política. (TOURAINE, 1996, p. 26).
Werneck (1989, p. 62) lembra que, no período censitário, “A fraude campeava: as
eleições assinalavam a vitória do partido que estivesse no poder.” Cita, inclusive, que
senadores eram eleitos até com 10 (dez) votos.
O Brasil dos fins do século XX e início do século XXI é diferente, pode-se
argumentar: existem até urnas eletrônicas... realmente, o País mudou, mas convém não
esquecer as observações de Touraine (1999): “Estive no morro da Mangueira e estando lá é
difícil acreditar que há um estado de Direito”.
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Cassação dos direitos políticos
A CF estabelece a vedação da cassação dos direitos políticos, salvo na previsão dos
incisos I usque V, do art. 15:
I - cancelamento da naturalização por sentença transitada em julgado;
II - incapacidade civil absoluta;
III - condenação criminal transitada em julgado, enquanto durarem seus
efeitos;
IV- recusa de cumprir obrigação a todos imposta ou prestação alternativa,
nos termos do art. 5º, VIII;
V - improbidade administrativa, nos termos do art. 37, § 4º. (BRASIL,
1988).
Como se observa, os direitos políticos são muito importantes para o Estado
Democrático de Direito, tanto assim que a cassação somente é admitida por exceção e, a
exemplo dos incisos III e V, temporariamente.
CONCLUSÕES
A prática democrática ainda não funciona como deveria no Brasil. Entretanto, este
argumento não pode ser tido como favorável à ditadura, ao autoritarismo, enfim, à toda sorte
de revés.
Se não funciona a contento, cabe aos cidadãos, no exercício pleno de seus direitos,
aperfeiçoar a democracia brasileira.
Logicamente que o Brasil não é um caso único no mundo, onde o sistema democrático
não dá mostras de seu pleno funcionamento, sendo, inclusive, questionado por intelectuais,
como Alain Touraine, conforme demonstrado.
Entretanto, mesmo com suas mazelas, a prática democrática é ainda a melhor forma de se
participar efetivamente da vida política de um país.
REFERÊNCIAS
ARANHA, Maria Lúcia de Arruda; MARTINS, Maria Helena Pires. Temas de Filosofia. 2. ed. rev.
São Paulo: Moderna, 1998.
BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília,
DF: Senado, 1988.
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BURDEAU, Georges. A democracia. Tradução Paulo António dos Anjos. 3. ed. [S.l.]:
Europa-América, 1975.
CHAUÍ, Marilena. Introdução à história da Filosofia. São Paulo: Brasiliense, 1994. v. 1.
GADOTTI, Moacir. O plano decenal e a escola. In: ABICALIL, C. A et al. O plano decenal.
Brasília: MEC, [19--?], p. 17-20.
NICOLAU, Jairo Marconi. Sistemas eleitorais: uma introdução. Rio de Janeiro: FGV, 1999.
ORWELL, George. A revolução dos bichos. São Paulo: Globo, 1990.
SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo. 14. ed. rev. atual. São
Paulo: Malheiros, 1997.
SOCIÓLOGO diz que mudar de partido no Brasil é esporte. A Tarde, Salvador, 9 nov. 1997.
SODRÉ, Nelson Werneck. A República: uma revisão histórica. Porto Alegre: UFRGS, 1989.
TOURAINE, Alain. Entrevista, 1999.
______. O que é a democracia? Tradução Guilherme João de Freitas Teixeira. Petrópolis:
Vozes, 1996.
Artigo recebido em 04/02/2003 e aceito para publicação em 31/03/2003.
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